Libertação a transformação incompleta: o malogro da razão e o desafio às premissas androcráticas


PorQuirino Hawerroth- Postado em 23 abril 2011

O século XVIII, deveria ser a era moderna, a idade da razão. O iluminismo deveria substituir a superstição; o humanismo deveria substituir o barbarismo; o conhecimento empírico deveria tomar o lugar da hipocrisia e do dogma. Pois a palavra se apresentava como a solução para erradicar os antigos erros e enfermidades da humanidade.

Uma das razões disso é que nunca tantas pessoas haviam sido alfabetizadas e nunca tantos novos meios de comunicação haviam difundido a palavra a tantos habitantes de nosso planeta.

Outro motivo para tal explosão ideológica, principalmente no Ocidente, foi o enfraquecimento das ideologias religiosas, na esteira da industrialização, surgindo uma fome renovada na verdade, de novas formas de perceber, ordenar e avaliar a realidade (novas ideologias).

Assim, no início do século XIX, filósofos e cientistas, se faziam ouvir em todo o mundo ocidental, eles estavam em toda a parte, reinterpretando, reordenando e reavaliando a realidade de acordo com os evangelhos modernos de Kant e Hegel, Copérnico e Galileu, Darwin e Lavoisier, Mill e Rousseau, Marx e Engels, importantes pensadores da época.

Esses pensadores seriam os profetas da transformação cultural. Que iriam libertar a mente humana pela razão, caracterizando o "homem racional" — produto do Iluminismo do século XVIII — deixando para trás a barbárie do passado.

A Revolução Industrial, permitiu a evolução tecnológica, que foi seguida da evolução cultural. Da mesma forma que as novas tecnologias materiais (máquinas e medicamentos) produziram mudanças aparentemente milagrosas, novas tecnologias sociais (melhores modos de organização e orientação do comportamento humano) acelerariam a realização dos mais elevados potenciais e aspirações da humanidade. Seria o fim da luta do ser humano pela justiça, verdade e beleza, a sociedade finalmente conseguiria transformar seus ideais em realidade.

No entanto, essa grande esperança e promessa começou aos poucos a declinar, pois ao longo dos séculos XIX e XX o “homem racional” continuou a oprimir, matar, explorar e humilhar seus companheiros e irmãos constantemente. Passando a explicar as suas ações irracionais de subjugação da natureza e de seus semelhantes com base no bem comum, sob a ótica do patriotismo, idealismo e, acima de tudo, do racionalismo.

Após o ocorrido em Auschwitz e Hiroshima, a promessa da razão começou a ser questionada, quanto a vários pontos das ações humanas, desde o fim das guerras até a forma como é tratado o meio ambiente.

No fim do século XX, a razão e todas as ideologias modernas progressistas passaram a ser questionadas. Nem o capitalismo nem o comunismo haviam cumprido a promessa. Começou a se falar no “fim do liberalismo” enquanto os “realistas” afirmavam que uma sociedade livre e igualitária jamais chegaria a ser algo além de um sonho utópico.

Com os crescentes sinais de um caos mundial iminente, as pessoas desiludidas com o fracasso implícito das ideologias seculares progressistas, começaram a voltar-se para o cristianismo, maometanismo fundamentalista e outros ensinamentos religiosos, com receio de serem punidas por Deus, em razão de uma eventual catástrofe.

Sob a ótica realista, se apresentavam três formas de responder ao que cada vez mais se assemelha a uma crise global insolúvel:

  1. Retomar à antiga visão religiosa, na qual a única saída encontra-se no outro mundo, onde — como afirmam os cristãos e muçulmanos xiitas, nascidos de novo — Deus recompensará aqueles que obedeceram a suas ordens e punirá os que não o fizeram.
  2. Utilizar formas mais imediatistas de escape: o niilismo, a dessensibilização, a decadência do excesso de materialismo ganancioso e a morte de toda compaixão através da moderna indústria de "diversão", situação que começa a se assemelhar aos circos sangrentos dos últimos dias do império romano.
  3. Tentar levar a sociedade de volta a um passado melhor e imaginário — aos "bons e velhos tempos" antes de as mulheres e "homens inferiores" questionarem seu lugar na "ordem natural".

 

As idéias do Iluminismo eram novas apenas em parte, pois elas eram adequadas ao sistema de parceria e, não a um sistema dominador de organização social vigente.

Considerando a idéia de progresso, o que se ignora é que não foi a religião a rejeitada, mas a premissa androcrática de que uma ordem social estática e hierárquica era a vontade de Deus.

Duas idéias correlatas, igualdade e liberdade, representaram também uma ruptura fundamental com a ideologia androcrática (Thomas Hobbes – a natureza fez os homens iguais, assim podem requer o mesmo benefício, e ainda, Jean-Jacques Rousseau escreveu que os homens não só nasciam livres e iguais, mas também que esse era um "direito natural" que os autorizava a “cortar suas correntes” — visão da realidade fundamental para as revoluções francesa e americana). Por sua vez, Mary Wollstonecraft afirmava que esse “direito natural” pertencia tanto às mulheres quanto aos homens – vindo a fundamentar a revolução feminista ainda em progresso.

Todavia, sobrepondo-se às inúmeras diferenças entre estes modernos filósofos seculares, havia a admissão antiandrocrática comum de que, em condições sociais adequadas, os seres humanos poderiam viver, e viveriam, em livre e justa harmonia. Em outras palavras, embora não articulado nesses termos, o que essas mulheres e homens imaginavam era a possibilidade de uma sociedade de parceria, e não de dominação.

A Revolução Americana e a Revolução Francesa, acabaram por ameaçar a instituição da monarquia, que durante muitos séculos foi a pedra fundamental da organização social androcrática. Sendo substituído na mente das pessoas as palavras fidelidade, ordem e obediência pelas palavras igualdade, liberdade e progresso.

Neste contexto a figura do homem dominador começou a ser enfraquecida em todos os níveis sociais e políticos, inclusive no nível familiar, de maneira que a sua palavra já não era mais absoluta.