A construção da Teoria do Indigenato: do Brasil colonial à Constituição republicana de 1988


Porrayanesantos- Postado em 06 junho 2013

Autores: 
QUEIROZ, Paulo Eduardo Cirino de

Resumo: A Constituição Federal de 1988 destinou um capítulo específico para tratar dos direitos e garantias indígenas, inaugurando, ainda, novos fundamentos para os direitos originários dos índios sobre suas terras tradicionais, pautados na dignidade da pessoa humana e na proteção à diversidade étnica e cultural da sociedade brasileira. Diante disso, busca-se compreender e analisar quais os suportes teóricos e as consequências jurídicas da tese do indigenato a fim de ter um ponto de partida que facilite a interpretação do direito indígena na nova ordem constitucional.

 

Palavras-chave: indigenato, direito originário, direito territorial indígena.


 

 

1 Introdução 

 

A imposição de regimes jurídicos aos povos indígenas pelo Estado luso-brasileiro fez-se constante em todo o processo colonial de conquista e ocupação. Os direitos dos povos nativos eram reconhecidos nos discursos teóricos e nas normas estatais, mas negado na prática pela sociedade luso-brasileira e pelo próprio sistema que, em tese, os reconhecia. Nesse contexto, admitia-se o Direito do “Outro” a partir da concepção do Direito do “Eu”, ou seja, não se reconhecia o sistema jurídico oriundo das relações indígenas a partir das concepções destes, mas sim o que o colonizador entendia por Direito. O Estado português, portanto, ditava, ao seu modo, o sistema jurídico ao qual esses povos deveriam se subordinar, fato que contribuirá significativamente para a intervenção no modo de vida das sociedades indígenas e para o espólio de suas terras, marcando, assim também, a História[1] do surgimento da Nação brasileira.

 

Não obstante, as Histórias[2] dos povos indígenas dão conta da diversidade étnica e cultural existente antes mesmo da invasão européia nestas terras. A variedade das práticas de resistência contra-hegemônicas praticamente equivaliam-se à multiplicidade das próprias nações ameríndias. Se o colonizador português buscava fazer imperar os seus institutos e modelos de organização jurídica e territorial, os povos indígenas insistiam em desconhecê-los, ou aceitá-los, ressignificando-os, sem que isso importasse em sua anulação nesses espaços. Ademais, alguns povos indígenas, visualizando as contradições do sistema colonial, apoderaram-se de seu discurso no intuito de salvaguardar-lhes parte de seus territórios tradicionais e evitarem maiores conflitos diretos (armados) com a sociedade ocidental.

 

Da colonização portuguesa à atualidade, inúmeras regras jurídicas foram impostas aos índios visando regular sua vida e organização territorial no Brasil. Algumas normas referiam-se à (privação de) liberdade do indígena[3], que decorriam de conveniências político-econômicas e de discussões acerca da própria natureza humana (existência de alma) do indígena; outras normas buscaram regular sua situação territorial, com o intuito de confiná-los a uma pequena porção de terras, para catequizá-los e “civilizá-los”, de modo a liberar espaço para as frentes econômicas da sociedade dominante, e, ao mesmo tempo, colocar à sua disposição a mão-de-obra indígena.

 

Com a formação do Estado brasileiro no início do século XIX, a idéia de organização social ocidental que se apresentava à época refletia claramente a adoção da fórmula: um Estado, uma Nação. Nesse sentido, a cúpula detentora do poder político-econômico entendia ser necessária a identificação dos habitantes do Brasil a uma única Nação, um único Povo. O mito fundador brasileiro, em que se sustenta a fusão das três raças (índio, negro e branco), surge, então, para negar a diversidade cultural existente (diversidade presente até mesmo no âmbito de cada uma dessas “raças”), afirmando, por conseguinte, a existência no país de uma só Nação – a brasileira.

 

Nota-se, desde logo, a imposição violenta de normas criadas pelo invasor e a negação das tradições, religiões, organizações sociais e territoriais e dos próprios sistemas jurídicos indígenas, causando a destruição física, cultural e espiritual de muitos povos. Não obstante, inúmeras etnias resistiram/resistem, isolando-se e/ou reconstruindo e reconfigurando seu modo de vida, possibilitando-lhes, assim, manterem vivas suas identidades étnicas e culturais.

 

A participação indígena na construção da sociedade brasileira, portanto, não desaparece logo após o período colonial, como se conta na Historia oficial, e ressurge (ou não) com o advento da Constituição de 1988. A presença indígena mostra-se nas relações sociais, nos enfrentamentos, na sua interiorização, na sua interferência nas criações normativas estatais, entre outras. Assim, inúmeras etnias indígenas resistiram/resistem, isolando-se e/ou reconstruindo e reconfigurando seu modo de vida, possibilitando-lhes, com isso, manterem vivas suas identidades étnicas e culturais.

 

Do protagonismo indígena, fez-se aprovar na Assembléia Nacional Constituinte – ANC – de 1987/88 um capítulo específico para tratar de seus direitos e garantias. Observa-se que a nova ordem jurídica, instaurada pela Lei Fundamental de 1988, rompeu com a orientação assimilacionista das normas anteriores, inaugurando, ainda, novos fundamentos para os direitos indígenas, pautados na dignidade da pessoa humana e na proteção à diversidade étnica e cultural da sociedade brasileira. Considerou-se, assim, a importância das diversas formas de expressão social, de sentir e dar sentido a vida, e as inúmeras respostas que as sociedades podem dar ao seu desenvolvimento; diversidade esta que se mostra como elemento característico da Humanidade.

 

Nesse sentido, retorna-se à questão central do papel do Estado brasileiro na proteção da diversidade étnica e cultural, cabendo, então, a ele oferecer os elementos indispensáveis para a garantia do exercício pleno do direito à diferença, ao qual, no caso das populações indígenas, a terra tradicional está intimamente relacionada. Ressalte-se, ainda, que, no concernente ao direito à terra, a Constituição o reconheceu expressamente em seu texto, cravando-lhe o status de originário, no intuito de lhe garantir maior e imediata efetividade.

 

Para uma melhor compreensão do direito originário indígena faz-se indispensável o estudo sobre a teoria do indigenato, cuja origem data da época do Brasil colonial. Dessa forma, este trabalho monográfico busca expor sucintamente acerca das normatizações lusitanas/brasileiras, desde o início da colonização até o período que antecede à Constituição de 1988, relativas à imposição de um estatuto jurídico para o reconhecimento do direito territorial dos povos nativos do Brasil[4], detendo-se, principalmente, na formação dos institutos fundadores do direito originário indígena no País e nas conseqüências jurídicas de seu reconhecimento, atentando-se, ademais, para as práticas indigenistas e para as representações sociais acerca dos índios no território brasileiro.

 

2 Direito ao aldeamento e a ser colonizado – as “benesses da civilização”: 1549 a 1755[5]  

 

O imaginário acerca do índio no século XVI focava-se, principalmente, na discussão acerca de sua natureza humana e em seu potencial de conversão ao cristianismo. Diante dessa contenda filosófica e teológica, visualizam-se duas concepções distintas: uma identificada no colono propriamente dito; e a outra, nos missionários. Os primeiros normalmente ressaltavam as práticas antropofágicas e o modo de vida diferente (do ponto de vista do colonizador), caracterizando os índios como demoníacos e bárbaros, na tentativa de lhes despir de sua natureza humana, para legitimar, assim, as guerras “justas” e as ações de extermínio e subjugação. Os missionários, por sua vez, acreditavam que, embora esses povos se encontrassem em um estado selvagem e canibal, havia neles a ingenuidade e a qualidade de “vazios” (fáceis de ser moldados), ideias associadas, respectivamente, à imagem de nudez e à aparente ausência de deus[6], o que os tornavam passíveis da conversão cristã, realizada através dos esforços da catequese eclesiástica.

 

Apesar das divergências ideológicas, os agentes da colonização convergiam em alguns de seus interesses, tais como utilização da mão-de-obra indígena, usurpação de suas terras, e a “civilização” e cristianização deles. Dessa forma, ambos concordavam que a catequese e a “civilização” desses indivíduos “incultos e bárbaros” se faziam importantes para o projeto colonizador, visto que a garantia do domínio português na região dependeria da ocupação efetiva e da disposição suficiente de mão-de-obra para o trabalho nos engenhos. Infere-se, assim, que as “representações dos índios no período colonial derivavam de visões de mundo que davam um sentido humanitário e religioso ao empreendimento colonial”[7].

 

Havia, assim, uma concordância entre os colonizadores (Coroa, administradores, colonos e missionários) acerca da importância do papel desempenhado por cada um no processo de colonização, todos indispensáveis para um maior sucesso da conquista portuguesa-cristã. Dominação física, política e espiritual encontravam-se, portanto, intimamente ligadas ao êxito do projeto colonial. Explica Manuela Carneiro da Cunha:

 

Sem fé, mas crédulos: os jesuítas imputam aos índios uma extrema credulidade, e a coisa é só aparentemente contraditória. No fundo, a fé é a forma centralizada da crença, excludente e ciumenta. A carência de fé, de lei, de rei e de razão política não são senão avatares de uma mesma ausência de julgo, de nomandismo ideológico que faz pendant a atomização política. A credulidade é uma forma de vagabundagem da fé. É por isso que a sujeição tem de se dar em todos os planos ao mesmo tempo; nisso parecem convergir afinal tanto os jesuítas, quanto os colonos e os administradores. A sujeição política é a condição da sujeição religiosa[8]. (grifos nossos).

