Tribunal do Júri - alterações no procedimento (instrução preliminar, pronúncia, jurados e quesitação)


PorJeison- Postado em 01 abril 2013

Autores: 
NUNES, Regina Lopes Dias.

 

SUMÁRIO: CONSIDERAÇÕES INICIAIS. 1 O JÚRI NO BRASIL – OBJETIVOS DA ALTERAÇÃO LEGISLATIVA. 2 MODIFICAÇÕES DO PROCEDIMENTO DO JÚRI. 2.1 Instrução preliminar. 2.2 Pronúncia, Impronúncia, absolvição sumária e desclassificação. 2.3 Extinção do libelo acusatório e preparação para o Plenário. 2.4 A escolha dos Jurados e o Conselho de Sentença. 2.5 Alteração proporcionada nos quesitos. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.


 

 

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

 

A Lei nº 11.689/2008 trouxe um novo rito ao Tribunal, reformulando-o totalmente. Os objetivos principais da lei seriam prestar celeridade, rapidez e maior eficiência ao procedimento, adequando-o, inclusive, à nova ordem constitucional e aos anseios populares.

 

Várias foram as alterações ocasionadas pela norma assinalada, como a delineação mais distinta da fase de instrução preliminar – Judicium accusationis, modificações nas decisões de pronúncia, impronúncia, absolvição sumária e desclassificação, a supressão do libelo acusatório, com a substituição pela fase de preparação para o Plenário, novas regras no que tange ao alistamento e à exclusão de jurados, à instrução do processo no Plenário e à quesitação.

 

É necessário, diante da nova lei, averiguar as alterações advindas, observando se atenderam o objetivo para o qual vieram e entender como cada uma delas afeta o procedimento do Júri, suas causas e conseqüências para a sistemática que será adotada a partir de agora.

 

1 O JÚRI NO BRASIL –OBJETIVOS DA ALTERAÇÃO LEGISLATIVA 

 

Segundo Tourinho Filho[1], o Júri surgiu, no Brasil, em 1822, apenas para os crimes de imprensa. A Constituição Federal de 1824 ampliou sua competência para causas cíveis e criminais. O Código de Processo Criminal do Império, de 1832, estendeu o julgamento pelo Tribunal do Júri a quase todas as infrações penais.

 

A Constituição Republicana de 1891 manteve a instituição do Júri, inserido no capítulo dos direitos e garantias individuais do cidadão. Já a CF 1934 previu também o Tribunal Popular, mas voltando a se situar no capítulo sobre o Poder Judiciário. Em 1937, a instituição foi suprimida, não mais garantida em nível constitucional, permanecendo apenas por força do Decreto-Lei nº 167/38, surgindo, segundo André Estefam[2], o chamado “período negro do Tribunal do Júri”, visto que foi abolida a soberania dos veredictos.

 

A partir da Carta de 1946, o instituto voltou a ter status constitucional, mantido pelo Texto de 1967, acrescentados novos princípios, chegando até a Constituição de 1988. O rito do Júri foi totalmente reformulado pela Lei nº 11.689, de 9 de junho de 2008.

 

O art. 5º, XXXVIII, da CF/88 prescreve a respeito do Tribunal do Júri, assegurando algumas garantias ao instituto, verbis:

 

XXXVIII - é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados:

 

a) a plenitude de defesa;

 

b) o sigilo das votações;

 

c) a soberania dos veredictos;

 

d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida;

 

A primeira das garantias do Tribunal do Júri é a plenitude de defesa, que, para Tourinho Filho[3], se distingue da Ampla Defesa. Esta seria uma defesa vasta, espaçosa, já aquela, além de ampla, é completa, plena. Para André Estefam[4], seria disponibilizado um número maior de meios e recursos para o seu exercício, havendo a possibilidade de uma argumentação sem qualquer fundamento jurídico (baseada nas emoções e apelos sentimentais), consideração das alegações tanto da defesa técnica quanto da autodefesa, inclusive para a quesitação, e, ainda, a necessidade de zelo, pelo juiz, da defesa técnica, devendo, nos termos do art. 497, V, do CPP, declarar o réu indefeso quando verificar a ineficiência do defensor em plenário.

 

O sigilo das votações é uma segurança dada pela própria Constituição Federal à formação da convicção livre dos jurados, consoante Estefam[5], não podendo o veredicto ser revelado em qualquer momento do julgamento. Para isso, são obrigatórias a incomunicabilidade dos jurados, sob pena de multa, e a sala secreta ou especial.

 

A modificação do procedimento também contribuiu para a sigilação, visto que, por ocasião da Lei nº 11.689/2008, não é necessário tomar todos os votos dos jurados, mas só até o número suficiente para se chegar a um resultado. De acordo com o art. 483, §§1º e 2º, caso haja resposta negativa de mais de três jurados aos primeiros dois quesitos (materialidade e autoria), a votação é encerrada, e, se forem respondidos afirmativamente por mais de três, já será formulada a pergunta sobre a absolvição. Também no parágrafo único do art. 490, determina-se que, se, pela resposta dada a um dos quesitos, os outros ficarem prejudicados, terminará a votação.

 

Quanto à soberania dos veredictos, entende-se que nenhum órgão jurisdicional pode se sobrepor às decisões do Júri. Segundo Frederico Marques, “Júri soberano, portanto, é aquele ao qual não se substitui nenhum magistrado para julgar uma questão criminal já decidida pelos jurados”[6]. Destaca-se, apenas, que é possível, em casos excepcionais, que a segunda instância determine a repetição do julgamento pelo Júri (art. 593, III, “d”, §3º, do CPP), mas isso não significa vilipêndio à garantia assinalada, mas preservação da justiça e regularidade dos julgamentos, sendo que, na verdade, o mérito da causa ainda será julgado pelo Tribunal do Júri, após a anulação.

 

Estefam[7] aponta como exceções ao princípio supra a absolvição sumária e a revisão criminal, tendo em vista que, nesses casos, há, de fato, julgamento do crime doloso contra a vida por juízes togados. Apesar disso, não se deve entender tais hipóteses como inconstitucionalidade ou ofensa à soberania dos veredictos, tendo em vista que, em alguns casos, é preciso relativizar determinadas garantias constitucionais, pois nenhum princípio fundamental é absoluto. Além disso, as duas situações apontadas são excepcionais, sendo que a primeira, conforme reformulação pela nova lei, exige prova plena de inexistência do fato, ou de que o réu não é autor, ou de que o fato não é infração penal ou da presença de excludente de ilicitude e culpabildiade. A segunda hipótese constitui ação de competência originária dos Tribunais, sendo exigida, também, prova plena para tanto. Ademais, é preciso ressaltar que, em ambas, a decisão é sempre favorável ao réu, em harmonia com a plenitude da defesa. Para Pacelli[8], ao contrário, a hipótese de absolvição sumária, nos moldes do que foi trazido pela inovação, é inconstitucional.

