Violação de direitos de crianças e adolescentes no Brasil: interfaces com a política de saúde


Portiagomodena- Postado em 29 abril 2019

Autores: 
Rosangela Barbiani

RESUMO

Este ensaio tematiza os desafios e contradições que permeiam a conquista do estatuto de cidadania de crianças e adolescentes brasileiros, com ênfase na defesa do direito à saúde. Descreve o fenômeno da violação de direitos de crianças e adolescentes e suas repercussões na ótica do conceito ampliado de saúde, das políticas públicas a ele pertinentes e das produções no campo teórico e programático, em âmbito internacional e nacional. Por fim, analisa a experiência brasileira no que tange ao desenvolvimento de políticas públicas diretamente relacionadas ao Sistema Único de Saúde para a garantia dos direitos humanos de crianças e adolescentes vulneráveis e/ou vítimas de violências.

PALAVRAS-CHAVE:
Defesa da criança e do adolescente; Violência; Direitos humanos; Saúde.

ABSTRACT

This essay discusses the challenges and contradictions that permeate the conquest of the citizenship of Brazilian children and adolescents, with emphasis on the protection of the right to health. It describes the phenomenon of violation of the rights of children and adolescents and its impact regarding a broad concept of health, public policies relevant to it, and productions in the theoretical and programmatic at international and national level. Finally, it analyzes the Brazilian experience regarding the development of public policies directly related to the Unified Health System for the assurance of the human rights of vulnerable children and adolescents and / or victims of violence.

KEYWORDS:
Defense of children and adolescents; Violence; Human rights; Health.

Crianças e adolescentes, cidadãos brasileiros: a construção de um sistema de garantia de direitos

A modernidade, como amplamente abordada por Ariés (1981ARIÉS, P. História social da criança e da família. 2. ed. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1981. ), foi o berço do surgimento da infância como existência social. Com a emergência dos Estados modernos, a partir do século XVIII, a noção de cidadania passa a ser incorporada paulatinamente a todos os segmentos etários, inclusive aos infantes. Nesse período, a infância torna-se objeto do Estado e da ciência, gerando um quadro de múltiplas transformações sociais e políticas, pensadas com base nas ideias iluministas. Assim, as crianças passam a ser vistas como seres diferenciados dos adultos. Surgem o pátrio poder dos pais e das mães e o interesse educacional em produzir saberes que se ocupam da infância. Iniciam-se os estudos do desenvolvimento infantil, físico e mental. Instituem-se as relações de poder-saber da modernidade, tornando as crianças crescentemente objetos das disciplinas (BUJES, 2002BUJES, M. I. E. Infância e maquinarias. Rio de Janeiro: DP&A, 2002. ).

Na contemporaneidade, a centralidade da infância e a emergência da categoria 'adolescência' ocupam espaços na cena pública em discursos e práticas controversos (BARBIANI, 2011BARBIANI, R. Cenários e experiências da Universidade na cidade de São Leopoldo: o Conselho da Criança e do adolescente. In: BEMVENUTI, V. L. (Org.). Cadernos de extensão VI. São Leopoldo: Ed. Unisinos, 2011. p. 111-24. ), que transitam desde o reconhecimento de direitos até sua contestação. Nesse cenário, também se destacam as críticas ao Estado na forma como vem gerindo as políticas públicas, no tensionamento com as necessidades e direitos desses segmentos sociais.

É sem dúvida um tempo que avança no debate social, político e científico sobre os direitos humanos das crianças e adolescentes, na esteira de uma socialização política e cultural de aprendizagem da cidadania. Esse processo implica a consolidação de um sistema de garantia de direitos nos quais as instâncias que dele participam se educam no exercício de suas prerrogativas, ao mesmo tempo que rompem com as noções e práticas autoritárias e tutelares do passado.

No Brasil, a Constituição de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) (BRASIL, 1988, 1990) estabeleceram a criança e o adolescente como 'prioridades absolutas' para o efetivo desenvolvimento do País. A legislação dá um privilégio legal à população infantojuvenil devido ao seu valor intrínseco: são cidadãos em desenvolvimento e, dado o seu valor projetivo, são portadores do futuro.

