Teses do STJ sobre falta grave na execução penal (2ª parte)


PorJefter Gerson- Postado em 24 outubro 2019

Autores: 
Rogério Sanches Cunha

6) O cometimento de falta grave enseja a regressão para regime de cumprimento de pena mais gravoso.

Esta tese representa nada mais do que a aplicação do disposto no inciso I do art. 118 da Lei de Execução Penal, que determina a regressão de regime se o condenado pratica fato definido como crime doloso ou falta grave.

Embora possa parecer óbvia, a tese vem na esteira de decisões em que as particularidades de casos concretos ensejaram o debate sobre a necessidade da regressão. Num dos diversos precedentes, em que o condenado em regime aberto não havia retornado à casa do albergado, a primeira instância considerou desproporcional a regressão e deixou de aplicá-la. Mas o STJ não encampou a iniciativa:

“Segundo consta, o Juízo da Execução, após ter reconhecido a prática de falta grave pelo apenado (fuga), fixou como base de cálculo para futuros benefícios a data de sua recaptura, bem como suspendeu suas benesses pelo período de 60 (sessenta) dias, contudo, deixou de regredi-lo ao regime mais gravoso, mantendo o modo aberto de execução, em obediência ao princípio da proporcionalidade. Por seu turno, esta Corte já decidiu inúmeras vezes que o apenado fica sujeito a regime prisional mais gravoso quando cometida falta grave.” (AgRg no REsp 1.223.548/RS, j. 21/06/2011)

Em outro precedente, o condenado buscava evitar a regressão alegando que lhe havia sido imposto o regime inicial aberto, o que impossibilitava, sob pena de ofensa à coisa julgada, a regressão a regime diverso. Evidentemente, o STJ afastou a pretensão:

“Ora, se mesmo os crimes punidos com detenção – os quais, a princípio, não podem se achar atrelados ao regime fechado – podem regredir a um modo de execução mais rigoroso, não existe, então, qualquer justificativa para não se aplicar o mesmo entendimento em relação aos crimes punidos com reclusão, como ocorre no presente caso.

Ressalte-se que o princípio da individualização das penas serve de norte ao sistema prisional brasileiro. E nem poderia ser diferente, pois, visando corrigir e ressocializar o infrator – finalidade social da pena -, o sistema premia ou sanciona seu comportamento no cárcere, seja, no primeiro caso, concedendo progressão, liberdade condicional, dentre outros benefícios, seja, no segundo caso, determinado a regressão, perda dos dias remidos, dentre tantos outros malefícios.

(…)

Destarte, praticado falta grave, deve o apenado ter regredido o seu regime de cumprimento de pena, seja porque assim determinou o legislador, seja porque, de maneira contrária, o sistema prisional brasileiro não conseguirá obter êxito no seu intento, qual seja, de reeducar o cidadão que temporariamente vem se mostrando pernicioso para a sociedade.” (AgRg no HC 247.606/MG, j. 04/04/2013)

Há também julgados nos quais os condenados pretendiam afastar a regressão em virtude da prescrição para a apuração da falta grave no procedimento administrativo. Alegavam que, uma vez obstada a iniciativa administrativa, não poderia o juízo da execução considerar o cometimento de falta grave para impor a regressão de regime. Também nestes casos o STJ tem decidido pela possibilidade da regressão, pois o procedimento administrativo disciplinar, sobre o qual incide a prescrição (cf. tese nº 3), destina-se à aplicação das sanções de caráter disciplinar. Se o condenado comete falta grave consistente, por exemplo, na prática de crime doloso, a prescrição do procedimento administrativo não pode vincular o juízo da execução, a quem cabe a avaliação judicial sobre o regime mais adequado para o cumprimento da pena. Neste sentido:

“O condicionamento da atuação do Juízo da Execução à decisão da Comissão Disciplinar implica inaceitável subordinação do Judiciário à Autoridade Administrativa. É certo que a Lei de Execução Penal atribui ao diretor do estabelecimento prisional o poder de apurar e aplicar sanções disciplinares. Contudo, há faltas que, quando praticadas no curso da execução da pena, geram consequências que extravasam a esfera administrativa da disciplina prisional. É o caso, por exemplo, da determinação da regressão do regime (art. 118, I, da LEP), da perda dos dias remidos (art. 127, da LEP), e da suspensão do benefício de livramento condicional (art. 145, da LEP), que são medidas concernentes ao controle jurisdicional do cumprimento da pena e que não podem ficar jungidas à discricionária atuação da autoridade administrativa.