 

Por fim, compete ao Tribunal do Júri o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, sejam consumados ou tentados (homicídio, infanticídio, instigação, induzimento ou prestação de auxílio ao suicídio e aborto). Caso haja infrações conexas, também serão julgados pelo Júri, nos termos do art. 78 do CPP. Ressalta-se que os crimes de latrocínio (Súmula nº 603/STF), genocídio, homicídio doloso praticado por militar contra militar (art. 9º, II, do CPM) e hipóteses de foro por prerrogativa de função definidos pela Constituição Federal não serão julgados pelo Júri, conforme destaca André Estefam[9].

 

Portanto, a importância atribuída ao Tribunal do Júri pela Constituição Federal é enorme, sendo instituto consagrado pelo julgamento por pessoas do povo, protegido pelas garantias da soberania dos veredictos, do sigilo das votações e da plenitude da defesa.

 

Dessa forma, é de grande relevância o estudo das modificações trazidas pela nova lei do júri, considerando, inclusive, que são muitas as críticas ao modelo do Tribunal do Júri, principalmente no que toca ao julgamento de crimes de máxima importância ao livre juízo de julgadores leigos, sem a necessidade de fundamentar as suas decisões, baseadas na livre convicção, sobejadas de juízo de valor e fatores emocionais. Para José Frederico Marques “o Júri é o menos indicado dos tribunais para a difícil e delicada missão que está afeta à justiça penal hodierna”[10].

 

Outros, como Adel El Tasse[11], compreendem o júri como uma das instituições mais democráticas do Poder Judiciário. Para Eugênio Pacelli, pelo contrário, “o Tribunal do Júri, no que tem, então, de democrático, tem também, ou melhor, pode ter também, de arbitrário”[12]. Além disso, sempre se criticou o rito do Júri, prescrito pelo Código de Processo Penal, pela demora no procedimento e as inúmeras nulidades geradas pelo seu formalismo exagerado, conforme ressalta Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaró[13].

 

Segundo o autor supra referido, são muitos os problemas apontados para atacar o antigo sistema do Tribunal do Júri, como a enorme demora na realização dos julgamentos, o excessivo formalismo adotado, que, muitas vezes, resultava em nulidade do processo, entre outros.

 

Com o fim de sanar esses defeitos, realizaram-se inúmeros debates sobre o assunto, surgindo, como produto, o Projeto nº 4.900, de 1995, elaborado pela Comissão de Reforma do Código de Processo Penal. Em seguida, foi criada nova comissão, alterando em alguns pontos o projeto anterior, dando origem ao Projeto de Lei nº 4.203/2001.

 

Conforme consulta à base de dados da Câmara dos Deputados[14], o PL nº 4.203/2001 foi apresentado pelo Poder Executivo ao Plenário em 12/03/2001, passando por diversas comissões, em especial a Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania, sendo o texto final aprovado em 07/03/2007. Em trâmite no Senado Federal, voltou à Câmara em dezembro/2007, com emendas e texto substitutivo. A redação final foi aprovada em 14/5/2008, transformada na Lei Ordinária nº 11.689/2008, DOU de 10/06/08.

 

Comentando de forma geral sobre as mudanças recentes providenciadas no Código de Processo Penal, a Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado, em Parecer no Projeto de Lei nº 4.209/2001 (que propõe alteração do art. 15 do CPP), afirmou que as alterações atualmente encabeçadas têm como objetivos principais a “obtenção de celeridade, eficiência, simplicidade e segurança, racionalizando prazos, atos processuais e procedimentos administrativos”[15].

 

Dessa forma, entende-se que a intenção de reformar o Código de Processo Penal, no que toca ao Tribunal do Júri, vem em atendimento aos anseios de atualização do procedimento à ordem constitucional atual, provisionando-o de celeridade e segurança, considerando o relevante papel concedido a esta corte.

 

Sobre o tema, Badaró sintetiza as intenções e objetivos do Projeto nº 4.203/2001, observando a importância das mudanças, tendo em vista o seu reflexo no procedimento ou rito, sempre respeitando a Constituição da República, verbis:

 

Refletindo as mudanças políticas, o projeto democratiza o Tribunal o Júri, buscando assegurar que o tribunal popular realmente represente o povo, em suas diversas classe, categorias e grupos sociais.

 

Sempre respeitando a disciplina constitucional do Tribunal do Júri, o projeto procurou eliminar formalidade e atos inúteis, que não mais se justificavam em termos de eficiência da justiça penal, mas apenas em tributo ao passado. Além da simplificação, buscou-se também alterar dispositivo e criar novos forma de acelerar o julgamento pelo Tribunal do Júri, sem contudo, ferir o devido processo legal ou suprimir garantias processuais[16].

 

Portanto, é necessário levar em conta, para fins de compreensão da reforma ocorrida na legislação referente ao Tribunal do Júri, as suas peculiaridades, previsto constitucionalmente como “Corte do Povo”, dotado de extrema importância, sempre tendo em vista as garantias conferidas pela Carta de 1988.

 

Assim, com o fim de compreender as alterações advindas pela Lei nº 11.689, de 9 de junho de 2008, faz-se necessário analisar as principais mudanças proporcionadas pela novel legislação. A intenção, aqui, é apenas pincelar aquilo de essencial das modificações, pois não é possível esgotar a matéria, nem é este o objetivo deste trabalho de pós-graduação.

 

Portanto, nos próximos capítulos deste trabalho monográfico, buscar-se-á um estudo sistematizado das alterações ocorridas no novo Tribunal do Júri, evidenciando-se, em cada modificação, os objetivos ali subentendidos e se tal mudança foi, de fato, benéfica para o rito.

 

2 MODIFICAÇÕES DO PROCEDIMENTO DO JÚRI

 

Diversas foram as modificações trazidas pela nova lei no rito do Tribunal do Júri, sendo que a primeira delas é a alteração no procedimento da fase de formação da culpa ou instrução preliminar, inclusive nas decisões que põe fim a esta etapa ou mesmo ao processo (pronúncia, impronúncia, absolvição sumária e desclassificação).

 

Ocorreram mudanças também na segunda fase do procedimento (juízo de mérito ou judicium causae). Seu início é marcado pela preparação para o Plenário, que substituiu o libelo acusatório. O regramento a respeito dos jurados, sua escolha, além de outras peculiaridades, também sofreu modificações. Por fim, o próprio rito perante o Tribunal, na sessão de julgamento, alterou-se, especialmente com a nova sistemática da quesitação, como se concluirá pelos apontamentos que se seguem.