A doutrina de proteção social interpela Estado, sociedade e família ao dever de priorização das crianças e adolescentes, seja mediante a prestação de cuidados e proteção, seja por meio do estímulo ao seu desenvolvimento, sendo a eles destinado o projeto societário de mobilidade social ascendente pelo investimento em políticas públicas. Nessa direção, o ECA prevê, no art. 88, a "municipalização do atendimento" (BRASIL, 1990), sendo operado e apoiado por meio de um sistema de garantia de direitos, estruturado em três eixos: promoção, controle social e defesa de direitos. O eixo da promoção de direitos compreende as políticas sociais básicas destinadas à população infantojuvenil e às suas famílias. O eixo da defesa dos direitos consiste em zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente por meio de intervenções onde e quando houver ameaça ou violação desses direitos. O eixo controle social trata da participação da sociedade na formulação e fiscalização das políticas voltadas para a criança e para o adolescente por meio da ação das organizações da sociedade civil (especialmente aquelas que prestam atendimento), dos movimentos sociais e das instâncias formais de participação estabelecidas na lei, que são os Conselhos de Direitos.

Na articulação desse sistema, estão a Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente (SNPDCA) e o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda). Por iniciativa deste Conselho, e em articulação com o Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) e demais instâncias da sociedade civil, é lançado, em 2006, o Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária (PNCFC), representando mais uma conquista à medida que preconiza que crianças e adolescentes sejam vistos de forma indissociável de seu contexto familiar e comunitário. Suas estratégias, objetivos e diretrizes orientam prioritariamente para a prevenção do rompimento dos vínculos familiares, para a qualificação do atendimento dos serviços de acolhimento e para o investimento no retorno ao convívio com a família de origem (BRASIL, 2006).

Esse conjunto de ações e instâncias conforma o 'nascimento' de uma cultura política cidadã e de uma base ética articulada aos arranjos político-administrativos que materializam a trajetória de 23 anos de implementação de um novo paradigma na forma de conceber e tratar as crianças e adolescentes brasileiros. O balanço desse processo está em curso. Colhem-se muitos frutos, mas ainda há muitos desafios a superar (BAZON, 2007BAZON, M. R. Maus-tratos na infância e adolescência: perspectiva dos mecanismos pessoais e coletivos de prevenção e intervenção. Ciência Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 12, n. 5, 2007. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232007000500003&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 11 maio 2013. 
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). Questões como a morte de milhares de crianças e adolescentes por causas externas, o trabalho infantil, a exploração física e sexual, a evasão escolar, a ameaça de redução da maioridade penal, a violação de direitos na execução de medidas socioeducativas são alguns exemplos da magnitude dos desafios a serem enfrentados para a garantia de proteção integral às crianças e adolescentes. Em um país como o Brasil, cujo modelo econômico é excludente e cuja população é ainda jovem - 30% dos brasileiros com menos de 18 anos, e 11% possui entre 12 e 17 anos (UNICEF, 2011) -, assegurar direitos especialmente de segmentos vulneráveis requer um encontro entre as políticas de desenvolvimento com a equidade social.

Violência contra crianças e adolescentes: desafios para o campo da saúde

A Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) e a Organização Mundial da Saúde (OMS) definem a violência, desde a década de 1990, como um problema de saúde pública pelos impactos que acarreta na qualidade de vida da população e nas demandas e custos endereçados aos sistemas de saúde e seguridade social. É considerada mundialmente violação de direitos, embora com expressões variadas em diferentes contextos.

Dimensões de magnitude (frequência: anos potenciais de vida perdidos), transcendência (gravidade: óbitos, internações, sequelas, medo, indignação, custos, absenteísmo) e vulnerabilidade (prevenção, mudança de comportamento, promoção da saúde e cultura de paz) fazem da violência um fenômeno complexo, envidando esforços mundiais para seu controle. Nessa perspectiva, debate-se, contemporaneamente, a expansão de domínios da violência de modo paradoxal com a expansão dos direitos humanos e sociais (SCHRAIBER; D'OLIVEIRA; COUTO, 2006SCHRAIBER, L. B.; D'OLIVEIRA, A. F. P. L.; COUTO, M. T. Violência e saúde: estudos científicos recentes. Rev. Saúde Pública, São Paulo, v. 40, n. esp., 2006. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=>. Acesso em: 24 out. 2013. 
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) e a necessidade de outras formas para seu enfrentamento.

As ações no âmbito da saúde têm sido apontadas e preconizadas como necessárias e complementares às desenvolvidas pelos segmentos tradicionais, como a polícia e a justiça, no enfrentamento à violência (MERCY 1999MERCY, J. A. et al. Public health policy for preventing violence. In: BEAUCHAMP, D. E.; STEINBOCK, B. New ethics for the public's health. New York: Oxford, 1999. p. 188-99. MOORE, 1999MOORE, M. H. Violence prevention: criminal Justice or Public Health? In: BEAUCHAMP, D. E.; STEINBOCK, B. New ethics for the public's health . New York: Oxford , 1999. p. 200-206. ; WHO, 1996, 2010). Seu potencial é o de poder agir no próprio território da violência, no seio das comunidades, interagindo nas situações de vulnerabilidade e risco e envolvendo diversos sujeitos, inclusive vítimas e agressores. Seu foco é a prevenção, pois se entende que o comportamento violento e suas consequências podem ser prevenidos e evitados. Entretanto, a prevenção não é suficiente, pois os determinantes da violência estão em todos os lugares (MOORE, 1999).

