A PRISÃO EM FLAGRANTE POR DELITO MILITAR E O ABUSO
DE AUTORIDADE Autor: Dr. Ricardo Bellido |
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O direito fundamental de liberdade encontra-se petrificado no inciso
LXI, do artigo 5o, da Carta Magna. Só há uma interpretação possível
para o aludido artigo: ninguém pode ser preso sem ordem escrita e
fundamentada de autoridade judicial competente. Assim sendo, fica abolida qualquer tipo de cerceamento de liberdade,
por ato de ofício do encarregado do inquérito, como exemplo, citem-se os
artigos 17 e 18 do CPPM, os quais não foram recepcionados pela Constituição
de 1988. Com a mesma sorte encontram-se as prisões para averiguações, as
chamadas prisões de polícia, as detenções em quartéis, etc. Tais práticas
nada mais são do que privação ilegal de liberdade. Contudo, a própria Carta Política previu exceções para a regra geral,
ou seja, em caso de flagrante delito, transgressão militar ou crime
propriamente militar a prisão pode ser realizada sem que haja o prévio
conhecimento da autoridade judiciária. A prisão por transgressão disciplinar diz respeito ao Direito
Administrativo, e é realizada sem que o militar faça uso das suas atribuições
de polícia judiciária, logo, não pertence ao escopo do presente artigo. Entretanto,
a prisão em flagrante, seja por crime propriamente militar ou não, é o pleno
e instantâneo uso das atribuições de polícia judiciária exercida pelo militar
federal. Abstendo-se, no momento, do conceito de flagrante e justa causa para a
prisão, o certo é que diante da imediata ocorrência de um delito castrense, é
dever do militar efetuar a prisão do infrator, nos termos do artigo 243 do
CPPM. A Lei 4.898/65 protege a liberdade física dos cidadãos em dois artigos
distintos. No artigo 3, a a norma tipifica como abuso de autoridade
qualquer atentado à liberdade de locomoção, e no artigo 4, a a lei
tipifica como abuso ordenar ou executar medida privativa de liberdade
individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder. O artigo 3, a da lei do delito abusivo, diz respeito à
liberdade de locomoção de uma pessoa. Desejou o legislador tipificar o tipo
penal de forma a punir qualquer atentado à liberdade, mesmo que a ação do
agente seja algo diferente da prisão. O artigo tipifica um delito de forma
livre, pois pode ser cometido por qualquer comportamento constritor de
liberdade física, ou seja, é defeso aos agentes do estado cercear a liberdade
de uma pessoa sem motivo justo, a qualquer título. Por exemplo: o encarregado do IPM, por razões
pessoais, deixa que uma testemunha permaneça várias horas na Organização
Militar, aguardando para ser ouvida na inquisa. No entanto, o artigo 4, a da lei do delito abusivo é mais
restrito. Nesse tipo penal, quis o legislador que fossem enquadradas as
prisões sem justa causa, ou as prisões devidas, mas sem as formalidades legais. O certo é que o cerceamento de liberdade de um indivíduo é o ponto
nevrálgico dos delitos de abuso de autoridade. Verifica-se que 80% dos feitos
envolvendo delitos abusivos são oriundos de restrição de liberdade dos
cidadãos. É admirável como, mesmo após quinze anos de norma constitucional
inibidora, a prática continua. Flagrante é o delito que está sendo cometido. E a prisão é o meio pelo
qual a sociedade se protege de uma agressão, mantendo sob custódia o
agressor. Considera-se próprio o flagrante quando o agente acabou de cometer
o delito, estando, portanto, sob certeza visual. Será impróprio quando for o
agente perseguido e capturado sem que tenha havido interrupção na
perseguição. Será presumido quando o agente for encontrado com objetos os
papéis que façam presumir a autoria do delito. Assim sendo, ao manter o agente sob custódia, não estará a autoridade
militar punindo o infrator, até porque somente o Estado-juiz possui
competência para ações punitivas. A prisão em flagrante possui natureza
cautelar, e a sua principal característica é garantir a autoria e a
materialidade do delito. Nesse diapasão, ocorrido delito de competência da Justiça Militar da
União surge de imediato as atribuições de polícia judiciária militar. Por
conseguinte, qualquer oficial passa a possuir autoridade para a lavratura do
Auto de Prisão em Flagrante, sendo também certo que qualquer outro militar
passa a ter o poder-dever de efetuar a prisão do infrator, nos termos do
artigo 243 do CPPM. Gize-se que “o não-cumprimento desse dever, dependendo do caso
concreto, poderá sujeitar a autoridade omissa às sanções de natureza
administrativa e, às vezes, às sanções de natureza penal, pois poderá configurar
o crime de prevaricação”[1][1]. Aquele que presenciar o delito deverá efetuar a prisão do infrator,
conduzindo-o a um oficial para a lavratura do auto de prisão em flagrante. Ademais,
o APF deverá ser lavrado imediatamente após a prisão. Entende-se que “A lei
não fixa prazo para a lavratura do auto de prisão em flagrante. Todavia, o
seu caráter de urgência, aliado aos entraves de cunho administrativo, levou
os tribunais a optar por prazo limite de 24 horas, tempo em que será
fornecida ao indiciado a nota de culpa”[2][2]. No APF deverá estar consignado todos os fatos que ensejaram a prisão
em flagrante. Deverão ser ouvidos o condutor, as testemunhas e o infrator,
obrigatoriamente nessa ordem, sob pena de nulidade. Ao infrator deverão ser assegurados os direitos e garantias previstos
na Carta Política, isto é, o devido processo legal (art. 5°, LIV), presunção
de inocência (art. 5°, LVII), direito ao silêncio (art. 5°, LXIII),
identificação dos responsáveis pela prisão (art. 5°, LXIV) e a assistência da
família e de advogado (art. 5°, LXIII).