 

2.1         Instrução preliminar 

 

Segundo Tourinho Filho[17], o procedimento do Tribunal do Júri é escalonado ou bifásico. Na primeira fase, a acusação demonstra a viabilidade do processo de competência do júri, ou seja, a materialidade da ocorrência de crime doloso contra a vida e a autoria, terminando com a decisão de pronúncia. Na segunda etapa, é decidida a condenação ou não do acusado, encerrando-se com o julgamento pela Corte Popular.

 

Dessa forma, é reservado ao magistrado um juízo prévio, de admissibilidade, denominado instrução preliminar ou judicium accusationis, acerca da possível existência de crime doloso contra a vida de competência do Tribunal do Júri. Na legislação antiga, esta etapa era denominada sumário da culpa.

 

Para Guilherme de Souza Nucci[18], o procedimento do júri é trifásico e especial, incluindo a preparação do plenário como etapa individualizada e separada, tendo vista inclusive que a Lei nº 11.689/2008 teria destinado a Seção III, do Capítulo II, a esta fase específica.

 

Atualmente, pela nova lei, de acordo com Eugênio Pacelli[19], o rito da formação da culpa no júri é praticamente o mesmo do procedimento comum ordinário (também alterado, por força da Lei nº 11.719/08). Em síntese, caso não haja rejeição liminar da denúncia (art. 395, também aplicável ao júri por força do art. 394, §4º, do CPP), a denúncia ou queixa será recebida, sendo citado o réu para apresentar resposta no prazo de 10 (dez) dias (art. 406), podendo alegar, naquela, tudo que interesse à sua defesa, oferecendo documentos e justificações, especificando provas e arrolando testemunhas. Havendo preliminares e juntada de documentos, será dada vista ao órgão acusador, para que se manifeste em 5 dias. Em seguida, o juiz determinará a realização de eventuais diligências, designando, dentro do prazo máximo de 10 dias, a audiência una de instrução e julgamento (produção de provas, apresentação de alegações finais e prolação de decisão de pronúncia, impronúncia, absolvição sumária e desclassificação, além da mutatio libelli). O procedimento deve ser concluído no prazo de 90 (noventa) dias.

 

Na sistemática antiga, consoante descrição de Damásio de Jesus[20], o rito do sumário da culpa tinha início com o oferecimento da denúncia ou queixa. Recebida a peça acusatória, o juiz determinava a citação do réu, designando data para o interrogatório. Logo após o interrogatório ou no prazo de três dias, o acusado poderia oferecer alegações escritas e arrolar testemunhas (art. 395). Em seguida, era(m) marcada(s) audiência(s) para oitiva das testemunhas de acusação e de defesa. Após a realização daquela(s), era concedido o prazo de 5 (cinco) dias para as alegações finais, quando, depois de apresentadas, em 48 horas os autos iriam conclusos para o juiz, que poderia ordenar diligências e, inclusive, reinquirir testemunhas. Por fim, seria proferida decisão, seja de pronúncia, impronúncia, desclassificação ou absolvição sumária.

 

Para Reinaldo Daniel Moreira[21], a nova lei promoveu uma simplificação ao procedimento no que tange à primeira fase do rito do Júri. Segundo o autor, a sistemática da audiência de instrução, na qual são ouvidas as testemunhas e os peritos e, ao final, é interrogado o acusado, é assemelhada à disciplina do art. 81 da Lei nº 9.099/95, aplaudida na doutrina, por garantir da melhor forma a ampla defesa. Ou seja, “a nova disciplina reflete uma tendência, já presente na Lei 11.343/2006, de concentração de toda a instrução e decisão em uma só audiência”[22], abreviando, dessa forma, o rito.

 

No que tange, especificamente, ao prazo de 90 (noventa) dias para conclusão da fase preliminar, explicam Mougenot Bonfim e Parra Neto[23] que, na verdade, ainda que não haja previsão expressa, tal espaço de tempo poderá ser superado desde que as circunstâncias particulares do caso o justifiquem, como a complexidade do feito, a pluralidade dos réus, o grande número de testemunhas a serem inquiridas, a expedição de cartas precatórias, entre outras. De todo modo, a estipulação do prazo é válida, para que se tente, ao máximo, abreviar a grande demora na conclusão do processo.

 

Assim, pela comparação de ambos os procedimentos, o antigo e o novo, é possível perceber claramente que o último resulta em celeridade, pois a realização de audiência una, prezando, primordialmente, pela oralidade, com prazo de 90 (noventa) dias para a conclusão da fase preliminar, sintetiza o procedimento, tornando-o mais rápido e eficiente, sem prejudicar o devido processo legal e a ampla defesa, como se constata pela constante oportunidade de manifestação tanto da acusação e da defesa em todas as etapas do processo.

 

2.2 Pronúncia, Impronúncia, absolvição sumária e desclassificação 

 

De acordo com Nucci[24], a pronúncia é decisão interlocutória mista, que encerra a fase preliminar, julgando pela admissibilidade da acusação (comprovação da materialidade e indícios suficientes de autoria – art. 413 do CPP) e remetendo o processo à Corte Popular. Segundo o autor, pela nova lei (§1º do mesmo artigo), a decisão deve ser mais concisa e sem ampla abordagem das teses sustentadas pelas partes. Alerta, porém, que “tal medida, se levada à risca, poderá lesar o princípios constitucional da ampla defesa, uma vez que o magistrado não se pode furtar à análise das teses levantadas pelo defensor em suas alegações finais, desde que o faça com comedimento”[25].

 

Caso haja dúvidas do juiz a respeito da materialidade e autoria, entende-se que deve optar por pronunciar o réu, tendo em vista que, nessa etapa, rege o princípio do in dubio pro societate. Segundo Pacelli[26], na verdade, o juiz deve assim proceder não por ocasião do preceito retrocitado, mas em obediência à competência exclusiva do Tribunal do Júri para os crimes dolosos contra a vida, não cabendo, portanto, na fase da pronúncia, a inquirição para o convencimento absoluto do juiz da instrução quanto à materialidade e autoria.

 

Consoante Pacelli[27], a decisão de pronúncia não tem eficácia de coisa julgada, visto que não vincula o Tribunal do Júri, podendo a Corte até mesmo desclassificar o crime, sob o argumento de que não é de sua competência. A impugnação cabível é o recurso em sentido estrito, nos termos do art. 581, IV, do CPP.