Sob o enfoque dos determinantes sociais das iniquidades em saúde, esse complexo fenômeno vem sendo estudado na saúde coletiva, demonstrando-se a importância das ações intersetoriais, mas, sobretudo, de mudanças no âmbito das macroestruturas de desenvolvimento social e econômico, na perspectiva da igualdade e equidade social. Essa perspectiva está embasada no conceito de violência estrutural, concebida como o determinante maior das violências interpessoais, pois se caracteriza pelo acesso desigual às condições de vida e subsistência, enquanto a violência pessoal é um acidente de percurso, reativa e reforçadora da violência estrutural (AZEVEDO; GUERRA, 1989AZEVEDO, M. A.; GUERRA, V. N. A. Crianças vitimizadas: a síndrome do pequeno poder. São Paulo: Iglu, 1989. ). O conceito de violência estrutural oferece um marco explicativo à violência do comportamento individual e social, devendo-se entendê-la na totalidade da formação social e na sua diferenciação e especificidade fenomênica (MINAYO, 1990MINAYO, M. C. S. Bibliografia comentada da produção brasileira sobre violência e saúde. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública, 1990. ). Quando a violência é analisada nas suas expressões concretas, permite ser assumida como objeto de reflexão e superação (CASTRO; ABRAMOVAY, 2002CASTRO, M. G.; ABRAMOVAY, M. Jovens em situação de pobreza, vulnerabilidades sociais e violências. Cadernos de Pesquisas, São Paulo, n. 116, p. 143-76, 2002. ; MINAYO; SOUZA, 1999).

O enfrentamento dessa complexa dinâmica envolve a compreensão desses níveis de determinantes, de suas manifestações, das particularidades dos grupos sociais mais atingidos, e das consequências e outras formas de vulnerabilidade e risco que provoca. Tarefa que implica o reconhecimento sobre o forte condicionamento das desigualdades sociais no desencadeamento da violência, em particular nos segmentos em situações de pobreza.

