A NEGOCIAÇÃO COLETIVA COMO FERRRAMENTA REGULAMENTADORA DE NORMA ABERTA: O TELETRABALHO E A LEI 12551/2011
The collective negotiation and regulatory standard open: the teleworking and the Law 12551/2011
Denise Pires Fincato
Michelle Dias Bublitz
Pontifícia Universidade Católica – PUC/RS – Porto Alegre – Rio Grande do Sul - Brasil
Resumo: A sociedade não é e nunca foi estática, muito ao contrário, está em constante mutação, e como tal, sofre o impacto, nesses processos de mudança, das chamadas novas tecnologias. Identifica-se um novo paradigma de sociedade: a sociedade da informação, que baseia suas trocas e a métrica do poder no domínio de num bem precioso, o conhecimento. O espaço virtual, cada vez mais, vai se tornando a grande biblioteca da humanidade, no qual estão inseridos a vida social, política e econômica, e, porque não, também a vida laboral da pessoa humana. Todas essas transformações foram inseridas nas relações de trabalho que não mais apresentam as características de tempo, espaço e organização que antes apresentavam, onde a energia e o esforço físico do trabalho humano eram os responsáveis pelo desenvolvimento da economia. A tradicional relação de trabalho e de emprego, aos poucos cede espaço a novas relações contratuais que não exigem a presença física do trabalhador. O teletrabalho revela uma mudança de paradigma manifestada em uma nova modalidade laboral, novos métodos de trabalho e também em um novo ambiente de trabalho, descentralizado dos centros de produção e centrado na produção, armazenamento e transformação do conhecimento e da informação com o uso maciço das novas tecnologias como ferramenta de trabalho. Assim sendo, este estudo tem por objetivo analisar o teletrabalho como nova modalidade de trabalho, notoriamente no contexto brasileiro, apreciando se a novel legislação possui o condão de evitar ou resolver os conflitos resultantes e apresentando, caso necessárias, alternativas, principalmente à luz do direito comparado europeu e da experiência negocial coletiva brasileira.
Palavras-chave: Teletrabalho. Regulamentação. Negociação Coletiva.
Abstract: The society is not and has never been static, on the contrary, is constantly changing, and as such, must observe the impact these processes of change, the so-called new technologies. Identifies a new paradigm of society: the information society, which based its power exchanges and the metric in the domain of a precious commodity, knowledge. The virtual space increasingly is becoming the great library of humanity, in which are inserted into the social, political and economic, and why not, also the working life of the human person. All these changes were inserted into the working relationships that no longer have the characteristics of time, space and organization that had before, where the energy and physical exertion of human labor were responsible for the development of the economy. The traditional employment relationship and employment, gradually gives way to new contractual relationships that do not require the physical presence of the worker. Teleworking reveals a paradigm shift manifested in a new way of work, new working methods and also a new work environment, decentralized production centers and focused on production, storage and processing of knowledge and information with the massive use of new technologies as a tool. Therefore, this study aims to examine telework as a new form of work, notably in the Brazilian context, enjoying the novel legislation has the power to prevent or resolve conflicts arising and presenting, if necessary, alternative, particularly in light of the right Europe compared.
keywords: Teleworking. Regulation. Collective negotiation.
1. INTRODUÇÃO
A partir da última década do século XX e, principalmente, na primeira década do século XXI, acentuou-se o fenômeno da globalização, notoriamente em razão da revolução tecnológico-informacional, que permitiu o surgimento de novas profissões e a reformulação das antigas, assim como acarretou significativa mudança nas relações de trabalho, permitindo relacionamentos laborais transnacionais sem deslocamentos físicos, inclusive. Observa-se, portanto, que o trabalho modificou-se ao longo do tempo, na medida em que as tecnologias de informação e de comunicação tornaram-se um elemento indissociável do desenvolvimento da atividade econômica, constituindo-se em fator cada vez mais importante na organização e estruturação das sociedades modernas. Assim sendo, a realidade revela uma mudança de paradigma em que as tradicionais formas de prestação de serviços aos poucos vão cedendo espaço às novas relações contratuais, as quais não exigem a presença física do trabalhador. Ressalta-se que justamente os progressos tecnológicos foram os propulsores da possibilidade de criação de novas formas de trabalho, em especial o teletrabalho, objeto central da presente pesquisa, propulsor da continuidade do processo econômico de descentralização produtiva e que anda de mãos dadas com a globalização e flexibilização das relações de emprego. O teletrabalho, diante de suas características conceituais e estruturais altamente polêmicas, ainda gera debates sobre seu surgimento, estruturação, organização, manutenção, aplicação, extinção ou regulamentação no cenário brasileiro, bem como europeu, e atualmente fomenta relevantes pesquisas. Fato é, que o teletrabalho é modalidade de trabalho (especialmente trabalho subordinado, dito emprego, foco de interesse deste estudo) já utilizado em vários países, principalmente na Europa e América do Norte, há décadas e em larga escala. No Brasil, face a própria condição de país em desenvolvimento e, também em razão de suas dimensões territoriais (COCCO, 2000), a consolidação desta modalidade de trabalho tem sido paulatina e, observa-se, muito mais concretizável em determinados segmentos econômicos e profissões, do que em outros.
