Trabalho infantil nos lixões


Porbarbara_montibeller- Postado em 08 março 2012

Autores: 
SANTOS, Edgar de oliveira

RESUMO:

O presente artigo tem por escopo analisar o trabalho infantil à luz da legislação vigente (Brasil legal) e, por conseguinte demonstrar como de fato é a realidade das crianças e adolescentes nos lixões brasileiros (Brasil real), findando com a análise de algumas propostas que visam erradicar o trabalho infantil.   

 

PALAVRAS-CHAVE: trabalho infantil; dignidade da pessoa humana; Estatuto da Criança e do Adolescente.

 

INTRODUÇÃO:

O trabalho infantil é expressamente proibido em nosso ordenamento jurídico, com dispositivos inibitórios na Constituição Federal Brasileira, na consolidação das leis do trabalho e no Estatuto da Criança e do Adolescente, ressalvada a hipótese do adolescente maior de 14 (quatorze) anos trabalhar na condição de aprendiz, em observância das restrições impostas na legislação, como proibição do adolescente exercer atividades que o prejudique moral ou fisicamente, é expressamente proibido o exercício de qualquer oficio pela criança e o adolescente.

No entanto, a realidade brasileira é bem diversa e infelizmente não raro nos deparamos com crianças e adolescentes em situação de risco trabalhando nas ruas, vendendo bombons dentro dos coletivos públicos, pedindo dinheiro nos cruzamentos de avenidas, ou trabalhando em olarias, carvoarias e até mesmo em aterros sanitários coletando lixo.

O objetivo deste trabalho é especificar o trabalho infantil nos lixões. Trabalho esse extremamente degradante a pessoa humana e que é facilmente encontrado nos aterros sanitários do estado do Pará, especificamente no lixão do Aurá, utilizado pelas cidades de Belém e Ananindeua.

 

DA PROTEÇÃO JURÍDICA DA INFÂNCIA E DA ADOLESCÊNCIA:

Visando à proteção jurídica integral das crianças e adolescentes, indivíduos ainda em formação física, moral e intelectual, a Constituição Federal Brasileira (1988), os outorgam sujeitos de direitos, com proteção especial, vejamos o que dispõe o art. 227 da CF/88:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligencia, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

 

Tal dispositivo foi praticamente repetido na Lei nº 8.069/1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), nos seus Arts. 4º e 5º, vejamos:

Art. 4º. É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Art. 5º. Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligencia, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.

 

Desta feita, verifica-se que nosso ordenamento jurídico impõe proteção ampla a criança e ao adolescente. Vários autores comungam dessa necessidade de proteção, fundada no momento em que estes indivíduos se encontram.

A infância e a adolescência são fases da vida onde o ser humano precisa estar resguardado de determinadas atividades que possam lhe trazer prejuízos físicos e psíquicos, surgindo com isso, a necessidade de impor determinadas restrições ao labor executado por crianças e adolescentes, nesse sentido é o pensamento da ilustre professora Erotilde Ribeiro dos Santos Minharro (2003), senão vejamos:

Sabe-se, porém, que é na infância e na adolescência que o indivíduo adquire a formação intelectual, física, social e moral necessária para se transformar num adulto probo, consciente de seus direitos e obrigações, enfim, apto para o exercício de atividades laborativas que lhe assegurem o sustento. Por isso, nas primeiras fases da vida, o ser humano não deveria lançar-se no mercado de trabalho.

 

A positivação dessa restrição encontra-se insculpida no Art. 7º, inciso XXXIII da nossa carta magna.

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

XXXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998).

 

Como vimos, embora o trabalho seja permitido para adolescentes de 16 a 18 anos, há restrições legais quanto às atividades que podem ser realizadas. Para eles, o trabalho não pode ser executado em horário noturno ou em períodos que comprometam a frequência escolar. Além disso, não pode ser perigoso, insalubre ou penoso e nem pode ser exercido em locais prejudiciais ao desenvolvimento físico, psíquico, moral e social. Tal proibição também esta presente na CLT em seu Art. 403, com a seguinte redação:

Art. 403. É proibido qualquer trabalho a menores de dezesseis anos de idade, salvo na condição de aprendiz, a partir dos quatorze anos. (Redação dada pela Lei nº 10.097, de 19.12.2000).

