"Uma discussão sobre a efetividade do direito fundamental à saúde"


PorLucimara- Postado em 15 maio 2013

Autores: 
Andrade, Leonardo José Campos Maia de

 

1- INTRODUÇÃO

O direito ao acesso à saúde universal e gratuito está insculpido no artigo 196 da Constituição Federal. Esta premissa, apesar de verdadeira, envolve sérios contornos diante da problemática enfrentada pelo sistema público sanitário. Afinal, a questão da saúde abrange temas como políticas públicas, orçamentos, alocação de despesas, discricionariedade das administrações públicas e escolhas estratégicas.

Dito direito prestacional, o direito à saúde tem sua efetivação sujeita à dimensão econômica da sociedade e à correta aplicação dos recursos. Se por um lado o Estado está obrigado a garantir o acesso a todos, por outro surge a questão das possibilidades e limites tendo em vista a escassez de recursos públicos.

Ademais, tornaram-se crescentes os pronunciamentos emitidos pelo Poder Judiciário, no sentido de garantir prestações positivas concernentes a questões de saúde, reconhecendo esse direito subjetivo dos cidadãos e aplicabilidade imediata do art. 196 da Constituição da República.

Esse sistema, no entanto, começa a apresentar sinais de insegurança e instabilidade, vítima de comandos que determinam o custeio de tratamentos médicos de elevado custo financeiro, desconsiderando, muitas vezes, as fundamentações apresentadas pelos gestores públicos, melhor conhecedores dos limites e das possibilidades dos recursos.

O direito à saúde é, portanto, tema dos mais complexos a ser analisado, pois centraliza diversas questões que não podem ser tratadas de formas dissociadas. A matéria em debate envolve a utilização do princípio da proporcionalidade e a ponderação de interesses, o princípio da separação dos poderes e as políticas públicas e a questão da reserva do possível.

Nessa esteira, o tema proposto busca fazer uma reflexão sobre até que ponto o direito à saúde pode ser entendido como um postulado absoluto e quais os limites que o impedem de desfrutar da máxima eficácia garantida pelo artigo 5º, §1º da Constituição da República de 1988. Importante observar que o tema ganha sobrelevada importância uma vez que o direito à saúde está intimamente ligado ao direito à vida, corolário do princípio da dignidade da pessoa.

2- DENSENVOLVIMENTO

2.1 Direitos Sociais e o Princípio da Proporcionalidade

O princípio da proporcionalidade surgiu no século XVIII, ligado à ideia de contenção do poder executivo, sendo considerado uma ferramenta de justa medida contra as limitações impostas à esfera individual. No século XIX ganha novo contorno, é introduzido no direito administrativo como princípio geral do direito de polícia, com atuação na limitação legal da arbitrariedade do poder executivo.[1] No entanto, só adquire status constitucional em meados do séc. XX, por obra da doutrina e da jurisprudência, na Alemanha e Suíça.[2]

No Brasil, embora o princípio da proporcionalidade não exista como norma geral de direito escrito, seu conteúdo mandamental está inserido como norma esparsa no texto constitucional. Deriva-se do princípio da igualdade, assentado na acepção de igualdade-proporcionalidade, característica desta nova fase do Estado de Direito.[3]

O direito constitucional brasileiro acolhe já de maneira copiosa expressões nítidas e especiais de proporcionalidade, isto é, regras de aplicação particularizada ou específica do princípio[4]. Ressalte-se que é no campo da concretização dos direitos sociais, haja vista a escassez dos recursos públicos, que o emprego do princípio da proporcionalidade ganha sobrelevada importância. Como destaca Bonavides,[5]

[...] diante de eventual e flagrante limitação ou carência de recursos, a manutenção dos comandos normativos da Constituição recomenda ao tratamento da controvérsia pelos órgãos do poder estatal na esfera respectiva dos três ramos da soberania o emprego do princípio da proporcionalidade.

 

Deve-se, no entanto, atentar que o princípio da proporcionalidade é subdividido em três elementos ou subprincípios.

O primeiro é adequação ou idoneidade, que deve determinar se a medida adotada é correta para a obtenção de um fim baseado no interesse público. Conforme Canotilho[6] “trata-se, [...] de controlar a relação de adequação medida-fim.” Ou seja, perquire-se se os meios adotados são válidos para a consecução do objetivo pretendido.

O segundo elemento ou subprincípio da proporcionalidade é a necessidade, que possui como pressuposto a imposição de limites para a obtenção do fim desejado. Pelo princípio da necessidade “a medida adotada não há de exceder os limites indispensáveis à conservação do fim legítimo que se almeja.”[7] A opção, portanto, a ser feita por qualquer uma das esferas de poder, deve ser a menos gravosa ao indivíduo, deve ainda ser escolhido o meio mais idôneo e ser feita a menor restrição possível.[8]

O terceiro elemento consiste na proporcionalidade “stricto sensu” e confunde-se com a lei da ponderação onde será procurada a melhor proporção entre os meios e os fins para a obtenção do resultado.

Neste contexto, insere-se aqui a questão da colisão de direitos. Assim, quando duas normas (princípios e regras) , aplicadas independentemente à mesma situação fática, levarem a resultados incompatíveis por emanarem um dever ser – de ordem, permissão e proibição – contraditórios, estar-se-á diante de conflito de normas.

A colisão de normas distingue-se, no entanto, no modo de solução do conflito. Para Alexy, “Um conflito entre regras somente pode ser resolvido se uma cláusula de exceção, que remova o conflito, for introduzida numa regra ou pelo menos se uma das regras for declarada nula [...]”[9]. O conflito de regras, portanto, é resolvido no campo na validade, aplicando-se regras de soluções de conflito tais como, lei posterior derroga lei anterior, lei especial derroga lei geral etc.

Por outro lado, o conflito entre princípios é solucionado de maneira completamente distinta. Ressalta-se que os conflitos entre direitos fundamentais reconduzem-se a um conflito entre princípios. Segundo Alexy, estes conflitos devem ser solucionados da melhor forma possível, de acordo com as possibilidades fáticas e jurídicas, afinal, constituem-se de mandamentos de otimização, e devem ser aplicados em graus diferenciados conforme a especificidade de cada caso.

Nesta senda, no conflito entre dois princípios, deve-se buscar uma harmonização entre eles, de forma que um dos princípios ceda perante o outro. Contudo, isto não significa que o princípio deva ser declarado inválido ou que nele se introduza uma cláusula de exceção. O que vai determinar qual o princípio deve ceder serão as circunstâncias de cada caso. Com isso, “se quer dizer que os princípios têm um peso diferente nos casos concretos, e que o princípio de maior peso é o que prepondera.”[10]

Observa-se, portanto, que não existem princípios absolutos, a valoração atribuída varia conforme as circunstancias inerentes de cada caso. Como destaca Amorim,[11] “o conflito deve ser solucionado por meio de uma ponderação de interesses opostos, ou seja, uma ponderação de qual dos interesses, abstratamente do mesmo nível, possui maior peso diante as circunstancias do caso concreto.”