1 O MUNDO DO TRABALHO: GLOBALIZAÇÃO E TELETRABALHO
Em face do fenômeno da globalização, a mudança do paradigma produtivo passa a constituir um ponto importante para análise do atual estado político, econômico e social da humanidade.
Baseado em uma produção e consumo em massa, de modo centralizado (COCCO, 2000), e contínuo, o sistema taylorista/fordista, em ascensão no pós-Primeira Guerra Mundial, lançou desafios para o cenário produtivo da época. A partir daqui, por mais vezes, a produção deixa de ser centralizada, já que se passa a observar aspectos de mão de obra e custos de produção em geral. Este mercado entrou em crise em razão da crescente competição internacional, propulsada pelos avanços tecnológicos (ROCHA, 2004). Com este cenário, a quebra das barreiras nacionais se tornou inevitável, dinamizando o processo de globalização (MELO FILHO, 2000).
Boaventura de Souza Santos afirma que, nas últimas três décadas, as interações transnacionais tomaram maior intensidade, amplitude e profundidade otimizando o fenômeno multifacetado da globalização (SANTOS, 2005). 1 Diante deste novo momento, onde a globalização e as tecnologias de comunicação se confundem, pode-se dizer que a sociedade está vivendo uma nova mudança no seu sistema de produção. Este novo modelo de atuação pode ser denominado como “Revolução Tecnológica” ou também, “Revolução Informacional”. O atual modelo é caracterizado pelo papel central ocupado pelo conhecimento e pela informação, assim como pela aplicação deles para a geração de mais conhecimento, em um círculo de retroalimentação (ROCHA, 2004). Seguindo a análise do desenvolvimento dos modos de produção, Castells afirma que “a tecnologia da informação é para esta revolução o que as novas fontes de energia foram para as revoluções industriais sucessivas, do motor a vapor à eletricidade, aos combustíveis fósseis e até mesmo à energia nuclear” (CASTELLS, 2000, p. 50). Acerca das transições tratadas pelo autor, Domenico De Mais complementa, expondo ter ocorrido ao fim da Segunda Guerra Mundial, quando a produção “de bens materiais que caracterizava a sociedade industrial deu lugar a produção de bens imateriais (serviços, informações, etc) que caracterizam a sociedade pós industrial” (DE MASI, 1999. p. 221).
Castells (2000) pondera, que embora o modo capitalista de produção seja caracterizado por sua expansão contínua, que pretende sempre superar os limites temporais e espaciais, foi apenas no final do século XX que a economia mundial conseguiu tornar-se verdadeiramente global, com base na nova infraestrutura, propiciada pelas tecnologias da informação e comunicação. Ainda, Castells (2000) afirma que a redefinição histórica da relação capital-trabalho foi possibilitada pela capacidade de usufruir de mão de obra em qualquer lugar e a qualquer momento.
Assim sendo, o antigo modelo produtivo deu lugar a um novo sistema, este descentralizado no que se refere aos locais de trabalho e centralizado no sentido de conhecimento, da informação e da comunicação via tecnologia. Os efeitos deste novo modo de produzir há pouco podem ser percebidos, visto o modo gradual como a mudança vem ocorrendo.