Parágrafo único. O trabalho do menor não poderá ser realizado em locais prejudiciais à sua formação, ao seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e social e em horários e locais que não permitam a freqüência à escola. (Redação dada pela Lei nº 10.097, de 19.12.2000).

 

Além da Constituição, da CLT e do ECA, o Brasil aderiu a Convenções importantes da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Em 2000, o País ratificou a Convenção 182, que impõe declara as piores formas de trabalho infantil e impõe urgência na sua proibição e eliminação. Em 2001, foi ratificada a Convenção 138, que estabelece que a idade mínima para o trabalho não será inferior à idade de conclusão da escolaridade obrigatória ou, em qualquer hipótese, não será inferior a 15 anos.

Portanto, o Brasil possui um arcabouço legal extenso, que impõem direitos e garantias as crianças e adolescentes (esse é o Brasil legal). No entanto esse arcabouço jurídico é extremamente desrespeitado, como é o caso da ocorrência de trabalho infantil em uma das atividades mais degradantes, como a coleta de lixo nos aterros sanitários.

 

O TRABALHO NOS LIXOS:

A exploração da mão-de-obra infantil nos lixões é uma realidade brasileira, infelizmente as garantias legais não passam de utopias futuristas, se é que podemos sonhar que algum dia os direitos da criança e do adolescente serão respeitados. Muitas crianças trabalham coletando no lixo alimentos para a subsistência, utensílios para venda ou para o uso próprio etc. Essas crianças ficam sujeitas a diversos problemas de saúde, pois mantém contato direto com matérias em decomposição, o que atrai uma porção de germes transmissores de doenças e como, também, ratos, baratas, moscas etc., igualmente perigosos.

Não raro crianças e adolescentes catadores de lixo são usuários de drogas em virtude da situação de imensa pobreza que estão inseridas e diante da realidade cruel de ter que sobreviver do lixo suportando um odor fortíssimo provocado pelo chorume criado em razão do acumulo de materiais orgânicos se decompondo, cumulado com o fato destes jovens não apresentarem perspectivas de mudanças somado a total desestruturação familiar.

Esses garotos, geralmente, não freqüentam instituições de ensino e apresentam um nível de escolaridade muito baixo, estão sujeitas a violências sexuais, mutilações em decorrência dos ferimentos adquiridos que não são tratados, atropelamentos pelos caminhões que descarregam o lixo etc., senão vejamos o que diz a professora Fátima Abreu (2001):

Nos lixões, ficam sujeitos ainda a acidentes e outros problemas como abuso sexual, gravidez precoce e uso de drogas. Os adolescentes são freqüentemente pais de uma ou duas crianças. Grande parte das crianças em idade escolar nunca fora à escola. O lixo é sua sala de aula, seu parque de diversões, sua alimentação e sua fonte de renda. Ganham de R$ 1,00 a R$ 6,00 por dia, mas o trabalho que fazem é fundamental para aumentar a renda de suas famílias. Vivem em condições de pobreza absoluta. Realizam um trabalho cruel. São crianças no lixo (...) Futuro não se cata no lixo. Lugar de criança é na escola, aprendendo e em casa brincando. Criança tem direito à proteção integral. Direito a um nome, a ser registrada regularmente. Direito a atendimento prioritário em postos de saúde e hospitais; tem que receber todas as vacinas no momento certo. tem direito a uma moradia digna, à vaga na escola mais perto de casa, à pré-escola, ao lazer e a informação.

Esse quadro se repete em quase todos os aterros lixões do Brasil, não sendo diferente, portanto, no lixão do Aurá, utilizado a mais de 20 (vinte) anos pelas cidades de Belém e Ananindeua, que já foi alvo de intensas críticas pela sociedade civil, tendo inclusive figurado como objeto de discussão em sessão especial na Câmara Municipal de Belém no dia 28 de junho de 2010.

Apesar de toda essa discussão os problemas ambientais e, principalmente, sociais permanecem nesse aterro. As crianças e adolescentes continuam exercendo diariamente suas jornadas de trabalho, geralmente, ajudando seus familiares, catando alimentos, materiais recicláveis para revender etc., permanecem afastadas das escolas, doentes, desnutridas, exercendo atividades de riscos, insalubres, perigosas, violadas no seu direito de ser criança, tornando-se evidente o fracasso do Estado diante da resolução desta problemática (Brasil real), apesar de surgirem algumas propostas de solução.