Por outro lado, consoante prevê o art. 67, da LEP, cabe ao Ministério Público a função de fiscalizar a execução penal, tanto no âmbito administrativo, quanto na seara judicial, tendo por obrigação provocar o Poder Judiciário, na hipótese de vislumbrar algum ilícito no curso da execução.

Dessa forma, vincular a esfera judicial à decisão obtida no âmbito administrativo, seja qual for ela – absolvição ou condenação –, de modo a impedir o Parquet de fiscalizar a execução da pena, é violar a sua competência institucional, além de afrontar o Princípio Constitucional da Inafastabilidade da Juridição, positivado no inciso XXXV, do art. 5º, da Carta Magna.

Não se pode aceitar a submissão do Judiciário à esfera administrativa, nem tampouco é admissível restringir a competência legal do Ministério Público, sendo, em todo caso, inafastável o direito constitucional de acesso à jurisdição.” (HC 418.569/RS, j. 26/06/2018)

7) A prática de falta grave interrompe a contagem do prazo para a obtenção do benefício da progressão de regime.

Nos termos do art. 112 da Lei nº 7.210/84, admite-se a progressão de regime se o condenado houver cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior e ostentar bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento. A fração de um sexto é afastada nos casos de crimes hediondos e equiparados, em que a progressão ocorre após o cumprimento de dois quintos da pena, se primário o condenado, ou de três quintos, se reincidente.

Há, todavia, discussão a respeito dos efeitos que a prática da falta grave opera no prazo de progressão de regime, ou seja, se há ou não interrupção.

Há quem sustente que a inexistência de disposição legal que determine a interrupção do prazo obsta esse efeito, a exemplo do que ocorre no livramento condicional (súmula nº 441). Dessa forma, embora seja possível considerar a falta grave na análise dos requisitos subjetivos para a progressão, não se justifica o reinício da contagem do prazo para a concessão do benefício.

Há, no entanto, outra orientação que defende a interrupção do prazo em decorrência de interpretação sistemática do art. 112 da Lei de Execução Penal. Se o condenado cumpre pena em regime aberto ou semiaberto e comete a falta grave, a punição consiste na regressão de regime, que, uma vez operada, provoca a recontagem do prazo. Se o condenado que cometeu a falta cumpre a pena em regime fechado, não é possível regredir, restando apenas a interrupção do prazo para a progressão, pois, caso isso não ocorra, a falta simplesmente não será punida, o que, em última análise, pode permitir que o condenado requeira a progressão com base no cumprimento do requisito objetivo logo em seguida à prática da infração disciplinar.

Adotando a segunda orientação, decidiu o STF: “Uma vez cometida falta grave no curso do cumprimento da pena em regime fechado, tem-se a fixação de novo termo inicial para progredir – inteligência da Lei de Execução Penal” (HC 114.494/SP, j. 28/11/2017). Com a mesma fundamentação, o STJ firmou a tese e editou a súmula nº 534.

8) Com o advento da Lei n. 12.433, de 29 de junho de 2011, o cometimento de falta grave não mais enseja a perda da totalidade do tempo remido, mas limita-se ao patamar de 1/3, cabendo ao juízo das execuções penais dimensionar o quantum, segundo os critérios do art. 57 da LEP.

Em sua redação original, o art. 127 da Lei de Execução Penal dispunha que o condenado punido por falta grave perdia o direito ao tempo remido, cuja contagem recomeçava a partir da infração cometida. A Lei 12.433/11, todavia, modificou a regra para estabelecer que o cometimento de falta grave pode ocasionar a perda de até um terço dos dias remidos, seguidos os critérios do art. 57: natureza, motivos, circunstâncias e consequências do fato, bem como a pessoa do faltoso e seu tempo de prisão. Note-se que a expressão pode deve ser interpretada como poder-dever do magistrado, restando-lhe o juízo de discricionariedade somente acerca da fração da perda.