Estudos nacionais e internacionais têm sido desenvolvidos sob essa perspectiva ético-política, com crescente incidência na pesquisa sobre o impacto da violência em grupos vulneráveis, como crianças, adolescentes e jovens (WESTPHAL; BYDLOWSKIC, 2010WESTPHAL, M. F.; BYDLOWSKI, C. R. (Org.). Violência e juventude. São Paulo: Hucitec, 2010. CRAIDY; GONÇALVES, 2005CRAIDY, C. M.; GONÇALVES, L. L. Medidas socioeducativas: da repressão à educação. Porto Alegre: Editora UFRGS, 2005. GROPPO, 2011GROPPO, L. A. Condição Juvenil e modelos contemporâneos de análise sociológica das juventudes. In: SOUSA, J. T. P.; GROPPO, L. A. Dilemas e contestações das juventudes no Brasil e no mundo. Florianópolis: UFSC, 2011. p. 11-29. MINAYO, 1990MINAYO, M. C. S. Bibliografia comentada da produção brasileira sobre violência e saúde. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública, 1990. , 2003, 2006; ASSIS; CONSTANTINO; AVANCI, 2010ASSIS, S. G.; CONSTANTINO, P.; AVANCI, J. (Org.). Impactos da violência na escola: um diálogo com professores. Rio de Janeiro: Ministério da Educação: Fiocruz, 2010. DAHLBERGLL; KRUG, 2006DAHLBERG, L. L.; KRUG, E. G. Violência: um problema global de saúde pública. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 11, p. 1163-1177, 2006.MOORE, 1999MOORE, M. H. Violence prevention: criminal Justice or Public Health? In: BEAUCHAMP, D. E.; STEINBOCK, B. New ethics for the public's health . New York: Oxford , 1999. p. 200-206. SOARES, 2004SOARES, L. E. Juventude e violência no Brasil contemporâneo. In: NOVAES, R.; VANNUCHI, P. (Org.). Juventude e sociedade: trabalho, educação, cultura e participação. São Paulo: Instituto Cidadania: Fundação Perseu Abramo, 2004, p. 130-59. BRICEÑO-LEÓN, 2005BRICEÑO-LEÓN, R. Violencia interpersonal: salud pública y gobernabilidad. In: MINAYO; M. C. S.; COIMBRA JUNIOR, C. E. A. (Org.). Críticas e atuantes. Ciências Sociais e Humanas na América Latina. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2005, p. 649-63. WAISELFISZ, 2011______. Mapa da violência 2012: os novos padrões da violência homicida no Brasil. São Paulo: Instituto Sangari, 2011. , 2012; MERCY , 1999MERCY, J. A. et al. Public health policy for preventing violence. In: BEAUCHAMP, D. E.; STEINBOCK, B. New ethics for the public's health. New York: Oxford, 1999. p. 188-99. ; WHO, 1996; DUQUE 2007DUQUE, L. F. et al. Lecciones del programa de prevención temprana de la violencia, Medellín, Colombia. Revista Panamericana de Salud Publica, Medellín, v. 21, n. 1, p. 21-29, 2007. Disponível em: <http://www.bvsde.paho.org/bvsacd/cd65/a03v21n1.pdf>. Acesso em: 5 abr. 2013. 
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FONTAINE; TORRE; GRAFWALLNER, 2006FONTAINE, N. S.; TORRE, D. L.; GRAFWALLNER, R. Effects of quality early care on school readness skills of children at risck. Early Child Development and Care, [S.l.], v. 176, n. 1, p. 99-109, 2006. FONSECA, 2007FONSECA, D. M. O discurso de proteção e as políticas sociais para infância e juventude. Revista Jurídica, Brasília, DF, v. 9, n. 85, p. 73-83, 2007. Disponível em: <http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/revista/Rev_85/Artigos/PDF/DirceMendes_Rev85.pdf>. Acesso em: 5 abr. 2013. 
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LIRA, 2011LIRA, D. N. Políticas públicas para a infância e juventude: uma análise a partir da reforma estatal dos anos 90. Revista Brasileira de Políticas Públicas, Brasília, DF, v. 1, n. 2, p. 225-57, 2011. Disponível em: <http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:ceH__Im QDTcJ:www.publicacoesacademicas.uniceub.br/index.php/RBPP/article/download/1296/1276+&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk>. Acesso em: 5 abr. 2013. 
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LOVE; SCHOCHET; MECKSTROTH, 2002LOVE, J. M.; SCHOCHET, P. Z.; MECKSTROTH, A. L. Investing in Effective Childcare and Education: Lessons from Research. In: YOUNG, M. E. Investing in our children's future. Washington, DC: The World Bank, 2002. p. 145-94. REICHENHEIMM 2011REICHENHEIM, M. E. et al. Violence and injuries in Brazil: the effect, progress made and challenges ahead. The Lancet, London, v. 377, n. 9781, p. 1962-75, jun. 2011.).

O conjunto dessas produções tem como linha comum o monitoramento e análise dos determinantes multifatoriais da violência e suas expressões, destacando os reflexos de sua dimensão estrutural nos segmentos vulneráveis. São objeto de estudo condições de vida, ausência ou precariedade de políticas públicas, trabalho infantil, analfabetismo, crianças e adolescentes em situação de rua ou de institucionalização, a violência criminal ou infracional (envolvendo os indivíduos como vítimas e/ou agressores) (MARTINS; JORGE, 2009MARTINS, C. B. G.; JORGE, M. H. P. M. Desfecho dos casos de violência contra crianças e adolescentes no poder judiciário. Acta Paulista de Enfermagem, São Paulo, v. 22, n. 6, p. 800-7, 2009. ).

Os resultados convergem na necessidade de maior equidade nos recursos e orçamentos no campo da proteção social, uma vez que a violência afeta de forma desigual regiões e populações de acordo com as características de classe social, gênero, raça, cor e ciclo etário.

A produção brasileira sobre violência e saúde é crescente, mas ainda incipiente. (SCHRAIBER; D'OLIVEIRA; COUTO, 2006SCHRAIBER, L. B.; D'OLIVEIRA, A. F. P. L.; COUTO, M. T. Violência e saúde: estudos científicos recentes. Rev. Saúde Pública, São Paulo, v. 40, n. esp., 2006. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=>. Acesso em: 24 out. 2013. 
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BAZON, 2007BAZON, M. R. Maus-tratos na infância e adolescência: perspectiva dos mecanismos pessoais e coletivos de prevenção e intervenção. Ciência Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 12, n. 5, 2007. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232007000500003&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 11 maio 2013. 
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LOBATO; MORAES; NASCIMENTO, 2012LOBATO, G. R.; MORAES, C. L.; NASCIMENTO, M. C. Desafios da atenção à violência doméstica contra crianças e adolescentes no Programa Saúde da Família em cidade de médio porte do estado do Rio de Janeiro, Brasil. Cadernos de Saúde Pública , Rio de Janeiro, v. 28, n. 9, 2012. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2012000900013&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 30 abr. 2013. 
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). No segmento crianças e adolescentes, ela desponta a partir do século XXI (MINAYO; SOUZA, 1999MINAYO, M. C. S.; SOUZA, E. R. É possível prevenir a violência? Reflexões a partir do campo da saúde pública. Ciência Saúde Coletiva , Rio de Janeiro, v. 4, n. 1, p. 7-23, 1999. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81231999000100002&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 30 abr. 2013. 
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). Além de uma produção recente, os estudos até 2005 se concentraram em serviços especializados de atendimento a vítimas de violência (abrigos, centros de atendimentos de denúncias ou de referência) (SCHRAIBER; D'OLIVEIRA; COUTO, 2006; BAZON, 2007).