 

Não obstante, fazia-se presente a disputa entre os colonos e os missionários pelo trabalho indígena e por terras para a colonização, que se justificavam em concepções diversas acerca do indígena, conforme identifica Oliveira & Freire:

 

[...] No Brasil, os diferentes tipos de trabalho compulsório dos índios junto aos aldeamentos expressavam os conflitos entre os projetos coloniais dos missionários e os dos colonos, pois envolviam tanto distintas visões sobre os índios, quanto a disputa sobre a posse do trabalho indígena, com a conseqüente consolidação desses respectivos projetos[9].

 

Essas representações sociais relativas ao indígena, sem dúvida alguma, influenciaram na elaboração de normas pela Coroa portuguesa. Através da legislação colonial, conseguiu-se conciliar os interesses aparentemente destoantes dos colonos e dos jesuítas, servindo um de justificativa para o outro; a força militar portuguesa subjugava os indígenas inimigos, dispondo-os à ação dos missionários, ao passo que o processo de catequese disponibilizava mão-de-obra à empresa colonial. Toda a violência empregada contra os indígenas resistentes legitimava-se no aparato normativo de Portugal, que a justificava no caráter ético e religioso da cristianização do mundo pagão[10].

 

Para harmonizar esses interesses, a legislação aplicada na Colônia passou a distinguir os habitantes nativos e a incluir ressalvas em suas regulamentações. O tratamento diferenciava-se de acordo com a identificação do indígena: “aliado” ou “inimigo”. Enquadravam-se como aliados os índios “mansos”, os que faziam trocas com o estrangeiro português e os “convencidos” a descer do sertão, para novos aldeamentos, criados com o intuito de catequizá-los e civilizá-los. Os ditos “inimigos” consistiam naqueles que se contrapunham, com medidas mais visíveis, à ocupação territorial portuguesa, combatendo ativamente os colonizadores e/ou se opondo à catequização. Assim, conforme o pensamento da metrópole, os primeiros deveriam ser convertidos à civilização e ao cristianismo, sem mais problemas; enquanto que os povos indígenas “inimigos”, “bravios”, “deviam ser submetidos militar e politicamente, escravizando-os e forçando-os ao trabalho nas fazendas coloniais, de forma a garantir o seu processo de civilização e catequização”[11].

 

A escravidão e a conquista dos povos indígenas, através das guerras justas, eram, então, legitimadas pelas normas emanadas pela Metrópole portuguesa. De acordo com a doutrina da guerra justa, oriunda do direito de guerra medieval, a Coroa e a Igreja poderiam autorizar a guerra contra os pagãos. No sec. XVI, a Coroa monopolizou esse poder de permissão, conformando-o politicamente ao projeto colonial, pois, além da evidência de costumes pagãos, dever-se-iam constatar óbices aos empreendimentos coloniais[12]. Assim, os nativos que contrariassem os interesses expansionistas e comerciais da Metrópole lusitana figurariam como seus inimigos, consequentemente, poder-se-iam, após o procedimento para a declaração de guerra justa, submetê-los ao trabalho compulsório ou, até mesmo, aniquilá-los, perfazendo-se, então, o intento de dominação territorial e produção mercantilista português. Pela Carta de Lei de 10 de setembro de 1611, observam-se as definições de índio inimigo e os procedimentos e objetivos da guerra justa:

 

Porém, succedendo caso, que os ditos Gentios movam guerra, rebellião e levantamento, fará o Governador do dito Estado, Junta, com o Bispo, sendo presente, e com o Chanceller e Desembargadores da Relação, e todos os Prelados das Ordens, que forem presentes no logar, aonde se fizer a tal Junta, e nella se averiguará, se convem, e é necessário ao bem do Estado, fazer-se guerra ao dito Gentio, e se ella é justa; e do assento, que se tomar, se me dará conta, com relação, das causas, que para isso ha, para eu as mandar ver; e approvado, que se deve fazer a guerra, se fará; e serão captivos todos os Gentios, que nella se captivarem. E porque poderá succeder, que na dilação de se esperar minha resposta e aprovação, sobre se fazer a guerra, haja perigo: hei por bem, e mando, que, havendo-o na tardança, e sendo tomado assento pela dita maneira, que se deve fazer guerra, se faça, execute o que se assentar (dando-se me comtudo conta do assento, como fica referido); e os Gentios, que se captivarem, se assentarão em livro, que para isso se fará, por seus próprios nomes, e logares donde são, com declaração de suas idades signaes e circumstancias que houver em seu captiveiro; e as pessoas que os captivarem, e a que pertecerem, os terão como captivos, sendo feitas as ditas diligências; porque não as fazendo, o não serão; e com ellas os não poderão vender, até eu ter confirmado o assento que se tomar, sobre se fazer a tal guerra; e confirmando-o eu, poderão fazer delles o que lhes bem estiver, como seus captivos, que ficarão sendo livremente; e não o confirmando, se cumprirá o que sobre isso mandar[13] [14]. (grifos nossos).

 

Outra forma de escravidão indígena legalizada pela Coroa portuguesa realizava-se mediante o “resgate” dos indígenas aprisionados por grupos rivais, e que, supostamente, aguardavam a morte em rituais antropofágicos. O resgate, também chamado de comércio de guerra, consistia no “livramento” desses índios por meio da troca, em que o resgatante poderia destinar o índio resgatado ao trabalho compulsório[15]. Posteriormente, o alvará de 1574 limitou a servidão dos índios de resgate, ou índios de corda, a 10 (dez) anos[16].

 

Quanto aos aldeamentos realizados pelos missionários, tratava-se de uma re-elaboração das aldeias indígenas em espaços cedidos pela Coroa portuguesa, geralmente próximos aos povoamentos coloniais. Os índios aldeados provinham das guerras justas, de etnias do litoral e dos “descimentos”, índios do sertão “convencidos” a aldear-se perto das vilas portuguesas. Os objetivos dos aldeamentos iam além da conversão dos indígenas ao modo de vida ocidental e à fé cristã. Serviam, sobretudo, para liberar espaço para a investida de ocupação territorial portuguesa e para suprir a mão-de-obra necessária à empresa colonial, conforme observa Perrone-Moisés:

 

O aldeamento é a realização do projeto colonial, pois garante a conversão, a ocupação do território, sua defesa e uma constante reserva de mão de obra para o desenvolvimento econômico da colônia. Como diz o Regimento das Missões de 1686, é preciso que haja nas ditas aldeias de índios, que possam ser bastantes, tanto para a segurança do Estado, e defensas das cidades, como para o trato e serviço dos moradores, e entradas dos sertões[17].

 

A Carta de Lei 10 de setembro de 1611, também, expressa alguns dos interesses envolvidos na prática dos aldeamentos. Atente-se, desde já, para as declarações de domínio sobre as terras habitadas pelos índios, bem como sobre as fazendas reservadas para os índios descidos do sertão, que serviam como abastecedoras de gêneros alimentícios e mão-de-obra para as povoações de colonos próximas:

 

E pelo muito que convém á conservação dos ditos Gentios, e poderem com liberdade e segurança morar, e commerciar com os moradores das Capitaniase para o mais, que convier a meu serviçoe beneficio das fazendas de todo aquelle Estado do Brazil, e cessarem os enganos e violências, com que muitos eram trazidos do Sertão: hei por bem, e mando que o Governador do dito Estado [...] faça, eleição das pessoas seculares [...] para serem Capitães das Aldêas dos ditos Gentios [...] e sendo eleitos, lhes darão ordem para irem ao Sertão persuadir aos ditos Gentios desçam abaixo, assim com boas palavras e brandura, como com promessas, sem lhes fazer força, nem moléstia alguma [...] E vindo os ditos Gentios o Governador os repartirá em povoações [...] limitando-lhes sitio conveniente, aonde possam edificar a seu modo, tão distantes dos engenhos e matas do páu do Brazil, que não possam prejudicar a uma cousa, nem outra. E assim lhes repartirá logares para nelles lavrarem e cultivarem [...] E os ditos Gentios serão senhores de suas fazendas nas povoações, assim, como o são na Serra, sem lhes poderem ser tomadas, nem sobre ellas se lhes fazer moléstia, ou injustiça alguma; nem poderão ser mudados contra suas vontades das Capitanias e logares, que lhes forem ordenados, salvo quando elles livremente o quizerem fazer[18] [19]. (grifos nossos).

 

No que concerne à reconfiguração dos territórios indígenas pelo Direito português, o Alvará Régio de 1º de abril de 1680 constitui-se como um marco para as delimitações das terras indígenas. Embora previsto conforme o modelo ocidental de ocupação do solo, no contexto de colonização e espoliação das nações indígenas, esse Alvará se prestará ao resguardo de parte do território indígena, formalizando, ainda, o instituto do “indigenato” no Brasil, consistente no reconhecimento do direito originário dos índios sobre suas terras:

 

[...] E para que os ditos Gentios, que assim decerem, e os mais, que há de presente, melhor se conservem nas Aldeias: hey por bem que senhores de suas fazendas, como o são no Sertão, sem lhe poderem ser tomadas, nem sobre ellas se lhe fazer moléstia. E o Governador com parecer dos ditos Religiosos assinará aos que descerem do Sertão, lugares convenientes para neles lavrarem, e cultivarem, e não poderão ser mudados dos ditos lugares contra sua vontade, nem serão obrigados a pagar foro, ou tributo algum das ditas terras, que ainda estejão dados em Sesmarias e pessoas particulares, porque na concessão destas se reserva sempre o prejuízo de terceiro, e muito mais se entende, e quero que se entenda ser reservado o prejuízo, e direito os Índios, primários e naturais senhores delas[20]. (grifos nossos).

