A Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.527 [2], que questiona a vigência de determinados artigos do Marco Civil da Internet, em breve será levada a julgamento para o Plenário do STF [3].
Ajuizadas perante o Supremo Tribunal Federal contra trechos de leis ou atos normativos federais ou estaduais, as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) tem a finalidade de declarar a incompatibilidade e possível invalidade dos textos ou trechos propostos em relação ao texto constitucional, caracterizando uma forma de controle concentrado de constitucionalidade. Isto significa, portanto, que caso a arguição da ADI nº 5.527 seja acatada, o Marco Civil deverá se adequar à Constituição Federal, evidenciando a invalidade de uma parte do seu texto e a necessidade de sua exclusão ou readaptação ao entendimento do STF.
Nesse sentido, muito embora exista esse questionamento, o Marco Civil da Internet contém dispositivos interessantes relativos à proteção de registros, dados e comunicações privadas, evidenciadas nos artigos 10 a 12. A ADI nº 5.527 pretende, portanto, questionar a validade dos seguintes dispositivos:
- Art. 10, § 2o O conteúdo das comunicações privadas somente poderá ser disponibilizado mediante ordem judicial [...]
Atualmente, o Poder Judiciário pode requerer dos Provedores de Conexão (provedores de acesso ou de Internet, empresas que disponibilizam o acesso à rede) e dos Provedores de Aplicação (empresas que fornecem determinado serviço ou aplicativo específico) acesso às comunicações privadas que sirvam ou sejam necessárias no andamento de processos.
Esse parece ser um questionamento bastante atual, um vez que, recentemente, o aplicativo WhatsApp foi bloqueado no país inteiro duas vezes em virtude de ordens judiciais (relembre aqui) [4] pois a empresa Facebook, dona do aplicativo, se negava a fornecer a cópia das comunicações em um processo de âmbito penal e recentemente habilitou um sistema de criptografia ponta-a-ponta no aplicativo [5], o que impede o acesso da própria empresa a essas informações.
Essa ação, portanto, pretende questionar a legalidade da disponibilidade dessas conversas e comunicações para o Poder Judiciário frente aos direitos de privacidade e autonomia. Esse questionamento é respaldado, primeiramente, na prerrogativa constitucional de livre comunicação, conforme o artigo 5º, IX da Constituição Federal, em que é prevista a "livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença", evidenciando a importância das aplicações de Internet como formas de comunicação em diversos aspectos.
Não obstante, o próprio Marco Civil prevê, em seu artigo 10º, que "A guarda e a disponibilização dos registros de conexão e de acesso a aplicações de internet [...] bem como de dados pessoais e do conteúdo de comunicações privadas, devem atender à preservação da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das partes direta ou indiretamente envolvidas."
Abre-se, portanto, uma discussão acerca da constitucionalidade do acesso a esses conteúdos sem prévia autorização, a necessidade de uma justificativa razoável de ordem judicial ou até mesmo do seu sigilo absoluto.
- Já o art. 12. admite a possibilidade de que em operações que envolvam os dados ou as comunicações dos provedores de conexão ou aplicações ocorra a:
III - suspensão temporária das atividades [...];
IV - proibição de exercício das atividades [...];
O argumento, portanto, é respaldado pelo entendimento constitucional da ordem econômica e da livre iniciativa (artigo 1º, IV e artigo 170) e da não interferência estatal em serviços que tem um alcance popular gigantesco, além da previsão do inciso XLV do artigo 5º de que "nenhuma pena passará da pessoa do condenado", notando que o bloqueio de determinados serviços pode prejudicar terceiros e ser danoso a diversos usuários e serviços que dependem do aplicativo para o seu funcionamento.
A ADI nº 5.527, portanto, parece ser uma reação aos recentes bloqueios de aplicativos como o WhatsApp e às possibilidades que as operadoras de telecomunicações podem ter quanto ao acesso à Internet pelos usuários. Entretanto, resta saber se a fundamentação do argumento utilizado efetivamente mostra que os dispositivos do Marco Civil estão ou não em desacordo com as prerrogativas constitucionais.