As Teorias da Ação e a Publicização do Processo


PorJeison- Postado em 25 fevereiro 2013

Autores: 
AVILA, Kellen Cristina de Andrade.

 

Resumo: Na processualística moderna, ação, jurisdição e processo ganham contornos instrumentais na busca da efetivação da ordem jurídica justa. O conceito de ação modificou-se ao longo do tempo, o que se torna clarividente quando da análise de suas teorias. Com o advento do Estado Democrático de Direito se intensificou a busca por uma tutela jurisdicional efetiva, com a produção de uma ordem jurídica justa. E, em decorrência desse novo enfoque, ocorreu uma mudança de paradigma na teoria processual, passando a jurisdição a ser o centro de estudo em detrimento da ação.

Palavras-chave: ação; jurisdição; processo.

Abstract: In processualística modern, action, jurisdiction and process gain contours instrumental in seeking the execution of the law fair. The concept of action has changed over time, which becomes clairvoyant when analyzing their theories. With the advent of democratic rule of law has intensified the search for an effective judicial protection, with the production of a just legal order. And, as a result of this new focus, a paradigm shift occurred in procedural theory, from jurisdiction to be the study center at the expense of action.

Keywords: action; jurisdiction;process.

Sumário:Introdução. 1. Teorias da ação. 2. O pensamento publicista e a superação do conceito de ação pelo de jurisdição. Conclusões. Referências.


Introdução.

O conceito de ação alterou-se com a história, o que se torna perspicaz quando da análise de suas teorias.

Segundo a teoria romanista a ação seria uma faceta do próprio direito material subjetivo. Posteriormente, Savigny instituiu a teoria civilista, não mais focada no direito material, mas sim na relação jurídica, surgindo à ação apenas com a violação do direito. A partir de tal violação cria-se uma nova relação jurídica, consubstanciada no direito à prestação jurisdicional.

 Ainda dentro desse processo evolutivo do pensamento, surge a teoria moderna da ação, na qual ação passa a ser identificada com um direito subjetivo autônomo, em relação ao direito material; conferido de forma universalizada aos indivíduos; e com capacidade de ser oponível ao próprio Estado.

Não obstante as mudanças efetivadas em cada teoria visualiza-se a continuidade de elementos essenciais à ação, que remontam inclusive a teoria romanista, tal como a seletividade do Judiciário.

Contudo, apesar da perpetuação de algumas características essenciais à ação, essa tende a continuar se modificando, visando acompanhar as alterações sociais e políticas freqüentemente verificadas.

Com o advento do Estado Democrático de Direito se energizou a busca pela produção de uma ordem jurídica justa. E, em decorrência desse novo enfoque, ocorreu uma alteração de paradigma na teoria processual, passando a jurisdição a ser o cerne de análise.

Na processualística moderna, ação, jurisdição e processo ganham contornos instrumentais na busca da efetivação da ordem jurídica justa.

1. Teorias da ação

Objetivando o estabelecimento de parâmetros para o exercício adequado da legislação e jurisdição, a teoria processual fundamenta-se em uma concepção científica, baseada em um sistema unitário e coerente de conceitos extraídos do próprio processo. Tal teoria interliga-se a um discurso “dogmático prescritivo”, motivada na validade universal de certos conceitos, quais sejam: ação, jurisdição e processo. Temos aqui a denominada Trilogia Estrutural do processo.

Visando alçar o direito a categoria de ciência, os pandectistas identificavam a existência de certos conceitos jurídicos como permanentes e universais, inalteráveis de acordo com a realidade política e social vivenciada.

Expoente desse período, Friedrich Savigny foca-se na denominada “estrutura conceitual” e como consequência dessa visão imprime ao direito um caráter formalista. A partir da teoria científica o direito passa a ser visto com o viés sistematizador e abstrato.

Após essa contextualização da teoria processual mais fácil torna-se a compreensão dos conceitos de ação.

Desde o direito romano até meados do século XIX prevaleceu o entendimento de que a ação estaria vinculada ao direito material.

A teoria clássica da ação, que a identifica ao direito material, tem origem romanista. Segundo ela, apenas a existência do direito material poderia conferir o direito à ação, ou seja, a jurisdição não seria universal, mas dependente de uma previsão normativa. A ação segundo a teoria clássica seria uma qualidade do direito.

