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Propriedade intelectual na OMC:
Resultado das negociações
Camila Kappeler *
Como vimos, o sistema de regras do comércio internacional foi
estabelecido ao longo de oito rodadas de negociações multilaterais, sendo que
as seis primeiras visaram basicamente a diminuição de tarifas aduaneiras
através de negociações de concessões tarifárias recíprocas. As duas últimas
rodadas foram mais amplas, incluindo Propriedade Intelectual.
No preâmbulo [1] do Acordo Constitutivo da OMC [2] explicita-se os objetivos e princípios e
afirmam que decididas a preservar os princípios fundamentais e a favorecer a
consecução dos objetivos que informam este sistema multilateral de comércio,
acordam nas disposições do referido Acordo. É importante ressaltar que a
interpretação das disposições de um tratado deve ser feita com base na sua
finalidade, levando-se em conta seu texto.
Conforme dispõe o preâmbulo do Acordo Constitutivo da OMC, são
seus objetivos: a elevação dos níveis de vida; o pleno emprego; a elevação
constante das receitas reais e demanda efetiva; o aumento da produção e do
comércio de bens e serviços, permitindo ao mesmo tempo a utilização ótima dos
recursos mundiais em conformidade com o objetivo de um desenvolvimento
sustentável e buscando proteger e preservar o meio ambiente e incrementar os
meios para fazê-lo, de maneira compatível com as necessidades e interesses dos
países segundo os diferentes níveis de desenvolvimento econômico.
Da mesma forma, reconhecem como objetivo, a obtenção pelos países em
desenvolvimento, especialmente os de menor desenvolvimento relativo, de uma
parte do incremento do comércio internacional que corresponda às necessidades
de seu desenvolvimento econômico.
A tentativa de composição dos interesses durante as negociações do TRIPS
resultaram nas disposições do Acordo, que não consagrou um paradigma
absolutista da propriedade intelectual, no qual só interessa a proteção dos
direitos do titular. Pelo contrário, se baseia no equilíbrio entre a promoção
da inovação e da difusão e transferência de tecnologia, em consonância com os
objetivos de desenvolvimento econômico dos povos dispostos no Tratado de
Marrakech. [3] Mas há quem sustente que os novos estatutos
jurídicos nascidos a partir do TRIPS resultaram no reforço do titular dos
direitos à tecnologia.
Atribui-se um prazo de transição maior aos países em desenvolvimento e aos
subdesenvolvidos para a proteção e vigência do acordo internacional em seus
ordenamentos jurídicos internos. O caráter de composição entre diferentes
expectativas e objetivos fica claro em várias partes do acordo TRIPS, como em
seu artigo 69 [4]. Por ele, os membros concordam em cooperar
entre si com o objetivo de eliminar o comércio internacional de bens que violem
direitos de propriedade intelectual.
As negociações começaram com os principais atores divididos pela linha dos
países desenvolvidos e em desenvolvimento. O acordo estruturou-se com base nas
várias convenções internacionais sobre os direitos da propriedade intelectual,
incorporando vários de seus dispositivos. A grande maioria dessas convenções
são administradas pela OMPI. O acordo TRIPS inclui as regras básicas do GATT,
padrões mínimos de proteção, práticas comerciais restritivas.
1.1 INÍCIO DAS NEGOCIAÇÕES
As negociações do Acordo TRIPS iniciaram-se em fevereiro de 1987, quando
Ministros das Partes Contratantes do GATT acordaram sobre os procedimentos para
a negociação que perdurou até 1992, com a conclusão da primeira minuta do
Acordo TRIPS.
Finalmente, em abril de 1994, durante a Reunião Ministerial de Marrakech, o
Acordo TRIPS, com setenta e três artigos e divididos em sete partes, foi
assinado tendo como ambiciosa meta a harmonização mínima de dispositivos
substantivos regulamentando os direitos sobre a propriedade intelectual,
incluindo: direitos do autor e direitos conexos, marcas, indicações
geográficas, desenhos industriais, patentes, circuitos integrados, proteção de
informação confidencial e práticas desleais do comércio.
No Acordo TRIPS constam, também, requisitos mínimos para a aplicação dos
direitos sobre a PI e normas regulando a aquisição e a manutenção da PI.
Processo Negociador
Em 1986 passou pelo GATT uma resolução, a qual tinha como objetivo central a
proteção dos direitos da propriedade intelectual relacionados com o comércio
internacional..