Deve-se, no entanto, observar alguns passos ao se fazer o juízo de ponderação:

(i) primeiro se investigam e identificam os princípios (valores, direitos, interesses) em conflito, e quanto mais elementos forem trazidos mais correto poderá ser o resultado final da ponderação; (ii) segundo, atribui-se o peso ou importância que lhes corresponda, conforme as circunstâncias do caso concreto; e (iii) por fim, decide-se sobre a prevalência de um deles sobre o outro (ou outros).[12]

Ressalta-se que é justamente no terceiro e último passo do juízo de ponderação, que será observado o princípio da proporcionalidade stricto sensu, exigindo-se o sacrifício de um direito para a consecução de um determinado fim, sem contudo, conceber ao beneficiário uma situação sobrepujante à verdadeira necessidade.

Como destaca Canotilho,[13]

[meios] e fins são colocados em equação mediante um juízo de ponderação, a fim de se avaliar se o meio utilizado é ou não desproporcional em relação ao fim. Trata-se, pois de uma questão de medida ou desmedida para se alcançar um fim: pesar as desvantagens dos meios em relação às vantagens do fim.

Neste diapasão, nota-se que a resolução de conflitos entre princípios é por demasiadamente complexa, uma vez que estes emitem um conteúdo mandamental aplicado à inúmeras situações de fato, não determinando a priori e em definitivo, a razão prevalecente.

Deve-se ter em mente que nenhum princípio é inválido nem tem precedência absoluta sobre os outros. Somente o caso concreto e suas circunstâncias fáticas é que levarão o aplicador do direito, no juízo de ponderação, a reduzir ou ampliar o conteúdo mandamental dos princípios opostos.

2.2 O Princípio da Separação dos Poderes: Políticas Públicas e Controle na Realização dos Direitos Sociais

O Estado democrático de direito é insculpido em torno do princípio da dignidade da pessoa humana e, sobretudo na garantia e respeito aos direitos fundamentais. A dignidade da pessoa engloba assim todos os direitos fundamentais constituindo núcleo essencial desses direitos. Comentando especificamente acerca dos direitos sociais na ordem constitucional portuguesa, Canotilho ensina que “todos têm um direito fundamental a um núcleo básico de direitos sociais (minumum core of economic and social rights).[14] Isto significa dizer que deve-se consagrar ao cidadão o mínimo existencial para uma vida digna, ou seja, oferta e prestação de serviços como saúde, educação, moradia, emprego, assistência social etc.

Diante dessa perspectiva insere-se o princípio da separação dos poderes como elo imanente ao Estado democrático de direito e instrumento de consagração e respeito aos direitos fundamentais.

Vale lembrar que credita-se a Aristóteles, na obra denominada Política, o primeiro esboço acerca da Separação de Poderes, que consiste na clássica distinção das funções estatais, quais sejam, legislação, administração e jurisdição, atribuídas a três órgãos autônomos entre si e exercidas com exclusividade. É certo que, muito embora tenha Aristóteles reconhecido essas três funções inerentes ao Estado, esta descoberta não foi capaz de transmudá-lo – à época - aos moldes políticos contemporâneos de sociedade. Como destacam Bastos e Martins[15],

[o] valor da descoberta aristotélica é muito relativo. Em nada influenciou a vida política durante, no mínimo, o milênio que se seguiu à sua vida. Durante esse imenso lapso histórico, dominou sem contestação a vontade do monarca, que reunia em si mesmo as três funções estatais [...].

A doutrina da separação de poderes foi consagrada, no entanto, na obra de Montesquieu, - O espírito das leis -, cujo dogma foi irradiado pelo art. 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão em plena revolução francesa de 1789. In verbis[16]:

Art. 16: Qualquer sociedade na qual a garantia dos direitos não está em segurança, nem a separação dos poderes determinada, não tem constituição.

Lançadas as bases do constitucionalismo moderno, a teoria da separação dos poderes foi aos poucos adaptada à nova realidade política dos Estados, vide a adoção do mecanismo de controles recíprocos intitulado de freios e contrapesos com o objetivo “de impedir que os poderes criados se tornassem tão independentes a ponto de se desgarrarem de uma vontade política central que deve informar toda a organização estatal”.[17]

Não obstante as considerações supramencionadas, impende destacar a questão do princípio da separação dos poderes em sua dupla dimensão – negativa e positiva. A primeira comporta a separação de poderes como divisão, controle e limite do poder, entendida como meio de limite ao poder com vistas a garantir os direitos subjetivos do cidadão. Já a dimensão positiva traduz-se numa ordem implícita de adequação das funções do estado – competências, tarefas, funções e responsabilidades – com a finalidade de proporcionar aos indivíduos decisões eficazes e justas. Nos dizeres de Canotilho, “[nesta] perspectiva, separação ou divisão de poderes significa responsabilidade pelo exercício de um poder”.[18]

Nesse contexto, insere-se a perspectiva positiva da separação de poderes no epicentro da problemática da eficácia dos direitos sociais, conseqüentemente na tentativa de equacionamento do presente estudo. Em que pese o princípio da separação de poderes atuar de forma a conter os poderes dentro dos fins aos quais estes devem servir, os direitos fundamentais podem vir a ser vulnerados por aqueles que representam o povo (gestores e legisladores) perante a sociedade (democracia x pluralismo político). Como destaca Barroso:[19]

O princípio democrático [...] se expressa na idéia de soberania popular: todo poder emana do povo, na dicção expressa do parágrafo único do art. 1º da Constituição brasileira. Como decorrência, o poder político deve caber às maiorias que se articulam a cada época. O sistema representativo permite que, periodicamente, o povo se manifeste elegendo seus representantes. O Chefe do Executivo e os membros do Legislativo são escolhidos pelo voto popular e são o componente majoritário do sistema. Os membros do Poder Judiciário são recrutados, como regra geral, por critérios técnicos e não eletivos. A idéia de governo da maioria se realiza, sobretudo, na atuação do Executivo e do Legislativo, aos quais compete a elaboração de leis, a alocação de recursos e a formulação e execução de políticas públicas, inclusive as de educação, saúde, segurança etc.

Isto posto, tomando-se em conta o princípio democrático e o pluralismo político, haverá ocasiões de violação aos direitos fundamentais por aqueles que constituem a maioria governante. Desde já, revestir-se-á o Poder Judiciário de autoridade suficiente para decidir qual o melhor caminho a ser seguido para conferir a devida eficácia aos direitos sociais.

Ressalta-se que, embora a Constituição brasileira confira aplicabilidade imediata aos direitos fundamentais (Art. 5º, §1º), o rol dos direitos sociais é constituído de normas que dependem de uma prestação positiva do Estado. São normas constitucionais de natureza programática, ou seja, sua satisfação depende de inserção nas chamadas políticas públicas do Estado,[20]estas compreendidas por um programa de ação governamental que se presta a atender fins de interesse social.

É nesse ambiente de dicotomia entre democracia e pluralismo político que a questão da separação de poderes ganha sérios contornos. Poderá o Poder Judiciário agir, impondo obrigações, anulando atos e políticas públicas aos órgãos que representem a maioria política compreendidas pelo Poder Executivo e Legislativo?

A possibilidade de atuação do Poder Judiciário diante de querelas que envolvam políticas públicas é inquestionável diante da premissa prevista no art. 5º, XXXV, da Constituição Brasileira: “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito.” Resta saber, no entanto, quais os limites que se impõem a esta atuação.