 

Acrescenta-se, ainda, que, nos termos do art. 421, §1º, havendo a modificação da decisão de pronúncia por circunstância superveniente, apesar de já preclusa, é exigida a remessa dos autos ao Ministério Público, para possível aditamento. Para Nucci[28], a medida impõe a observância do contraditório, sendo positiva, homenageando os princípios processuais da iniciativa das partes, da ampla defesa e do contraditório.

 

Salienta-se que a reforma também corrigiu o equívoco da prisão automática, decorrente de pronúncia e a depender da análise da primariedade e dos bons antecedentes (antigo art. 408, §§ 1º e 2º), indo, assim, ao encontro das novas tendências provenientes dos Direitos Humanos e da própria Constituição Federal, no que diz respeito ao princípio da não-culpabilidade ou presunção de inocência. Agora, segundo o art. 413, §3º, a prisão cautelar encontra-se, lembra Nucci[29], no contexto da preventiva, nos termos dos requisitos do art. 312 do CPP.

 

A impronúncia, prevista no art. 414, também tem natureza de decisão interlocutória mista, mas de conteúdo terminativo, porque encerra o judicium acusationis, mas sem juízo de mérito, sendo cabível, para sua impugnação, a apelação. Segundo Nucci[30], quando o juiz impronuncia, isto significa apenas a inexistência de materialidade do crime ou indícios suficientes de autora, julgando improcedente a inicial acusatória, mas não a pretensão punitiva do Estado, sendo que, caso surjam novas provas, é possível ingressar com novo processo a respeito do mesmo fato, como prediz o parágrafo único do dispositivo assinalado.

 

Já para Pacelli[31], a solução dada pela nova lei não seria aceitável, porque a decisão de impronúncia está lastreada em instrução probatória regularmente realizada em contraditório e ampla participação dos interessados. Bem distinta é a rejeição da denúncia, em que ausente prova mínima do fato ou faltam condições da ação ou justa causa, justificando-se, nesta hipótese, a possibilidade de nova investida acusatória, desde que não extinta a punibilidade. Na opinião do autor, o parágrafo único do art. 414 do CPP viola o princípio da vedação da revisão pro societate.

 

Quanto à desclassificação, lembra Nucci[32] que também é decisão interlocutória mista, mas meramente modificadora da competência do juízo. Não decidindo o mérito e nem encerrando o processo, traz apenas novo enquadramento legal ao fato típico, não sendo mais considerado crime doloso contra a vida.

 

A nova regra não especificou como seria o procedimento após a desclassificação. Ressalta Nucci[33] que, apesar disso, não pode ser vilipendiada a ampla defesa e o contraditório, ou, no outro extremo, serem repetidas inutilmente provas já produzidas perante o juiz na fase preliminar do Tribunal do Júri.

 

Segundo Pacelli[34], a Lei nº 11.689/08, nesta chamada desclassificação própria, não previu expressamente a abertura de nova instrução, como fazia o revogado art. 410. Porém, em obediência ao princípio da identidade física do juiz, agora previsto no CPP (art. 399, §2º), para o doutrinador citado, deverá o magistrado renovar os atos de instrução.

 

Caso a desclassificação ocorra pelos próprios jurados, incide o art. 492, §1º, do CPP, que determina o julgamento pelo presidente do Tribunal do Júri, podendo aplicar as disposições referentes à Lei nº 9.099/90, caso se considere ser a infração de menor potencial ofensivo. Havendo crime conexo não doloso contra a vida, também caberá ao presidente da Corte Popular julgar, nos termos do §2º do mesmo artigo.

 

A absolvição sumária está prevista no art. 415 do CPP, sendo que sua natureza é de decisão de mérito, que põe fim ao processo, julgando-o improcedente liminarmente. A Lei nº 11.689/2008 acrescentou três situações outrora não previstas, ampliando bastante a possibilidade de o juiz absolver sumariamente, quais sejam: a) prova da inexistência do fato; b) prova de não ter sido o réu o autor ou partícipe do crime; e c) prova de o fato não constituir infração penal. No regime anterior, a única hipótese era quanto às excludentes de ilicitude e culpabilidade.

 

Pacelli se opõe veementemente contra as novas hipóteses de absolvição sumária, afirmando que esta é medida excepcional, até porque é competência do Júri o julgamento de crimes dolosos contra a vida, e não do juiz singular. Para o autor “os aspectos acerca da inexistência do fato e da prova da não-autoria ultrapassam, e muito, a fronteira do Direito, implicando julgamento de matéria unicamente de fato, e, por isso, suprimindo a competência do Tribunal do Júri”[35]. Assim, pelo motivo salientado, as alterações trazidas especificamente pelo art. 415, incisos I e II, do CPP, seriam inconstitucionais.

 

Nucci[36] destaca que é aberta a possibilidade de julgamento de mérito, perante o Tribunal do Júri, sobre o estado de inimputabilidade do réu, nos termos do parágrafo único do art. 415, não cabendo mais a absolvição sumária nesses casos.

 

Além disso, foi abolido o recurso de ofício nos casos de absolvição sumária, e o recurso voluntário cabível passa a ser a apelação, em vez de recurso em sentido estrito (art. 416).

 

2.3  Extinção do libelo acusatório e preparação para o Plenário 

 

A fase de instrução preliminar, como já salientado, quando se finda com a decisão de pronúncia, indica estar o julgador convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou participação, nos termos do novel art. 413 do CPC.

 

Antes da Lei nº 11.689/2008, era exigida, após a decisão que pronunciava o réu, como marco do início da segunda fase do procedimento do júri, a apresentação, pelo Ministério Público ou pelo querelante, do libelo acusatório. Segundo Luiz Flávio Gomes[37], o libelo era bifronte (um para o juiz e outro para os jurados), devia se restringir aos termos da pronúncia, sendo feito de modo articulado, era fonte dos quesitos e peça obrigatória, importante também porque era o momento adequado para arrolar as testemunhas.

 

A antiga redação dos arts. 416 e seguintes, que tratavam do libelo, era a seguinte, verbis:

 

 Art. 416.  Passada em julgado a sentença de pronúncia, que especificará todas as circunstâncias qualificativas do crime e somente poderá ser alterada pela verificação superveniente de circunstância que modifique a classificação do delito, o escrivão imediatamente dará vista dos autos ao órgão do Ministério Público, pelo prazo de cinco dias, para oferecer olibelo acusatório.

 

Art. 418.  O juiz não receberá o libelo a que faltem os requisitos legais, devolvendo ao órgão do Ministério Público, para apresentação de outro, no prazo de quarenta e oito horas.