Tratando-se de norma benéfica, o STJ firmou a orientação de que a limitação imposta para a perda dos dias remidos retroage sobre faltas cometidas antes da Lei 12.433/09, como se extrai do seguinte precedente da tese nº 8:

“Vê-se que a penalidade consistente na perda de dias remidos pelo cometimento de falta grave passa a ter nova disciplina, não mais incidindo sobre a totalidade do tempo remido, mas apenas até o limite de 1/3 (um terço) desse montante, cabendo ao Juízo das Execuções, com certa margem de discricionariedade, aferir o quantum, levando em conta “a natureza, os motivos, as circunstâncias e as conseqüências do fato, bem como a pessoa do faltoso e seu tempo de prisão”, consoante o disposto no art. 57 da LEP. E, por se tratar de norma penal mais benéfica, deve a nova regra incidir retroativamente, em obediência ao art. 5.º, inciso XL, da Constituição da República.” (HC 230.659/SP, j. 05/11/2013)

Destacamos, finalmente, que, antes mesmo da alteração do art. 127, o STF havia editado a súmula vinculante nº 9, segundo a qual a norma relativa à perda dos dias remidos (art. 127) havia sido recepcionada pela Constituição Federal e não estava submetida às disposições do art. 58, também da LEP.

Nas Regras Mínimas da ONU prevê-se que deve ser determinada por lei ou por regulamento a duração das sanções disciplinares (regra nº 29). Dentro desse espírito, o art. 58 da Lei de Execução Penal anuncia que o isolamento, a suspensão e a restrição de direitos não poderão exceder a trinta dias, ressalvada a hipótese do regime disciplinar diferenciado, que poderá chegar a 360 dias (art. 52). Ressalte-se que esse é o limite, e não o dever, podendo as sanções ser aplicadas por menos tempo, conforme a necessidade.

Ocorre que, confrontadas as disposições do art. 58 e do art. 127 (mesmo depois da Lei 12.433/09), abre-se espaço para debater sobre se a revogação do tempo remido deve respeitar o limite estabelecido para as sanções disciplinares. A súmula vinculante nº 9, contudo, deixa claro que o limite de trinta dias não precisa ser observado.

9) A falta grave não interrompe o prazo para obtenção de livramento condicional.

art. 83 do Código Penal estabelece a possibilidade de concessão do livramento condicional desde que o condenado cumpra determinados requisitos. Trata-se, basicamente, de cumprir determinada parcela da pena, isto de acordo com as condições pessoais do agente e com a natureza do crime.

A certa altura, juízos de execução e tribunais começaram a considerar interrompido o prazo do livramento condicional em desfavor do preso que houvesse cometido falta grave durante a execução da pena.

O STJ, no entanto, decidia reiteradamente que a falta grave não acarretava a interrupção do prazo para o livramento condicional porque o não cometimento da falta não está entre os requisitos objetivos elencados no art. 83 do CP. Para o tribunal, impor a interrupção significava criar um requisito não contemplado na lei. Para firmar a orientação, editou-se a súmula nº 441, reiteradamente aplicada:

“A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que, por ausência de expressa previsão legal, a prática de falta grave não enseja a alteração do marco para fins de livramento condicional – Súmula 441/STJ. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, em parte, para cassar o v. acórdão vergastado no ponto em que interrompeu o prazo para o benefício do livramento condicional em razão da prática de falta grave.” (HC 451.122/SP, j. 21/06/2018)

Note-se, no entanto, que um dos requisitos subjetivos do livramento condicional é o comportamento carcerário satisfatório. Este requisito cobra do condenado comportamento adequado durante todo o tempo da execução da pena, seja no cumprimento das obrigações internas, seja no seu relacionamento com demais habitantes do sistema e com os funcionários, elementos indicativos da sua capacidade de readaptação social. Caso o agente cometa falta grave durante a execução da pena, o juiz pode negar a concessão do livramento com base no comportamento insatisfatório. Não se trata, no entanto – ao contrário da interrupção pura e simples do prazo –, de efeito automático, pois o juiz deve fundamentar por que o comportamento adotado pelo preso contraria o propósito ressocializador da liberdade antecipada.