Não há dúvida de que, a cada dia, é mais difícil obter uma vaga no mercado formal de emprego. Visto que a alta competitividade para o ingresso e a manutenção no mercado de trabalho são as principais características do mercado atual. O fenômeno da globalização, acompanhado da necessidade das empresas para que otimizem a sua atividade produtiva, interfere diretamente para ocorrência deste comportamento do mercado. Em paralelo, o surgimento de novos recursos tecnológicos, que permitem a crescente ampliação da automação, também tem influência os novos parâmetros observados. O desenvolvimento e o uso das tecnologias da informação e comunicação possibilitaram a descentralização do trabalho, e este fato reflete-se no número de pessoas que hoje trabalham a distância, em instituto também conhecido como teletrabalho.
Em um mundo cada vez mais globalizado e sob os impactos do rápido avanço tecnológico, as relações de trabalho estão sofrendo modificações em suas antigas formas de organização, adaptando-se ao surgimento, cada vez mais célere, de novos modos de produção e de novos usos para o potencial humano de trabalho. Estamos diante de um novo tipo de trabalho, oriundo da reorganização do trabalho intelectual e manual. Ainda que não se possa considerar tão somente a reorganização dos processos de trabalho, mas também a integração produtiva nos territórios e nas redes sociais que os desenham. É preciso observar também, os comportamentos de consumo (COCCO, 1999), bem como os atuais padrões de relacionamento pessoal, através das redes sociais.
O teletrabalho surge então, como uma realidade laboral, que em alguns espaços ainda carece de definição conceitual e regulamentação legislativa satisfatória, mas é propagado como promissor, já que se anuncia sua tendência de gerar novos empregos (ou apenas trabalho?), auxiliar na manutenção dos existentes e regularizar a situação dos trabalhadores que se encontram à margem da lei e de sua proteção.
2 DEFINIÇÃO DE TELETRABALHO
Definir teletrabalho constitui uma difícil tarefa, na medida em que há um sem número de variações terminológicas, e suas flexões conforme o contexto geográfico, temporal e até mesmo científico.
A palavra telecommuting, que originou o vocábulo teletrabalho na língua portuguesa, foi utilizada pelo norte-americano Jack Nilles (1997), na década de 70. Definindo como qualquer atividade profissional que é realizada fora do local tradicional de trabalho, em que alguma das técnicas de telecomunicação é utilizada. O Autor define que o objetivo dessa nova forma de prestação laboral seria “a possibilidade de enviar o trabalho aos trabalhadores, em vez de levar estes ao trabalho” (NILLES, 1998. p. 1-17).
Carmen Algar Jiménez (2007) segue a mesma linha de raciocínio, ao definir de modo teórico o teletrabalho como a modalidade que corresponde com aquela em que o trabalho é realizado fora do local onde o resultado deste é esperado, por meio do uso de ferramentas e/ou tecnologias de comunicação.
Denise Pires Fincato (2003), enfim, afirma que é teletrabalho: A título de direito comparado, existem países que já definiram juridicamente o teletrabalho, tais como: Itália, Espanha, Portugal e Chile; com forte destaque ao Acordo Marco Europeu sobre Teletrabalho, norteador de iniciativas legislativas europeias e com perfil de norma comunitária.
Inequivocamente, regulamentar o teletrabalho trata-se do cerne da questão. A crescente evolução dos meios informacionais voltados à conectividade e à crescente eficácia da comunicação, inserida no contexto globalizado em que passou supra descrito. Torna-se, a cada dia, mais possível enviar o trabalho e a estrutura de trabalho, mesmo que virtual, ao trabalhador; o que possui seus prós e contras.
De modo geral, o teletrabalho se caracteriza pelo uso das telecomunicações para alterar a geografia do trabalho, segundo a European Commission (2000). Ainda, abrange diversos aspectos, tais como econômico, social, cultural, organizacional, tecnológico, ambiental, legal e outros, e diversos atores, como: organizações, indivíduos, governos, fornecedores de tecnologias de informação, sindicatos e outros.
Destaca-se, a título de nomenclatura, que os autores americanos costumam utilizar o termo telecommuting, enquanto os europeus preferem telework. O que reflete o foco diverso de atenção que as diferentes definições desenvolvidas até hoje abordam: a localização quando utilizado telecommuting, trabalho fora do local tradicional de trabalho da empresa, e por processo ao utilizar a expressão teleworking, em função do uso de tecnologias de informação e comunicação – TICs ou TIs.