 

Art. 419.  Se findar o prazo legal, sem que seja oferecido o libelo, o promotor incorrerá na multa de cinqüenta mil-réis, salvo se justificada a demora por motivo de força maior, caso em que será concedida prorrogaçãode quarenta e oito horas. Esgotada a prorrogação, se não tiver sido apresentado o libelo, a multa será de duzentos mil-réis e o fato será comunicado ao procurador-geral. Neste caso, será o libelo oferecido pelo substituto legal, ou, se não houver, por um promotor ad hoc.

 

Art. 420.  No caso de queixa, o acusador será intimado a apresentar o libelo dentro de dois dias; se não o fizer, o juiz o haverá por lançado e mandará os autos ao Ministério Público.

 

Art. 421.  Recebido o libelo, o escrivão, dentro de três dias, entregará ao réu, mediante recibo de seu punho ou de alguém a seu rogo, a respectiva cópia, com o rol de testemunhas, notificado o defensor para que, no prazo de cinco dias, ofereça a contrariedade; se o réu estiver afiançado, o escrivão dará cópia ao seu defensor, exigindo recibo, que se juntará aos autos.

 

Parágrafo único.  Ao oferecer a contrariedade, o defensor poderá apresentar o rol de testemunhas que devam depor no plenário, até o máximo de cinco, juntar documentos e requerer diligências. (grifo nosso)

 

Da análise dos dispositivos acima transcritos, nota-se a excessiva morosidade que a exigência do libelo acusatório trazia ao processo perante o Tribunal do Júri. Com o fim de alcançar a celeridade e a simplificação desejadas pela reforma do CPP, o libelo não mais existe.

 

Segundo Tourinho Filho, o libelo teria sido suprimido sob o fundamento de ser “fonte inesgotável de nulidades”[38]. Em geral, estas decorriam por defeito do questionário. Além disso, quando a peça se afastava da pronúncia, o juiz o devolvia para que outro fosse elaborado.

 

Assim, após a decisão de pronúncia, em vez de se exigir da acusação a apresentação do libelo, ou seja, petição com diversos requisitos e que ainda se sujeitava à contrariedade pelo réu, o legislador trouxe apenas a fase de preparação do processo para julgamento do plenário, prevista nos arts. 422 e 423, com o fim apenas de indicar, tanto pelo Ministério Público e pelo querelante, o rol de testemunhas e a juntada de documentos e requerimento de diligências. Confiram-se os artigos citados, verbis:

 

Art. 422. Ao receber os autos, o presidente do Tribunal do Júri determinará a intimação do órgão do Ministério Público ou do querelante, no caso de queixa, e do defensor, para, no prazo de 5 (cinco) dias, apresentarem rol de testemunhasque irão depor em plenário, até o máximo de 5 (cinco), oportunidade em que poderão juntar documentos e requerer diligência. (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008)

 

Art. 423.  Deliberando sobre os requerimentos de provas a serem produzidas ou exibidas no plenário do júri, e adotadas as providências devidas, o juiz presidente: (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008)

 

I – ordenará as diligências necessáriaspara sanar qualquer nulidade ou esclarecer fato que interesse ao julgamento da causa; (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008)

 

II – fará relatório sucinto do processo, determinando sua inclusão em pauta da reunião do Tribunal do Júri. (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008) (grifo nosso)

 

O procedimento, portanto, ante a extinção do libelo e a alteração completa da fase de instrução preliminar, foi intensamente simplificado, tornando-se mais eficiente e econômico.

 

2.4 A escolha dos Jurados e o Conselho de Sentença 

 

No que tange aos jurados, uma das principais modificações proporcionadas pela nova lei diz respeito à exclusão, na fase ainda de alistamento, daquele que tiver integrado o Conselho de Sentença nos 12 (doze) meses que antecederem a publicação da lista geral (art. 426, §2º, do CPP). O propósito da norma, segundo Badaró, é não permitir a reiterada participação de “jurado profissional”[39].

 

Após o sorteio e convocação dos jurados da lista para atuarem na reunião periódica (arts. 432 a 435), será composto o Tribunal do Júri (1 juiz togado, como presidente, e 25 jurados), sorteados 7 deles que comporão o Conselho de Sentença.

 

Preparado o processo, este irá a plenário. Em primeiro lugar, lembra Pacelli[40] que, em relação aos jurados, existem também regras de impedimento, suspeição e incompatibilidades, como as previstas nos arts. 112, 252, 253 e 254, além de outras específicas e próprias do júri, nos termos do art. 448 do CPP. Tais vícios devem ser conhecidos de ofício pelos jurados, ou as partes poderão apontá-los no momento oportuno (art. 106 do CPP).

 

O início da sessão se dá com a decisão sobre os casos de isenção e dispensa dos jurados. Caso não compareça o Ministério Público, o julgamento deverá ser adiado (arts. 454 e 455). Se a ausência for do advogado do réu, também haverá adiamento (uma só vez, se não houver escusa legítima).

 

O art. 457 prescreve a impossibilidade de adiamento pelo não comparecimento do acusado solto. Na lei antiga, o julgamento só poderia ser realizar sem a presença do réu se tratasse de crime afiançável. Segundo Badaró, a mudança traz consagrado o direito constitucionalmente protegido ao silêncio[41]. Por outro lado, se o acusado preso não for conduzido, será adiado o julgamento.

 

Instaurados os trabalhos, pelo comparecimento de pelo menos 15 (quinze) jurados, estes permanecerão incomunicáveis por toda a sessão, sob pena de exclusão do Conselho de Sentença e multa de um a dez salários-mínimos, nos termos do art. 466, §1º, do CPP.

 

Iniciada a instrução no plenário, prescrevem os arts. 473 e 474 que serão tomadas as declarações do ofendido, inquirindo-se as testemunhas da acusação e depois as da defesa, e, por fim, será interrogado o acusado. As perguntas serão formuladas diretamente pelo defensor do acusado e pelo Ministério Público, abolida, portanto, a intermediação do juiz. Está aqui incluída a vedação ao uso de algemas durante o período em que estiver o réu perante o júri, salvo se absolutamente necessário.

 

Em seguida, são efetuados os debates, primeiro a acusação, depois a defesa, cabendo réplica e tréplica (art. 477).

 

A apresentação e leitura de documentos, segundo o art. 479, somente poderá ocorrer se tiver sido juntado aos autos com antecedência mínima de 3 (três) dias úteis, com vedação expressa de leitura de jornais ou qualquer outro escrito, exibição de vídeos, gravações, fotografias, laudos, quadros, croqui etc., quando o conteúdo destes versar sobre a matéria de fato submetida à apreciação do júri.