Segundo a teoria romanista a ação seria uma faceta do próprio direito material subjetivo. Daí a afirmação de Celso contida no texto base “Não há ação sem direito; não há direito sem ação; a todo direito corresponde uma ação”. Essa teoria espelha o momento histórico vivenciado em Roma, no qual apenas se permitia a atuação jurídica a partir de uma prévia definição normativa da ação, com destinação exclusiva para as camadas sociais mais favorecidas.

Posteriormente, Friedrich Savigny instituiu a teoria civilista, não mais focada tão somente no direito material, mas sim na relação jurídica, surgindo à ação apenas com a violação do direito. A partir de tal violação cria-se uma nova relação jurídica, consubstanciada no direito à prestação jurisdicional. Esta teoria foi consagrada em nosso ordenamento jurídico no artigo 75 do Código Civil de 1916.

Para teoria civilista, reformulada por Savigny, o direito está interligado a relação jurídica, só existindo a ação a partir de uma violação dos direitos da relação jurídica previamente estabelecida. Esta violação origina uma nova relação que estabelece o direito a prestação jurisdicional. A ação não seria a demanda, mas o direito ao exercício da atividade jurisdicional.

Contudo, em virtude da incapacidade dessa teoria de explicar as hipóteses de improcedência e carência de ação, bem como pelo fato de ignorar o caráter público da relação processual, em face da participação do juiz, esta teoria fora gradativamente superada.

Ainda dentro desse processo evolutivo do pensamento, surge a teoria moderna da ação, na qual a ação passa a ser identificada com um direito subjetivo, autônomo em relação ao direito material; conferido de forma universalizada aos indivíduos; e com capacidade de ser oponível ao próprio Estado.

A teoria dominante na historia atual é a moderna da ação, que inaugurou uma nova forma de pensar do direito, identificando a ação com o direito subjetivo, público, autônomo e abstrato do acesso à justiça.

Assim, a partir de meados do século XIX, especialmente com a polêmica trazida pelos alemães Windscheid e Muther o conceito de ação ganha novos contornos, interligando-se a idéia do direito de agir contra o Estado e contra o devedor, iniciando a separação entre a ação e o direito material. Dentro desse Contexto, a ação seria um direito de agir que surge contra o Estado, pois ele é quem teria a função de prestar a tutela jurisdicional, assim como contra o indivíduo, violador do direito material. 

Com a instituição dos Estados de Direito, a ação passou a ser entendida com uma relação pública entre o credor e o Estado. Gera-se assim, uma universalização do direito de acesso ao Judiciário. O direito de ação passa a ser considerado com um direito autônomo conferido aos cidadãos. Cria-se a teoria autonomista.

Defendida por Oscar Von Bulow a teoria autonomista defende que o direito de ação tem existência independentemente do direito material.

A partir dela duas correntes se formam: a teoria da ação como direito autônomo e concreto; e a teoria da ação como direito autônomo e abstrato.

A teoria Concretista, elaborada por Adolf Wach, defende que a ação é um direito autônomo, mas que só existe a partir do direito material, ou seja, apesar de não pressupor o direito subjetivo violado, a ação dirige-se não somente contra o Estado, mas sobretudo, contra o indivíduo do qual se exige a sujeição e, dessa forma, a existência da tutela jurisdicional só pode ser satisfeita através da proteção concreta. Para esta corrente, só existe o direito de ação quando a sentença fosse favorável.

Diferentemente, para a teoria da ação abstrativista, elaborada por Degenkolb, a ação se desvincula do direito material, sendo um direito outorgado a todos os que invoquem a proteção do Estado. Assim, o direito de ação preexistiria à própria demanda, sendo irrelevante que o autor tenha ou não razão.  

Necessário destacar ainda, a teoria eclética da ação que teve Enrico Tulio Liebman como um de seus expoentes, adotada pelo nosso sistema processualista, na qual se vincula a ação ao direito abstrato de acesso a jurisdição, mas condicionado a possibilidade jurídica do pedido, a legitimidade das partes e ao interesse de agir, sem as quais o direito não existiria.