A problemática da tutela do teletrabalho perpassa não apenas pelas questões conceituais, mas também pela falta de entendimento jurídico mínimo sobre a matéria. O que acaba por manter em aberto questionamentos jus-sociais, que no estágio atual de desenvolvimento do Estado Democrático de Direito, não podem ficar à mercê de soluções esparsas e dissonantes, o que como vem ocorrendo atualmente com a jurisprudência trabalhista brasileira em face da Lei 12551/2011. A falta de um conceito legal minimamente preciso, que o julgador possa utilizar para realizar a subsunção da realidade fática à lei e alcançar os direitos constitucionalmente previstos aos teletrabalhadores, tem criado a verdadeira insegurança jurídica, que acaba por impedir o desenvolvimento e a adaptação sócioeconômica do trabalho nacional, alijando milhares de trabalhadores do uso seguro da modalidade contratual do teletrabalho e expondo-os à precarização de suas relações. O olhar oposto também pode ser realizado, no sentido de que a ausência de conteúdo legislativo mínimo, deixa empregadores expostos à incerteza em suas relações com seus empregados. Apesar de utilizar esta possibilidade de nova forma laboral como um imperativo mercadológico, ao empregador, utilizá-la desconhecendo suas obrigações sociais pode ser o naufrágio do empreendimento.
3 PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS
O teletrabalho constitui modalidade de trabalho com características próprias (JIMÉNEZ, 2007), dentre as quais: a distância, situação laboral em que teletrabalhador se encontra num ponto geograficamente distinto daquele em que o trabalho é realizado tradicionalmente e/ou entregue, tecnologia, recurso intensivo a meios informáticos e de telecomunicações - redes, equipamentos e aplicações/serviços - para suporte e/ou entrega (transferência) de teletrabalho, estruturação, existência de um acordo claro entre os intervenientes (teletrabalhador-empresa e empregadoracliente) que estabeleça e regule as condições laborais e as condições de trabalho, forma organizativa, a partir de casa do trabalhador, em centros de teletrabalho, escritórios satélite, teletrabalho móvel, escritórios partilhados, offshore (teletrabalho transfronteiriço), etc., modalidade, formal ou informal, tempo integral, tempo parcial, em alternância (alguns dias por semana) ou ocasional (FINCATO, 2012)
Então, a condição para haver teletrabalho, portanto, é a necessária separação do trabalhador e do ambiente tradicional de prestação laboral, além do uso das tecnologias da informação e comunicação como ferramenta de trabalho.
4 TIPOLOGIA
De acordo com o critério adotado, várias são as modalidades de teletrabalho. A partir desta premissa, o teletrabalho pode ser classificado através do critério comunicativo, isto é, pelo grau de conexão existente entre empregador e empregadoou entre tomador de serviços e trabalhador . Desta forma, nas modalidades a seguir descritas:
Teletrabalho off line, também chamado de desconectado ou unpluged, caracterizado quando o trabalhador realiza sua atividade sem manter vinculação telemática alguma com o empregador. O computador, se existir, não é utilizado como forma de comunicação, mas como mera ferramenta de trabalho e processamento de informação.
Teletrabalho online, também chamado de conectado, é a modalidade que revela o típico teletrabalho, já que é através dela, que trabalhador e empregador se comunicam continuamente, em total sincronia e de modo bidirecional. Ação que é facilitada pelas tecnologias de comunicação e informação.
Já a modalidade one way line é a variação do modelo online. Nela a comunicação se dá de forma unimodal, como por exemplo, com a utilização de pagers convencionais, que não permitem interatividade simultânea (FINCATO, 2009) ou com uma das vias, entrega ou devolução do trabalho, de forma não tecnológicoinformacional.
