SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 O ESPÍRITO DAS LEIS. 3 O FEDERALISTA. 4 AS INFLUÊNCIAS E CORRELAÇÕES DAS IDEIAS DE MONTESQUIEU NOS IDEAIS FEDERALISTAS. 5 CONCLUSÃO. 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1 INTRODUÇÃO
O propósito deste trabalho é analisar os livros O Espírito das Leis (1748), de Montesquieu[1] [2] e O Federalista (1788), dos autores Alexander Hamilton, John Jay e James Madison, sem a pretensão óbvia de exaurir tal análise, visto que, trata-se de uma apresentação conscientemente breve, porém concisa, detalhada e, tanto quanto possível, crítica.
Primeiramente falaremos de ambas as obras separadamente, para obtermos nuances específicas de cada texto, contextos e os períodos aos quais estão ligadas e, posteriormente, podermos comparar as principais ideias delas advindas.
Ao final faremos brevíssima correlação entre as ideias e ideais de Montesquieu que influenciaram fortemente os autores dos artigos federalistas e a importância de tais influências nos fatos que daí surgiram.
2 O ESPÍRITO DAS LEIS
A magnum opus de Montesquieu é partilhada em seis tomos; estes subdividem-se em outras partes chamadas “Livros”, que, por sua vez, estão separados em capítulos, que variam em quantidade de um Livro para outro (alguns Livros não têm capítulos e neles o texto é direto).
O Espírito Das Leis (L'Esprit Des Lois[2] [3]) inicialmente foi proibido na França, (…) depois de sua publicação original em Genebra, no ano de 1748, em dois volumes não assinados. O clero francês o havia condenado e o governo proibira sua distribuição (...). Em 1750, no entanto, o novo diretor da biblioteca real, ou censor-mor, Chrétien-Guillaume Lamoignon de Malesherbes, suspendeu a proibição, e 22 edições foram impressas em 15 meses.[3] [4]
Segundo Montesquieu expõe em seu livro, existem três espécies de governo: o republicano, o monárquico e o despótico[4] [5]. Para ele:
O governo republicano é aquele no qual todo o povo, ou pelo menos uma parte dele, detêm o poder supremo; o monárquico é aquele em que governa uma só pessoa, de acordo com leis fixas e estabelecidas; no governo despótico, um só arrasta tudo e a todos com sua vontade e caprichos, sem leis ou freios.[5] [6]
E conforme nos ensina Gama e Castro, citando D'Alembert, “Montesquieu, descrevendo deste modo a natureza do governo despótico, queria antes fazer a crítica do que a história do despotismo”[6] [7], quando transcreve que "um governo que tenha por atributos essenciais a injustiça, a crueldade e a arbitrariedade, e por objeto fazer nascer nos súditos a baixeza, a degradação e a imbecilidade, foi e há de ser sempre uma quimera.”[7] [8]
Neste entendimento, Pelicioli, segundo Bonavides, diz que “O Espírito das Leis de Montesquieu representa 'um manual de Política e Direito Constitucional' em que é estudado o governo e a política cientificamente”[8] [9]; e complementa, ainda com palavras de Bonavides, quando este define que:
O estudo feito por Montesquieu sobre a classificação das formas de governo 'não desterrou da ciência política o genial esboço de Aristóteles, que com uma ou outra emenda perdura há mais de dois mil anos. Das formas de governo, resta o juízo certo que Montesquieu fez acerca do papel dos grupos intermediários, enquanto técnica auxiliar de conservação da liberdade, consoante as fórmulas e os conceitos do Estado liberal'.[9] [10]
Montesquieu considerava a República e a Monarquia duas formas moderadas de governo e somente o despotismo é totalmente negativo e corrompido por natureza. Falha Montesquieu em não ter presumido as inadequações que também existem nas outras formas de governo. Acertadamente Montesquieu considera que deve haver a divisão de Poderes, para que não ocorra o despotismo.