Canotilho adverte que “os juízes devem autolimitar-se à decisão de questões jurisdicionais e negar a justiciabilidade das questões políticas.” Trata-se do princípio da autolimitação judicial, importado da jurisprudência americana. Este princípio foi definido pelo juiz Marshall, significando que em certas questões políticas, da competência do Presidente, não ocorrerá o controle jurisdicional. Neste sentido, nos limites de cognição dos juízes em relação aos vícios, competir-lhes-á somente conhecer dos vícios de constitucionalidade dos atos normativos, mas não quanto aos vícios de mérito, que compreendem a discricionariedade (oportunidade e conveniência) conferida aos gestores e legisladores.[21]

A proteção dos direitos fundamentais, especialmente no tocante aos direitos sociais, depende da perfeita adequação e respeito das funções inerentes a cada poder constituído. Os juízes devem intervir somente quando houver ofensa àqueles direitos ou ainda quando Executivo e Legislativo abusem diante do poder discricionário conferido para a implementação das políticas públicas.

Entretanto, em que pese a importância da intervenção do Poder Judiciário, sua atuação desregrada poderá dar corpo ao fenômeno da judicialização da política[22], situação de apoderamento das funções legislativas e executivas, que em nosso contexto é traduzida pela formulação e realização de políticas públicas pelo poder julgador. Neste sentido, Appio[23] adverte que:

Um governo de juízes seria de todo lamentável, não pelo simples fato de que não tenham sido eleitos para gerirem a máquina administrativa ou para inovarem no ordenamento jurídico, mas pela simples razão de que não detêm mandato fixo [...]

Não há qualquer garantia de que um governo de juízes seria moralmente superior ao de representantes eleitos, na medida em que os valores e princípios constitucionais são maleáveis por conta de sua textura aberta, permitindo uma interpretação muito ampla acerca de seu conteúdo, o que poderia conduzir à prevalência dos interesses do Poder Judiciário enquanto grupo político, e não os interesses dos cidadãos.

É importante destacar que na argüição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) nº 45 promovida em razão de veto presidencial, ao §2º do art. 55 da Lei 10.707, que supostamente importou desrespeito a preceito fundamental decorrente da EC 29/2000, promulgada para garantir recursos financeiros mínimos a serem aplicados nas ações e serviços públicos de saúde, o Supremo Tribunal Federal, através do ministro Celso de Mello se pronunciou sobre a possibilidade e os limites de atuação do Poder Judiciário,[24] in verbis:

Não obstante a formulação e a execução de políticas públicas dependam de opções políticas a cargo daqueles que, por delegação popular, receberam investidura em mandato eletivo, cumpre reconhecer que não se revela absoluta, nesse domínio, a liberdade de conformação do legislador, nem a de atuação do Poder Executivo. É que, se tais Poderes do Estado agirem de modo irrazoável ou procederem com a clara intenção de neutralizar, comprometendo-a, a eficácia dos direitos sociais, econômicos e culturais, afetando, como decorrência causal de uma injustificável inércia estatal ou de um abusivo comportamento governamental, aquele núcleo intangível consubstanciador de um conjunto irredutível de condições mínimas necessárias a uma existência digna e essenciais à própria sobrevivência do indivíduo, aí, então, justificar-se-á, [...] - e até mesmo por razões fundadas em um imperativo ético-jurídico -, a possibilidade de intervenção do Poder Judiciário, em ordem a viabilizar, a todos, o acesso aos bens cuja fruição lhes haja sido injustamente recusada pelo Estado.

A ilação que daqui se desata é no seguinte sentido: O reconhecimento de que as ações governamentais expressadas através das políticas públicas implicam em discricionariedade do Poder Público, verdadeiro conhecedor dos interesses e necessidades sociais. E que, aberta a possibilidade de intervenção do Judiciário como instrumento de controle de eventuais excessos, essa atuação jamais seja na condição de legislador positivo.

Assim, é imperioso ressaltar que no cenário político-jurídico brasileiro as políticas públicas têm por suporte normas constitucionais que devem ser interpretadas em consonância com a Constituição. Isso resulta em obrigação de, na apreciação de determinada política pública, o Poder Judiciário restringir-se quanto ao abuso do poder discricionário decorrentes dessas ações, bem como a eventual desrespeito aos princípios constitucionais e as diretrizes de política pública traçadas pela Lei Maior.

Destaque-se, por fim, a lição de Celso Bastos[25] sobre interpretação conforme a Constituição: “Ao Judiciário não cabe colocar as normas em vigor, mas apenas afastar da vigência aquelas que contrariem as normas superiores do ordenamento jurídico.” Frise-se que controle jurisdicional deve ter por fim o respeito e zelo ao princípio da separação dos poderes.

2.3 O Princípio da Reserva do Possível: Limitação de Recursos e Atendimento do Direito Social Saúde

Tema dos mais envolventes e ardorosos, o estudo da efetividade dos direitos fundamentais sociais e a aplicação da reserva do possível, em especial no âmbito da saúde, encontra-se em plena discussão nos tribunais brasileiros. É quando estão em pauta questões como fornecimento de medicamentos, custeio de tratamentos, procedimentos cirúrgicos específicos, entre outros, em que o Estado é constantemente impelido a garantir a devida prestação ao direito fundamental.

Como é cediço, os direitos prestacionais relacionam-se diretamente com a situação econômica da sociedade, por necessitarem de toda uma estrutura específica para que possam ser prestados. Cite-se, como exemplos, a construção e manutenção de hospitais, compra de medicamentos, materiais e contratação de profissionais capacitados para que o serviço público de saúde seja oferecido à sociedade.

Dessa forma, uma primeira análise a respeito da reserva do possível deve ser feita em paralelo com a influência da economia no direito, sobretudo no que tange à influência do neoliberalismo na inefetividade dos direitos fundamentais sociais pátrio. Sobre essa influência destaca Olsen[26] que:

[...] as idéias neoliberais passaram a influenciar a estrutura jurídica-política brasileira na década de 90, na qual foi implementada uma série de emendas constitucionais que modificaram significativamente a feição do Estado. O Brasil enfrentou um intenso processo de privatização, [e] verificou-se a abertura da economia interna para os mercados internacionais, de modo a possibilitar a instalação de uma série de agentes econômicos multinacionais em território brasileiro.

Este novo paradigma de diminuição do tamanho do Estado na economia e o aumento da participação da iniciativa privada acabaram por colocar em segundo plano os direitos sociais garantidos constitucionalmente. Trata-se de posição claramente paradoxal diante do dever do Estado brasileiro de promoção dos direitos fundamentais. Como bem assevera Olsen[27]:

[Se] por um lado [o Estado brasileiro] permanece vinculado aos objetivos de redução das desigualdades, e promoção dos direitos fundamentais socais, em virtude de disposições constitucionais, por outro, em muitos aspectos perdeu as rédeas da economia desmontou boa parte da estrutura responsável pela prestação de serviços, levando à inefetividade dos direitos fundamentais.