 

PERSPECTIVAS DE ERRADICAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL:

Sabe-se que o início do trabalho na infância é uma prática culturalmente aceita e de difícil combate, haja vista, que muitas vezes a família depende do trabalho da criança ou do adolescente para aumentar a renda e viabilizar o seu próprio sustento. Nesse sentido, só é possível combater o trabalho infantil se houver uma política acompanhada da garantia de emprego e renda para os pais, bem como de uma maior conscientização das famílias sobre os riscos e prejuízos do exercício do trabalho para crianças e adolescentes.

A problemática exige uma atuação integrada de políticas nas áreas da educação, saúde e assistência social. Com esse intuito, surgiu um programa do governo em maio de 1996, o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) é uma ação do Governo Federal, em parceria com os governos estaduais e municipais. O Programa se apresenta com duas ações articuladas: o serviço socioeducativo, ofertado às crianças e adolescentes afastadas do trabalho, e a transferência de renda para suas famílias ao manterem esses indivíduos longe de atividades laborais e de exploração; a garantia da freqüência mínima dos meninos e meninas nas atividades de ensino regular e no serviço socioeducativo oferecido pelo Programa no turno complementar ao da escola; o acompanhamento do crescimento e desenvolvimento infantil, da vacinação, bem como da vigilância alimentar e nutricional de crianças menores de sete anos.

Esse programa vem dando certo em muitas regiões, principalmente por garantir um retorno financeiro as famílias pobres ao manterem seus filhos nas escolas com exigência de rendimento escolar satisfatório e também por exigir freqüência diária ao Programa (PETI) em turnos complementares ao da escola, onde contam com o acompanhamento de assistentes sociais, pedagogos e psicólogos, e com isso, retirando as crianças das ruas, dos aterros sanitários, dos cruzamentos etc.

 

CONSIDERAÇOES FINAIS:

Verificou-se no presente artigo que ainda há uma distância muito grande entre os direitos garantidos por lei e a situação real de muitas crianças e adolescentes, levando-nos a conclusão de não serem aqueles direitos instituídos por nossa Constituição Federal, Estatuto da Criança e do Adolescente, Consolidação das Leis do Trabalho e demais Convenções Internacionais ratificadas pelo Brasil, não são universalizados a todas as crianças e só estão garantidos àquelas inseridas num contexto sócio-econômico privilegiado.

Apesar dos avanços no combate ao trabalho infantil, estes ainda demonstram ser insuficientes, principalmente nas regiões mais afastadas do centro político-financeiro do país.

Portanto se faz necessário uma mobilização do poder público e da sociedade civil para garantir de fato, por meio de políticas concretas a garantia real dos direitos da criança e do adolescente.

Os conflitos, abordados neste trabalho, vividos por uma criança que precisa abandonar os estudos e muitas vezes ter que sustentar sua família foram poeticamente sintetizados na música “MARVIN”, vejamos:

“(...) E aos treze anos/ De idade eu sentia/ Todo o peso do mundo/ Em minhas costas/ Eu queria jogar/ Mas perdi a aposta... Trabalhava feito/ Um burro nos campos/ Só via carne/ Se roubasse um frango/ Meu pai cuidava/ De toda a família/ Sem perceber/ Segui a mesma trilha (...)”. (Trecho da música Marvin, Titãs).

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS:

ABREU. Maria de Fátima. Do lixo a Cidadania. Estratégicas para a ação. 2. ed. Brasília: 2001; 

BRASIL. Constituição (1988). Lex: legislação Federal. São Paulo: Saraiva, 2011;

BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente (1990). Brasília: Ministério da Educação, 2010.

CARVALHO, Odete Silva. As medidas de proteção e o sistema de garantia de direitos, Belém, 2009.

MINHARRO, Erotilde Ribeiro dos Santos. A criança e o adolescente no direito do trabalho. São Paulo: Ltr, 2003;

Revista Âmbito Jurídico, do trabalho do menor em lixões no Brasil;

laughcuide bem dos mendingos seus relachados ajudem o meio ambiete amor e paz