Estudos sobre os determinantes, causas e consequências vêm crescendo no País, mas precisam avançar, incorporando a análise das políticas e planos públicos com vistas a monitorar a efetividade de seus métodos e resultados (BAZON, 2008______. Violências contra crianças e adolescentes: análise de quatro anos de notificações feitas ao Conselho Tutelar na cidade de Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 24, n. 2, p. 323-32, 2008. Disponível em: <http://www. scielosp.org/pdf/csp/v24n2/10.pdf>. Acesso em: 11 maio 2013. 
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ARKS, 2005ARKS, S. P. Economic sanctions as human rights violations: reconciling political and public health imperatives. In: GRUSHIN, S. et al. Perspectives on health and human rights. Great Britain: Routledge, 2005, p. 367-378. REICHENHEIM 2011REICHENHEIM, M. E. et al. Violence and injuries in Brazil: the effect, progress made and challenges ahead. The Lancet, London, v. 377, n. 9781, p. 1962-75, jun. 2011.). Pesquisas que investigam as dinâmicas do fenômeno também são reduzidas e revelam que altíssimos níveis de violência entre os adultos jovens têm sua origem em idades anteriores e se manifestam de forma mais semelhante nos mesmos espaços geográficos (LOVE; SCHOCHET; MECKSTROTH, 2002LOVE, J. M.; SCHOCHET, P. Z.; MECKSTROTH, A. L. Investing in Effective Childcare and Education: Lessons from Research. In: YOUNG, M. E. Investing in our children's future. Washington, DC: The World Bank, 2002. p. 145-94. ). Além disso, os fenômenos de violência, de forma direta ou indireta, têm como efeito sobre as pessoas o isolamento social, o pânico, o consumo de drogas, a depressão e a melancolia, além de defesas agressivas que potencializam, de forma geral, laços mais violentos (COSTA, 2004COSTA, J. F. O vestígio e a aura: corpo e consumismo na moral do espetáculo. Rio de Janeiro: Garamont, 2004. ).

Violências, tipologias e formas de abordagem no campo da saúde: a experiência brasileira

Além da violência estrutural, fenômeno histórico que afeta de forma desigual indivíduos e populações, crianças e adolescentes também são vulneráveis à violação de seus direitos humanos, temática que será abordada nesta seção.

A caracterização dos diferentes tipos de violência não é simples por tratar-se de fenômeno heterogêneo e multifatorial. Segundo definição da OMS, adotada pelo Ministério da Saúde, as violências são caracterizadas pelo

uso intencional da força física ou do poder, real ou em ameaça, contra si próprio, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou comunidade que possa resultar (ou tenha alta probabilidade de resultar) em morte, lesão, dano psicológico, problemas de desenvolvimento ou privação. (WHO, 1996, P. 142).

Na sequência dessa definição, as violências são classificadas por suas tipologias em três categorias: violência dirigida contra si mesmo (autoinfligida); violência interpessoal (classificadas em dois âmbitos: violência intrafamiliar ou doméstica - entre parceiros íntimos ou membros da família - e violência comunitária - que ocorre no ambiente social em geral entre conhecidos e desconhecidos) e violência coletiva (atos violentos que acontecem nos âmbitos macrossociais, políticos e econômicos, caracterizados pela dominação de grupos e do Estado).

Quanto à natureza, os atos violentos podem ser classificados como abuso físico, psicológico, sexual e envolvendo abandono, negligência e privação de cuidados.

Deste quadro geral de classificação das violências, derivam-se as especificações da legislação brasileira, sobretudo para o ECA e para o Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes (Viva) e suas aplicações para o segmento infância e adolescência. O Ministério da Saúde define a violência contra crianças e adolescentes como quaisquer atos ou omissões dos pais, parentes, responsáveis, instituições e, em última instância, da sociedade em geral, que redundam em dano físico, emocional, sexual e moral às vítimas (BRASIL, 2001).