 

Por conseguinte, citando Arnoldo Keller[28] conclui que:

[O] cidadão brasileiro não chegou a ver cumpridas as normas constitucionais instituidoras dos Direitos Sociais, sendo surpreendido pela transferência do campo de produção do Direito, que está saindo do político para o econômico. E o econômico está sendo mais privilegiado do que o social.

É nesse ambiente que surge a reserva do possível, à medida que cresce o número de demandas judiciais com o escopo de garantir a efetividade das normas garantidoras desses direitos fundamentais. Relaciona-se com a necessidade de se adequar as receitas públicas à disponibilidade dos recursos para a prestação dos serviços, traduzida pela existência de meios para a consecução dos fins.

Dessa forma, verificada que a prestação dos direitos fundamentais implica em despesas por parte do Estado para estes se tornarem efetivos, faz-se mister identificar de que forma relaciona-se a reserva do possível com os direitos sociais. Nessa esteira, destacam-se as teorias internas e externas de restrição aos direitos fundamentais.

Segundo a teoria interna, defendida pelo alemão Friedrich Klein, as normas de direitos fundamentais são entendidas como um conceito único, de forma que os limites integram-se à dimensão positiva desses direitos. Os direitos fundamentais são compreendidos como categorias únicas de conteúdo determinado, o que impossibilita a existência de um lado a categoria do direito fundamental e do outro a restrição a esse direito.[29] Desta feita, reserva do possível, para a teoria interna, seria considerada como um limite imanente aos direitos sociais. Como destaca Olsen[30]:

A escassez de recursos, neste sentido, é reconhecida como dado de realidade a ser observado quando da definição do âmbito normativo de direito fundamental social. A reserva do possível diria respeito justamente à apreciação desta escassez como condição de possibilidade de reconhecimento do direito: se for possível deduzir a viabilidade prática do âmbito normativo do direito, então pode se falar em direito subjetivo exigível do Estado; se não for possível fazê-lo, a pretensão não estaria dentro do âmbito normativo, e por esta razão, não gozaria de proteção jurídica.

Conforme exemplifica a autora:

[Em se] tratando do direito à saúde, parte-se do princípio de que o âmbito normativo deste direito somente poderia abarcar as prestações fáticas ao alcance do Estado, enquanto destinatário das obrigações correspondentes. Se a previsão orçamentária permite o gasto tão-somente do valor “x” para com a implementação de políticas públicas destinadas à satisfação deste direito, tais como a construção e o aparelhamento de hospitais, o investimento em pesquisa de remédios, compra de medicamentos importados e a compra de medicamentos para abastecimento dos postos de saúde, não existiria direito à saúde para além desses limites previamente estabelecidos.[31]

Observa-se que, pela teoria interna, os direitos subjetivos do cidadão estariam condicionados aos próprios limites impostos pelos direitos fundamentais, bem como às condições fáticas decorrentes da norma; a análise da pertinência ou não do direito dar-se-ia em situação anterior à sua aplicação.

Em contrapartida, a reserva do possível também pode ser observada através da teoria externa de restrições aos direitos fundamentais. Esta, enquanto condição a ser observada pelo aplicador do direito, deve ser entendida como elemento externo às normas consagradoras de direito fundamental. Isto significa que em se tratando de direitos sociais, os mesmos devem ser prestados da melhor forma e maneira possível – mandamentos de otimização -, mas que eventualmente restrições poderão ocorrer em decorrência da escassez de recursos, uma vez que o postulado da reserva do possível configura-se como elemento à parte da norma fundamental. [32]

Sob esse prisma, enquanto elemento externo de direito fundamental, a análise da reserva do possível, dar-se-á conjuntamente com as condições fáticas que cerceiam a prestação desses direitos.

Em lições acerca do direito social saúde, mais uma vez exemplifica Olsen[33]:

Nestas condições, não haveria que se diferenciar quais os tratamentos médicos que se encontram acobertados pelo direito à saúde de forma abstrata. Somente diante das circunstâncias reais será viável aquilatar a extensão deste direito, confrontando a pretensão juridicamente deduzida com os recursos materiais disponíveis. Assim, enquanto elemento externo, a reserva do possível poderia reduzir mais ou menos o âmbito normativo do direito, e esta redução estaria sujeita ao controle de constitucionalidade, especialmente a partir do exame da proporcionalidade.

Observa-se, portanto, que a limitação aos direitos fundamentais sob a ótica da teoria externa parece ser a posição mais adequada para um Estado (brasileiro) que se destina a assegurar o exercício dos direitos sociais. É através desta teoria que o postulado da reserva do possível poderá ser compatibilizado, mediante a ponderação de interesses, diante dos elementos normativos dos direitos sociais e os elementos fáticos, compreendidos pela limitação dos recursos financeiros do Estado.

Aqui, chega-se ao ponto crucial do estudo, uma vez que está em jogo uma complexa ponderação de interesses, de um lado o direito saúde e o direito à vida, em contraste com o direito à vida de milhares de cidadãos, e de outro está o princípio da separação de poderes, o das reservas orçamentárias e a reserva do possível. Em razão desta complexidade é que se exige do Judiciário grande cautela quando da efetivação do direito social saúde, uma vez que é possível encontrar no repertório de jurisprudência brasileira decisões sem análise conjunta dos elementos supracitados.

Acrescenta-se a título de exemplo, decisão proferida pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina, relativo à justiciabilidade do direito à saúde, o agravo de Instrumento nº 97.000511-3, cujo relator foi o Des. Sérgio Paladino. Neste acórdão, o relator entendeu que o direito à saúde, garantido na Constituição, seria suficiente para ordenar ao Estado, liminarmente e sem mesmo sua oitiva, o custeio de tratamento médico nos Estados Unidos, para uma criança portadora de distrofia muscular progressiva de Duchenne, ao custo de US$163,000,00. Destaque-se o argumento utilizado pelo relator: “Ao julgador não é lícito, com efeito, negar tutela a esses direitos naturais de primeiríssima grandeza sob o argumento de proteger o Erário.”[34]

Neste mesmo sentido, o juízo federal de Umuaram/PR que concedeu liminar, em sede de mandado de segurança, determinando que fosse efetuada, no prazo de cinco dias, a transferência do valor de US$ 275,000,00, para a conta do Hospital Clarean Health Partners, situado na cidade de Indianápolis, Indiana (EUA), para pagar a cirurgia de transplante de intestino da menor Natália Lira Vieira. In verbis:

[...] Ante o exposto, presentes os requisitos do art. 7º da Lei n. 1533, de 1951, diante do que dispõe a Constituição Federal, defiro o pedido de liminar, para o fim de determinar que o Secretário de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde, com sede em Brasília (DF), no prazo de cinco dias, efetue a transferência do valor de duzentos e setenta e cinco mil dólares norte-americamos para ‘Clarian Health Partners, Inc./ Routing #074000065/AC#758112208/ Nacional City Bank; DDA 60

[…], sob pena de desobediência à ordem judicial, configurando responsabilidade criminal (prevaricação), administrativa (responsabilidade) e improbidade administrativa (perda de cargo e/ou função), impondo, ainda, em caso de descumprimento, multa diária, no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), revertida à impetrante. Efetuado o transplante, seja realizado o pagamento das despesas de pós-operatório e as passagens de retorno da

impetrante e seus pais ao Brasil.[35]

A questão da efetividade dos direitos sociais, no entanto, não se resume a discussões somente no campo do direito individual. Vale observar, como se pronunciou o juízo federal do Ceará, quando impulsionado a analisar questão de interesse coletivo, decidiu pela intervenção do Poder Judiciário no âmbito das políticas públicas de saúde do Estado, desprezando a análise sobre a capacidade econômica-financeira da pessoa Estatal face à exclusiva atenção ao direito à saúde[36].