10) A prática de falta grave não interrompe o prazo para aquisição do indulto e da comutação, salvo se houver expressa previsão a respeito no decreto concessivo dos benefícios.

O indulto é concedido pelo Presidente da República, via decreto presidencial (art. 84, XII, CF/88 – ato administrativo), podendo ser delegada a atribuição aos Ministros de Estado, ao Procurador-Geral da República ou ao Advogado-Geral da União. Atinge apenas os efeitos executórios penais da condenação, subsistindo o crime, a condenação irrecorrível e seus efeitos secundários (penais e extrapenais). Pode ser pleno (quando extingue totalmente a pena) ou parcial (quando concede apenas diminuição da pena ou sua comutação).

A exemplo do que ocorre na progressão de regime e no livramento condicional, discute-se qual o efeito do cometimento de falta grave para a concessão do indulto (pleno ou parcial): interrompe ou não o prazo?

De acordo com o entendimento majoritário, o cometimento de falta grave só pode afetar a concessão do indulto nos limites do que dispõe o próprio decreto presidencial que disciplina o benefício. Normalmente, o decreto dispõe apenas que a concessão do indulto fica condicionada à ausência de falta grave nos doze meses anteriores à publicação do próprio decreto. Não há menção à interrupção do prazo. Por isso, na esteira da tese nº 10, o STJ editou a súmula nº 535 para dispor que a prática de infração disciplinar grave não interrompe o prazo para a concessão do indulto. Destaca-se, a respeito, o seguinte julgado, no qual o tribunal concedeu habeas corpus contra decisão de corte estadual que havia considerado possível a interrupção num caso que não dizia respeito a sanção disciplinar, mas ao cometimento de novo crime, cuja pena, unificada com a que estava sendo cumprida, deveria impor novo marco para a comutação:

“II – In casu, o eg. Tribunal de origem cassou a comutação de pena deferida ao paciente com base no Decreto Presidencial n. 8.615/2015, ao fundamento de que não estaria preenchido o requisito objetivo, uma vez que o apenado não teria resgatado o lapso de pena necessário a partir da data do cometimento do último delito.

III – A jurisprudência desta eg. Corte Superior firmou-se no sentido de que o cometimento de falta grave decorrente de novo crime não interrompe o prazo para obtenção do livramento condicional (Súmula n. 441/STJ) e nem para a comutação de pena ou o indulto (Súmula n. 535/STJ).

IV – Se o reconhecimento de falta grave decorrente de novo crime não enseja a alteração do marco inicial para a comutação da pena ou indulto, por ausência de previsão legal, conclui-se que, com até maior razão, o cometimento de novo delito no curso da execução também não pode ser utilizado para alterar a data-base para tais benefícios, ainda que não reconhecida judicialmente a falta grave dele decorrente, pois ausente qualquer previsão na legislação e no próprio decreto concessivo.

V – O eg. Tribunal de origem, em que pese tenha tentado justificar a ausência de violação à Súmula 535/STJ, acabou por afrontar, ainda que por outro modo, a ratio essendi que a ela deu origem, qual seja, de que não é possível interromper o lapso temporal da comutação da pena ou do indulto sem previsão legal ou no decreto concessivo.

VI – A superveniência da nova condenação decorrente da prática do delito repercutirá no cálculo do requisito objetivo, ou seja, no lapso temporal necessário para a obtenção da comutação da pena, o que não implica, automática e necessariamente, na alteração do marco inicial da benesse.” (HC 449.472/SP, j. 21/06/2018)

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Curso: Carreira Jurídica (mód. I e II)

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TESES DO STJ SOBRE A FALTA GRAVE NA EXECUÇÃO PENAL (2ª PARTE). Disponível em: <https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2018/08/15/teses-stj-sobre-falta-grave-na-execucao-penal-2a-parte/>. Acesso em: 24 out. 2019.