Após, seguiram-se 6 anos de negociações, quando o então Diretor-Geral do GATT,
Arthur Dunkel, apresentou em dezembro de 1991 um projeto do acordo em todas as
áreas negociadas na Rodada Uruguai. Esse projeto ficou conhecido como o
"Dunkel Draft" [5], principalmente na parte relacionada com o
TRIPS, que veio sofrer pequenas alterações antes de ser finalmente aprovado
pelos Ministros em Marrakech em 15 de abril de 1994. [6]
Esse projeto, o qual deveria ser aceito como um pacote único, representou um
balanço entre as intenções dos países industrializados e as preocupações
externadas pelos países em desenvolvimento. O Draft visava dificultar a
apresentação de propostas pelos participantes para serem discutidas em separado
e, ao mesmo tempo, combinar concessões de diferentes blocos em diferentes
acordos.
Essa estratégia foi feliz em acomodar as reinvidicações dos países em
desenvolvimento, em áreas como agricultura e têxteis e, ao mesmo tempo,
assegurar o patamar mínimo almejado pelos países desenvolvidos no TRIPS.
Segundo um representante do Governo brasileiro, a atuação do Brasil e de demais
países em desenvolvimento, como a Índia, notada desde o início da Rodada
Uruguai, `contribuiu para a consolidação de um texto bastante aquém das
expectativas dos países desenvolvidos, que desejavam assegurar no GATT
patamares de proteção à propriedade intelectual significativamente superiores
aos do texto final do Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade
Intelectual relacionados ao Comércio.
1.2. ANEXO 1C AO ACORDO DA OMC
O TRIPS, que entrou em vigor em 1º de janeiro de 1995, é um dos anexos ao
Acordo Constitutivo da Organização Mundial do Comércio (OMC) apenso, por sua
vez, à Ata Final que se incorporam os Resultados da Rodada Uruguai de
Negociações Comerciais Multilaterais.
O Acordo inseriu a propriedade intelectual como uma das peças mais importantes
do sistema multilaterais de comércio implementado pelo Acordo da OMC. O TRIPS
pode ser ainda considerado com um dos três pilares da OMC, juntamente com o regime
do comércio de bens, tradicionalmente coberto pelo GATT , e com o novo acordo
sobre o comércio de serviços. Entretanto, não foi o TRIPS pioneiro na
interseção entre o regime multilateral do comércio e a propriedade intelectual.
O Artigo IX (6) do GATT 47 já anunciava, ainda que timidamente, a importância
dessa relação [7].
A Organização Mundial do Comércio (OMC) ou World Trade
Organization (WTO), foi criada pelos Participantes da Rodada Uruguai através do
Agreement Establishing The World Trade Organization e tem como objetivo
proporcionar uma estrutura institucional comum para a condução de relações
comerciais entre os Países-Membros em assuntos relacionados com os Acordos da
OMC.
O Acordo da OMC e seus anexos 1,2 e 3 formam o conjunto denominado ″Acordos Multilaterais de
Comércio″ que são obrigatórios para todos os Membros da OMC, ao contrário
dos Acordos do Anexo 4 [8], denominados ″Acordos Plurilaterais″ que são facultativos, não
criando obrigações para os Países-Membros que não os aceitaram.
Alguns Membros da OMC debatem a natureza da Ata Final e do Acordo constitutivo
da OMC em seus respectivos ordenamentos jurídicos. Enquanto alguns
Países-Membros consideravam a Ata Final um ″executive agreement″, o Acordo constitutivo da OMC e seus anexos são habitualmente
entendidos como tratados ou acordos de comércio (trade agreements).
Dessa forma, pode-se dizer que a recepção (ou internalização) da Ata Final e do
Acordo da OMC variam de acordo com o ordenamento jurídico de cada País –
Membro, na forma de sua disposições internas, geralmente de natureza
constitucional.
Por fim, é importante notar que a adesão ao TRIPS não pode ser feita com
reservas com relação a qualquer disposição sem consentimento dos demais
Membros, na forma do Artigo 72 do Acordo. A adesão ao TRIPS também não se pode
dar isoladamente [9].
De acordo com o princípio do ″Single Undertaking″ [10], que emana do Artigo 2(3) [11] do Acordo da OMC, os Participantes devem
aceitar a Ata final da Rodada Uruguai e o Acordo Constitutivo da OMC (como
países contratantes) em todo o seu conjunto (menos os acordos plurilaterais) .