Tratava-se de Ação Civil Pública interposta pelo Ministério Público Federal em face da União, do Estado do Ceará e do Município de Fortaleza na qual buscou-se medida liminar em caráter de urgência para que o Município efetuasse a transferência de todos os pacientes que se encontravam necessitados de atendimento em Unidades de Tratamento Intensivo – UTI, para hospitais públicos ou particulares detentores de estrutura especializada. Requereu-se ainda a adoção de medidas pela União e pelo Estado do Ceará que auxiliassem o município de Fortaleza na solução do problema, bem como estipulação do prazo de 90 (noventa) dias para que as três esferas administrativas, no âmbito de suas respectivas competências, iniciassem ações para a implementação de novos leitos de UTI.[37]

Diante do descumprimento da decisão liminar, foi interposto pelo Ministério Público requerimento ao Juízo Federal para elevação da multa diária, com fito de garantir a efetividade da medida liminar. Foi ainda requerido que os Hospitais conveniados aos SUS recebessem os pacientes à espera dos leitos de UTI na rede pública e, por fim, que mesmo aqueles hospitais privados de Fortaleza não conveniados ao SUS também recebessem os pacientes oriundos dos hospitais públicos em decorrência da superlotação dos leitos desses hospitais e conveniados, correndo as despesas por conta dos entes públicos demandados.[38]

Findo o procedimento liminar a respectiva ação civil pública foi julgada com o deferimento dos seguintes pedidos formulados pelo Ministério Público Federal: a) que os hospitais conveniados ao SUS fossem obrigados a receber os pacientes que se encontravam à espera de leitos de UTIs na rede de hospitais públicos, sendo as despesas respectivas pagas à conta dos recursos orçamentários do SUS, mediante apresentação de comprovantes; b) que na falta de verba orçamentária do SUS os hospitais em questão ficassem autorizados a efetuar a compensação fiscal dos gastos efetuados no custeio dos tratamentos com tributos federais, estaduais ou municipais; c) que, se esgotados todos os leitos dos hospitais particulares conveniados aos SUS, os hospitais particulares de Fortaleza, mesmo que não conveniados, fossem obrigados a receber os pacientes oriundos dos hospitais públicos, correndo as despesas por conta dos entes públicos; d) que o Estado do Ceará e o Município de Fortaleza fossem obrigados a remanejar ou transferir os recursos orçamentários destinados à propaganda institucional do governo para solucionar o problema de saúde do Município de Fortaleza; e) e que no caso de descumprimento dos itens da decisão fosse aplicada a multa de R$ 10.000,00 aos responsáveis pelo descumprimento da decisão judicial.[39]

Observa-se que nesses três exemplos as decisões judiciais foram no sentido de garantir a máxima efetividade do direito social saúde, afastando, sem prévia análise objetiva, as questões de ordem econômico-financeiras dos respectivos entes estatais, e, sobretudo a premissa da existência do custo inerente requerido pelos direitos sociais.

Rocha citando Gustavo Amaral aduz que,

[é] inviável pretender que as prestações positivas possam, sempre e sempre (na linha da doutrina da máxima eficácia), ser reivindicáveis, pouco importando as conseqüências financeiras ao Erário.[40]

A dimensão dos custos dos direitos sociais deve ser encarada como uma realidade existente[41], realidade que exige do Judiciário decisões inteligentes e em conformidade com a ordem jurídica nacional. Como assevera Rocha citando Gustavo Amaral:

[A] própria concepção dos direitos fundamentais deve ocorrer sob a ótica de uma sociedade aberta, democrática e pretensamente justa, o que exclui a visão autoritária de um único intérprete autorizado a fazer opções maniqueístas, nos moldes do 'tudo ou nada' ou do 'certo e errado'. [...][42]

Ressalta-se que, em que pese a garantia constitucional da aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais assegurar a promoção desses direitos, esta deve ser efetuada com base na racionalidade e na prudência, sob pena de comprometer todo o rol dos direitos fundamentais. Nesse contexto, mais uma vez Rocha citando Gustavo Amaral aduz que:

A postura de 'máxima eficácia' de cada pretensão, sobre o fato de não adentrar no conteúdo do direito a ser dada a eficácia, implica em negação da cidadania, na medida em que leva à falência do Estado pela impossibilidade de cumprir todas as demandas simultaneamente e rompe com a democracia, pretendendo trazer para o ambiente das Cortes de Justiça reclamos que têm seu lugar nas ruas, a pressão popular e não na tutela paternalista dos 'sábios.[43]

No mesmo sentido o Desembargador Araken de Assis ao citar Diogo Neto em agravo de instrumento que reformou o pedido de antecipação de tutela determinando a obrigação do Estado do Rio Grande do Sul em fornecer, gratuitamente, o aparelho de ampliação sonora individual para Davi Braga Lopes, sob o argumento de inexistência de urgência, in verbis:

O Direito Público, em especial, não pode perder-se em formulações impossível, ainda porque fugiria à sua finalidade. Sob o padrão da ‘realidade’, os comandos da Administração, sejam abstratos ou concretos, devem ter sempre condições objetivas de serem efetivamente cumpridos em favor da sociedade a que se destinam. O sistema legal-administrativo não pode ser um repositório de determinações utópicas, irrealizáveis e inatingíveis, mas um instrumento sério de modelagem da realidade dentro do possível.[44]

Isto posto, uma vez demonstrado que a concreção, pela via jurisdicional, dos direitos fundamentais sociais reconhecidos como direitos absolutos mostra-se insuficiente, vez que esses direitos, frise-se, o direito à saúde, exige uma contraposição de valores, que se estendem desde a reserva de competência do legislativo e executivo até as questões sobre as reservas orçamentárias do Estado, mister se faz recorrer ao modelo ponderativo de Alexy que sugere solução para o problema.

A seguir busca-se fornecer alguns exemplos, a fim de demonstrar como compatibilizar a reserva do possível com a efetivação do direito social saúde, e como ela vem sendo aplicada ou afastada pelos tribunais através da técnica ponderativa.

Em julgamento de argüição de descumprimento fundamental nº 45, já abordada no item 4.2, proposta em face de veto presidencial ao §2º do art. 55 da Lei 10.707 (que destinava recursos do orçamento para a realização do direito fundamental à saúde), o Supremo Tribunal Federal posicionou-se favoravelmente ao direito social em detrimento da reserva do possível, quando presentes determinados requisitos justificadores e objetivos para tal afastamento. Ressalta-se que apesar de superveniência da Lei 10.777/03, que suprimiu o veto atacado, o Ministro Celso de Melo assim se posicionou, in verbis:

[...] não posso deixar de reconhecer que a ação constitucional em referência, considerado o contexto em exame, qualifica-se como instrumento idôneo e apto a viabilizar a concretização de políticas públicas, quando, previstas no texto da Carta Política, tal como sucede no caso (EC 29/2000), venham a ser descumpridas, total ou parcialmente, pelas instâncias governamentais destinatárias do comando inscrito na própria Constituição da República.

