Ação civil pública e a sua aplicabilidade no processo trabalhista


Pormathiasfoletto- Postado em 19 novembro 2012

Autores: 
BARROZO, Jamisson Mendonça

 

 

1 - Introdução

O presente trabalho se destina a tecer algumas considerações acerca da aplicação da ação civil pública no âmbito processual trabalhista, considerada o principal instrumento processual de acesso à justiça para a proteção dos interesses metaindividuais.

Tal temática gera grandes discussões entre os doutrinadores pátrios. É imprescindível, para o estudo do processo trabalhista, a análise das soluções coletivas de conflitos trabalhistas a partir da utilização da ação civil pública.

2 - Conceito

Hely Lopes Meirelles assim conceitua a ação civil pública:

[...] instrumento processual adequado para reprimir ou impedir danos ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, protegendo os interesses difusos da sociedade. Não se presta a amparar direitos individuais, nem se destina à reparação de prejuízos causados por particulares pela conduta, comissiva ou omissiva, do réu.1

Contudo, com o advento da Constituição Federal de 1988, a partir do reconhecimento da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho como princípios fundamentais que irradiam valores para todo o ordenamento pátrio, tutelou de forma inovadora a coletivização de interesses na busca da efetivação do direito ao trabalho digno. E as ações coletivas ganharam um importante papel na proteção dos interesses metaindividuais. A Carta Magna alargou a abrangência do art. 1º da Lei 7.347/85 (Lei da ação civil pública - LACP), que se restringia à defesa de danos materiais e morais causados ao meio ambiente, ao consumidor e a bens de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, passando a considerar a tutela de qualquer interesse coletivo lato sensu.

Assim, entende-se que a ação civil pública, no âmbito do processo do trabalho, é a ação que busca proteger os princípios previstos na Constituição Federal que regulam os interesses ou direitos da coletividade.

3 – Legitimidade e Cabimento

A partir da ampliação feita pela CF/88 do art. 1º da lei 7.347/85, surgiu a Lei Complementar 75/93, que dispõe sobre a organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público da União, prevendo expressamente a ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho.

O Parquet tem legitimidade para promover a ação civil pública sempre que houve ameaça ou lesão a interesses ou direitos difusos, coletivos e/ou individuais homogêneos. Os sindicatos, como modalidade de associação civil, possuem legitimidade para propor ação civil pública na defesa dos interesses coletivos e individuais homogêneos dos trabalhadores, nos termos do art. 8º, inciso III c/c o art. 129, inciso III e §1º da Constituição. Entretanto, essa legitimidade não se estende à defesa de interesses difusos. Tais interesses somente podem ser defendidos por entidade sindical, de forma mediata e oblíqua (art. 8º, III da CF). Para a sua defesa direta, requer-se previsão estatutária legitimadora.

No caso da defesa de interesses individuais homogêneos, há legitimação extraordinária, com a substituição processual pelo autor coletivo, pois o legitimado atua de forma concorrente e disjuntiva.2O art. 129 da Constituição prevê como função institucional do Ministério Público, a promoção de ação civil pública. Como ressalta Pedro Lenza, a legitimidade conferida ao Ministério Público não impede a dos outros legitimados, conforme se observa pelo art. 5º da Lei 7.347/85:

Art. 5º. Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar:

I - o Ministério Público;

II - a Defensoria Pública;

III - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;

IV - a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista;

V - a associação que, concomitantemente:

a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil;

b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.

A ação civil pública representa um importante instrumento na tutela dos interesses da coletividade, podendo ser proposta para a proteção, prevenção e reparação de danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valores artísticos, estéticos, históricos, turísticos e paisagísticos e a outros interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos.

