As trevas como resultado do Caos: do cálice à espada


Porcandia- Postado em 18 abril 2011

 

Embora os historiadores atuais meçam em séculos o tempo que nos ensinaram como sendo o da história humana, a extensão do segmento primitivo de uma história bem diferente é medida em milênios. O paleolítico remonta a um período superior a trinta mil anos. A era neolítica da revolução cultural aconteceu há mais de dez mil anos. Çatal Hüyük foi construída há 8.500 anos. E a civilização de Creta caiu só há 3.200 anos.
 
Nesse espaço de milênios na maior parte das sociedades européias e do Oriente enfatizavam-se as tecnologias que sustentavam e desenvolviam a qualidade de vida. Durante o neolítico, grandes avanços foram dados: agricultura, caça, pesca e domesticação de animais, construção, tapeçaria, mobília e outros artigos domésticos, e até mesmo planejamento urbano. O vestuário deixou o período das peles e couros para trás com a invenção da tecelagem e costura. E, enquanto eram estabelecidos os alicerces materiais e espirituais para uma civilização mais desenvolvida, as artes também floresceram.
 

Provavelmente a linhagem era traçada por parte da mãe. As mulheres mais velhas ou chefes dos clãs administravam a produção e distribuição dos frutos da terra. Ao lado da posse comum dos meios de produção e a percepção do poder social como responsabilidade ou administração para benefício de todos surgiu o que parece ter sido uma organização social cooperativa. Tanto mulheres quanto homens trabalhavam em cooperativa em prol do bem comum.
 

Mas então ocorreu a grande mudança — de tal ordem que, de tudo que sabemos a respeito da evolução cultural humana, nada se compara a ela em magnitude. Surgiram os invasores periféricos.
 

No princípio eram movimentos aparentemente insignificantes - as atividades dos bandos nômades vagando pelas áreas periféricas em busca de pasto para seus rebanhos. Eles permaneceram ali, nos territórios desprezados, mais frios e despovoados, enquanto as primeiras grandes civilizações agrícolas se espraiavam junto aos lagos e rios das terras férteis centrais. Para esses povos agrícolas, usufruindo o prematuro auge da evolução da humanidade, paz e prosperidade devem ter parecido o eterno estado abençoado da raça humana, e os nômades nada mais do que uma novidade periférica.
 

Há apenas de especulações sobre como estes bandos nômades aumentaram em número e em ferocidade e sobre a duração do período em que isso aconteceu. Mas, por volta de 5000 a.C. começamos a encontrar evidências de um padrão de ruptura das antigas culturas neolíticas dos Bálcãs. Há evidências de invasões e catástrofes naturais, causando destruição e transtorno em larga escala. Em diversas áreas, as antigas tradições da cerâmica desaparecem. Pouco a pouco, numa gradual devastação, estabelece-se um período de regressão e estagnação. Caracteriza-se uma longa sucessão de invasões do norte asiático e europeu por povos nômades. Governados por poderosos sacerdotes e guerreiros, eles trouxeram consigo seus deuses masculinos da guerra e das montanhas.
 

A única coisa que este povos tinham em comum era um modelo dominador de organização social: um sistema no qual a dominação e a violência masculina e uma  estrutura social em geral hierárquica e autoritária eram a norma. Outro ponto em comum era, em contraste com as sociedades que estabeleceram os alicerces da civilização ocidental, o modo característico como adquiriam riqueza material, não desenvolvendo tecnologias de produção, mas através de tecnologias cada vez mais eficazes de destruição.
 
Assim, durante um curto - em termos históricos - período de milhares de anos, tais invasores, de forma lenta mas sistemática, foram substituindo as sociedades agrícolas matriarcais, igualitárias, de cooperação, pelas suas próprias, patriarcais, hierárquicas, baseadas em conflitos e repressão do poder feminino.
 
 

Referências: EISLER, R. O Cálice e a Espada: A nossa história, o nosso Futuro. Ed. Palas Athena, 2008.