Essa eminente atribuição conferida ao Supremo Tribunal Federal põe em evidência, de modo particularmente expressivo, a dimensão política da jurisdição constitucional conferida a esta Corte, que não pode demitir-se do gravíssimo encargo de tornar efetivos os direitos econômicos, sociais e culturais - que se identificam, enquanto direitos de segunda geração, com as liberdades positivas, reais ou concretas (RTJ 164/158-161, Rel. Min. CELSO DE MELLO) -, sob pena de o Poder Público, por violação positiva ou negativa da Constituição, comprometer, de modo inaceitável, a integridade da própria ordem constitucional:

[...]

Não deixo de conferir, no entanto, assentadas tais premissas, significativo relevo ao tema pertinente à "reserva do possível" (STEPHEN HOLMES/CASS R. SUNSTEIN, "The Cost of Rights", 1999, Norton, New York), notadamente em sede de efetivação e implementação (sempre onerosas) dos direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais), cujo adimplemento, pelo Poder Público, impõe e exige, deste, prestações estatais positivas concretizadoras de tais prerrogativas individuais e/ou coletivas. É que a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais - além de caracterizar-se pela gradualidade de seu processo de concretização - depende, em grande medida, de um inescapável vínculo financeiro subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado, de tal modo que, comprovada, objetivamente, a incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, desta não se poderá razoavelmente exigir, considerada a limitação material referida, a imediata efetivação do comando fundado no texto da Carta Política. Não se mostrará lícito, no entanto, ao Poder Público, em tal hipótese – mediante indevida manipulação de sua atividade financeira e/ou político-administrativa - criar obstáculo artificial que revele o ilegítimo, arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de condições materiais mínimas de existência.

Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da "reserva do possível" - ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível - não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade.

[...]

Vê-se, pois, que os condicionamentos impostos, pela cláusula da "reserva do possível", ao processo de concretização dos direitos de segunda geração - de implantação sempre onerosa -, traduzem-se em um binômio que compreende, de um lado, (1) a razoabilidade da pretensão individual/social deduzida em face do Poder Público e, de outro, (2) a existência de disponibilidade financeira do Estado para tornar efetivas as prestações positivas dele reclamadas.

Desnecessário acentuar-se, considerado o encargo governamental de tornar efetiva a aplicação dos direitos econômicos, sociais e culturais, que os elementos componentes do mencionado binômio (razoabilidade da pretensão + disponibilidade financeira do Estado) devem configurar-se de modo afirmativo e em situação de cumulativa ocorrência, pois, ausente qualquer desses elementos, descaracterizar-se-á a possibilidade estatal de realização prática de tais direitos. [...][45] [Grifou-se]

Verifica-se que ao passo em que o Supremo Tribunal Federal reconhece que a efetivação e implementação dos direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais), dependem de posições concretizadoras dos entes Públicos (Executivo e Legislativo), reconhece também a dimensão do custo dos direitos sociais, o que importa em despesas ao Poder Público. Assim, para a Corte Maior, a intervenção do Judiciário na seara dos direitos socais, quando observada a reserva do possível, deve ser analisada sob dois aspectos: a razoabilidade da pretensão individual/social deduzida em face do Poder Público, e a existência de disponibilidade financeira do Estado para tornar efetivas as prestações positivas reclamadas.

Diante desta perspectiva a razoabilidade da pretensão deve ser analisada em juízo de ponderação para se avaliar se os meios utilizados são desproporcionais em relação ao fim desejado. Doutra maneira, averigua-se se a carga valorativa da norma saúde prevalece, prepondera diante de outra norma que leve a algum resultado incompatível, in casu, princípio das reservas orçamentárias (sob o fundamento da escassez de recursos).

Nesse contexto, insere-se a questão da existência de disponibilidade financeira do Estado, que deve ser observada de maneira objetiva pelo magistrado para que, da conjugação do binômio razoabilidade da pretensão e dimensão do custo dos direitos sociais, chegue-se a uma solução justa. Celso de Mello destaca, no entanto, que:

[a] cláusula da "reserva do possível" - ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível - não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade.[46]

Também vale destacar o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Ceará quando provocado a se manifestar sobre o direito à saúde. No julgamento do Agravo de Instrumento 2007.0008.0173-7/0, a relatora Des. Gisela Nunes da Costa determinou que o Estado do Ceará fornecesse os medicamentos ácido folínico de 15mg, decadrom de 4 mg, daratin de 25mg, idantal e sulfadiazina 500mg, pelo tempo que fosse necessário, bem como fosse disponibilizado ao autor a realização de um exame de ressonância magnética do crânio com o objetivo de preservar a saúde do indivíduo. Desta feita, manifestou-se o Tribunal da seguinte forma, in verbis:

Logo, avaliada perfunctoriamente a situação espelhada nestes autos, à luz dos princípios da proporcionalidade, da reserva de consistência e da reserva do possível, correta se me afigura a concessão da liminar perseguida - presente que se faz a relevância nos fundamentos da impetração.
Com efeito, não se trata, a priori, de tratamento experimental. Trata-se de medicamentos que existem e estão disponíveis no mercado, logo, sua utilização em território nacional é autorizada pelos Poderes Públicos. Demais disso, não se tem notícia de outras drogas, disponibilizadas na rede pública de saúde, capazes de gerar uma resposta eficaz à sua ministração.
Doutra parte, não se pode permitir que a reserva do possível se converta "em verdadeira razão de Estado econômica, num AI-5 econômico que opera, na verdade, como uma anti-Constituição, contra tudo o que a Carta consagra em matéria de direitos sociais" (FARENA, Duciran Van Marsen. A Saúde na Constituição Federal, p. 14. In: Boletim do Instituto Brasileiro de Advocacia Pública, n. 4, 1997, p. 12/14).
A par disso, diante da alegação de inexistência de verbas específicas para o fornecimento do medicamento, nada impede que o Judiciário determine, por exemplo: a) o remanejamento de verbas orçamentárias de menor importância (v.g., publicidade institucional) e b) autorização do custeio por entidades particulares, mediante compensação fiscal dos gastos efetuados. Lembre-se, em todo caso, na hipótese de remanejamento de verbas orçamentárias, que nenhuma responsabilidade caberá ao administrador, por se cuidar de ordem judicial.
De mais a mais, não basta ao ente estatal invocar o princípio da reserva do possível de forma genérica; é preciso que justifique, que apresente dados concretos para cotejo entre a prestação positiva visada pelo particular e as suas possibilidades materiais para arcá-la. Do contrário, não haverá como se saber se existe, realmente, uma real impossibilidade de satisfação da obrigação contra si imposta.[47]

Depreende-se do seguinte acórdão que para solução do conflito saúde versus escassez de recursos, o Tribunal de Justiça do Ceará utilizou-se do mecanismo da ponderação de princípios uma vez presentes interesses jurídicos conflitantes. Verifica-se a prevalência do direito à saúde em detrimento das reservas orçamentárias do Estado. Todavia, deve-se destacar a ótica sob a qual foi analisada a escassez dos recursos, que tratada como um óbice orçamentário à consecução do direito saúde pôde ser afastada uma vez constatada que essa escassez deu-se em razão de má alocação das receitas públicas e não em virtude da inexistência fática de recursos. Diante desta constatação, inevitável a preferência pelo direito fundamental à saúde, corolário do à vida.