O cabimento de ação civil pública na Justiça do Trabalho está prevista expressamente no art. 83, inciso III da LC 75/93:

Art. 83. Compete ao Ministério Público do Trabalho o exercício das seguintes atribuições junto aos órgãos da Justiça do Trabalho:

III - promover a ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho, para defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos;

O acesso ao processo coletivo, garantido pelo inciso XXXV do art. 5º da Constituição, no processo trabalhista, busca assegurar a isonomia material aos trabalhadores, que somente buscam a Justiça especializada quando se encontram desempregados. No âmbito da justiça obreira, revela-se ainda maior a sua importância, em razão da subordinação e da hipossuficiência do empregado, que acaba por inibir o seu acesso ao Judiciário. O processo coletivo também desempenha o papel de despersonalizar o trabalhador lesado, que se ressente de buscar seus direitos diante da inexistência de mecanismos efetivos de garantia do emprego.3

4 - Objeto

A Constituição Federal, no seu art. 129, inciso III, prevê a promoção de ação civil pública para qualquer interesse difuso e coletivo. O art. 3º da Lei 7.347/85 estabelece que a ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer. Por sua vez, o art. 83 do CDC, alargando esse dispositivo preceitua que são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, permitindo, desse modo, a possibilidade de provimento de natureza cautelar, condenatório, declaratório, mandamental e executivo lato sensu.

Assim, afirma Mazzilli:

Em tese, são admissíveis quaisquer ações civis públicas ou coletivas, pois à LACP aplicam-se subsidiariamente o CDC ou o CPC. Cabem ações condenatórias, cautelares, de execução, meramente declaratórias ou constitutivas. Por ação civil pública da Lei n. 7.347/85, compreendem-se: a) as ações principais, de reparação do dano ou de indenização; b) as cautelares (preparatórias ou incidentes); c) as chamadas cautelares satisfativas, que não dependem de propositura de outra ação dita principal; d) as ações de liquidação de sentença e de execução; e) quaisquer outras ações tendentes à proteção dos interesses difusos e coletivos.4

Pelo exposto acima, do objeto da ação civil pública decorrem os seguintes pedidos: a) obrigações de fazer ou não fazer; b) obrigação de suportar; c) cominação/multa/astreintes; d) condenação por danos genéricos; e) tutelas de urgência; f) de execução.5

A ação civil pública, no âmbito trabalhista, pode prevenir a ocorrência de novas condutas lesivas aos direitos dos trabalhadores, tendo por objeto o cumprimento de uma obrigação de fazer, de não fazer ou suportar. Pode, ainda, ser requerida condenação em dinheiro nos casos de impossibilidade do cumprimento da obrigação, bem como para reparar os prejuízos genéricos já causados, como o dano moral coletivo.

5 - Dano Moral Coletivo

Para Xisto Tiago Medeiros Neto, “o dano moral coletivo corresponde à lesão injusta e intolerável a interesses ou direitos titularizados pela coletividade.”6Nesse sentido, entende-se que o dano moral coletivo atinge a esfera extrapatrimonial, como os valores de uma sociedade, ocasionando sentimentos negativos no seio social. A violação dos direitos fundamentais dos trabalhadores provoca sentimentos de repulsa, desvalor, descrença, desesperança, descrédito.

Os danos morais coletivos, no âmbito do processo trabalhista, são, via de regra, revertidos ao FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), previsto na Lei 7.898/90 c/c art. 13 da Lei 73.47/85, em razão da inexistência de fundo específico para recomposição dos danos sofridos e como forma de compensar os danos. O dano moral coletivo não depende da comprovação de culpa, pois se evidencia pelo próprio fato violador (ipso facto).

6 - Inquérito Civil

O inquérito civil foi criado pela Lei 7.347/85, que no art. 8º, § 1º, dispõe:

Art. 8º (...)

§ 1º. O Ministério Público poderá instaurar, sob sua presidência, inquérito civil, ou requisitar, de qualquer organismo público ou particular, certidões, informações, exames ou perícias, no prazo que assinalar, o qual não poderá ser inferior a 10 (dez) dias úteis.

Com o advento da Constituição Federal de 1988, no art. 129, III, previu a utilização do inquérito civil pelo Ministério Público, ao estabelecer como função institucional do Ministério Público a promoção do “inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.”