 

Apesar da maleabilidade das normas portuguesas, às vezes vedando o cativo dos “gentios”, depois o permitindo, outrora ressalvando-o[21], observa-se que as legislações variavam segundo o contexto e os interesse envolvidos, buscando-se sempre resguardar o bom funcionamento do empreendimento colonial, ou seja, a garantia do território e o lucro para a Metrópole. Para Ângela Domingues, citada por Oliveira & Freire, essas legislações:

 

se interligam entre si, se esclarecem e clarificam: a legislação de caráter geral que estabelece e legitima os casos de escravatura dos índios por guerra justa e por resgate; a legislação específica sobre os índios, que regulamenta e normaliza as relações de dependência, de trabalho e as instituições; e um outro tipo de legislação que, ainda que de âmbito diferente, menciona, marginalmente a relação dos índios com os poderes ou os indivíduos[22].

 

Ademais, sem embargo as ressalvas expressas nas legislações coloniais referente ao cativo dos índios, o desrespeito às normas fazia parte do cotidiano da vida colonial, visto que a administração da colônia não conseguia fiscalizar eficazmente o cumprimento das leis, o que, também, nem sempre lhe interessava. Das violações, as mais habituais consistiam-se no incitamento de alguns povos para dar causa a guerra justa, nos preamentos (captura sem permissão legal) realizados por bandeirantes, e na invasão e expulsão dos indígenas de seus territórios[23].

 

Se os colonos se esquivavam das leis portuguesas, por outro lado, os indígenas, diversas vezes, reagiram à opressão e à espoliação de suas terras, utilizando-se delas, seja através dos pedidos de datas e sesmarias, como também abrigando-se nos aldeamentos temporariamente[24], sendo certo, ainda, “que os índios não se anularam nesses espaços”[25] [26], conforme demonstra Albuquerque:

 

O fato é que as lideranças, sobretudo os “principais” das Missões jesuíticas, sabia, bem dos direitos que a legislação colonial e especialmente a referente aos aldeamentos lhes proporcionavam. Por essa razão, recorriam às cartas de concessão de terras junto às autoridades da capitania[27] [28].

 

Ainda quanto à participação indígena e à criação de modos de resistência na sociedade colonial que se impunha e se construía, afirma Albuquerque:

 

Os índios são partícipes dessa dinâmica, constroem alianças e estratégias de sobrevivência, afirmando identidades, mesmo nos espaços dos “outros”, nos espaços oficiais, que também passam a lhes pertencer nas ressignificações e reconfigurações identitárias que realizam. Tudo isso em meio a grandes perdas, já que se tratava de trocas desiguais e os nativos encontravam-se num contexto de intensa dominação[29].

 

Do exposto, percebe-se que, nas legislações lusitanas, reconhecia-se a liberdade dos indígenas, embora aqueles que se rebelassem contra o projeto colonial e a conversão cristã poderiam ser combatidos e aprisionados para o trabalho compulsório nos aldeamentos ou nas fazendas. Declarava-se um direito territorial, que, todavia, era moldado pelo colonizador e, muitas vezes, estava atrelado à catequização e à civilização missionárias. Afirmava-se a soberania das nações indígenas, que, no entanto, apresentava-se, quase sempre, para possibilitar a declaração de guerra por parte da Coroa.

 

Observa-se, sobretudo, que tais atitudes não demonstram o reconhecimento da Coroa portuguesa aos direitos indígenas, mas sim, a imposição de um modelo jurídico ocidental para regular a vida, as tradições, as religiões e a organização social e territorial desses povos. Não obstante, a resistência, a reconstrução e a ressignificação pelos indígenas do outro mundo que se apresentava autoritariamente mantiveram vivas suas identidades étnicas e culturais.

 

3 A aproximação do controle do estado nas aldeias indígenas – prelúdio à criação de um órgão indigenista: 1755 a 1910[30]

 

Ainda no período Colonial, observa-se a mudança no trato entre a Coroa portuguesa e os Povos nativos do Brasil com a nomeação de Sebastião José de Carvalho e Melo, marquês de Pombal, como primeiro ministro (1750-1777) do Rei Dom José. O marquês de Pombal acreditava que o “controle da economia colonial seria o caminho da restauração da soberania comprometida e ameaçada pelas devastações da Revolução Industrial”[31]. Diante disso, buscou fortalecer o domínio econômico e político sobre as colônias portuguesas, através da restauração do monopólio comercial das colônias pela metrópole e do enfraquecimento da Igreja, visto que esta, cada vez mais, ampliava seu poder, concentrado, principalmente, nas mãos dos jesuítas. Assim, a Coroa portuguesa buscou secularizar a administração do Estado e das atividades da colônia, confiscando, ainda, as terras e os bens eclesiásticos sob sua jurisdição, expulsando, inclusive, os jesuítas do Brasil[32] e de Portugal.

 

Assim, observa-se a repercussão desses fatos no plano jurídico colonial. Através da Lei de 6 de junho de 1755, restabeleceu-se a proibição sem ressalvas da escravidão dos índios no Estado do Grão-Pará e Maranhão[33], bem como reafirmaram-se as disposições do parágrafo 44 do alvará de 1º de abril de 1680. Pelo Alvará de 7 de junho de 1755, retirou-se o poder temporal das companhias religiosas sobre as ditas aldeias de catequese e civilização, medida que possibilitou novamente o governo das aldeias pelos “principais” indígenas[34] [35]; porém, pouco tempo depois, criou-se o cargo de Diretor dos Índios, ocupado por pessoa não indígena e sem nenhuma relação com a Igreja, a quem se transferiu a competência de administração das aldeias. A política de implantação dos Diretórios dos Índios, inicialmente realizada pela Lei de 3 de maio de 1757, que se aplicava somente às povoações nativas do Estado do Grão Pará e Maranhão[36], estendeu-se ao restante do Brasil em 1758. A função de Diretor de Índios marcou fortemente a política de relações do governo com as nações nativas do Brasil, fazendo-se presente em alguns Estados, mesmo após a extinção dos Diretórios[37].

 

Consideravam-se objetivos gerais dos Diretórios: “a dilatação da fé; a extinção do gentilismo; a propagação do Evangelho; a civilidade dos índios; o bem comum dos vassalos; o aumento da agricultura; a introdução do comércio; e finalmente o estabelecimento, a opulência a total felicidade do Estado”[38]. A obrigatoriedade do uso da Língua portuguesa[39] e o incentivo a miscigenação[40], também, caracterizaram a política dos Diretórios.

 

Em relação à regulamentação das terras ocupadas pelos indígenas, por mandamento da lei de 6 de junho de 1755, revigoraram-se as disposições do parágrafo 44 do alvará de 1º de abril de 1680, sustentando-se, ademais, “os índios [...] no inteiro domínio e pacífica posse das terras [...] para gozarem delas por si e todos seus herdeiros”[41].

 

Faz-se mister observar, portanto, que as legislações coloniais resguardavam, a sua maneira, o direito territorial dos índios tanto nos sertões em que se encontravam, como nas fazendas formadas pelos aldeamentos, garantindo-lhes, sobretudo, a hereditariedade coletiva dessas terras. Nota-se, também, que esse direito indígena prevalecia sobre todos os títulos aquisitivos de propriedade existentes, não importando a data da aquisição, antes ou depois da ocupação indígena, pois se reservava “sempre o prejuízo de terceiro” ante o “direito dos Índios, primários e naturaes senhores dellas”. Sob essas noções fundamentais, alicerçar-se-á o instituto do indigenato, arcabouço jurídico do direito originário dos índios sobre as terras que ocupam.

 

Embora o direito territorial indígena constasse em lei, a criação de outras normas com o intuito de torná-lo ineficaz socialmente constituiu, e constitui, uma das práticas mais comuns na sociedade brasileira. Merece destaque a Carta Régia de 2 de dezembro de 1808, que declarou o caráter devoluto das terras conquistadas em guerra justa e permitiu, novamente, a servidão indígena. Ressuscita-se, então, a doutrina da guerra justa, já abolida do território brasileiro há algum tempo, atualizando-a conforme os novos interesses vigentes. Antes utilizada no intuito primeiro de capturar indígenas para servirem como mão-de-obra escrava; agora, presta-se, principalmente, para legitimar a expulsão dos índios de suas terras[42]. Com isso, praticamente todos os indígenas tornaram-se “inimigos”, visto que esse status configurava uma escusa formal para o espólio das terras dos povos nativos[43].

 

Com a promulgação da Lei n. 601, de 18 de setembro de 1850, que dispôs sobre as terras devolutas do Império, emergiram-se inúmeras confusões práticas, propositais na maioria das vezes, quanto ao reconhecimento das terras indígenas.