1.3 GATT X. OMPI
A OMPI vem sendo alvo de muitos comentários, em razão dos tratados e convenções
que ela administra e o futuro da Organização em face do Acordo de TRIPS e da
criação da OMC.
O artigo 63(2) do TRIPS, prova que a importância do papel desempenhado pela
OMPI continua crescendo no cenário da propriedade intelectual [12].
Sua relevância pode ser notada através da sua contribuição nas atividades da
OMC e de seus Membros. A relação de trabalho estabelecida entre a OMPI e o
órgão da OMC responsável pelas atividades relacionadas com o TRIPS, formalizada
através do acordo ″World Intellectual Property Organization – World Trade
Organization: Agreement Between the World Intellectual Property Organization
and the World Trade Organization″, pela qual as duas organizações estabelecem uma relação
institucional de suporte e cooperação mútua.
O texto do
Acordo entre a OMPI e a OMC traz o seguinte preâmbulo:
"The World Intellectual Property Organization (WIPO) and the World Trade
Organization (WTO), desiring to establish a mutually supportive relationship
between them, and with a view to establishing appropriate arrangements for
cooperation between them".
A OMPI apóia a OMC de diversas formas, sendo que
no artigo 4 resta claro que essa base para a cooperação técnica e assistência
legal vem do empréstimo de sua especialização e know-how.
Uma das formas dá-se através do fornecimento de informações para o Conselho
para TRIPS e a segunda é o apoio aos Membros da OMC na implementação do TRIPS,
assim como na obtenção de informações com o fim de utilização no processo de
prevenção e solução de controvérsias.
Além do importante papel de ajudar a garantir a correta implementação das
Convenções e Tratados sobre a propriedade intelectual relacionadas com o TRIPS,
a OMPI presta assistência técnica à diversos organismos internacionais, como a
Organização para os Estados Americanos (OEA) [13] e o Grupo de Trabalho de Propriedade
Intelectual para a Área de Livre Comércio das Américas (ALCA).
Por fim, não há dúvida de que a OMPI é, em grande parte, responsável pelo
avanço da propriedade intelectual, o qual se deu através de novos instrumentos
e tratados negociados com sua ajuda. Hoje em dia, a OMPI pode ser considerada o
órgão mais dinâmico para o desenvolvimento da propriedade intelectual
disponível para a comunidade internacional.
[1] Segundo o Acordo Constitutivo da OMC, as
partes do presente Acordo, reconhecendo que as suas relações na esfera
da atividade comercial e econômica devem objetivara elevação dos níveis de
vida, o pleno emprego de um volume considerável e em constante elevação de
receitas reais e demanda efetiva,o aumento da produção e do comércio de bens e
de serviços, permitindo ao mesmo tempo a utilização ótima dos recursos mundiais
em conformidade com o objetivo de um desenvolvimento sustentável e buscando
proteger e preservar o meio ambiente e incrementar os meios para fazê-o, de
maneira compatível com suas respectivas necessidades e interesses segundo os
diferentes níveis de desenvolvimento econômico,reconhecendo ademais que é
necessário realizar esforços positivos para que os países em desenvolvimento,
especialmente os de menor desenvolvimento relativo, obtenham uma parte do incremento
do comércio internacional que corresponda às necessidade de seu desenvolvimento
econômico,desejosas de contribuir para a consecução desses objetivos
mediante a celebração de acordos destinados a obter, na base da reciprocidade e
de vantagens mútuas, a redução substancial das tarifas aduaneiras e dos demais
obstáculos ao comércio assim como a eliminação do tratamento discriminatório
nas relações comerciais internacionais,resolvidas, por conseguinte, a
desenvolver um sistema multilateral de comércio integrado, mais viável e
duradouro que compreenda o Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio os
resultado de esforços anteriores de liberalização do comércio e os resultados
integrais das Negociações Comerciais Multilaterais da Rodada Uruguai, Decididas
a preservar os princípios fundamentais e a favorecer a consecução dos objetivos
que informam este sistema multilateral de comércio,
Acordam o seguinte: (...)
[2] A OMC é um organismo "multilateral"
criado em 1995 para regulamentar as trocas internacionais e promover o
"livre" comércio. Ela foi criada inicialmente para implementar e
fiscalizar mais de vinte acordos multilaterais sobre comércio já existentes, entre
eles, o mais importante, o GATT, o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio,
[3] BASSO, Maristela O Direito Internacional da
Propriedade Intelectual, Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2000, p. 167.