Ainda a título de exemplo vale atentar para a decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, relatada pelo Des. Araken de Assis, em que no julgamento do agravo de instrumento nº 70011342300 interposto pelo Município de São Borja contra a decisão que, nos autos da ação ordinária movida por Karla Maria Schnorr Wegner, deferiu a antecipação de tutela pleiteada, determinando o fornecimento do medicamento Eritropoetina Recombinante Humana. In verbis:

Impõem-se algumas considerações acerca da questão do fornecimento de medicamentos na órbita do direito público e no seu contexto. Não há dúvida que, a partir do art. 196 da CF/88, o Estado obriga-se a prestações positivas na área da saúde. No entanto, os recursos orçamentários são escassos e hão de ser harmonizados, de resto, com outras prioridades. Por exemplo, alto e bom som se proclama a prioridade do atendimento aos menores, quanto à educação. Perante problema análogo, embora muito menos grave ante o poderio econômico do País, a prestigiosa Corte Constitucional Alemã (Budesverfassungsgericht) desenvolveu a teoria da “reserva do possível”. Na verdade, trata-se do princípio da realidade, algo esquecido nos dias atuais, segundo o qual não se pode pretender o impossível.

Em tela, bem nota-se a ligeireza que os interesses em conflito foram tratados, descurando o referido princípio. Não há prova alguma de que a agravada, realmente, necessite dos medicamentos indicados na inicial, e na posologia prescrita, exceto a opinião de seu médico assistente. Mas, qual o valor dessa prescrição? A única lealdade desse médico é com o seu paciente. Daí, para ela pode pretender o impossível: medicamentos não fornecidos pela rede pública, ou de preço muito elevado, ou sequer ainda aprovados pelo Ministério da Saúde. Também pode ter a preferência por algum laboratório em especial, ou em relação a alguma marca, em detrimento do mesmo fármaco genérico, confeccionado no laboratório estatal.

Conceder a antecipação de tutela, com tais questões em aberto, não equaciona, máxima vênia, todos os valores constitucionais envolvidos. O Estado do Rio Grande do Sul não se obrigou apenas perante a agravada, nem a Constituição o obriga a prestar tratamento de excelência somente a ela, e aquinhoá-la com o impossível, olvidando todos os demais cidadãos. É preciso buscar, simultaneamente, dois objetivos convergentes perante a Constituição: o atendimento ao necessitado e a economia de meios. Esta última é essencial para que, resolvido o caso particular da agravada, sobrem recursos para os demais necessitados.

É preciso, neste assunto, o mais delicado equilíbrio, pois se trata de uma questão de direito pública. Em litígios dessa espécie, que envolvem a classificação de alguém em concurso público à concessão de vantagens pecuniárias a um servidor, o acolhimento da pretensão de quem vai a juízo produz efeitos reflexos e colaterais de vulto. Por exemplo, gastar todo o orçamento do Estado com apenas um paciente (simples hipótese) implicará o abandono de todos os demais; arredondar a nota de um candidato para ele alcançar a média do concurso, e, conseguintemente, aprová-lo, significará a exclusão do último colocado, que obteve a média sem o “arredondamento” do ativismo judicial; conceder uma gratificação ao servidor importará a concessão a todos, em nome do princípio da isonomia, e o aumento dos gastos públicos, em prejuízo dos demais serviços reclamados pela sociedade; e assim por diante. Esses efeitos reflexos precisam ser considerados e resolvidos em qualquer litígio de direito público.

Se parece natural que a Defensoria Pública e os advogados, no desempenho dos seus misteres, não se ocupem dessas questões, veiculando tão-só a pretensão do “cliente”, sem nenhum filtro prévio, já não pode assim decidir o órgão judiciário. Em última análise, cumpre avaliar a prescrição médica no ambiente do contraditório e da prova judicial.

Em outras palavras, nada tem de automático, assentada a premissa que a agravada tem o direito, em tese, o julgamento dessas pretensões, a partir de prova produzida pela parte, que repousam em árduas questões de fato e, sobretudo, técnicas. E aqui calha relembrar que a prova inequívoca apta a confortar a antecipação de tutela não é a mesma exigida para amparar um juízo de procedência.

[...]

Todavia, a despeito da proibição legal, que estimo constitucional e adequada à liberdade de atuação da Administração, no caso, indeferir a antecipação implicaria pôr em risco o direito à vida, que se sobrepõe a qualquer outro direito, conforme estipulou a 1ª Turma do STJ (REsp 127.604-RS, 18.12.97, Relator o insigne Ministro GARCIA VIEIRA, DJU, 16.3.98, p.43). É verdade que há risco de irreversibilidade na medida, pois a agravada poderá morrer, em virtude de suas enfermidades e, de qualquer modo, o consumo da medicação já torna impossível o retorno ao estado anterior. Assim, caracteriza-se o periculum in mora inverso; mas, é tão grave e contrário o próprio periculum in mora, que o primado do direito à vida supera restrições legais.

Convém distinguir a espécie, em que está em jogo o direito à vida e pretensão a ações positivas do Estado, na área da Saúde, consoante o art. 176 da CF/88.

A doutrina brasileira jamais se rendeu ao caráter absoluto de tais proibições, defendendo a aplicação do princípio da proporcionalidade e o sacrifício do interesse menos relevante (ATHOS GUSMÃO CARNEIRO, Da antecipação de tutela no processo civil, n° 45, p. 61). É a velha opção entre prover ou perecer, no qual o perecimento afetará a vida humana.

Nesta contingência, nenhuma hesitação é admissível ou razoável. Cabe ao órgão judiciário, tutelando o direito à vida e à saúde (art. 196 da CF/88), sacrificar o direito patrimonial contraposto. Não se cuida de negar vigência àquelas normas legais, que proíbem a antecipação, mas interpretá-las à luz da Constituição.[48]

Nota-se neste caso que a ponderação se fez bastante presente na medida em que o Des. Araken de Assis equaciona os valores constitucionais envolvidos, de um lado o interesse do particular em ver garantido o seu direito à saúde, e do outro o direito de milhões de cidadãos que não podem ser prejudicados em detrimento de uma única pessoa. Nas palavras do relator:

O Estado do Rio Grande do Sul não se obrigou apenas perante a agravada, nem a Constituição o obriga a prestar tratamento de excelência somente a ela, e aquinhoá-la com o impossível, olvidando todos os demais cidadãos. É preciso buscar, simultaneamente, dois objetivos convergentes perante a Constituição: o atendimento ao necessitado e a economia de meios. Esta última é essencial para que, resolvido o caso particular da agravada, sobrem recursos para os demais necessitados.[49]

O direito à vida, conforme observado, prevaleceu diante do frágil argumento do município de São Borja que não possuía condições financeiras de custear o fármaco devido ao seu alto custo de aquisição e que, o Estado do Rio Grande do Sul possuidor de maiores condições financeiras deveria responsabilizar-se pelo tratamento da enferma.