 

O art. 478 trata das matérias vedadas nos debates orais, quais sejam, a decisão de pronúncia, decisões posteriores admitindo a acusação, a determinação do uso de algemas, o silêncio do acusado ou a ausência de interrogatório, em seu prejuízo.

 

Terminados os debates e não restando mais quaisquer diligências a serem realizadas, o Conselho de Sentença será questionado sobre a matéria de fato e quanto à absolvição do réu.

 

2.5  Alteração proporcionada nos quesitos 

 

Como o julgamento dos crimes dolosos contra a vida é feito por populares, ou seja, não operadores do Direito, representantes das mais diversas camadas sociais, rege a regra da íntima convicção, e não do livre convencimento motivado. Assim, na conclusão de Eugênio Pacceli, por esse motivo “prevê a lei que a matéria submetida a julgamento pelo Conselho de Sentença seja encaminhada do modo mais simplificado possível”[42].

 

De todo modo, é necessário que os quesitos contenham toda a matéria alegada pela defesa e pela acusação, nos limites da pronúncia.

 

A antiga forma de apresentação de quesitos era a seguinte, verbis:

 

Art. 484.  Os quesitos serão formulados com observância das seguintes regras:

 

I - o primeiro versará sobre o fato principal, de conformidade com o libelo;

 

II - se entender que alguma circunstância, exposta no libelo, não tem conexão essencial com o fato ou é dele separável, de maneira que este possa existir ou subsistir sem ela, o juiz desdobrará o quesito em tantos quantos forem necessários;

 

III - se o réu apresentar, na sua defesa, ou alegar, nos debates, qualquer fato ou circunstância que por lei isente de pena ou exclua o crime, ou o desclassifique, o juiz formulará os quesitos correspondentes, imediatamente depois dos relativos ao fato principal, inclusive os relativos ao excesso doloso ou culposo quando reconhecida qualquer excludente de ilicitude; (Redação dada pela Lei nº 9.113, de 16.10.1995)

 

IV - se for alegada a existência de causa que determine aumento de pena em quantidade fixa ou dentro de determinados limites, ou de causa que determine ou faculte diminuição de pena, nas mesmas condições, o juiz formulará os quesitos correspondentes a cada uma das causas alegadas;

 

V - se forem um ou mais réus, o juiz formulará tantas séries de quesitos quantos forem eles. Também serão formuladas séries distintas, quando diversos os pontos de acusação;

 

        VI - quando o juiz tiver que fazer diferentes quesitos, sempre os formulará em proposições simples e bem distintas, de maneira que cada um deles possa ser respondido com suficiente clareza.

 

Parágrafo único. Serão formulados quesitos relativamente às circunstâncias agravantes e atenuantes, previstas nos arts. 44, 45 e 48 do Código Penal, observado o seguinte: (Redação dada pela Lei nº 263, de 23.2.1948)

 

I - para cada circunstância agravante, articulada no libelo, o juiz formulará um quesito; (Incluído pela Lei nº 263, de 23.2.1948)

 

II - se resultar dos debates o conhecimento da existência de alguma circunstância agravante, não articulada no libelo, o juiz, a requerimento do acusador, formulará o quesito a ela relativo; (Incluído pela Lei nº 263, de 23.2.1948)

 

III - o juiz formulará, sempre, um quesito sobre a existência de circunstâncias atenuantes, ou alegadas; (Redação dada pela Lei nº 263, de 23.2.1948)

 

IV - se o júri afirmar a existência de circunstâncias atenuantes, o juiz o questionará a respeito das que Ihe parecerem aplicáveis ao caso, fazendo escrever os quesitos respondidos afirmativamente, com as respectivas respostas. (Incluído pela Lei nº 263, de 23.2.1948) (grifo nosso)

 

A sistemática da quesitação foi simplificada pela nova lei e tornou-se mais clara e objetiva, como se confere pelo art. 483 a seguir, verbis:

 

Art. 483. Os quesitos serão formulados na seguinte ordem, indagando sobre: (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008)

 

I – a materialidade do fato;

 

II – a autoria ou participação;

 

III – se o acusado deve ser absolvido;

 

IV – se existe causa de diminuição de pena alegada pela defesa;

 

V – se existe circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena reconhecidas na pronúncia ou em decisões posteriores que julgaram admissível a acusação.

 

§ 1º  A resposta negativa, de mais de 3 (três) jurados, a qualquer dos quesitos referidos nos incisos I e II do caput deste artigo encerra a votação e implica a absolvição do acusado.

 

§ 2º  Respondidos afirmativamente por mais de 3 (três) jurados os quesitos relativos aos incisos I e II do caput deste artigo será formulado quesito com a seguinte redação:

 

O jurado absolve o acusado?

 

§ 3º Decidindo os jurados pela condenação, o julgamento prossegue, devendo ser formulados quesitos sobre: (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008)

 

I – causa de diminuição de pena alegada pela defesa;

 

II – circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena, reconhecidas na pronúncia ou em decisões posteriores que julgaram admissível a acusação.

 

§ 4º Sustentada a desclassificação da infração para outra de competência do juiz singular, será formulado quesito a respeito, para ser respondido após o 2º (segundo) ou 3º (terceiro) quesito, conforme o caso. (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008)

 

§ 5º Sustentada a tese de ocorrência do crime na sua forma tentada ou havendo divergência sobre a tipificação do delito, sendo este da competência do Tribunal do Júri, o juiz formulará quesito acerca destas questões, para ser respondido após o segundo quesito. (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008)

 

§ 6º Havendo mais de um crime ou mais de um acusado, os quesitos serão formulados em séries distintas. (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008) (grifo nosso)

 

Consoante Edílson Mougenot Bonfim e Domingos Parra Neto[43], o questionário deve conter indagações sobre questões de fato, e não de direito. Como o Júri é composto por leigos, sem conhecimento técnico-jurídico sobre o mérito da causa, os jurados devem se manifestar apenas a respeito da existência do crime, sua autoria, e as condições e circunstâncias em que foi praticado.

 

Para os autores supracitados, essa parece ter sido a intenção da nova lei, já que foram excluídos os quesitos referentes às causas excludentes de ilicitude. Ou seja, os jurados, quando entenderem pela exclusão de ilicitude, deverão responder positivamente ao terceiro quesito (o réu deve ser absolvido), sem mais conjecturas sobre o que justificou tal decisão.