Além de definir formas de governo Em O Espírito das Leis, Montesquieu defende pontos fundamentais como o constitucionalismo, a preservação das liberdades civis, o Estado de Direito e a separação dos Poderes, entre outros; e é mais precisamente no que tange à separação de Poderes que repousa o conhecimento generalizado acerca de Montesquieu; porém, assim como concorrem ao erro quem atribui a Montesquieu a ideia original sobre a Teoria da Tripartição dos Poderes do Estado, erra também quem lhe atribui somente o desenvolvimento desta ideia.
Montesquieu foi fortemente influenciado por John Locke – mais especificamente pela obra Segundo Tratado Sobre o Governo Civil (The Second Treatise of Civil Government). Quase um século antes de Montesquieu escrever O Espírito das Leis, o filósofo inglês já havia delineado as proposições da teoria citada (outros teóricos também discorreram sobre a temática em diferentes épocas, como Aristóteles, por exemplo[10] [11]). Porém é incontestável a importância de Montesquieu quanto ao fato de analisar, ampliar e difundir o conceito de separação de Poderes, visto que, no tratado de Locke essa concepção era apresentada ainda de maneira implícita. Coube a Montesquieu amplificá-la e solidificá-la no ideário do Estado moderno.
E no que tange à separação de Poderes Montesquieu diz:
Quando, na mesma pessoa ou no mesmo corpo de Magistratura, o Poder Legislativo é reunido ao Executivo, não há liberdade. Porque pode temer-se que o mesmo Monarca ou mesmo o Senado faça leis tirânicas para executá-las tiranicamente. Também não haverá liberdade se o Poder de Julgar não estiver separado do Legislativo e do Executivo. Se estivesse junto com o Legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário: pois o Juiz seria o Legislador. Se estivesse junto com o Executivo, o Juiz poderia ter a força de um opressor. Estaria tudo perdido se um mesmo homem, ou um mesmo corpo de principais ou nobres, ou do Povo, exercesse estes três poderes: o de fazer as leis; o de executar as resoluções públicas; e o de julgar os crimes ou as demandas dos particulares.[11] [12]
E conforme Elias:
O princípio básico de Montesquieu é garantir a liberdade política e tornar impossível o despotismo, através de uma separação de Poderes ampla e absoluta. Cada uma das três funções do governo seria confiada a pessoas ou grupos a serem mantidos separados e independentes entre si.[12] [13]
Partindo desse pressuposto, Montesquieu expõe de forma magistral a necessidade da separação dos Poderes, onde não há hierarquia, mas sim competências.
3 O FEDERALISTA
O Federalista (The Federalist Papers) é um conjunto de 85 artigos escritos por Alexander Hamilton[13] [14], John Jay[14] [15] e James Madison[15] [16] e publicados anonimamente, sob o pseudônimo Publius[16] [17], em New York[17] [18], entre outubro de 1787 e maio de 1788, com o intento de ratificar a Constituição estadunidense. Tais artigos são frutos de várias reuniões que foram realizadas com o escopo de elaborar a Constituição dos Estados Unidos[18] [19]. Esses ensaios tinham o propósito de exortar a população de New York a apoiar a proposta da Constituição e o novo sistema que daí surgia: o federalismo.[19] [20]
Esse sistema consistia, segundo Soares, em uma “dupla soberania política, com a distribuição do poder político entre duas esferas territoriais de poder: o Governo Central (União) e as unidades constituintes (estados).”[20] [21]
Ainda segundo Soares:
O gênio do sistema foi criar uma engenharia institucional que não só promoveu a divisão do poder, como garantiu a autonomia das duas esferas federais através de um mecanismo de checks and balances, no qual as instituições políticas se limitavam umas às outras, propiciando o equilíbrio federativo.[21] [22]
Em resumo, as principais características do novo sistema foram:
Divisão territorial do Estado em várias subunidades;
Sistema bicameral: representação das subunidades federadas junto ao Governo Federal através de uma Segunda Câmara Legislativa (Senado);
Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário presentes nos dois níveis federais;
Existência de uma Corte Suprema de Justiça responsável pela regulação dos conflitos federativos: tem como função primordial garantir a ordem federal;
Definição das competências (administrativas e fiscais) e jurisdições das esferas federativas, com cada nível de governo apresentando ao menos uma área de ação em que é autônomo;
Autonomia de cada ente federativo para constituir seus governos.[22] [23]
Nascia, então, algo novo e sem precedentes na História mundial e que, segundo Tocqueville, debruçando-se sobre a Constituição dos Estados Unidos, “deve marcar como que uma grande descoberta da ciência política dos nossos dias.”[23] [24]
O Federalista pode ser, de forma generalizada, dividido em partes distintas, conforme os assuntos dos artigos. Assim temos os artigos nº 1 ao nº 37, que tratam das características e problemáticas das confederações; nº 38 ao nº 51, sobre a Constituição e os seus princípios, de forma geral; nº 52 ao nº 61, sobre a Câmera dos Representantes; nº 62 ao nº 65, sobre o Senado; nº 66 ao nº 77, sobre a Presidência; e do nº 78 ao nº 83, que discorrem sobre o Judiciário. Os dois últimos artigos são conclusões finais.