[4] TRIPS, Artigo 69:″ Os Membros concordam em
cooperar entre si com o objetivo de eliminar o comércio internacional de bens
que violem direitos de propriedade intelectual. Para este fim, estabelecerão
pontos de contato em suas respectivas administrações nacionais, deles darão
notificação e estarão prontos a intercambiar informações sobre o comércio de
bens infratores. Promoverão, em particular, o intercâmbio de informações e a cooperação
entre as autoridades alfandegárias no que tange ao comércio de bens com marca
contrafeita e bens pirateados.”
[5] O projeto recebeu o nome de `Draft
Final Act Embodying the Results of the Uruguay Round of Multilateral Trade
Negotiations, GATT Doc. MTN.TNC/W/FA (20 de dezembro de 1991), Agreement
on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights, Including Trade in
Counterfeit Goods ( Annex III)`.
[6] Ver LICKS, Otto. O ACORDO SOBRE ASPECTOS DOS DIREITOS DE PROPRIEDADE INTELECTUAL
RELACIONADOS AO COÉRCIO (TRIPS AGREEMENT): ANEXO 1C AO ACORDO DE MARRAQUECHE
CONSTITUTIVO A ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO (OMC). A NEGOCIAÇÃO DO TRIPS E
SUA INTERNALIZAÇÃO. in: Guerra Comercial ou Integração Mundial pelo Comércio? –
A OMC e o Brasil ( coord. Paulo Borba Casellla e Araminta de Azevedo
Mercadante), Ed. LTR,
1998 p. 621.
[7] The contracting parties shall co-operate
with each other with a view to preventing the use of trade names in such manner
as to misrepresent the true origin of a product, to the detriment of such
distinctive regional or geographical names of products of the territory of a
contracting party as are protected by its legislation. Each contracting party
shall accord full and sympathetic consideration to such requests or
representations as may be made by any other contracting party regarding the
application of the undertaking set forth in the preceding sentence to names of
products which have been communicated to it by the other contracting party.
[8] O Acordo sobre o Comércio de Aeronaves Civis,
feito em Genebra em 12 de Abril de 1979 (BISD 26S/162), O Acordo sobre
Contratos Públicos feito em Marrakech em 15 de Abril de 1994, O Acordo
Internacional sobre o Leite e os Produtos Lácteos feito em Marrakech em 15 de
Abril de 1994 e O Acordo Internacional sobre a Carne de Bovino feito em
Marrakech em 15 de Abril de 1994.
[9] Artigo 72: Não poderão ser aceites reservas
relativamente a qualquer disposição do presente Acordo sem o consentimento dos
outros Membros.
[10] O princípio do ″single undertaking″ estabelece que os acordos
originados das negociações serão implementados em conjunto. Ver: BASSO,
Maristela. O Direito Internacional da Propriedade Intelectual. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2000. p.178
[11] Artigo 2(3):Os acordos e os instrumentos
jurídicos conexos que figuram no anexo 4 (designados "acordos comerciais
plurilaterais") fazem igualmente parte do presente Acordo para os Membros
que os tenham aceitado, sendo vinculativos para esses Membros. Os acordos
comerciais plurilaterais não criam obrigações nem direitos para os Membros que
não os tenham aceitado.
[12] TRIPS Art. 63.2 “Os Membros notificarão as
disposições legislativas e regulamentares referidas no n.º 1 ao Conselho TRIPS,
a fim de o assistir no exame do funcionamento do presente Acordo. O Conselho
procurará minimizar a carga imposta aos Membros para execução desta obrigação e
poderá decidir conceder uma dispensa da obrigação de lhe serem notificadas
directamente essas disposições se forem bem sucedidas as consultas com a OMPI
sobre o estabelecimento de um registo comum que inclua essas disposições
legislativas e regulamentares. O Conselho considerará igualmente neste contexto
eventuais medidas necessárias no que se refere às notificações por força das
obrigações nos termos do presente Acordo decorrentes do disposto no artigo 6.º
ter da Convenção de Paris (1967).”
[13] Para maiores informações, ver www.oea.org
* Estudante de Direito
Disponível em: http://www.direitonet.com.br/artigos/x/21/12/2112/
Acesso em: 01 setembro. 05.