 

Tratando-se especificamente do conteúdo do questionário, segundo Pacelli[44], no quesito sobre a materialidade do fato, deveria ser abrangido o esclarecimento sobre a forma consumada ou tentada do resultado, mas, o §5º do art. 483 afirma que tal indagação será feita apenas após o segundo quesito. Para o autor, nesse item deveria também ser questionado a respeito dos excludentes de ilicitude ou de culpabilidade (até porque não há quesitação específica sobre o tema). Tourinho Filho[45] acrescenta que o primeiro quesito poderá, em algumas hipóteses, ser desdobrado, como no exemplo do homicídio, em que é preciso inquirir a princípio se houve a lesão e, depois, se desta decorreu a morte da vítima.

 

No que tange ao segundo quesito, Pacelli[46] afirma que se deve atentar para a modalidade descrita na acusação e reconhecida na pronúncia, tendo em vista a distinção entre a autoria e a participação e também quanto às espécies de participação. Observa-se, ainda, que o item incluirá questionamento a respeito do elemento subjetivo da conduta (dolo e culpa), mas que também poderá ser melhor considerado na quesitação sobre a possível desclassificação do crime.

 

O terceiro quesito, que pergunta se o acusado deve ser absolvido, é novidade no processo penal brasileiro. Para Pacelli[47], o referido item do questionário está eivado de enorme grau de abstração e subjetividade, sendo até mesmo compreensível ser assim formulada, pois o próprio caráter do Tribunal do Júri a justifica, tendo em vista a falta de necessidade de motivação para as decisões, fundadas na íntima convicção dos jurados. Sobre o assunto, afirma ainda o doutrinador o seguinte:

 

Um problema: se foi intenção do legislador incluir neste quesito da absolvição todas as questões relativas às excludentes de ilicitude e culpabilidade, sobretudo as de ilicitude (legítima defesa, estado de necessidade etc.), pensamos que o caminho escolhido não foi o melhor.

 

E isso porque, como já dissemos, o sentimento pessoal de justiça não conhece limites racionais, de tal maneira que o jurado pode, mesmo reconhecendo uma ação justificada, entender que o réu deve ser condenado. Como conter tamanha subjetividade sem o recurso ao quesito? E o excesso doloso ou culposo não será objeto de deliberação? E, como se sabe, não constituem matéria exclusiva da sentença (art. 492, CPP).[48] (grifo nosso)

 

Mougenot Bonfim e Parra Neto[49] também criticam o novo quesito, entendendo que sua obrigatoriedade pode ser fonte de perplexidades, pois, para chegar até ele, os jurados teriam que responder “sim” à existência de materialidade do fato e à autoria ou participação. Nesse caso, se o Júri responder afirmativamente à pergunta sobre a absolvição, questiona-se qual seria, então, o fundamento para a absolvição, se os próprios julgadores entenderam pela materialidade do crime e autoria do acusado. Para os autores, um julgamento como tal acabará por ser anulado, por ser a decisão manifestamente contrária à prova dos autos.

 

O quarto item da quesitação diz respeito à causa de diminuição de pena alegada pela defesa. Segundo Pacelli[50], o texto do art. 483, §3º, I, do CPP é ambíguo, pois, na verdade, ainda que não mencionadas na peça de defesa, devem constar no questionário as causas de diminuição de pena existente no caso, pois tratam-se de diminuição legal obrigatória da pena.

 

Por último, os jurados devem ser questionados a respeito da existência de circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena reconhecidas na pronúncia ou em decisões posteriores.

 

Destaca-se que, por força do §4º do artigo acima transcrito, a desclassificação deverá ser perquirida após o segundo (autoria e participação) ou o terceiro quesito (se o acusado deve ser absolvido). Sobre a tentativa, o questionamento será feito também após o segundo quesito, nos termos do §5º.

 

Acrescentam Mougenot Bonfim e Parra Neto[51] que, “estranhamente”, a lei nova nada mencionou, na fase do questionário, sobre as circunstâncias do crime, sejam agravantes ou atenuantes. Segundo os autores, tendo em vista o art. 492, I, “b”, é possível concluir que tal perquirição ficará a cargo do juiz quando da prolação da sentença, apesar de que deveria ser submetida ao Conselho de Sentença, pois tais situações influem diretamente na sanção penal.

 

Finalmente, o resultado do julgamento do Júri será refletido na sentença proferida pelo juiz presidente do Tribunal em plenário (art. 492 do CPP). No caso de condenação, será fixada a pena em concreto, decidindo sobre a prisão ou a liberdade do acusado, além de estabelecer os efeitos genéricos e específicos da condenação. Se houver absolvição, o juiz mandará colocar em liberdade o acusado, revogando medidas restritivas provisoriamente decretadas e impondo medida de segurança, se cabível.

 

Portanto, por meio do novo formato dado ao questionário, apesar das muitas críticas, depreende-se que foi possível tornar mais fácil, claro e simples a decisão dos jurados, regida pela íntima convicção, motivo porque é manifestada por meio de respostas a quesitos específicos, nas palavras de Eugênio Pacelli[52].

 

 

CONCLUSÃO

 

O Tribunal do Júri, apesar de muito criticado, é instituto consagrado na Carta Magna de 1988 e repleto de garantias constitucionais. Assim, é enorme a sua relevância para o sistema processual penal brasileiro, razão pela qual mereceu ampla reforma de seu procedimento pela Lei nº 11.689/08, a fim de adequá-lo aos novos influxos constitucionais e à necessidade atual e constante de celeridade, rapidez, simplificação e eficiência da prestação jurisdicional.

 

Uma das principais alterações do rito se deu na fase do judicium acusationis, pois esta foi abreviada, simplificando-a pela instituição da audiência una, em que se dá a instrução, os debates e a prolação da decisão de uma vez só, prevendo-se, inclusive, um prazo limite de 90 dias para toda a instrução preliminar.

 

No que tange às decisões que põem fim à fase preliminar, também ocorreram inovações relevantes, tornando-se a pronúncia uma decisão mais concisa e sem ampla abordagem das teses sustentadas pelas partes. A absolvição sumária acrescentou três situações antes não conhecidas, mas que estão sendo criticadas pela possível usurpação da competência do Tribunal do Júri. No entanto, é preciso confessar que as hipóteses abreviaram o procedimento, e, a propósito, em benefício do réu, visto que não é mais necessário levar a causa até a apreciação dos jurados quando há prova da inexistência do fato e de ausência de autoria, ou de que o fato não constitui infração penal.

 

O libelo acusatório, amplamente reprovado pela doutrina por trazer ao processo morosidade e causas inesgotáveis de nulidades, foi extinto pela reforma, substituído apenas pela fase de preparação do processo.