No que tange à classificação, pode-se observar e categorizar o teletrabalho também de acordo com o local de onde ele é prestado. Sendo que, suas principais modalidades são: telecottages, telecentros ainda, teletrabalho nômade e, por último, em domicílio. Veja-se:
O teletrabalho em telecottages é aquele que é realizado em zonas rurais ou regiões de menor nível de escolaridade e preparo para o trabalho. Quase se confunde com os telecentros, não fosse o particular de sua localização. Via de regra, são utilizadas instalações públicas, como salões de Igrejas, escolas ou até mesmo edificações em fazendas, observando sempre que todos devem estar devidamente adequados e informatizados. Com sucesso, experiências importantes nesta modalidade de teletrabalho são realizadas em países como Inglaterra, Irlanda, Suécia (norte), Noruega, Finlândia, Dinamarca, França e Alemanha (FINCATO, 2012). O telecentro, por sua vez, é uma forma de organização das atividades em um espaço devidamente preparado para o desempenho do teletrabalho. Pinho Pedreira (200) afirma que “os telecentros são locais da empresa, porém situados fora da sua sede central”. Em verdade, os telecentros podem ser locais pertencentes à empresa ou não, uma vez que são divididos em Centro Satélite e Centro Local de Teleserviço. O Centro Satélite é um edifício, ou parte de um, que pertence à empresa, separado de sua sede central, mas que com ela está em permanente comunicação telemática, não se confundindo com uma filial da mesma. Tais centros estão situados em pontos geograficamente estratégicos e estão abertos a todos os teletrabalhadores das circunvizinhanças (independentemente de sua função ou cargo), vinculados empregaticiamente à empresa.
Já o Centro Local de Teleserviço, também chamado de Telecentro Compartilhado ou Telecentro Comunitário, é um lugar pertencente a um grupo, que disponibiliza esse espaço, via aluguel, para várias empresas onde coexistem trabalhadores, estes vinculados a vários empregadores ou até mesmo a profissionais independentes. Ainda, este local pode pertencer ao Estado, onde os funcionários de muitas empresas compartilham o mesmo endereço profissional. Neste caso, o Estado atua na estruturação física destes locais, sem estabelecer qualquer vínculo algum com os empregados ou com as empresa.
Já o teletrabalho nômade, também denominado móvel ou itinerante, é caracterizado pela ausência de determinação quanto ao local de onde o teletrabalhdor estará prestando serviços (FINCATO, 2012). O empregado realiza suas atividades de qualquer lugar, desde que disponha de equipamentos telemáticos que lhe permitam realizar o seu trabalho. Pode-se afirmar que esta é a máxima expressão do teletrabalho, já que o sujeito trabalha de onde quer ou precisa. Nesta modalidade, o teletrabalhador, nessa modalidade, pode executar suas tarefas de casa, na sede do cliente ou mesmo no trânsito, por exemplo.
Através do teletrabalho em domicílio (PEDREIRA, 2000), o trabalhador realiza suas atividades em seu próprio domicílio ou em ambiente familiar, com o auxílio de mecanismos telemáticos. Aqui, o teletrabalhador instala, em um local específico de sua residência, com estrutura própria ou cedida pela empresa, uma pequena estação de trabalho com acesso aos meios de comunicação necessários para a realização das suas funções, tais como: telefone, fax, computador, internet, etc. O teletrabalhador em domicílio pode estar em sua casa durante todo o período (regime puro) ou fracioná-lo (regime híbrido), realizando, por exemplo, meio turno na empresa e meio turno em sua residência, ou ainda, alguns dias da semana na empresa e outros em casa. O diferencial é que qualquer um dos regimes adotados alterará a estrutura física da empresa que o adotou, já que ao invés de inúmeros gabinetes e postos de trabalho individuais, espaços de uso rotativo, plural, democrático, impessoais e funcionais passarão a compor o layout do ambiente de trabalho. Ainda, no que toca à empresa, o teletrabalho em domicílio (principalmente nas modalidades off line ou one way line) reduz sensivelmente o número de ausências ao trabalho, principalmente por enfermidade do trabalhador ou de seus parentes próximos. Para o trabalhador, tal modalidade contribui para a redução de seus custos pessoais, como: combustível, alimentação e vestuário. Permite ainda, que o trabalhador não se exponha aos riscos urbanos (acidentes, assaltos, etc), retirando-o também do trânsito das grandes cidades (fato gerador de atrasos). Entretanto, os gastos com energia elétrica, calefação/climatização, telefonia, material de expediente (folhas, tinta, etc), dentre outros, devem fazer parte dos encargos das empresas, mas, pelo que se percebe através da realidade fática é que estes acabam sendo repassados ao trabalhador, como ônus.