Estudo realizado na base de dados do Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes (VIVA INQUÉRITO, 2011) revela que entre as crianças menores de 10 anos de idade, a negligência é o tipo de violência mais comum (43,1%), seguido da violência física (33,3%). Na maior parte dos atendimentos, tratava-se de um familiar o provável autor da agressão, e a mãe apareceu em mais de 36% dos casos notificados. Já a violência física (65,3%) foi o tipo de violência mais comum na faixa etária de 10 a 19 anos de idade segundo a mesma fonte. Na maior parte dos atendimentos, tratava-se de um amigo ou conhecido o provável autor da agressão (20,0%) (BRASIL, 2011).

As violências e os acidentes, no Sistema Nacional de Vigilância em Saúde (SNVS), são enquadrados na categoria de causas externas e têm aumentado significativamente e de modo geral na população, contribuindo para a mudança do perfil epidemiológico do País. As causas externas de morbidade e mortalidade no Brasil representam a terceira causa de morte entre crianças de zero a 9 anos de idade, passando a ocupar a primeira posição na população de adultos jovens (10 a 39 anos) (BRASIL, 2013).

Diante da magnitude do fenômeno no País (frequência, anos potenciais de vida perdidos) e transcendência (gravidade, importância econômica-custos, absenteísmo), a notificação das violências foi estabelecida como obrigatória por vários atos normativos e legais. No segmento crianças-adolescentes, está prevista no ECA e na Portaria do MS nº 1.968, de 25 de outubro de 2001.

Por meio da notificação do caso suspeito ou confirmado, cria-se o elo entre os sistemas de saúde, de ensino e demais políticas públicas com o sistema de justiça e de direitos humanos, delineando-se a formação da rede multiprofissional e interinstitucional de atuação fundamental nesses casos, permitindo também o dimensionamento epidemiológico da violência. Ainda no âmbito do sistema de garantia de direitos, a partir de 2003, os Conselhos Tutelares devem proceder à atualização dos dados no Sistema de Informação para a Infância e Adolescência (Sipia), criado em 1997, gerido pela Secretaria de Direitos Humanos, por meio da Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente (SNPDCA).

Em 2004, no âmbito da saúde, criou-se a Rede Nacional de Prevenção às Violências e Promoção da Saúde (Portaria MS/GM nº 936) que prevê a implantação de "Núcleos de Prevenção às Violências e Promoção da Saúde", constando entre suas atividades a

implementação da notificação de maus-tratos e outras violências, possibilitando a melhoria da qualidade da informação e participação nas redes estadual e nacional de atenção integral para populações estratégicas. (BRASIL, 2004).

A partir de 2006, o Ministério da Saúde estruturou o Viva no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) em dois componentes: (I) vigilância de violência doméstica, sexual e/ou outras violências interpessoais e autoprovocadas (Viva Contínuo), e (II) vigilância de violências e acidentes em emergências hospitalares (BRASIL, 2010B).

Essas iniciativas de vigilância da violência, bem como aquelas desenvolvidas em outros níveis de atenção à saúde (atenção básica, rede de urgências), precisam ser capilarizadas por todas as instâncias de gestão do SUS, sob pena de se reduzirem a retóricas normativas, sem efetividade na gestão local, isto é, nos territórios, distritos e regiões de saúde. Nessa direção, em 2010, é lançada, em âmbito nacional, a estratégia de Linha de Cuidado para a Atenção Integral à Saúde de Crianças, Adolescentes e suas Famílias em Situação de Violências, com o propósito de sensibilizar e orientar os gestores e profissionais de saúde para uma ação contínua e permanente para a atenção integral à saúde de crianças, adolescentes e suas famílias em situação de violências (BRASIL, 2010A).

Entre avanços e desafios: a cidadania de crianças e adolescentes como imperativo ético civilizatório

A primeira seção deste ensaio encarregou-se de explicitar os principais marcos históricos e políticos da tardia inserção da infância e da adolescência na esfera brasileira dos direitos à cidadania. A reboque das iniciativas internacionais e, sobretudo, pressionado pelos movimentos sociais, o Estado brasileiro, especialmente a partir da Constituição de 1988, reconhece a prioridade de proteção das crianças e dos adolescentes como seres em condição peculiar de desenvolvimento. Por meio de sua principal legislação - o ECA, e na sequência das políticas que o regulamentaram -, o País assume sua dívida social para com esse segmento populacional, desencadeando uma série de dispositivos de implementação de um Sistema de Garantia de Direitos. Apesar da legitimidade e da importância desse Sistema, as prescrições legais e normativas não são suficientes para impedir que as violações de direitos continuem a persistir de forma injusta e evitável. Tais violações aparecem naturalizadas na sociedade, mas se constituem em solo fértil para as principais formas de relações violentas (MINAYO, 2006______. A inclusão da violência na agenda da saúde: trajetória histórica. Ciência Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 11, p. 1259-1267, 2006. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sc>. Acesso em: 25 abr. 2013.
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).