 

Já iniciada a sessão em plenário, aboliu-se a antiga previsão de que o julgamento só poderia se realizar sem a presença do réu se tratasse de crime afiançável. Agora, não é mais possível o adiamento pelo não comparecimento do acusado solto, sendo essa hipótese consagração do direito constitucionalmente protegido ao silêncio. Por outro lado, se o acusado preso não for conduzido, será adiado o julgamento.

 

Na fase de instrução do plenário, extinguiu-se o antiquado modelo de perguntas intermediadas pelo juiz, sendo possível, a partir da nova lei, que os questionamentos sejam formulados diretamente pelo defensor do acusado e pelo Ministério Público às testemunhas. Incluiu-se também a vedação ao uso de algemas durante o período em que estiver o réu perante o júri, salvo se absolutamente necessário.

 

Passando para o questionário, percebeu-se uma enorme simplificação dos quesitos, tornando-os de mais fácil compreensão para os julgadores leigos, conforme o propósito do Tribunal do Júri. Critica-se, na doutrina, a inclusão do terceiro quesito, que pergunta se o acusado deve ser absolvido, tendo em vista o seu enorme grau de abstração e subjetividade. Na verdade, o item está de acordo com a própria natureza da Corte Popular, que tem seus julgamentos baseados na íntima convicção, sem a necessidade de motivação das suas decisões.

 

Em suma, diante do exposto neste artigo, conclui-se que a reforma do rito do Tribunal do Júri, trazida pela Lei nº 11.689/2008, parece ter, em grande parte, atendido seus objetivos de alcançar a celeridade, clareza e simplificação ao procedimento, atendendo ao princípio da razoável duração do processo previsto na Constituição Federal no art. 5º, LXXVIII, além de outras alterações pontuais que atenderam ao princípio da presunção de inocência ou não culpabilidade e à ampla defesa.

 

Não está, porém, passível de críticas, pois, no afã de acelerar o andamento dos processos, deixou algumas lacunas e questionamentos, principalmente no que tange à preservação do devido processo legal e da ampla defesa e ao respeito à competência constitucional do Júri.

 

Por fim, analisando os benefícios proporcionados e as críticas formuladas, é possível concluir que a reforma ocasionou mais vantagens do que malefícios à sistemática do júri, sendo possível, ao longo de sua aplicação, a correção de qualquer prejuízo causado às garantias constitucionais do júri e aos direitos fundamentais.

 

REFERÊNCIAS

 

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TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. 11ª edição. São Paulo: Ed. Saraiva, 2009.

 

Notas:

[1] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. 11ª edição. São Paulo: Ed. Saraiva, 2009. P. 719.

[2] ESTEFAM, André. O Novo Júri: lei nº 11.689/2008. 2ª ed. São Paulo: Damásio de Jesus, 2008. p. 10/11.

[3] TOURINHO FILHO, op. cit., p. 725.

[4] ESTEFAM, op. cit., p. 13/14.

[5] ESTEFAM, op. cit., p. 15.

[6] MARQUES, op. cit., p. 76.

[7] ESTEFAM, op. cit., p. 17.

[8] OLIVEIRA, op. cit., p. 570.

[9] ESTEFAM, op. cit. p. 19/21.

[10] MARQUES, José Frederico. A Instituição do Júri. Campinas: Brookseller, 1997. P. 20.

[11] TASSE, Adel El. O Novo Rito do Tribunal do Júri: em conformidade com a Lei nº 11.689, de 09.06.2008. Curitiba: Juruá, 2008. p. 26.

[12] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 10ª edição. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2008. P. 565.

[13] BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Projeto nº 4.203/2001 (Tribunal do Júri). Material da 3ª aula da disciplina Processo Penal: Grandes Transformações, ministrada no curso de pós-graduação lato sensu televirtual em Direito Processual: Grandes Transformações – UNISUL/REDE LFG. P. 2.

[14] Câmara dos Deputados. Disponível em <http://www2.camara.gov.br/proposicoes >. Acesso em 30 de março de 2009.

[15] ITAGIBA, Relator Deputado Marcelo. Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado. Disponível em <http://www2.camara.gov.br/proposicoes> Acesso em 30 de março de 2009.

[16] BADARÓ, op. cit., p. 3.

[17] TOURINHO FILHO, op. cit., p. 704.

[18] NUCCI, Guilherme de Souza. Tribunal do Júri. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. P. 46.

[19] OLIVEIRA, op. cit., p. 567.

[20] JESUS, Damásio de. Código de Processo Penal Anotado. 22ª Ed. São Paulo: Editora Saraiva. 2005. P. 327.

[21] MOREIRA, Reinaldo Daniel. Um breve panorama da recente proposta de reforma do Código de Processo Penal no Procedimento do Júri. Boletim IBCCRIM, ANO 16, Nº 187, p. 13/14, junho/2008.

[22] Ibidem, p. 13.

[23] BONFIM, Edilson Mougenot e PARRA NETO, Domingos. O novo procedimento do Júri: comentários à lei nº 11.689/2008. São Paulo: Saraiva, 2009. P. 27.

[24] NUCCI, op. cit. P. 60.

[25] Ibidem, p. 84.

[26] OLIVEIRA, op. cit., p. 575.

[27] Ibidem, p. 575.

[28] NUCCI, op. cit. P. 84.

[29] Ibidem, p. 84.

[30] Ibidem, p. 85/86.

[31] OLIVEIRA, op. cit., p. 573/574.

[32] NUCCI, op. cit., p. 88.

[33] Ibidem, p. 94.

[34] OLIVEIRA, op. cit., p. 571.

[35] Ibidem, p. 570.

[36] NUCCI, op. cit., p. 98.

[37] GOMES, Luiz Flávio Gomes. Direito Processual Penal. São Paulo: RT, 2005. P. 287.

[38] TOURINHO FILHO, op. cit., p. 714.

[39] BADARÓ, op. cit., p. 16.

[40] OLIVEIRA, op. cit., p. 580/581.

[41] BADARÓ, op. cit., p. 21 e 22.

[42] OLIVEIRA, op. cit., p. 566.

[43] BONFIM e PARRA NETO, OLIVEIRA, op. cit., p. P. 135.

[44] OLIVEIRA, op. cit., p.  583/584.

[45] TOURINHO FILHO, op. cit., p. 737.

[46] OLIVEIRA, op. cit., p. 583/584.

[47] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Op. Cit. P. 584.

[48] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Op. Cit. P. 584.

[49] BONFIM, Edilson Mougenot e PARRA NETO, Domingos. Op. cit. P. 139/140.

[50] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Op. Cit. P. 585.

[51] BONFIM e PARRA NETO, op. cit., p. 138.

[52] OLIVEIRA, op. cit., p. 566.

 

Disponivel em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.42721&seo=1>