Alexander Hamilton escreveu 52 artigos e é considerado o principal articulador do grupo, porém é atribuido a James Madison – que escreveu 28 artigos – as principais contribuições, sendo dele os importantes artigos nº 9 e nº 10, que falam sobre a separação dos Poderes[24] [25] e o artigo nº 51 que versa sobre a necessidade de um governo central forte (The Structure of The Government Must Furnish The Proper Checks and Balances Between The Different Departments)[25] [26]. John Jay escreveu 5 artigos, basicamente falando sobre relações internacionais.
Em O Federalista distingui-se três pontos primordiais, tratados ao longo dos artigos: federalismo, separação de Poderes e república.
Os autores dos artigos federalistas tiveram grande influência de Montesquieu, porém suas ideias e teorias sofreram ajustes, para melhor servir à realidade americana, como veremos no capítulo a seguir.
4 AS INFLUÊNCIAS E CORRELAÇÕES DAS IDEIAS DE MONTESQUIEU NOS IDEAIS FEDERALISTAS
Inegavelmente a maior influência que Montesquieu causou nas mentes dos federalistas foi a ideia da separação dos Poderes[26] [27] (mesmo não sendo uma ideia originária, como dissemos anteriormente, é de Montesquieu o mérito de ter melhor absorvido, filtrado, ordenado, aperfeiçoado e difundido tal teoria). Em Montesquieu havia a ideia de um poder limitando outro, o que foi assimilado pelos federalistas e chamado de checks and balances (freios e contrapesos); Maldonado posiciona bem essa evolução, do passado até os dias atuais, quando diz que:
Assim, do empirismo britânico, da racionalização de Montesquieu e do pragmatismo norte-americano, exsurge o que, como já dissemos, será o principal elemento caracterizador do princípio da separação dos Poderes no Direito Contemporâneo, o sistema de freios e contrapesos (checks and balances).[27] [28]
Esses “freios” são uma espécie de interação harmônica entre os Poderes, com o propósito de limitar e/ou evitar abusos; dessa forma o Presidente pode intervir e vetar determinados projetos no Congresso Federal e nas Assembleias estaduais. Quanto ao Poder Judiciário, cabe a posição de guardião da Constituição, estando, assim, também apto para intervir em atos do Poder Executivo e/ou em relação a leis aprovadas pelo Legislativo, quando estas contrariarem a Constituição.
Em Montesquieu a separação dos Poderes consistia no Poder Executivo (direito das gentes, relativo à paz e guerra), era personificado pelo rei; Poder Legislativo (criava e alterava as leis), era personificado pela nobreza; e o Direito Civil (composto pelo Poder Executivo), era personificado pelo povo. O Legislativo era dividido em duas Câmaras, a dos Lordes, que era hereditária, e a dos Comuns; o Legislativo estava sujeito à convocação do Executivo e este tinha o poder de veto. O Judiciário tinha capacidade somente de impedir, não podendo estatuir. Os Poderes não eram autônomos e limitavam os poderes uns dos outros.