Diante da imperiosa necessidade de impedir o acesso à jurisdição a processos sem a mínima condição de produzir algum resultado útil ou que contrarie o próprio ordenamento jurídico é que surgiu a teoria eclética da ação, que embora reconheça que o direito de ação é autônomo e abstrato, determina que seu exercício apenas seja efetivado diante da existência das condições da ação, quais sejam: a possibilidade jurídica do pedido, a legitimidade das partes e ao interesse de agir.

Dessa forma, efetua-se a seletividade processual, já identificada como um das características das teorias romanistas.

Para a teoria eclética, sem as condições da ação não seria possível ou viável a própria ação em si, criando-se a sentença extintiva da ação, sem julgamento de mérito. Dessa forma, a ação, como exercício do Estado-juiz estaria efetivada, em que pese à ausência de um resultado jurídico favorável a parte. Nesse sentido, a ação seria tão somente o direito a uma sentença de mérito, seja qual for seu resultado, improcedente ou procedente. 

2. O pensamento publicista e a superação do conceito de ação pelo de jurisdição.

Jurisdição, ação e processo formam a trilogia estrutural da ciência processual. Processo e ação são instrumentos de realização da jurisdição.

A jurisdição é a emanação de um Poder Estatal que se caracteriza pela aplicação da lei ao caso concreto. Na concepção de Liebman a jurisdição é a “atividade dos órgãos públicos do estado, destinada a formular e atuar praticamente a regra jurídica concreta que, segundo o direito vigente, disciplina determinada situação jurídica.” (LIEBMAN, 1985, p. 6). 

Em complementariedade a esta concepção tradicional, Candido Rangel Dinamarco inter-relacionou a jurisdição com a instrumentalidade, definindo-a como um mecanismo de pacificação social, ampliando o fenômeno processual.

A ação, por sua vez, seria o modo de provocação da jurisdição, um direito subjetivo de suscitação da tutela jurisdicional.

A proeminência do estudo da ação dentro da teoria do processo derivou do prestígio oferecido as demandas individuais, a iniciativa da parte, oferecendo à jurisdição uma posição secundária, na qual sua legitimidade apenas estaria concretizada quando invocada frente a um conflito.

Com o advento do Estado Democrático de Direito se intensificou a busca por uma tutela jurisdicional efetiva, com a produção de uma ordem jurídica justa. E, em decorrência desse novo enfoque, ocorreu uma mudança de paradigma na teoria processual, passando a jurisdição a ser o centro de estudo em detrimento da ação.

A partir dessa nova perspectiva, o exercício do direito da parte deixa de ser o cerne da ciência jurídica, passando a ser o interesse social, efetivado pelo Estado, enquanto Poder Judiciário. O Estado passa a ser mais interventor e atuante, assumindo a postura de efetivador de direitos e não de mero garantidor deles. Busca-se assim, uma justiça eficaz, rápida e consonante com os valores da sociedade.

Esse fenômeno de inversão do centro de análise da teoria processual, com a superação do conceito de ação pelo de jurisdição, identifica a publicização da ciência jurídica, que vem ocorrendo nos tempos modernos.

Para o pensamento publicista a teoria processual tem como cerne de apreciação o interesse social, em detrimento da demanda individual. Não basta tão somente o resguardo dos direitos individuais, forma de processo consentânea com Estado Liberal, sendo necessário que a jurisdição seja entendida como um mecanismo utilizado pelo Estado para a realização de seus escopos.

Dentro desse contexto, reformas processuais foram efetivadas, tal como a introdução do instituto da antecipação de tutela, a tutela inibitória, a execução especifica da obrigação de fazer e de não fazer, através desse último instituto é possibilitado ao Juiz, sem provocação das partes, efetivar medidas, tais como multa ou busca e apreensão, no sentido da obtenção do resultado prático.

Amplia-se assim, a abrangência da teoria processual. A ação passa a ter um aspecto mais publicizado, como exemplo prático desse fenômeno tem-se o fortalecimento da ação civil pública e da ação popular, através das quais se efetiva a cidadania. O processo passa a ser entendido como mecanismo de legitimação desse Poder Estatal, como um instrumento para a obtenção de uma tutela social. Através dele busca-se a prestação de uma tutela jurisdicional com maior rapidez, aceitação, satisfação e confiança da sociedade.