É imperioso ressaltar que não se está a querer demonstrar que o Judiciário deva impor ao poder público sempre e sempre, em máxima amplitude e sem observância das reservas orçamentárias, os direitos prestacionais sociais. Cabe ao Judiciário, ao defrontar-se com essas situações que envolvam tantos interesses conflitantes, a devida cautela e a observância da Constituição como um conjunto sistêmico de regras e princípios.

Neste sentido, vale destacar a decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Ceará, relatada pelo Des. Lincoln Tavares Dantas, que no Agravo de Instrumento com pedido de efeito suspensivo de nº 2007.0019.5244-5/0 interposto pelo Estado do Ceará decidiu parcialmente pelo provimento para fornecer determinado medicamento apenas durante o período de gestação e durante os 45 dias após o parto com o objetivo proteger o nascituro, in verbis:

O direito à saúde exige prestações positivas por parte do Estado e, por isso, situa-se dentro da chamada "reserva do possível", ou seja, dentro das disponibilidades orçamentárias da Administração Pública.
[...]

Tendo em vista a exigüidade das verbas públicas destinadas à saúde, notoriamente insuficientes ao atendimento de todos os necessitados, os recursos disponíveis devem ser utilizados de maneira racional, no intuito de atender ao maior número de pessoas possível.
Em regra, diante de situações como a presente, em que o Estado do Ceará disponibiliza tratamento alternativo eficaz e mais barato, embora menos cômodo, normalmente negar-se-ia o fornecimento dos medicamentos pleiteados, inclusive para não prejudicar ou inviabilizar o atendimento do restante da população.
Excepcionalmente, devemos levar em consideração a gravidez da autora/agravada, período de maior fragilidade e instabilidade metabólica, além de garantir proteção ao nascituro.
Assim, VOTO no sentido de dar PARCIAL PROVIMENTO ao AGRAVO DE INSTRUMENTO, assegurando o fornecimento dos medicamentos pleiteados apenas durante o período de gestação e durante os 45 dias após o parto ("período de resguardo").
Ultrapassado o período assinalado, deverá a autora/agravada utilizar as insulinas regularmente fornecidas pelo ente federativo agravante.[50]

Vê-se, pois, que a questão não é tão simples. Todavia, nota-se que a jurisprudência brasileira aos poucos vem se adaptando e entendendo o significado da reserva do possível, que encarado como um dado da realidade deve ser levado em consideração quando vier a restringir direitos fundamentais sociais. Outrossim, importante que se enalteça: esta observação faz-se necessário em conjunto com os elementos fáticos e jurídicos para que dessa integração a resposta do Judiciário seja a mais justa e equânime possível.

3 – CONCLUSÃO

Muito embora tenha o art. 5º, §1º da Constituição da República conferido a aplicabilidade imediata aos direitos fundamentais a efetividade (absoluta) dos direitos sociais, frise-se o direito à saúde, deve ser observada com uma dose de relatividade.

A garantia ao acesso universal e gratuito à saúde, insculpida no art. 196 da Carta Maior de 1988, está condicionada a prestações positivas do Estado traduzidas pela execução de programas destinados à satisfação concreta desse direito. Para tanto, a realização do direito prestacional saúde envolve um conjunto de fatores – v.g orçamento público, disponibilidade das finanças públicas, alocação de despesas, políticas públicas, discricionariedade das administrações públicas – que devem ser observados quando da prestação do serviço de saúde pública.

Verifica-se que o direito à saúde está sujeito à restrições por condutas praticadas pelos poderes constituídos. Estas restrições, no entanto, devem ser pautadas dentro de parâmetros estabelecidos pela própria Constituição de maneira que o meio escolhido seja o mais idôneo e a restrição seja a menor possível para o(s) indivíduo(os) lesado(os). Ao Judiciário como órgão competente, incumbe a tarefa de controlar os atos dos demais poderes, diante da prerrogativa da imutabilidade das decisões.

Neste ponto, deve ser compreendido que a efetivação do direito prestacional saúde exigirá do Judiciário uma complexa ponderação de interesses, uma vez que de um lado estará o direito à saúde (e a vida), em contraste com o direito à vida individual e coletivamente considerada, e de outro estará o princípio da separação de poderes, as reservas orçamentárias e a questão da reserva do possível.

Nesta senda, é possível compendiar algumas proposições e limites que devem nortear a atuação judicial. Deve-se compreender que o conflito entre direitos fundamentais reconduzem-se a conflito de princípios, o que exige que sejam solucionados da melhor forma possível, de acordo com as possibilidades fáticas e jurídicas, e ainda conforme a especificidade de cada caso.

Com esta assertiva, quer-se demonstrar que quando confrontado com outros direitos, o direito à saúde deve ser ponderado para que se estabeleça a prevalência (ou não) dele sobre os outros.

Ademais, o direito à saúde deve ser entendido como uma norma programática, o que abre espaço para a discricionariedade que o constituinte estabeleceu à Administração Pública para a implementação das políticas públicas no âmbito da saúde. O controle dessas políticas deve limitar-se a questões jurídicas, sob pena de quebra do princípio da separação de poderes. Como melhor conhecedores dos interesses públicos cabe ao Legislativo e Executivo as decisões políticas dentro da discricionariedade conferida pela lei.

Ressalte-se que o direito social saúde ainda encontra na reserva do possível um limite à sua efetividade na medida em que o custo decorrente da prestação deste direito exige a adequação das receitas públicas à disponibilidade dos recursos. Deve-se asseverar, no entanto, que a reserva do possível não pode servir de empecilho ou pano de fundo para direcionamento de recursos para outros fins, senão aqueles impostos pela Constituição da República.

No processo de concretização do direito à saúde – de implantação sempre onerosa – caberá ao Judiciário a observância do binômio razoabilidade da pretensão e disponibilidade de recursos públicos como elementos necessários à efetivação deste direito, sob pena de o excesso de decisões inócuas e irrazoáveis levarem à falência o Estado diante a impossibilidade de cumprir todas essas decisões.

Deve-se ainda ressaltar que ao Judiciário incumbe um papel inovador, ao agregar novas soluções na efetivação dos direitos sociais. Decisões inteligentes e fundamentas dentro dos parâmetros constitucionais serão sempre bem vindas e necessárias para a consecução desses direitos. Entre alguns desses exemplos cita-se o remanejamento de verbas orçamentárias de menor importância para o atendimento e efetivação do direito à saúde e a autorização do custeio de tratamento médicos por entidades particulares, mediante compensação fiscal dos gastos efetuados.

Todo este panorama evidencia que a justiciabilidade do direito prestacional saúde condiciona-se a superação de certos obstáculos como a observância do princípio da separação dos poderes, reserva do possível, entre outros, que devem ser contornado com o postulado da proporcionalidade de maneira que com confronto dos fatores limitativos possa o magistrado equacionar da maneira mais justa cada situação concreta.

Enfim, em que pese o direito à saúde não poder ser compreendido como norma de direito fundamental absoluta, sua efetivação deverá ser feita da maneira mais ampla possível, afinal, o direito a uma vida saudável é indispensável à dignidade da pessoa.

 

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