Nos federalistas a ideia de separação dos Poderes foi mais bem aproveitada e redefinida de uma forma mais ampla e realmente democrática (no sentido que temos da palavra “democrática”, significado este que perdura até os dias atuais).
Para Pelicioli, “Montesquieu acentuou mais o equilíbrio do que a separação dos Poderes.”[28] [29]
Para Montesquieu, o Estado é subdividido em três Poderes: o Poder Legislativo; o Poder Executivo das coisas, que se traduz no Poder Executivo propriamente dito; e o Poder Executivo dependente do direito civil, que é o poder de julgar. Os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário devem ter suas atribuições divididas, para que cada poder limite e impeça o abuso uns dos outros.[29] [30]
Vejam que o papel do Poder Judiciário, em Montesquieu, ainda estava atrelado ao Poder Executivo, não tendo uma relevância[30] [31] como a que veio experimentar a partir da Constituição dos Estados Unidos.
As ideias de Montesquieu conheceram uma evolução quando tratadas pelos federalistas e, em graus variados, conquistaram nova roupagem, porém sem perder o espírito inovador de seu idealizador.
Alguns pontos de ruptura mais acentuados podem ser observados no artigo nº 10 – um dos mais importantes, como já foi dito – onde os federalistas “rompem” com Montesquieu quando redefinem geograficamente o conceito de República, in verbis:
Uma república, que defino como um governo em que está presente o esquema de representação, abre uma perspectiva diferente e promete o remédio que estamos buscando. (…) Os dois grandes pontos de diferença entre uma democracia e uma república são: primeiro, a delegação do governo, nesta última, a um pequeno número de cidadãos eleitos pelos demais; segundo, o maior número de cidadãos e a maior extensão do país que a última pode abranger.[31] [32]
Como podemos perceber, o conceito defendido por Montesquieu de República, onde predominava as cidades-estado, é deixado de lado e, na nova realidade – a realidade americana – o ideal é o maior número de pessoas no maior território possível.
Outro ponto de rompimento entre os preceitos teorizados por Montesquieu e as idealizações dos federalistas está na forma de governo. Se para Montesquieu “na República é o povo inteiro que dispõe do poder supremo, tem-se uma democracia. Quando o poder supremo se encontra nas mãos de uma parte do povo, uma aristocracia,”[32] [33] para os federalistas já não bastava ter somente uma representação popular para considerar-se uma República, era preciso ter um pequeno número de cidadãos eleitos representando um grande número de pessoas, ou seja, um verdadeiro Governo representativo.
Conforme nos ensina Pitkin:
Alexandre Hamilton, John Jay e James Madison, nos Artigos Federalistas, apresentam o governo representativo como um dispositivo adotado no lugar da democracia direta, porque seria impossível reunir um grande número de pessoas em um único lugar.[33] [34]
Como podemos perceber, os federalistas vislumbravam uma forma de governo democrático, porém sem os arroubos utópicos desenhados por Montesquieu. Os federalistas miravam uma nação à frente de seu tempo, onde ser uma nação democrática não necessariamente consistia na participação in loco de todos os cidadãos, pois a figura do representante seria suficiente para a tomada de decisões e resoluções em prol da comunidade.
5 CONCLUSÃO
Os ideais de Montesquieu estão indelevelmente registrados na História como conceitos positivos que influenciaram vários pensadores em diferentes épocas e lugares.
Houve críticas negativas sobre O Espírito das Leis[34] [35], porém é inegável a importância dessa obra para a consecução das várias teorias similares – principalmente no que tange à separação de Poderes, entre outras – defendidas por vários teóricos ao longo de diferentes períodos da História, e para a criação de novas e bem-vindas concepções que dela advieram.
Não obstante às críticas, entendemos que todo processo, da criação à execução, é um viés evolutivo e contínuo por natureza; e assim também são os conceitos desenvolvidos por Montesquieu, que nas mãos e mentes de Alexander Hamilton, John Jay e James Madison tomaram um novo e extraordinário rumo, alterando tudo o que se conhecia, até então, como significados para democracia e liberdade.
http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.27341 [36]