Na processualística moderna, ação, jurisdição e processo ganham contornos instrumentais na busca da efetivação da ordem jurídica justa.

Dentro desse contexto, a participação do Poder Judiciário na solução dos problemas de relevância social, cultural, política e econômica se expandiu, fenômeno que ainda perdura, na atualidade.

Como consequência da sociedade massificada que vivemos e diante da coletivização das demandas, o Poder Judiciário foi e, ainda está sendo, impelido a buscar uma maior concretude das normas, através de decisões mais eficazes, consentâneas com a realidade social e com abrangência coletiva.

Como forma de reação do Poder Judiciário à omissão dos demais Poderes, Legislativo e Executivo, que não têm atendido aos anseios sociais, surgiram os fenômenos da judicialização e do ativismo judicial.

Através da judicialização questões de repercussão social e política estão sendo decididas pelo Poder Judiciário e não mais pelas instâncias políticas tradicionais. Trata-se de uma característica do modelo Constitucional por nós adotado. E, por intermédio do ativismo judicial ações proativas estão sendo implementadas pelo Poder Judiciário, potencializando o alcance da tutela jurisdicional.

Nesse cenário, também é inegável a importância das ações coletivas, tais como a ação civil pública e a ação popular, através das quais a ação ganha um caráter mais publicizado, visando à proteção dos direitos coletivos e sociais, ultrapassando o antigo enfoque processual, tido apenas sobre os conflitos individuais.

Destaca-se nesse sentido ainda, o denominado neoprocessualismo, concernente a possibilidade do juiz, independentemente da esfera legislativa, buscar a eficácia do direito, com a consequente eficácia da jurisdição.

Questões de grande repercussão política ou social estão sendo decididas pelo Poder Judiciário, como exemplo temos a manifestação do Supremo Tribunal Federal (ADIN 3.150) concernente a pesquisa de células-tronco embrionárias; a decisão sobre a questão do nepotismo (ADC 12); a questão da demarcação de terras indígenas na região conhecida como Raposa/Serra do sol, dentre outros.

A inércia da jurisdição é entendida atualmente com temperamentos, sendo oferecida ao magistrado ampla possibilidade para avançar em direção à solução da demanda processual, como exemplo temos a possibilidade de produção de provas pelo juiz sem provocação da parte. O papel do Juiz está avançando no sentido de torná-lo colaborador na busca da justiça.

O processo era considerado sob o ponto de vista das partes, no qual o juiz assumia uma posição de inércia e passividade, o que se alterou nos tempos modernos, possibilitando-se atualmente que o juiz assuma posição mais efetiva na busca da justiça processual.

Dentro desse contexto histórico e social, marcado especialmente pelo advento do Estado Democrático de Direito e com a afirmação do princípio da justiça universal, devemos destacar ainda, o fenômeno da ampliação do acesso à justiça, que teve grande ápice em nosso ordenamento jurídico com a efetivação dos Juizados Especiais, com a possibilidade de acesso a tutela jurisdicional, bastando a simples existência do direito subjetivo e sem que haja pagamento pela parte.

Não podemos nos esquecer contudo, dos riscos que esse fenômeno tem trazido à tona, em virtude dos excessos por vezes cometidos pelo Poder Judiciário. A doutrina tem citado como equívocos dessa judicialização e do ativismo judicial a ausência de legitimidade democrática, já que os membros do Poder Judiciário não são eleitos; a politização da justiça , e por fim, a violação do princípio da separação dos poderes.

Diante desse panorama, verifica-se que vivemos um momento de transição, no qual o conceito de jurisdição vem se sobrepondo ao de ação em decorrência da mudança de paradigma dentro de uma sociedade democrática e massificada de consumo, tornando-se o processo um mecanismo utilizado pelo Estado para a efetivação da Justiça.

Conclusões.

Com o advento do Estado Democrático de Direito se intensificou a busca por uma tutela jurisdicional efetiva, ocorrendo uma inversão do centro de análise da teoria processual, com a superação do conceito de ação pelo de jurisdição.

Vivemos um momento de transição, no qual o processo tornou-se um mecanismo utilizado pelo Estado para a efetivação da Justiça.

Referências

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