O reconhecimento de tais direitos deverá estar consignado no
APF. Após a lavratura do APF, em sendo constatado a existência de crime
militar e a autoria do indiciado, este deverá ser conduzido à prisão. Dentro
do mesmo prazo para a lavratura do APF, ou seja, 24 horas, deverá o
Encarregado do APF entregar ao infrator a Nota de Culpa, da qual passará
recibo. Ressalte-se que a Nota de Culpa possui dupla finalidade: a uma, coíbe
prisões ilegais, pois o executor da prisão necessita fundamentar a custódia;
e, a duas, garante a ampla defesa desde o início da persecução penal. Efetuada a prisão, a autoridade judiciária militar deverá ser
imediatamente comunicada, sob o comando da norma constitucional prevista no
art. 5°, LXII, combinada com o artigo 222 do CPPM. Com efeito, a Lei Complementar n° 75/93 reza no seu artigo 10 que: “A prisão de qualquer pessoa, por parte de autoridade federal ou do
Distrito Federal e Territórios, deverá ser comunicada imediatamente ao Ministério
Público competente, com indicação do lugar onde se encontra o preso e
cópia dos documentos comprobatórios da legalidade da prisão”. (grifamos) Entenda-se Ministério Público competente o parquet militar
oficiando junto às auditorias militares. Questão interessante, diz respeito à flagrância dos delitos de
deserção e insubmissão. Vejamos: A insubmissão inclui-se na categoria dos crimes propriamente
militares. Aliás, é o único delito propriamente militar que somente pode ser
cometido por um civil. Tal delito consiste no ato do convocado furtar-se à
incorporação para o serviço militar. É crime permanente e de consumação
instantânea, perdurando o estado de flagrância enquanto não houver a regular
apresentação do insubmisso. Com efeito, não há casos de prisão em flagrante de insubmissos na
jurisprudência do Superior Tribunal Militar, talvez, pela total
impossibilidade de verificar-se o estado de flagrância de cidadãos no mundo
civil, talvez pelo interesse social da sociedade em servir às Forças Armadas,
haja vista a fome e o desemprego reinante no país. No mesmo diapasão, a deserção é crime propriamente militar e consiste
na ausência ou a não permanência do militar no local onde serve por mais de
oito dias. É crime permanente e de consumação instantânea, perdurando o estado
de flagrância enquanto não houver a regular apresentação do desertor, e é
dever de todo militar prender quem esteja em situação de deserção. Alias, é farta a jurisprudência
castrense nos casos de deserção e, no tocante à captura e prisão, registre-se que o desertor não
goza dos benefícios do instituto da liberdade provisória (art. 270, do CPPM). Assim sendo, no tocante à insubmissão poderia alguém, em especial a
defesa, argüir o direito àquele tipo de liberdade. Porém na Justiça
Castrense, existe um tipo de prisão provisória denominada menagem, a qual
ocorre fora do cárcere, normalmente, conforme descrevem os artigos 263 a 269,
todos do CPPM, em especial para este caso o artigo 266, da referida lei. Questão que não se poderia deixar de mencionar no presente trabalho
diz respeito ao uso de algemas. Vejamos: O emprego de força só é permitido quando indispensável, no caso de
desobediência, resistência ou tentativa de fuga. Se houver resistência da
parte de terceiros, poderão ser usados os meios necessários para vencê-la ou
para defesa do executor e auxiliares seus, inclusive a prisão do ofensor. De
tudo se lavrará auto, subscrito pelo executor e por duas testemunhas. No entanto, o emprego de algemas este deve ser evitado, desde que não
haja perigo de fuga ou de agressão da parte do preso, e de modo algum será
permitido, nos presos a que se refere o art. 242 do CPPM, ou seja: os
ministros de Estado, os governadores ou interventores de estados, ou Territórios,
o prefeito do Distrito Federal, seus respectivos secretários e chefes de