 

Primeiramente, deve-se perceber que, no Brasil, predominou-se a aquisição de terras por meio de cessão de sesmarias e, depois, por meio de compra[44]. Prevaleceu, então, o contrato como título aquisitivo do domínio da terra; qualquer outra forma de aquisição configurava-se, portanto, exceção, como acontecia com a posse indígena, cujo título (indigenato) se legitimava na simples ocupação indígena. Diante dessa situação, surgia o problema: como provar o direito sobre aquelas terras se, na maioria das vezes, não havia registro documental algum?

 

A lógica que se fez predominar (impor) pelas oligarquias brasileiras no direito positivo pátrio considerava o registro de propriedade da terra indispensável para a constituição do direito[45]. Assim, como a maioria dessas terras não possuía registro, porquanto legitimadas pelo indigenato, que o dispensava, muitas pessoas aproveitaram-se da situação para se apossarem das terras indígenas, alegando o estado devoluto da área, em razão da ausência de seu registro cartorial. A falta de documento facilitou, então, o espólio das terras indígenas pelas elites latifundiárias próximas, que não reconheciam o direito territorial desses povos, mesmo existindo leis o resguardando. Ademais, o acúmulo de poder dessas oligarquias fazia com que a situação se apresentasse conforme seus interesses, “criando posses e formandos registros, invadindo e expulsando à força os aldeados”[46] [47].

 

Entretanto, consoante o art. 3º da Lei n. 601/1850, as terras devolutas compreendiam:

 

§ 1º As que não se acharem applicadas a algum uso publico nacional, provincial, ou municipal.

 

§ 2º As que não se acharem no dominio particular por qualquer titulo legitimo, nem forem havidas por sesmarias e outras concessões do Governo Geral ou Provincial, não incursas em commisso por falta do cumprimento das condições de medição, confirmação e cultura.

 

§ 3º As que não se acharem dadas por sesmarias, ou outras concessões do Governo, que, apezar de incursas em commisso, forem revalidadas por esta Lei.

 

§ 4º As que não se acharem occupadas por posses, que, apezar de não se fundarem em titulo legal, forem legitimadas por esta Lei[48].

 

Assim, observa-se que, mesmo sem registro, as terras indígenas legitimavam-se pelo indigenato, título legal instituído pelo Alvará de abril de 1680 e confirmado pela Lei de 6 de junho de 1755, o que afastava, consequentemente, o caráter devoluto da terra. Assim afirma Tourinho Neto:

 

Se os índios eram os donos das terras, de acordo com o Alvará Régio de 1680 - não revogado -, as terras que não foram dadas por sesmarias nem as perdidas por força de guerra justa não poderiam ser consideradas devolutas. Achavam-se elas no domínio particular dos índios, por título congênito, independente de legitimação[49].

 

Não obstante o reconhecimento da posse indígena pela Lei n. 601/1850, o art. 12[50] dessa lei destinava ainda terras devolutas à ocupação dos índios, reservadas pelo Governo, com nítida função assimilacionista.

 

A ideia de transitoriedade do direito dos indígenas surge pela primeira vez na Decisão n. 92, de 21 de outubro de 1850, do Ministério do Império, que determinava a incorporação das terras dos índios que já não viviam aldeados aos bens da União. Assim, os índios considerados integrados à comunhão nacional perderiam a condição de indígena, desconstituindo, consequentemente, o direito a suas terras. Observa-se, portanto, a terra indígena consubstanciada à finalidade de “civilização” desses povos. O direito indígena duraria, então, o tempo necessário a sua civilização e integração à sociedade nacional.  

 

Contudo, o Decreto n. 1.318, de 30 de janeiro de 1854, que regulamentou a lei de terras, contrariando a intenção da decisão imperial, realçou a destinação para o usufruto indígena e a impossibilidade de alienação dessas terras pelos índios em razão do “seu estado de civilisação”, apontando, ademais, para a concessão definitiva dessas terras aos seus ocupantes índios quando compreendessem as relações civis da sociedade dominante[51]

 

A Constituição de 1891 omitiu-se a respeito dos direitos indígenas, não trazendo nenhuma alteração nas relações sociais e jurídicas relativas aos povos indígenas, como expressa João Mendes Júnior: “quer em relação a direitos individuaes e políticos, quer mesmo nas relações estrictamente administrativas, os índios, na República, não passaram por alteração alguma”[52]. Todavia, em seu art. 83, dispôs que continuavam em vigor “as leis do antigo regime, no que explícita e implicitamente não for contrário ao sistema de governo firmado pela Constituição e aos seus princípios nela consagrados”. Dessa forma, a lei de terras e a Lei de 6 de junho de 1755 (Alvará de 1º de abril de 1680) permaneceriam vigentes no período republicano até disposição contrária.

 

Embora não tenha tratado diretamente acerca dos povos indígenas, o art. 64 da Constituição de 1891 conferiu as terras devolutas aos Estados-membros, corroborando para a continuidade e a intensificação do esbulho e expulsão dos indígenas de seus territórios, visto que as oligarquias fundiárias passariam a controlar, através do governo do Estado, a concessão das terras devolutas, em que, quase sempre, inseriam-se indevidamente as terras indígenas.

 

4 O regime tutelar e o interesse da união sobre as terras indígenas: 1910 a 1988

 

A partir de 1910, observa-se uma nova política do Estado em relação com os povos indígenas. Sob forte influência dos ideais positivistas e das ações do militar e sertanista Cândido Rondon, em 20 de junho, instituiu-se um órgão estatal específico para cuidar da questão indígena no país, o Serviço de Proteção aos Índios e Localização de Trabalhadores Nacionais (SPILTN), com o objetivo de fornecer assistência e “civilizar” os povos indígenas, transformando-os em trabalhadores nacionais.

 

Observa-se, desde sua criação, as contraditórias prioridades e objetivos do órgão, que, ao se identificar como mediador nas relações entre índio e sociedade envolvente e índios e o próprio Estado, assumia interesses divergentes e, de modo algum, despia-se da carapuça etnocêntrica. Ao analisar os problemas dos índios na ótica do Estado e da economia, associa-se a resolução da questão indígena à insuficiência de mão-de-obra nos novos empreendimentos capitalistas, objetivando, então, torná-los trabalhadores pelo o bem deles e do desenvolvimento da Nação.

 

A laicização das ações indigenistas permanecia vigente, agora sob o viés republicano de separação Estado-Igreja. A concepção de índio como condição transitória do ser continuava constituindo o cerne da ação civilizatória, que pretendia inseri-los gradualmente ao modo de vida “civilizado”, tornando-os, assim, aptos a apreender um ofício e a defender a nação.

 

Em razão da administração da vida indígena pelo SPI, formalizou-se no Código Civil de 1916 o regime tutelar, em que o órgão estatal mediaria a relação dos índios com a sociedade nacional. A administração dos bens indígenas, neles incluídas as terras, passou a ser realizada por funcionários do Estado. O que deveria consistir em respeito e proteção à cultura e às terras indígenas demonstrou, ao contrário, a repressão às práticas tradicionais e o espólio de suas terras. Essa situação configurou o denominado “paradoxo da tutela”, em que se questiona o papel do Estado como mediador das relações entre a sociedade e os índios: o “tutor existe para proteger o indígena da sociedade envolvente ou para defender os interesses mais amplos da sociedade junto aos indígenas?”[53]. Assim, apresenta-se o indigenismo brasileiro do século XX, paradigmas (tutela e integração) que irão perdurar até a Constituição de 1988, muito embora se façam ainda permanentes nas representações sociais relativas a esses povos[54].

 

No tocante às terras indígenas, de acordo com o art. 2, § 2º, do Decreto 8.072/1910, a assistência do SPILTN compreendia a proteção da posse dos territórios indígenas, prevendo, também, a recuperação dos territórios usurpados, a reserva de terras devolutas para a colonização indígena e a regularização das posses atuais e das antigas concessões territoriais[55].

 

Quanto às leis fundamentais no período republicano, com a exceção da primeira (Constituição Federal de 1891) todas as outras reconheceram expressamente a posse indígena[56]. Assim, a Constituição Federal de 1934[57] inaugurou o reconhecimento constitucional dos direitos territoriais indígenas, fazendo-se repetir a proteção e respeito da posse indígena a partir de então, havendo os diplomas de 1937[58] e 1946[59] apresentado praticamente o mesmo texto legal.

 

Da Constituição de 1934 a 1946, extraem-se quatro pontos principais: a orientação para integração dos índios à comunhão nacional[60]; a imposição do respeito às posses indígenas; o reconhecimento condicionava-se a uma ocupação permanente (duradoura); e a proibição aos índios de alienarem suas terras.

 

Com a Constituição de 1967, observam-se duas mudanças importantes: a primeira configura-se na alteração do sentido da expressão “posse permanente”; que passou de pressuposto para o reconhecimento da posse indígena, figurativo de posse antiga, ao significado de segurança dos direitos territoriais para o futuro. A segunda se trata do reconhecimento do direito ao usufruto exclusivo dos recursos da natureza e de suas utilidades[61]. Não obstante a garantia da hereditariedade coletiva das terras indígenas, imperavam, ainda, o paradigma da assimilação e, implícita e contraditoriamente, a transitoriedade desses direitos.