No campo normativo brasileiro, o teletrabalhador em domicílio equipara-se ao trabalhador em domicílio tradicional, regulamentado pelo artigo 6° da Consolidação das Leis Trabalhistas.
Os tipos de teletrabalho retro referidos podem ainda, dar-se de acordo com uma ou outra modalidade, dependendo da estrutura que disponham as partes (empresa e empregado) e da natureza da atividade laboral. Sinale-se, todavia, que a tônica do teletrabalho é justamente o uso dos meios de telecomunicação como mediadores da distância e que sua ausência permite a confusão do teletrabalho com o trabalho em domicílio. Importante ressaltar, que por ser o teletrabalho uma modalidade flexível, poderá haver a simultaneidade de espaços de trabalho, sendo possível que o teletrabalhador intercale suas atividades entre o seu domicílio e o telecentro, a empresa ou ainda, entre a empresa e qualquer lugar em que haja a possibilidade da execução da atividade utilizando-se dos meios telemáticos.
Dentre as modalidades supra citadas, destaca-se, para fins deste estudo, o teletrabalho no domicílio, o qual se constitui a maneira mais comum de teletrabalhar.
5Vantagens e desvantagens
Como todo o resultado oriundo de transformações sociais, o teletrabalho também nos permite colher vantagens e desvantagens quanto a sua utilização.
Dentre as vantagens, se encontram as principais questões de interesse direto do empregador, como: redução de custos com estrutura física, simplificação da fiscalização do trabalho, aumento de produtividade, área geográfica de atuação mais ampla, dentre outras. Algumas das vantagens são de interesse direto do empregado, tais como: menores custos de alimentação, transporte e vestuário, mais tempo para atender clientes, maiores oportunidades para pessoas com restrições de tempo e locomoção, relacionamento mais estreito com clientes em comunidades específicas, maior facilidade em atender múltiplas empresas (por parte de especialistas altamente qualificados), equilíbrio de interesses pessoais e familiares incidentais e também o acesso ao trabalho de um contingente humano que, hoje em dia, enfrenta dificuldade em obter emprego formal, atuando assim, como um meio hábil de contribuição para a diminuição da desigualdade de oportunidades, como é o caso dos trabalhadores com deficiência (BRASIL, 2000).
No mais, as vantagens podem se travestir de desvantagens quando, por exemplo, o teletrabalho trouxer diminuição do tempo livre, isolamento social, redução da distinção da vida profissional e da vida particular e menores possibilidades de ascensão profissional (WINTER, 2005). Sendo um dos pontos negativos do teletrabalho o risco de quebra de privacidade. Há o que cuidar nesse aspecto, porque existe o risco de se atentar contra as liberdades individuais e o direito de privacidade, garantidos a todas as pessoas (FRANCO FILHO, 1998).
A modalidade de teletrabalho impõe mudanças não só no aspecto econômico, jurídico e social, mas também através do ponto de vista cultural, na medida em que o fenômeno da globalização, que está a aproximar os povos e a eliminar barreiras, também atinge o teletrabalho. Sendo fundamental a busca pelos instrumentos necessários para adaptar as empresas e os trabalhadores a essa irreversível realidade.
Fácil, portanto, chegar à conclusão de que para bem interpretar as relações de trabalho contemporâneas é necessário compreender a liquidez da sociedade atual, em que a volatilidade das relações é a tônica e a vida em conjunto (familiar, laboral, política, etc) perde importância, consistência e estabilidade.
6 REGULAMENTAÇÃO LEGAL
6.1 União Européia
A União Européia (antiga Comunidade Econômica Européia) constitui paradgima singular no cenário do Direito Internacional, com vivência legitimamente comunitária, sua estrutura abarca, por exemplo, um Parlamento e, ainda, diversas outras estruturas, que estudam, normatizam e orientam as posturas dos países integrantes da comunidade nos mais variados temas.
Em razão disto, a chamada Comissão Européia convocou os parceiros europeus para debater e ajustar condutas comuns acerca do teletrabalho, reconhecendo-o como realidade inconteste e preocupante à União Européia. Deste encontro, em 2002, resulta o Acordo Marco Europeu sobre Teletrabalho, cuja aplicação nos países membros é recomendada, harmonizando ali as referências negociadas e as contidas à legislação nacional respectiva.