O inquérito civil constitui-se numa investigação administrativa realizada previamente pelo Ministério Público, objetivando colher elementos e provas que determinem o manejo, ou não, da respectiva ação civil pública ou de outra medida judicial cabível. Logo, o inquérito civil é de competência exclusiva do Ministério Público e principal instrumento, de natureza investigatória, concernente à atuação extrajudicial do Ministério Público do Trabalho.

É importante frisar que o inquérito civil não é pressuposto processual para que o Ministério Público do Trabalho promova ação civil pública, podendo o mesmo ser dispensado se já existirem elementos necessários para propor a ação coletiva.

Entretanto, é recomendável a instauração do inquérito civil por dois motivos: primeiro, para melhor colheita das provas que instruirão eventual ação coletiva, facilitando, inclusive, a futura instrução judicial do processo, atendendo-se, assim, aos princípios da celeridade e economia processual; e segundo, porque permite ao investigado assinar termo de compromisso de ajustamento de conduta (o qual, nos moldes do art. 876 da CLT, constitui-se em título executivo extrajudicial), evitando-se, assim, a propositura de ação civil pública.

7 - Prescrição

Em relação aos interesses e direitos difusos e coletivos, não há que se falar em prescrição ou decadência para a propositura de ação civil pública, mesmo tratando-se de reparação genérica por danos causados. No entanto, em relação às ações coletivas atinentes a reparação dos danos individualmente sofridos pelos trabalhadores (interesses e direitos individuais homogêneos), aplica-se a prescrição comum prevista no art., XXIX, da CF/88.

8 - Ação Civil Coletiva

O Código de Defesa do Consumidor prescreveu um novo procedimento para a tutela específica dos interesses individuais homogêneos, surgindo a expressão "ação civil coletiva".

A ação civil coletiva, espécie do gênero ação civil pública está prevista no capítulo II do CDC. Ela visa a uma reparação concreta pelos danos individualmente sofridos pelos lesados, mediante uma condenação genérica de obrigação de indenizar.

A doutrina diverge acerca da possibilidade de manejo de ação civil coletiva na tutela de direitos individuais homogêneos na Justiça do Trabalho, ou ainda, se seria o único instrumento cabível para a proteção dos mesmos interesses.

Para Renato Saraiva:

[...] a ação civil pública e a ação civil coletiva constituem expressões sinônimas, utilizadas com a mesma finalidade, qual seja para a proteção de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, não havendo que falar, portanto, em duas ações autônomas com objetivos distintos.7

O art. 91 do CDC prescreve que os legitimados de que trata o art. 82 poderão propor, em nome próprio e no interesse das vítimas ou seus sucessores, ação civil coletiva de responsabilidade pelos danos individualmente sofridos. Os legitimados são os mesmos da ação civil pública em defesa de interesses difusos e coletivos e está prevista no art. 82 do CDC. Proposta a ação civil coletiva, será publicado edital no órgão oficial, a fim de que os interessados possam intervir no processo como litisconsortes, sem prejuízo de ampla divulgação pelos meios de comunicação social por parte dos órgãos de defesa do consumidor. Em caso de procedência do pedido, a condenação será genérica, fixando a responsabilidade do réu pelos danos causados. Cabe aos substituídos processualmente promover a liquidação, que será por artigos, dentro do prazo de um ano, demonstrando o dano sofrido e o nexo causal com a conduta lesiva (art. 94 e 95 do CDC).

9 - Coisa julgada e Litispendência

Verifica-se a litispendência, quando se reproduz ação anteriormente ajuizada. Para que uma ação seja idêntica à outra é necessário que possuam as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido (§ 2º do art. 301 do CPC). O instituto tem por fulcro evitar decisões judiciais conflitantes e o desperdício de atividade jurisdicional (§1º do art. 301 do CPC). O art. 104 do Código de Defesa do Consumidor estabelece que: As ações coletivas, previstas nos incisos I e II e do parágrafo único do art. 81, não induzem litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada erga omnes ou ultra partes a que aludem os incisos II e III do artigo anterior não beneficiarão os autores das ações individuais, se não for requerida sua suspensão no prazo de trinta dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva. Não há litispendência entre as ações que tutelem interesses difusos ou coletivos e as ações individuais, em razão da diversidade dos pedidos (naquelas, normalmente, pleitea-se o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer e/ou condenação genérica, enquanto que, na ação individual, o pedido refere-se à condenação pelos danos individualmente sofridos).8