 

A Emenda Constitucional n. 1, de 17 de outubro de 1969, reafirma as disposições da Constituição de 1967, bem como a inova em alguns aspectos. Vejamos:

 

Art. 198. As terras habitadas pelos silvícolas são inalienáveis nos têrmos que a lei federal determinar, a êles cabendo a sua posse permanente e ficando reconhecido o seu direito ao usufruto exclusivo das riquezas naturais e de tôdas as utilidades nelas existentes.

 

§ 1º Ficam declaradas a nulidade e a extinção dos efeitos jurídicos de qualquer natureza que tenham por objeto o domínio, a posse ou a ocupação de terras habitadas pelos silvícolas.

 

§ 2º A nulidade e extinção de que trata o parágrafo anterior não dão aos ocupantes direito a qualquer ação ou indenização contra a União e a Fundação Nacional do Índio[62](grifos nossos).

 

Primeiramente, percebe-se que a cláusula de inalienabilidade não se restringe mais aos indígenas, impondo-se também à União. Nota-se que a ampliação do conceito fazia-se necessária, visto que a disposição e as negociações das terras indígenas pelo órgão indigenista constituíam práticas habituais. Contudo, tal medida não expurgou a prática de espoliação das terras indígenas, que continuou a ocorrer seja com o SPI, seja, posteriormente, com a Fundação Nacional do Índio – FUNAI.

 

A EC/1969 determinou, também, a declaração de nulidade e extinção “dos efeitos jurídicos de qualquer natureza que tenham por objeto o domínio, a posse ou a ocupação de terras habitadas pelos silvícolas”, características relevantes para a efetivação dos direitos territoriais indígenas, pois se confirma expressamente o caráter originário do direito dos índios sobre os territórios que ocupam, no intuito de mitigar a concessão de títulos de propriedade em terras indígenas e de negar e fazer cessar as usurpações dessas terras[63].

 

Ressalte-se ainda que, desde a Constituição Federal de 1967, incluíram-se as terras indígenas nos bens da União. Consequentemente, esta passaria a atuar e a fiscalizar mais efetivamente o respeito à posse indígena, pois a manutenção da ocupação indígena lhe garantiria o pleno controle desses territórios. Assim, o objetivo inicial dessa mudança deveu-se à ambição do Governo Federal pelo domínio das grandes extensões das terras indígenas, visto que, com a integração dos índios à comunhão nacional, cessar-se-iam os direitos deles sobre as terras ocupadas, reservando-se o direito das terras à União, que poderia, então, distribuí-las de acordo com sua conveniência. Contudo, a ruptura paradigmática da Constituição de 1988 com a orientação assimilacionista frustrou as expectativas da União, garantindo, todavia, a posse permanente dos indígenas sobre suas terras tradicionais[64].

 

Por fim, quanto à Lei n. 6.001, de 19 de dezembro de 1973, estabeleceu-se a distinção entre os índios de acordo com o grau de contato com a sociedade hegemônica para diferenciar a aplicação da lei. Assim, a lei discriminou os indígenas em: isolados, os que viviam “em grupos desconhecidos ou de que se possuem poucos e vagos informes através de contatos eventuais com elementos da comunhão nacional”[65]; em via de integração, os que “em contato intermitente ou permanente com grupos estranhos”, conservaram “parte das condições de sua vida nativa, mas aceitam algumas práticas e modos de existência comuns aos demais setores da comunhão nacional”[66]; e integrados, aqueles considerados “incorporados à comunhão nacional e reconhecidos no pleno exercício dos direitos civis, ainda que conservem usos, costumes e tradições característicos da sua cultura”[67].

 

O Estatuto do Índio regulou, ainda, outras espécies de terras indígenas, constituídas por meio de áreas reservadas pela União, que se destinavam aos índios de acordo com o seu grau de integração, nas seguintes modalidades: reserva indígena; parque indígena; colônia agrícola indígena; e território federal indígena[68].

 

Percebe-se, portanto, neste período (1910 – 1988), a predominância das representações civilizatórias das nações indígenas, que os viam em transição para o estágio mais avançado da humanidade, local ocupado pela sociedade branca ocidental. Ademais, essa concepção entrelaçava-se aos grupos políticos econômicos interessados nas terras indígenas, porquanto compreendia-se que a integração do indígena consequentemente desconstituiria os direitos sobre as terras que ocupavam. 

 

5 Indigenato: a fonte do direito originário

 

As discussões acerca do direito dos povos nativos sobre as terras que ocupam não ocorreram somente em Portugal a respeito das relações com as sociedades nativas da colônia Brasil. Esse tema enfrentou vigorosos debates em grande parte da Europa. Essas preocupações já se apresentam há algum tempo em outras sociedades, como, por exemplo, na Grécia de Aristóteles, conforme relata João Mendes Júnior:

 

[...] já os philosophos gregos affirmavam que o “indigenato” é um título “congênito”, ao passo que a “ocupação” é um título “adquirido”. Comquanto o “indigenato” não seja a “única” verdadeira fonte jurídica da posse territorial, todos reconhecem que é, na phrase do Alv. de 1º de abril de 1680, “a primária, naturalmente e virtualmente reservada”, ou, na phrase de ARISTÓTELES (Polit., I, n. 8) – um “estado” em que se acha cada ser a partir de seu nascimento. Por conseguinte, o “indigenato” não é um facto dependente de legitimação, ao passo que a “ocupação”, como facto posterior, depende de requisitos que a legitimem[69].

 

Na Europa, o espanhol Francisco de Vitória, buscando justificar o direito territorial dos Povos nativos da “América hispânica”, afirmava que “por si mesmo (o direito de descoberta) não justifica a posse (espanhola) sobre esses bárbaros mais do que se eles houvessem descoberto a nós”[70].

 

O reconhecimento das terras ocupadas pelos nativos e da respectiva soberania se deu, sobretudo, nos Estados europeus que não se beneficiaram com a divisão do Novo Mundo entre Espanha e Portugal. Tal reconhecimento servia perfeitamente para justificar uma nova colonização por parte desses países, pois, ao reconhecer a soberania dos povos indígenas sobre seus territórios, consequentemente, desconsideravam o direito de descoberta. Assim,  colocavam-se em condição de igualdade com Espanha e Portugal num suposto direito de conquistar e ocupar os vazios territoriais no novo continente.

 

No que concerne ao Brasil, a teoria do indigenato foi instituída por meio do Alvará de 1º de abril de 1680, confirmado pela Lei de 7 de junho de 1755. Esta lei afirmava o direito originário dos índios às terras que ocupassem:

 

[...] E para que os ditos Gentios, que assim decerem, e os mais, que há de presente, melhor se conservem nas Aldeias: hey por bem que senhores de suas fazendas, como o são no Sertão, sem lhe poderem ser tomadas, nem sobre ellas se lhe fazer moléstia. E o Governador com parecer dos ditos Religiosos assinará aos que descerem do Sertão, lugares convenientes para neles lavrarem, e cultivarem, e não poderão ser mudados dos ditos lugares contra sua vontade, nem serão obrigados a pagar foro, ou tributo algum das ditas terras, que ainda estejão dados em Sesmarias e pessoas particulares, porque na concessão destasse reserva sempre o prejuízo de terceiro, e muito mais se entende, e quero que se entenda ser reservado o prejuízo, e direito os Índios, primários e naturais senhores delas[71].

 

[...] Sustentando-se os índios [...] no inteiro domínio e pacífica posse das terras [...] para gozarem delas por si e todos seus herdeiros[72] (grifos nossos).

 

O invasor, ao  regular as organizações e as ocupações territoriais indígenas, reconhecia, sob o prisma do modelo jurídico ocidental, o direito territorial indígena. Contudo, apesar de se tratar da imposição de um sistema jurídico estrangeiro, impôs-se a prevalência da posse indígena sobre qualquer outro título aquisitivo, não importando se a ocupação indígena precedia ou não ao título. Preferiu-se, portanto, o direito à terra dos índios, aos quais sempre se reservava, porquanto serem, “os Índios, primários e naturais senhores delas”. Nesse sentido, entende Marco Barbosa:

 

Com o Alvará Régio de 1º de abril de 1680 e com a Lei de 6 de junho de 1755, instituiu-se,de lege, no período colonial, por disposição do governo central, que o direito de particulares sobre terras no Brasil só seria válido desde que nas terras adquiridas não existisse índios, não cogitando se a habitação indígena é anterior ou posterior ao título adquirido pelos particulares[73].

 

Nota-se, ainda, que o reconhecimento se fazia também em relação aos aldeamentos artificialmente criados pelo invasor, onde se alocavam os índios descidos do sertão e de outras regiões.  Daí se extrai que, desde o início da colonização do Brasil, o fundamento do direito indígena não depende da aferição de ocupação imemorial sobre a terra, mas sim do simples fato de ser indígena.

 

Fica nítido, então, que o “indigenato”, desde sua origem, não se vincula à posse imemorial. Isso desfaz toda a confusão feita por muitos juristas acerca da relação entre a posse indígena e o caráter histórico da ocupação como pressuposto para o reconhecimento do direito dos índios sobre suas terras tradicionais. A expressão “originais senhores delas” foi conferida pelo colonizador português de forma genérica, referindo-se à terra em sentido amplo (continente “descoberto”). Assim, considerou-se a totalidade das populações indígenas como habitantes originários do “Novo Mundo”.

