O grande conflito na Grécia antiga


Porisabel santos- Postado em 24 abril 2011

 

Este texto resume o conflito e a influência entre a androcracia e a gilania no cenário de Atena, apresentado no capítulo 8, do livro de Riane Eisler  - “O Cálice e a Espada”.

O cenário da Grécia antiga contava com uma democracia excludente, onde a maioria da população, composta por escravos e mulheres, não tinha direito de participação, isto era fruto da superestrutura androcrática imposta à ordem anterior, mais pacífica e igualitária. “O mesmo ocorria com a preocupação da classe dominante grega com a guerra e sua idealização das chamadas virtudes de heroísmo e conquista armada e a enorme deterioração da condição feminina”.

A presença dos dois elementos é evidenciada como justaposição de gilania e androcracia:

 

  • A antiga deusa da sabedoria que portava o símbolo da serpente, agora era a deusa da guerra com o elmo e a lança, e o cálice transformado em escudo - reflexo das novas normas dominadoras.
  • Na República de Platão, com seu Estado paradoxalmente hierárquico e humanístico-igualitário.
  • Na arte grega o antigo amor à vida e à natureza é expresso nas belas representações artísticas dos corpos femininos e masculinos, bom como a disputa e o conflito.
  • No conflito de duas culturas na religião grega, onde Zeus era considerado a deidade suprema, porém as deusas ainda apresentam-se poderosas, confirmando as raízes primitivas dessa religião em uma visão de mundo na qual as mulheres e os valores "femininos" não são suprimidos, por exemplo: o fato de no panteão olímpico, e sobretudo em santuários locais, as deidades femininas ainda serem cultuadas.

 

Na verdade, a história preservada por Santo Agostinho sobre como as mulheres de Atenas perderam o direito ao voto ao mesmo tempo em que se deu a mudança da sociedade matrilinear para patrilinear, indica ter a imposição da androcracia marcado o fim da verdadeira democracia. Em Atenas há evidências que de ao mesmo tempo em a maioria das mulheres da classe superior teve de viver no confinamento insalubre e embrutecedor do gineceu, ou aposentos femininos, algumas mulheres representavam importantes papéis na vida pública e intelectual. Por exemplo, Aspásia, companheira de Péricles, trabalhava como estudiosa e estadista, responsável pela educação das esposas atenienses e ajudando a criar a notável cultura cívica que os historiadores da cultura denominam "idade de ouro de Péricles".

O texto destaca a forte tendência à parceria/gilania na cultura grega, se considerarmos que nos Estados Unidos as mulheres só tiveram acesso à educação superior nos séculos XIX e XX, e na educação ateniense, limitada aos homens, houve mulheres que estudaram na Academia de Platão. Além dos indícios de que as mulheres lideravam escolas filosóficas próprias. Para algumas mulheres gregas, a profissão de hetera oferecia uma alternativa mais independente e relativamente respeitada ao papel submisso de esposa, pois com frequência exerciam importante poder político como anfitriãs habilidosas, com variados graus de educação e interesse cultural.

A autora também ressalta as indicações de ativismo antibelicoso das mulheres da Grécia antiga, e que os historiadores convencionais têm ignorado sistematicamente as atividades de mulheres que trabalham para uma sociedade humana e justa, e cita que:

“Muitas de nossas idéias sobre justiça social — idéias de liberdade e democracia, por exemplo — originam-se em filósofos gregos tais como Sócrates e Pitágoras. A conclusão de que tais conceitos floresceram a partir de raízes gilânicas anteriores é fortalecida pelo fato de esses dois homens terem recebido seus ensinamentos de mulheres. Igualmente revelador é o fato de que tanto Temistocléia, professora de Pitágoras, quanto Diotima, de Sócrates, serem sacerdotisas: depositárias e transmissoras das tradições religiosas e morais primitivas”.

Na opinião da autora, é possível ver na Grécia antiga muitos sinais do ressurgimento gilânico, assim como, a grande resistência androcrática a esse impulso evolutivo, então “se quisessem manter suas posições dominantes esses homens não poderiam permitir qualquer mudança fundamental na configuração tripla de dominação masculina, autoritarismo e violência social institucionalizada, característica de sistemas androcráticos”..

Outro ponto a considerar no texto diz respeito a aprovação e admiração do humanismo pelos homens que governavam a Grécia antiga, e a pergunta: “Quais foram, então, as noções "radicais" que levaram um grande filósofo como Sócrates a ser condenado à morte por "corromper" a juventude ateniense?”. A autora sugere que “essas idéias incluíam heresias gilânicas tais como educação igualitária para as mulheres e uma visão da justiça frontalmente contrária ao dogma androcrático considerado correto”.

Do mesmo modo, destaca o desafio de Sócrates a um sistema de valores baseados na força como descrito em República de Platão que relata o diálogo de Sócrates com o filósofo sofista Glauco. Segundo a autora, “A posição articulada por Glauco, e muito questionada por Sócrates, é a de que para os homens da classe dominante a justiça e a lei não passam de questões de conveniência. (...) A visão de mundo articulada de forma clara pelos sofistas era simplesmente a dos homens que governavam a Grécia”. Em uma passagem do diálogo entre Glauco e Sócrates, Glauco diz “que as leis não passam de invenção dos fracos, os quais eram astutos o suficiente para utilizá-las em seu melhor interesse, sujeitando os fortes”. Quanto à justiça, é uma simples "transigência" entre "o que há de melhor — errar e escapar impunemente — e o que há de pior — ser caluniado e não ser capaz de conseguir revanche".

A autora destaca o pensamento de Aristóteles na Política “na natureza há elementos cuja função é governar, e elementos cuja função é serem governados. Em outras palavras, o princípio que deve reger a organização social é a supremacia e não a união”. E conclui que essas mesmas premissas filosóficas também foram essenciais na nossa herança judaico-cristã.

Por fim, não entrarei nos detalhes sobre as idéias cristãs citadas pela autora, pois essa discussão é longa e merece um capítulo separado para apresentar um argumento completo e não fraccionado.