Desse ponto de vista, a violência é entendida como um processo e, ao mesmo tempo, produto que expressa o nível de satisfação das necessidades de uma sociedade, revelando o modelo de organização social e política de um país na distribuição de recursos para garanti-las.

Na dinâmica da violência estrutural que afeta direta e indiretamente toda a sociedade, outras formas de violência se instalam, acentuando o dilema civilizatório contemporâneo: se de um lado tem-se direitos consolidados, de outro, estes se veem ameaçados pela violência disseminada no tecido social. Examinando-se essa contradição no campo dos direitos de crianças e adolescentes, depara-se com a impotência do Sistema de Garantia de Direitos e, ao mesmo tempo, com a doutrina de proteção integral, potente instrumento de reivindicação, no âmbito jurídico e social, dos direitos conquistados.

Na esteira dessas conquistas e contradições, persiste o complexo contexto de violação de direitos do qual crianças e adolescentes brasileiros são vítimas, em escala crescente de magnitude, conformando um problema grave de saúde pública. A violência contra crianças e adolescentes, devido ao grande impacto no crescimento e desenvolvimento infantojuvenil, é uma grave violação de direitos (MARTINS; JORGE, 2009MARTINS, C. B. G.; JORGE, M. H. P. M. Desfecho dos casos de violência contra crianças e adolescentes no poder judiciário. Acta Paulista de Enfermagem, São Paulo, v. 22, n. 6, p. 800-7, 2009. PESCE, 2009PESCE, R. Violência familiar e comportamento agressivo e transgressor na infância: uma revisão da literatura. Ciência Saúde Coletiva , Rio de Janeiro, v. 14, n. 2, p. 507-8, 2009. Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232009000.... Acesso em: 30 abr. 2013. 
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s... 
). Portanto, a temática violência, na intersecção com a população infantojuvenil, deve pautar as agendas públicas não só pela repercussão simbólica e material que imputa à sociedade, mas principalmente pelos direitos inalienáveis desse segmento que historicamente foi negligenciado pelas políticas públicas.

O elenco de ações implantado na política setorial de saúde demonstra uma ação reativa do Estado no sentido de conter e monitorar a agudização do fenômeno da violência. Em outras palavras, ele permanece encarando o fenômeno da violência como um espectador, um contador de eventos, um reparador dos estragos provocados pelos conflitos sociais, tanto nas situações cotidianas como nas emergenciais. Esse tempo histórico exige mais das políticas públicas, bem como da sociedade civil organizada na implicação ético-política de reversão das iniquidades, no âmbito e alcance que lhe são possíveis (MINAYO; SOUZA, 1999MINAYO, M. C. S.; SOUZA, E. R. É possível prevenir a violência? Reflexões a partir do campo da saúde pública. Ciência Saúde Coletiva , Rio de Janeiro, v. 4, n. 1, p. 7-23, 1999. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81231999000100002&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 30 abr. 2013. 
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s... 
).

No âmbito da saúde, esse pressuposto implica concebê-la como direito que vai muito além do acesso aos serviços (esfera individual), para pensá-la em seu espectro mais amplo, de satisfação das necessidades humanas básicas, como o trabalho, a moradia, a educação, o saneamento, o ambiente, o transporte etc. (esfera coletiva). Essa concepção ampliada de saúde como direito social e política pública é a vigente no País e exige do Estado iniciativas de justiça distributiva, mediante políticas econômicas e sociais que contemplem as duas dimensões, de caráter metaindividual (MACHADO, 2011MACHADO, F. R. Algumas interfaces do direito à saúde. In: PINHEIRO, R.; SILVA JUNIOR, A. G. (Org.). Cidadania no cuidado: o universal e o comum na integralidade das ações de saúde. Rio de Janeiro: IMS/UERJ-CEPESC, 2011. p. 85-102. ).

Agregam-se aos determinantes de ordem macroestrutural os desafios de gestão e execução terminal das políticas, tornando ainda mais complexa a responsabilidade do Estado e da sociedade de promover e proteger de forma integral a vida das crianças e adolescentes brasileiros.