 

Importante ressaltar ainda que, desde a Lei de 6 de junho de 1755, o reconhecimento das terras indígenas goza de caráter permanente, uma vez que são reservadas aos índios “para gozarem delas por si e todos seus herdeiros”[74]. Na origem do indigenato, não há, portanto, nenhuma menção à transitoriedade desse direito, como se a concretização da pretensa assimilação do mundo ocidental pelos povos nativos ultimasse o direito à terra. Muito pelo contrário, o direito brasileiro sempre lhes conferiu uma destinação vitalícia, que perdura na descendência indígena, configurando-se em uma hereditariedade étnico-coletiva ad eternum.

 

Acrescente-se, por fim, que os dispositivos constitutivos do indigenato (do período colonial) reconheceram o senhorio dos índios sobre as terras que ocupam, a abranger, inclusive, a soberania desses povos sobre elas, o que justificava o não pagamento de foro ou de tributo sobre essas terras.

 

6. Conclusão

 

Da colonização portuguesa à atualidade, inúmeras regras jurídicas foram impostas aos índios visando regular sua vida e organização territorial no Brasil. Algumas normas referiam-se à (privação de) liberdade do indígena, que decorriam de conveniências político-econômicas e de discussões acerca da própria natureza humana (existência de alma) do indígena; outras normas buscaram regular sua situação territorial, com o intuito de confiná-los a uma pequena porção de terras, para catequizá-los e “civilizá-los”, de modo a liberar espaço para as frentes econômicas da sociedade dominante, e, ao mesmo tempo, colocar a sua disposição mão-de-obra indígena.

 

Todavia, desde essa época, considerou-se a existência dos direitos territoriais dos povos nativos, sendo, no entanto, constituídos ao modo europeu de utilização e delimitação territorial. O indigenato era o instituto que declarava o reconhecimento do direito dos índios as suas terras, reservando-se sempre o prejuízo de terceiros, visto que os considerava primeiros e senhores naturais dessas terras. Não obstante, a realidade nas relações entre as sociedades “brancas” e “indígenas” demonstraram o desrespeito pelas próprias leis do sistema jurídico hegemônico.

 

Assim, fez-se necessário que os povos indígenas se organizassem sob novas formas para se opor e fazer garantir a sua existência enquanto povo com organização social, normatizações, costume, tradições próprias. A mobilização dos indígenas, com o apoio de organizações indigenistas, obteve bons resultados na positivação constitucional dos direitos indígenas, fazendo-se aprovar, na Constituição Federal de 1988, um capítulo específico para tratar das garantias dos povos indígenas. Observa-se, ademais, que a nova ordem jurídica instaurada pela Lei Fundamental de 1988 inaugura novos fundamentos para os direitos indígenas, pautados na dignidade da pessoa humana e na proteção à diversidade étnica e cultural da sociedade brasileira.

 

Rompeu-se, então, com a orientação assimilacionista presente nas legislações anteriores, consagrando o direito à diferença. As diversas formas de expressão social, de sentir e dar sentido à vida, e as inúmeras respostas que as sociedades podem dar ao seu desenvolvimento foram consideradas de suma importância para a sociedade. Nesse sentido, retornou-se à questão central do papel do Estado brasileiro na proteção da diversidade étnica e cultural. A mera tolerância das diferentes práticas sócio-culturais não mais condiz com a necessidade de vivência étnica e cultural desses povos; por isso impôs-se ao Estado o dever de garantir e proporcionar os elementos necessários para que possam viver plenamente sua cultura, tornando-se, então, indispensável a efetivação dos inúmeros direitos concatenados ao direito à diferença, tais como o direito à autodeterminação, à autonomia, à participação, aos territórios tradicionais e ao seu controle, e à educação diferenciada.

 

Contudo, apesar da instauração de um novo paradigma no campo de proteção aos direitos indígenas, o estudo do instituto do indigenato ainda se faz necessário para compreender a consolidação do direito indigenista sobre as terras indígenas, conferindo ao interprete da norma um aprofundamento teórico e histórico acerca do direito originário indígena, o que lhe servirá de base para interpretação e aplicação dos direitos indígenas previstos na Constituição da República de 1988.

 

Em suma, o direito territorial atribuído ao indigenato tem como fundamento o fato de os índios serem os primeiros habitantes e naturais senhores da terra; estabelecendo-se a primazia desse direito sobre qualquer outro. Assim, o título do indigenato (posse indígena) prevalece sobre todos os outros títulos, porquanto se trata de direito originário. Nesse sentido, reunidos os elementos que o caracterizem (ocupação tradicional indígena), declaram-se extintos e nulos eventuais direitos de terceiros, não importando a data da ocupação indígena, “porque na concessão destas [terras] se reserva sempre o prejuízo de terceiro”[75]. Trata-se de um direito perpétuo, garantido aos indígenas para a sua continuidade como povos com relações identitárias pré-colombianas.

 

Referências 

 

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Notas:

[1] Utilizou-se a palavra “História” no sentido de história oficial, isto é, aquela tida como a única verdadeira pelo Estado .

[2] Diversamente, a palavra “Histórias” foi usada para se contrapor à versão oficial, ressaltando, sobretudo, a multiplicidade de povos e culturas indígenas, cada um com suas próprias histórias e visão de mundo. 

[3] A palavra “indígena”, embora utilizada de modo generalizante, deve ser compreendida em sua complexidade, abrangendo a heterogeneidade cultural desses povos; todavia, unidos e organizados em torno de um luta em comum.

[4] Deve-se ficar claro que o direito imposto aos indígenas distinguia-se das normas e práticas de reconhecimento territorial dos diversos povos nativos habitantes desta região. Não se tratava, ademais, de benemerência do português invasor ou, posteriormente, do governo brasileiro,  mas de conveniência política e econômica, com intenções distintas de acordo com o seu tempo, mas sempre imbricadas aos interesses do colonizador.

[5] Em razão da diversidade de relações entre os povos indígenas e a sociedade luso/brasileira desde o contato à atualidade, dificultando a abordagem das legislações pelos períodos consagrados na didática da História do Brasil (Colônia, Império e República), adotou-se, por conveniência, a divisão presente na obra de Oliveira & Freire: 1549-1755; 1755-1910; 1910-1988. Ressalte-se, entretanto, que esta divisão também não enquadra um único modelo de relacionamento para cada intervalo de tempo, como reconhecem os próprios autores. Cf. OLIVEIRA, João Pacheco de; FREIRE, Carlos Augusto da Rocha. A presença indígena na formação do Brasil. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade; LACED/Museu Nacional, 2006.

[6] CUNHA, Manuela Carneiro da. Imagens de Índios do Brasil: O Século XVI. Estudos Avançados, vol. 4, n. 10. São Paulo, set/dez. 1990, p. 93. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid= S0103-40141990000300005&lang=pt>. Acesso em: 22 mai. 2010.

[7] OLIVEIRA; FREIRE, op. cit., p. 28.

[8] CUNHA, op. cit. , p. 106.

[9] OLIVEIRA; FREIRE, op. cit., p. 30.

[10] Ibid., p. 35.

[11] OLIVEIRA; FREIRE, op. cit., p. 35.

[12] Ibid., p 36-37.

[13] PORTUGAL. Carta de Lei de 10 de setembro de 1611. Declara a Liberdade dos Gentios do Brasil, exceptuando os tomados em Guerra Justa. Disponível em: < http://iuslusitaniae.fcsh.unl.pt/verlivro.php?id_parte=94&id_obra=63&pag.... Acesso em: 20 mai. 2010.

[14] Após a agitação dos moradores da Capitania do Maranhão decorrente da proibição do cativo de índios, o Rei reestabeleceu a possibilidade para os casos de guerra justa, ampliando-a ainda mais, conforme a Provisão de 17 de outubro de 1653: “[...] resolvi que póde e deve haver captiveiro d’aqui em diante, as quaes são as seguintes: Preceder guerra justa: e para se saber se o é, há de constar que o dito gentio livre, ou vassalo meu, impedio a prégação do Sagrado Evangelho, e deixou de defender as vidas e fazendas de meus Vassallos em qualquer parte: Haver-se lançado com os inimigos da minha Corôa, e dado ajuda contra os meus Vassallos. Exercitar latrocínios por mar e por terra, infestando os caminhos, salteando, ou impedindo o commercio e trato dos homens, para suas fazendas e lavouras. Se os Indios meus súbditos faltarem ás obrigações que lhes foram postas e aceitadas nos principios das suas conquistas, negando os tributos, e não obedecendo quando forem chamados para trabalharem em meu serviço, ou para pelejarem com os meus inimigos. Se comerem carne humana, sendo meus súbditos. E precedendo as taes clausulas, ou cada uma dellas, sou servido se lhe possa fazer justamente e captivai-vos [...]”. (PORTUGAL. Provisão de 17 de outubro de 1653. Liberdade dos Índios do Maranhão. Disponível em: < http://iuslusitaniae.fcsh.unl.pt/verlivro.php?id_parte=100&id_obra=63&pa.... Acesso em: 20 mai. 2010).