No entanto, apesar do crescente aumento no uso desta nova forma de prestação laboral, o teletrabalho não tem regulamentação específica e minuciosa na maioria dos países. Como visto, na Europa há o Marco Europeu, que é o norte dos textos normativos dos países que o compõem. Como pode ser visto através do artigo 13 do Estatuto dos Trabalhadores da Espanha (alterado pela reforma de 2012 - Real Decreto-ley 3/2012, de 10 de fevereiro, com “medidas urgentes para la reforma del mercado laboral”):
O Acordo estabelece a definição e ainda, algumas características particulares desta nova modalidade de organização da prestação de trabalho.
O Teletrabalho, portanto, é definido pelo Acordo Marco Europeu (2002, < http://www.ccoo-servicios.es/archivos/bbva/20110727_acuerdo_marco_europe... [2] etrabajo.pdf) como:
[...] una forma de organización y/o de realización del trabajo, utilizando las tecnologías de la información en el marco de un contrato o de una relación de trabajo, en la cual un trabajo que podría ser realizado igualmente en los locales de la empresa se efectúa fuera de estos locales de forma regular.
Assim, para efeitos didático-normativos, teletrabalhador é a pessoa que exerce atividade laboral nos moldes do parágrafo destacado, ou seja, é aquele que está vinculado a uma empresa, exercendo um trabalho de forma regular, que bem poderia ser exercido nas dependências empresariais, mas não o é. O teletrabalho pode se dar com ou sem subordinação jurídica, apesar de interessar à maioria dos países que primaram em regrar o instituto, as relações empregatícias de teletrabalho. Por esta razão, o artigo 4º do mencionado Acordo destaca que, naquilo que se refere às condições de emprego, os teletrabalhadores se beneficiam dos mesmos direitos garantidos pela legislação e pelos acordos coletivos aplicáveis aos empregados que laboram nas instalações da empresa. No entanto, tendo em conta as peculiaridades do teletrabalho, disposições específicas podem ser necessárias para indivíduos ou grupos adicionais.
Pelo Acordo, o teletrabalho poderá fazer parte do ajuste inicial da organização do trabalho ou incorporar-se ao contrato de trabalho, via adesão voluntária (exercitada pelo empregado), mais tarde. Em ambos os casos, a configuração da relação de teletrabalho deverá respeitar a vontade individual das partes e, uma vez ajustada, deverá ser sucedida pela entrega ao teletrabalhador de toda a informação relevante para execução do trabalho na nova modalidade, tais como: departamento em que está adscrito o trabalhador, seu imediato superior ou outras pessoas a que pode se dirigir, descrição do trabalho a ser realizado, etc. – Isto deve ser especificado de forma escrita. Além do esclarecimento acerca das normas coletivas aplicáveis ao seu regimento laboral. Importante destacar também, que a decisão de passar a teletrabalhar deve ser reversível e instrumentalizada por acordo individual ou coletivo. Com relação à proteção de dados, o empregador é responsável por tomar medidas adequadas que se impõem, especialmente em relação a softwares, com o objetivo de garantir a proteção dos dados utilizados pelo teletrabalhador para fins profissionais. O empregador deverá informar ao empregado a existência de legislação ou norma coletiva que aborde a questão da proteção de dados, especialmente sobre limitações na utilização das ferramentas informáticas de trabalho. Sendo responsabilidade do teletrabalhador o respeito e cumprimento dessas normas, sob as penas estabelecidas, por consequência. O empregador, segundo o Marco Europeu, também é obrigado a respeitar a vida privada do empregado e, se decidir adotar algum tipo de sistema de vigilância para o ambiente de trabalho, deverá cuidar para que seja proporcional ao objetivo demandado, o qual deve obedecer ao estabelecido na Diretiva 90/270, relativa às câmeras de vigilância. Também serão de responsabilidade do empregador os custos relativos aos equipamentos para o exercício da atividade laboral, os quais deverão estar expressamente contidos, por escrito, quando da contratação. Sendo responsabilidade do empregado o cuidado pelo seu bom manuseio e guarda. Com relação à saúde e à segurança do empregado, o empregador é responsável pelo amparo, conforme a Diretiva Européia 89/391, assim como as diretivas