O modelo de atenção à saúde predominante continua centrado na responsabilização apenas clínica de tratamento de lesões e traumas que resultam das agressões, restringindo processos de trabalho e organizando a rede de serviços a esse foco. O trabalho de prevenção e de maior preparo às notificações desses agravos são lacunas importantes constatadas empiricamente (LOBATO; MORAES; NASCIMENTO, 2012LOBATO, G. R.; MORAES, C. L.; NASCIMENTO, M. C. Desafios da atenção à violência doméstica contra crianças e adolescentes no Programa Saúde da Família em cidade de médio porte do estado do Rio de Janeiro, Brasil. Cadernos de Saúde Pública , Rio de Janeiro, v. 28, n. 9, 2012. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2012000900013&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 30 abr. 2013. 
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MOURA; MORAES; REICHENHEIM, 2008MOURA, A. T. M. S.; MORAES, C. L.; REICHENHEIM, M. E. Detecção de maus-tratos contra a criança: oportunidades perdidas em serviços de emergência na cidade do Rio de Janeiro, Brasil. Cadernos de Saúde Pública , Rio de Janeiro, v. 24, n. 12, 2008. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2008001200022 &lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 15 maio 2013. 
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s... 
).

O desconhecimento acerca dos marcos legais e programáticos que envolvem a consolidação de um sistema de garantia de direitos é outro impedimento aos gestores, profissionais, controle social e população em geral. Associa-se a essa condição experiências ainda fragmentadas de intervenção, com evidências de precarização dos sistemas de informação (BAZON, 2008______. Violências contra crianças e adolescentes: análise de quatro anos de notificações feitas ao Conselho Tutelar na cidade de Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 24, n. 2, p. 323-32, 2008. Disponível em: <http://www. scielosp.org/pdf/csp/v24n2/10.pdf>. Acesso em: 11 maio 2013. 
http://www. scielosp.org/pdf/csp/v24n2/1... 
) e atendimento, o que inviabiliza a formulação de uma política integral que efetive os direitos humanos desse segmento populacional.

A superação desses obstáculos exige uma ação integrada da esfera pública, especialmente no âmbito municipal. A criação e manutenção de uma matriz intersetorial georefenciada de indicadores, caracterizada por tipologia das violências, perfil das vítimas, agressores e serviços da rede acionados, é um instrumento estratégico à discussão qualitativa sobre os impactos, expressões e formas de enfrentamento ao fenômeno, com os atores do Sistema de Garantia de Direitos, e precisa ser incorporado à gestão dos municípios. A qualificação do atendimento na construção de linhas de cuidado para atenção integral à saúde de crianças, adolescentes e suas famílias em situação de violência é outra iniciativa necessária, articulando esforços e redes intersetoriais.

Esse conjunto de ações incidente sobre as consequências da violência, geradora de danos incomensuráveis às vidas das vítimas, tem seu mérito e legitimidade indiscutíveis. Entretanto, a complexidade da qual se reveste o fenômeno demanda ações em diversos níveis de gestão do estado: estrutural, para promoção da saúde e redução da pobreza e da desigualdade, políticas de desenvolvimento, de trabalho e renda, políticas relacionadas às armas de fogo, álcool e drogas; no âmbito da atenção e proteção dos grupos mais vulneráveis e incluindo ações, como estímulo à permanência na escola, e na atuação com vítimas da violência com prevenção de sequelas e qualificação do atendimento (MARTINS; JORGE, 2009MARTINS, C. B. G.; JORGE, M. H. P. M. Desfecho dos casos de violência contra crianças e adolescentes no poder judiciário. Acta Paulista de Enfermagem, São Paulo, v. 22, n. 6, p. 800-7, 2009. ).

Nessa direção, a responsabilidade cívica do Estado e da sociedade não se esgota no investimento em programas de proteção e cuidado, que parecem ser prioritários nas políticas de governo, em detrimento das mudanças necessárias para a consolidação de uma nação que efetive os direitos de cidadania como política de Estado. Somente uma nação soberana, que reconheça e faça cumprir os direitos de cidadania desde a tenra infância poderá conquistar um legado do qual não se envergonhe nem se arrependa, realidade ainda muito distante dos cidadãos brasileiros.

Essa perspectiva de totalidade, na qual a realidade pode ser analisada de forma crítica, aproxima-se do conceito de integralidade da saúde, em que o circuito promoção, prevenção, recuperação e reabilitação opera e deve ser ofertado de forma contínua e de acordo com as necessidades de saúde da população.

Enquanto as desigualdades persistirem, a começar pelas iniquidades sociais, assumindo contornos perversos em suas inscrições de classe social, geracionais, de gênero e raça, estar-se-á, como sociedade, perpetrando as violações de direitos, especialmente aos grupos mais vulneráveis, nos quais se incluem as crianças e adolescentes, portanto, o presente e o futuro da civilização.

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