[15] Encontra-se menção a essa prática na Carta de Lei de 1611 – “E porque tenho intendido que os ditos Gentios tem guerras uns com os outros, e costumam matar e comer todos os que nellas se captivam, o que não fazem, achando que lh’os compre; desejando prover com remédio ao bem delles, e salvação de suas almas, que se deve antepor a tudo; e considerando, como é certo, que nenhuma pessoa quererá dar por eles cousa alguma, não lhe havendo de ficar sujeitos: hei por bem, que sejam captivos todos os Gentios, que estando presos e captivos de outros para os comerem, forem comprados [...] com declaração, que, não passando o preço, por que os taes Gentios forem comprados, da quantia que o Governador com os adjunctos declarar, serão captivos sómente por tempo de dez annos, passados elles, ficarão livres, e em sua liberdade; e os que forem comprados por mais, ficarão captivos, como dito é”. Disponível em: <http://www.iuslusitaniae.fcsh.unl.pt>. Acesso em: 20 mai. 2010.

[16] OLIVEIRA; FREIRE, op. cit., p. 40.

[17] PERRONE-MOISÉS, Beatriz. Índios livres e índios escravos: os princípios da legislação indigenista do período colonial (séculos XVI a XVIII). In: CUNHA, Manuela Carneiro da. História dos Índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1992, p. 120.

[18] Cf. Carta de Lei de 10 de setembro de 1611.

[19] O Alvará de 30 de julho de 1609 já declarava o senhorio dos índios sobre as suas terras: “e assim se registrará nos Livros da Relação do Brazil, e em todos os das Provedorias, e Capitanias daquelle Estado; e se enviará ao Sertão, e terras, aonde os ditos gentios moram, para vir á noticia de todos, e como os hei, e declaro a todos por livre, e senhores de suas fazendas, para com mais facilidade poderem commerciar nas ditas Capitanias” (PORTUGAL.Alvará de 30 de julho de 1609. Proíbe o Cativeiro dos Gentios do Brasil e providencia acerca dos mesmos Gentios. Disponível em: < http://iuslusitaniae.fcsh.unl.pt/verlivro.php?id_parte=94&id_obra =63&pagina=801>. Acesso em: 20 mai. 2010). Ressalte-se, outrossim, que tal medida não reconhece o direito territorial indígena, pois se ignoram as normatizações e a dinâmica da ocupação territorial dos indígenas. O que houve, portanto, foi a imposição do modelo ocidental de ocupação do solo (espaços delimitados – fazendas), juntamente com os valores utilitaristas e pragmáticos, tendo a terra função única de produção mercantilista.

[20] O parágrafo 44 do Alvará de 1º de abril de 1680 aplicava-se somente ao Estado do Maranhão e Grão Pará. Desse alvará, o texto do parágrafo 44 e as disposições sobre a liberdade dos indígenas fizeram-se constantes na Lei de 6 de junho de 1755 (PORTUGAL. Lei de 6 de junho de 1755 Para se restituir aos índios do Pará e Maranhão a liberdade de suas pessoas e bens. Disponível em: < http://iuslusitaniae.fcsh.unl.pt/verlivro .php?id_parte=105&id_obra =73&pagina=506>. Acesso em: 20 mai. 2010).

[21] De acordo com a Provisão de 5 de julho de 1605, estabeleceu-se que “em nenhum caso se podessem captivar os gentios do Brazil; porque, com quanto houvesse algumas razões de direito para se poder em alguns casos introduzir o dito captiveiro, eram de tanto maior consideração as que havia em contrario, especialmente pelo que tocava á conversão dos gentios á nosso Santa Fé Catholica, as quaes se deviam antepor a todas as mais. O Alvará de 30 de julho de 1609 mantém a dita proibição. Na Carta de Lei de 10 setembro de 1611, observa-se, outra vez, as ressalvas quanto à guerra justa e ao resgate de índios. O Alvará de 1º de abril de 1680 proíbe, novamente, toda espécie de cativeiro, sendo, no entanto, revogado pelo Alvará de 28 de abril de 1688, devido ao descontentamento dos colonos da Capitania do Maranhão. Somente com o advento da Lei de 6 de junho de 1755, restaurando o Alvará de 1º de abril de 1680 e ampliando sua validade para toda a Colônia, será novamente vedado qualquer forma de escravidão de índios. Legislações extraídas do portal Ius Lusitaniae – Fontes Históricas de Direito Português. Disponível em: <http://www.iuslusitaniae.fcsh.unl.pt>. Acesso em: 20 mai. 2010.

[22] DOMINGUES, 2000, apud OLIVEIRA; FREIRE, op. cit., p. 36.

[23] Nota-se no Alvará de 30 de julho de 1609, que a Coroa Portuguesa conhecia o descaso dos colonos pelas leis, mandando, inclusive, realizar diligências que cessassem essas atitudes; no entanto, o cativo e a incitação de guerras justas continuaram, visto que a administração da justiça na Colônia era ineficiente. “Eu EL-REI Faço saber aos que esta lei virem, que, sendo o Senhor Rei Dom Sebastião, meu Primo, que Deus tem, informado dos modos ilícitos com que nas partes do Brazil se captivaram os gentios, e dos grandes inconvenientes que disso resultavam [...] E El-Rei meu Senhor, que Santa Glória haja, por atalhar os meios peleados, de que os moradores do Brazil usavam, para, com pretexto de justa guerra, os captivarem, houve por bem de revogar a dita Lei, por outra, que fez em 11 de Novembro do anno de 1595 [...]”. Cf. Alvará de 30 de julho de 1609.

[24] Deve-se, portanto, realçar as inúmeras e criativas formas de defesa praticadas pelos indígenas, tais como a utilização do aldeamento como forma de proteção provisória da perseguição dos colonos, as constantes fugas, a oposição à conversão ante as atitudes contrárias ao seu modo de vida.

[25] ALBUQUERQUE, Manuel Coelho. Seara indígena: deslocamentos e dimensões identitárias. 2003. 162fl. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2002, p. 107.

[26] Muitos mantêm até hoje seus traços culturais, valores e visão de mundo. É evidente que houve mudanças e ressignificações, mas isso faz parte da dinâmica de toda e qualquer cultura, principalmente, quando há intenso contato intercultural, o que, entretanto, não significa necessariamente a perda da identidade étnica e cultural de um dos povos em contato.

[27] Ibid., p. 116.

[28] Interessante também é a utilização dos valores portugueses para embasar o pedido, em que se escamoteavam outros interesses: retorno aos antigos territórios, resguardo de uma terra para a sobrevivência do grupo longe do incômodo dos colonos, entre outros.

[29] Ibid., p. 113.

[30] Embora o período epigrafado não abranja uma política indigenista única, isto é, uma abordagem homogeneizada das relações entre as nações indígenas e a sociedade “branca”, optou-se por essa divisão devido às características marcantes da secularização da administração das aldeias formadas para a catequese e civilização (1755) e da criação dos Diretórios dos Índios (1757-1578), que irão influenciar, de certo modo, o tratamento da questão indígena até o surgimento do órgão específico para a formulação da política indigenista em 1910, denominado Serviço de Proteção aos Índios e Localização de Trabalhadores Nacionais (SPILTN). Essa divisão temporal encontra-se na obra de Oliveira & Freire (OLIVEIRA; FREIRE. op. cit.).

[31] FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. 3. ed. São Paulo: Globo, 2001, p. 267.

[32] Cf. OLIVEIRA; FREIRE. op. cit., p. 80.

[33] “Declarando-se [...] que os sobreditos Índios como livres, e izentos de toda a escravidão podem dispor das suas pessoas, e bens como melhor lhes parecer, sem outra sujeição temporal, que não seja a que dever ter as Minhas Leis, para a sombra dellas viverem na paz, e união Christã, e na sociedade Civil, em que mediante a Divina graça, procuro manter os Povos, que Deos Me confiou, nos quaes ficarão incorporados os referidos Índios sem distincção, ou exceção alguma, para gozarem de todas as honras, privilegios, e liberdades, de que os Meus Vassallos gazão actualmente conforme as suas respectivas graduações, e cabedaes”. Cf. Lei de 6 de junho de 1755.

[34] Alvará de 7 de junho de 1755. “[...] as Aldêas independentes das ditas Villas sejão governadas pelos seus respectivos principaes, tendo estes por subalternos os Sargentos Móres, Capitães, Alferes, e Meirinhos das suas Nações, que forão instituidos para os governarem [...]”  (PORTUGAL. Alvará de 7 de junho de 1755 Acerca do Governo e Administração das índias. Disponível em: <http://www.iuslusitaniae.fcsh.unl.pt>. Acesso em: 20 mai. 2010).

[35] Retomou-se, assim, o previsto na Lei de 12 de setembro de 1673, que houvera sido revogado, conferindo novamente a administração temporal aos “principais”, que eram as referências indígenas nas aldeias. Cf. Alvará de 7 de junho de 1755.

[36] Cf. PORTUGAL. A Lei de 3 de maio de 1757. Directório para as Povoações dos Índios do Pará e Maranhão. Disponível em: <http://www.iuslusitaniae.fcsh.unl.pt>. Acesso em: 20 mai. 2010.

[37] Cf. OLIVEIRA; FREIRE. op. cit., p. 69.

[38] ALMEIDA, 1997, apud OLIVEIRA; FREIRE. op. cit., p. 70.