10 - Considerações Finais

A principal reflexão a ser feita ao final deste trabalho, é a importância da ação civil pública como instrumento processual para a proteção dos princípios, direitos e interesses coletivos. A Carta Magna de 1988 permitiu a utilização da ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho, na medida em que o texto constitucional não fez qualquer distinção entre os ramos do Ministério Público que estão legitimados a manejá-la.

Ademais, com a promulgação da Lei Maior, a ação civil pública, instituída pela Lei 7.347/85, ampliou consideravelmente o seu campo de atuação, uma vez que passou a admitir a sua propositura para tutela de qualquer interesse difuso ou coletivo. Em 1990, o Código de Defesa do Consumidor inovou ao prever também a defesa dos interesses individuais homogêneos. No entanto, ainda persistem dúvidas e preconceitos acerca de seu cabimento no âmbito da Justiça laboral, bem como acerca dos legitimados para o seu ajuizamento.

O processo coletivo para a defesa dos interesses metaindividuais constitui o caminho potencializado de se dirimir, em um único processo, um grande conflito social ou um feixe de direitos individuais que admitem receber a tutela coletiva em decorrência da origem comum que os une, agregando-se uma maior celeridade, efetividade e acessibilidade à prestação jurisdicional e um menor risco de decisões divergentes.

11 - Referências

LENZA, Pedro. Direito Constitucional esquematizado. São Paulo: Método, 2007.

MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 20 E. rev., ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992.

MEDEIROS NETO, Xisto Tiago de. Dano moral coletivo. 2. E. São Paulo: LTr, 2007.

MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado de Injunção, Habeas Data. 31 E. São Paulo: Malheiros, 2008.

MELO, Raimundo Simão de. Ação Civil Pública na Justiça do Trabalho. 2. E. São Paulo: LTr, 2004.

_______________________.MELO, Raimundo Simão de. Direito ambiental do trabalho e a saúde do trabalhador: responsabilidades legais, dano material, dano moral, dano estético, indenização pela perda de uma chance, prescrição. 3 ed. São Paulo: LTr, 2008.

SANTOS, Ronaldo Lima dos. Amplitude da coisa julgada nas ações coletivas. In: RIBEIRO JÚNIOR, José Hortêncio... [et al.](Org.). Ação coletiva na visão de juízes e Procuradores do Trabalho. São Paulo: LTr, 2006.

SARAIVA, Renato. Curso de Direito Processual do Trabalho. 5. E. São Paulo: Método, 2008.

1 MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado de Injunção, Habeas Data. 31 E. São Paulo: Malheiros. 2008, p. 152.
 

2 LENZA, Pedro. Direito Constitucional esquematizado. São Paulo: Método, 2007. p. 596.

3 MELO, Raimundo Simão de. Ação Civil Pública na Justiça do Trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2004. p. 29.
 

4 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 20 ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992. p. 67.

5 MELO, Raimundo Simão de. Direito ambiental do trabalho e a saúde do trabalhador: responsabilidades legais, dano material, dano moral, dano estético, indenização pela perda de uma chance, prescrição. 3 ed. São Paulo: LTr, 2008. p. 110.
 

6 MEDEIROS NETO, Xisto Tiago de. Dano moral coletivo. 2. ed. São Paulo: LTr, 2007. p. 137.

7 SARAIVA, Renato. Curso de Direito Processual do Trabalho. 5. E. São Paulo: Método. 2008, p. 806.
 

8 SANTOS, Ronaldo Lima dos. Amplitude da coisa julgada nas ações coletivas. In: RIBEIRO JÚNIOR, José Hortêncio...[et al.](Org.). Ação coletiva na visão de juízes e Procuradores do Trabalho. São Paulo: LTr, 2006. p. 302.

 

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