Polícia, os membros do Congresso Nacional, dos Conselhos da União e das
Assembléias Legislativas dos Estados, os cidadãos inscritos no Livro de
Mérito das ordens militares ou civis reconhecidas em lei, os magistrados, os oficiais das Forças
Armadas, das Polícias e dos Corpos de Bombeiros, Militares, inclusive os da
reserva, remunerada ou não, e os reformados, os oficiais da Marinha Mercante
Nacional, os diplomados por faculdade ou instituto superior de ensino
nacional, os ministros do Tribunal de Contas e os ministros de confissão
religiosa. Acrescente-se que o Estado de São Paulo tem o uso de algemas
regulamentado pelo decreto 19.903, de 30 de outubro de 1950, que dispõe, in verbis: art. 1º
— O emprego de algemas far-se-á na Polícia do Estado, de regra, nas seguintes
diligências: 1º — Condução à presença da autoridade dos
delinqüentes detidos em flagrante, em virtude de pronúncia ou nos demais
casos previstos em lei, desde que ofereçam resistência ou tentem a fuga. 2º —
Condução à presença da autoridade dos ébrios, viciosos e turbulentos,
recolhidos na prática de infração e que devam ser postos em custódia, nos
termos do Regulamento Policial do Estado, desde que o seu estado externo de
exaltação torne indispensável o emprego de força. 3º —
Transporte, de uma para outra dependência, ou remoção, de um para outro
presídio, dos presos que, pela sua conhecida periculosidade, possam tentar a
fuga, durante diligência, ou a tenham tentado, ou oferecido resistência
quando de sua detenção. Com
efeito, o emprego das pulseiras de ferro é previsto, da mesma forma, na
legislação que dispõe sobre a segurança no tráfego em águas territoriais
brasileiras (lei 9.537/97), permitindo ao comandante, com o fim de manter a
segurança das pessoas, da embarcação e da carga, deter o desordeiro em
camarote ou alojamento, “se necessário com algemas”, ex vi do artigo 10, inciso III, da lei especial. De
qualquer forma, o uso de algemas deve ser evitado. Ademais, a ofensa à
dignidade da pessoa humana é tão patente, tão gritante, tão escandalosa, tão
sugestiva, que julgamentos realizados pelo júri são anulados por nossos
tribunais quando o acusado é mantido algemado durante a sessão. Vejamos: Júri —
Nulidade — Réu mantido algemado durante os trabalhos sob a alegação de ser
perigoso — Inadmissibilidade — Fato com interferência no ânimo dos jurados e,
conseqüentemente, no resultado — Constrangimento ilegal caracterizado — Novo
julgamento ordenado — Aplicação do art. 593, III, ‘a’, do CPP. Írrito o julgamento pelo Júri se o réu permaneceu algemado durante o
desenrolar dos trabalhos sob a alegação de ser perigoso, eis que tal
circunstância interfere no espírito dos jurados e, conseqüentemente, no
resultado do julgamento, constituindo constrangimento ilegal que dá causa a
nulidade. (TJSP — Ap. 74.542-3 — 2ª C. —
j. 8.5.89 — rel. des. Renato Talli — RT 643/285). Penal. Réu. uso de algemas. Avaliação de
necessidade. A imposição do uso de algemas ao réu, por constituir afetação aos
princípios de respeito à integridade física e moral do cidadão, deve ser
aferida de modo cauteloso e diante de elementos concretos que demonstrem a
periculosidade do acusado. Recurso provido. (STJ —
RHC 5.663 — Sexta Turma — j. 19.8.96 — min. William Paterson — DJ
de 23.9.96). Concluindo, podemos dizer que felizmente, por ser o inquérito forma e
não conteúdo, não havendo, portanto, nulidade nos procedimentos
inquisitoriais, os erros cometidos pelos oficiais são sanados pelo Ministério
Público Militar, sem que maiores prejuízos sejam levados às investigações. No entanto, erros existem que são insanáveis. Dessa
forma, buscando prevenção para práticas errôneas, o presente artigo pretendeu
elucidar, de forma rápida e superficial, a prisão em flagrante, de maneira a
se evitar as condutas delituosas previstas na Lei. 4.898 de 09 de dezembro de
1965 – Abuso de Autoridade. |