particulares, legislações nacionais e normas coletivas pertinentes, devendo informá-lo sobre a política empresarial em matéria de saúde e segurança no trabalho. Por sua vez, o teletrabalhador se obriga a aplicar tais políticas corretamente. Importante destacar, que para verificar a correta aplicação dessas normas em matéria de saúde e segurança, o empresário, os representantes dos trabalhadores e/ou as autoridades competentes têm garantido o acesso ao local de trabalho, com observância aos limites da legislação e das normas coletivas. Portanto, se o trabalhador remoto labora em seu domicílio, o acesso para fiscalização estará submetido à prévia notificação e consentimento. O Acordo Marco Europeu não descuida de esclarecer que a organização do tempo de trabalho do teletrabalhador deverá ser administrado pelo próprio e, que sua carga de trabalho e os critérios de resultados deverão ser equivalentes aos dos trabalhadores presenciais. No mesmo sentido, os teletrabalhadores deverão receber formação adequada e ter as mesmas possibilidades de acesso à formação e ascensão na carreira que os trabalhadores presenciais, estando, igualmente, sujeitos às mesmas regras de avaliação profissional. Destaca-se a preocupação com o bem estar psicológico do empregado distante, uma vez que o Acordo impõe ao empregador a tomada de medidas para evitar o isolamento do teletrabalhador, devendo o gerar oportunidades para que se encontre regularmente com os demais colegas. Por fim, é garantido aos teletrabalhadores igualdade de direitos coletivos aplicado aos outros trabalhadores que laboram no ambiente tradicional da empresa. Não sendo possível colocar dificuldades à comunicação dos mesmos com seus representantes. Os teletrabalhadores se sujeitarão às mesmas condições de participação e elegibilidade a que são submetidos outros trabalhadores, em todos os sentidos. Na Espanha, o Real Decreto Lei 3, de 10 de fevereiro de 2012, atualiza as garantias que são estendidas ao teletrabalhador, no seguinte sentido: conferir uma forma particular de organização do trabalho, que se encaixe perfeitamente no modelo produtivo e econômico perseguido, para promover a flexibilidade dos empregados na organização do trabalho, fomentar e pulverizar as oportunidades de emprego e otimizar a relação entre tempo de trabalho e vida pessoal do trabalhador. Consoante pré-afirmado, o Acordo Marco Europeu sobre Teletrabalho vem sendo utilizado por vários países da Europa, bem como por entidades de representação econômicas e profissionais, como vértice para o estabelecimento de relações de teletrabalho. Na Espanha, por exemplo, onde algumas convenções coletivas já regulavam o teletrabalho antes mesmo da subscrição do Acordo Marco Europeu, o Acuerdo Interconfederal para la Negociación Colectiva de 2003 reconheceu o Marco como documento viabilizador da modernização das empresas, além de mecanismo de conciliação da vida profissional e pessoal para os trabalhadores, que usufruirão de maior autonomia para a realização de suas tarefas particulares e familiares. Igualmente, o Acuerdo Interconfederal para la Negociación Colectiva de 2005 voltou a destacar as características do teletrabalho.
6.2 Brasil: (in) existência de regulamentação legal
Muito recentemente, em 15 de dezembro de 2011, foi publicada a lei 12.551, que modificou a redação original do artigo 6º da Consolidação das Leis do Trabalho, “para equiparar os efeitos jurídicos da subordinação exercida por meios telemáticos e informatizados à exercida por meios pessoais e diretos”, visando em verdade tutelar o teletrabalho. No entanto, acredita-se que o legislador ordinário, ao tentar cumprir seu papel, o fez de forma muito aquém à necessária para que se possa falar em efetiva existência e eficácia de uma tutela ao teletrabalhador no Brasil, já que as dúvidas sobre a nova forma de trabalho não foram minimante solucionadas. A atual legislação deixa lacunas, que, por óbvio, devem ser preenchidas, até mesmo sobre os aspectos constitucionais da relação laboral. Já que, quando não sanadas, tais brechas abrem margem de insegurança jurídica aos empregados e empregadores em seu relacionamento.
Texto retirado de: https://online.unisc.br/seer/index.php/direito/article/view/4647/3954
Autoras: Denise Pires Fincato e Michelle Dias Bublitz