[39] Conforme a Lei de 3 de maio de 1757, verifica-se a justificativa da imposição da Língua Portuguesa como meio de dominação e assimilação forçada: “[...] Sempre foi maxima inalteravelmente praticada em todas as Nações, que conquistárão novos Dominios, introduzir logo nos Póvos conquistados o seu proprio idiôma, por ser indisputavel, que este he hum dos meios mais efficazes para desterrar dos Póvos rusticos a barbaridade dos seus antigos costumes; e ter mostrado a experiencia, que ao mesmo passo, que se introduz nelles o uso da Lingua do Principe, que os conquistou, se lhes radica tambem o affecto, a veneração, e a obediencia ao mesmo Principe [...] será hum dos principaes cuidados dos Directores, estabelecer nas suas respectivas Povoações o suo da Lingua Portugueza [...]”.

[40] O incentivo à miscigenação não ocorreu apenas em relação aos indígenas no Brasil, mas também em Portugal, onde se obrigou, em 5 de outubro de 1768, a primeira nobreza da corte (linhagem pura) a realizarem casamentos fora do seu círculo sanguíneo. 

[41] Cf. Lei de 6 de junho de 1755.

[42] A guerra justa realizada contra os indígenas nos três séculos anteriores, também, visava à desarticulação dos povos indígenas para a ocupação dos territórios por eles habitados. Todavia, nota-se a substituição do objetivo primeiro; a nova finalidade apresentava-se na suposta necessidade de extensão dos limites territoriais das fazendas e do avanço das frentes de expansão.

[43] A representação, hodierna, de que o reconhecimento das terras indígenas ameaça a soberania nacional, possivelmente, advém da prática social de espólio das terras indígenas por meio das guerras justas declaradas contra os ditos índios inimigos. Outrossim, tanto no início do século XIX e como na atualidade, notam-se objetivos semelhantes nessas concepções de “índio inimigo”: a apropriação das terras indígenas.

[44] Assim, dispôs o art. 1º da lei de terras (1850): “Ficam prohibidas as acquisições de terras devolutas por outro titulo que não seja o de compra”. (BRASIL. Lei n. 601, de 18 de setembro de 1850. Dispõe sobre as terras devolutas do Império. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LIM/LIM601.htm>. Acesso em: 22 mai. 2010).

[45] De acordo com Luciana Nóbrega e Priscylla Joca: “O direito brasileiro foi, durante esses séculos de formação e consolidação de um Estado nacional, constituído em torno de papéis. Os direitos estão inscritos em códigos e muitos movimentos sociais lutam pelo reconhecimento textual de novos direitos. Chama-se a Constituição de Carta Jurídico-Política e menciona-se que os direitos foram encartados. Decisões são proferidas em papéis e a vida e os conflitos sociais são processualizados em papéis. Relações de filiação e casamento são materializadas em papéis, que representam certidões de nascimento e casamento. A propriedade, uma relação intangível entre o sujeito que detém o domínio e aqueles que não o detém, também é materializada em papéis” (NÓBREGA, Luciana Nogueira; MARTINS, Martha Priscylla Monteiro Joca. O direito à terra, ao território e ao meio ambiente do “Povo do Mangue”: “Vivemos em Curral Velho, mas não queremos viver encurralados. Artigo apresentado no III Encontro Temático do Projeto Casadinho – UFC/UFSC: 2010, p. 8-9).

[46] BARBOSA, Marco Antônio. Autodeterminação: direito à diferença. São Paulo: Plêiade, 2001, p. 194.

[47] Essa prática era tão intensa, que o Decreto n. 5.484/1928, reconhecendo o tratamento conferido às terras indígenas, incumbiu o governo federal de realizar a “cessão gratuita para o domínio da União das terras devolutas pertencentes aos Estados, que se acharem ocupadas pelos índios, bem como a das terras das extintas aldeias, que forem transferidas às antigas Províncias pela lei de 20 de outubro de 1887”. O a art. 3º, alínea “a”, do decreto n. 736, de 6 de abril de 1936”, também dispôs expressamente buscando coibir tal prática, impondo ao Serviço de Proteção aos Índios (SPI) o dever de “impedir que as terras habitadas pelos silvícolas seja tratadas como se devolutas fosse”.

[48] Art. 3º da Lei n. 601, de 18 de setembro de 1850.

[49] TOURINHO NETO, Fernando da Costa. Os direitos originários dos índios sobre as terras que ocupam e suas consequências jurídicas. In: SANTILLI, Juliana (coord.). Os Direitos Indígenas e a Constituição. Porto Alegre: NDI/Sergio Antonio Fabris Editor, 1993, p. 12.

[50] Art. 12. O Governo reservará das terras devolutas as que julgar necessarias: 1º, para a colonisação dos indígenas [...]. Cf. Lei n. 601, de 18 de setembro de 1850.

[51] Art. 75. As terras reservadas para a colonisação de indígenas, e por elles distribuidas, são destinadas ao seu usofructo; e não poderão ser alienadas, em quanto o Governo Imperial, por acto especial, não lhes conceder pleno gozo dellas, por assim o permitir o seu estado de civilisação. (BRASIL. Decreto 1.318, de 30 de janeiro de 1854. Manda executar a Lei nº 601, de 18 de Setembro de 1850. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/

ccivil_03/decreto/Historicos/DIM/DIM1318.htm>. Acesso em: 22 mai. 2010).

[52] MENDES JÚNIOR, João. Os indígenas do Brazil, seus direitos políticos individuaes e políticos. São Paulo: Typ. Hennies Irmão, 1912, p. 67.

[53] OLIVEIRA; FREIRE. op. cit., p. 115.

[54] Obviamente que o preconceito das visões tutelares não se cessará com uma simples “canetada” promulgatória, mas a ruptura com esses paradigmas estabeleceram preciosos instrumentos jurídicos para reivindicação dos direitos positivados, textualização de novos direitos e respeito dos sistemas jurídicos particulares de cada povo indígena.

[55] OLIVEIRA; FREIRE. op. cit., p. 115-119.

[56] Na CF/1891, o reconhecimento do direito dos índios ao território ocupado fazia-se indiretamente, ao prever que as leis que não contrariassem à Constituição continuariam em vigor. Assim, entende-se que o indigenato, formalizado no alvará e reafirmado na Lei de 6 de junho de 1755, permaneceu vigente até a Constituição Federal de 1988.

[57] Art 129 - Será respeitada a posse de terras de silvícolas que nelas se achem permanentemente localizados, sendo-lhes, no entanto, vedado aliená-las. (BRASIL. Constituição da República Federativa dos Estados Unidos do Brasil, de 16 de julho de 1934. Disponível em: <http://www.presidencia.gov.br/>. Acesso em 5 abr. 2010).

[58] Art 154 - Será respeitada aos silvícolas a posse das terras em que se achem localizados em caráter permanente, sendo-lhes, porém, vedada a alienação das mesmas. (BRASIL. Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 10 de novembro de 1937. Disponível em: <http://www.presidencia.gov.br/>. Acesso em 5 abr. 2010).

[59] Art 216 - Será respeitada aos silvícolas a posse das terras onde se achem permanentemente localizados, com a condição de não a transferirem. Disponível (BRASIL. Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 18 de setembro de 1946. Disponível em: <http://www.presidencia.gov.br/>. Acesso em 5 abr. 2010).

[60] CF/1934 (art. 5º, inciso XIX, alínea “m”), CF/1937 (omissa), CF/1946 (art. 8º, inciso XV, alínea “r”).

[61] Art 186 - É assegurada aos silvícolas a posse permanente das terras que habitam e reconhecido o seu direito ao usufruto exclusivo dos recursos naturais e de todas as utilidades nelas existentes. (BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 24 de janeiro de 1967. Disponível em: <http://www.presidencia.gov.br/>. Acesso em 5 abr. 2010).

[62] BRASIL. Emenda Constitucional n. 1, de 17 de outubro de 1969. Disponível em: <http://www.presidencia. gov.br/>. Acesso em 5 abr. 2010.

[63] Embora o instituto do indigenato vigorasse desde o Alvará de 1º de abril de 1680, somente com a EC/1969 firma-se no texto constitucional os seus efeitos de primazia quanto aos demais títulos.

[64] SILVA, Lásaro Moreira da. O reconhecimento dos direitos originários dos índios sobre suas terras tradicionais na Constituição Federal de 1988 e a extensão do conceito de terras indígenas tradicionalmente ocupadas. Revista Jurídica UNIGRAN, Dourados/MS, v. 6, n. 11, jan/jul 2004, p. 146.

[65] Lei n. 6.001, de 19 de dezembro de 1973, art. 4º, inciso I.

[66] Idem, art. 4º, inciso II.

[67] Idem, art. 4º, inciso III.

[68] Idem, art. 26, alíneas “a”, “b”, “c” e “d”.

[69] MENDES JÚNIOR, João. op. cit., p. 65.

[70] VITÓRIA, Francisco de, apud CUNHA, Manuela Carneiro da. Os Direitos dos Índio: Ensaios e documentos. São Paulo: Editora Brasiliense, 1987, p. 56.

[71] Parágrafo 44 do Alvará de 1º de abril de 1680 – aplicava-se somente ao Estado do Maranhão e Grão Pará. As disposições desse parágrafo e sobre a liberdade dos indígenas foram reafirmadas pela Lei de 6 de junho de 1755, onde se encontra o seu teor.

[72] Lei de 6 de junho de 1755.

[73] BARBOSA, op. cit., p.191.

[74] Lei de 6 de junho de 1755