Tecnologia da Libertação


Porgeovana- Postado em 20 junho 2011

 

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/newyorktimes/ny2006201101.htm

 

 

São Paulo, segunda-feira, 20 de junho de 2011 

 
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Tecnologia da libertação

EUA ajudam dissidentes a criar 'atalhos' na internet

KEITH BERKOBEN/FAB FOLK
 

Voluntários montaram uma internet sem fio ao redor de Jalalabad, no Afeganistão, com produtos eletrônicos de consumo e materiais comuns 

Por JAMES GLANZ e JOHN MARKOFF

O governo Obama está liderando um esforço global para montar sistemas "sombra" de telefonia celular e de internet que os dissidentes possam usar para superar as tentativas de silenciá-los.
Uma aliança improvável de diplomatas, engenheiros militares, jovens programadores e dissidentes de pelo menos 12 países está trabalhando nos projetos, liderados pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos. Variando em escala, custo e sofisticação, alguns projetos envolvem novas tecnologias; outros contam com ferramentas já criadas por hackers no movimento de libertação tecnológica que varre o globo.
Um deles é uma operação saída de uma novela de espionagem: no quinto andar de uma oficina na rua L em Washington, um grupo de jovens empresários que parece formar uma banda de rock monta um protótipo de "internet na mala".
O esforço americano ganhou impulso desde que o regime do ditador Hosni Mubarak fechou a internet egípcia nos últimos dias do seu governo.
Nas últimas semanas, o governo sírio também desabilitou temporariamente grande parte da rede do país. "Vamos construir uma infraestrutura separada onde a tecnologia é quase impossível de ser fechada, controlada, vigiada", disse Sascha Meinrath, que lidera o projeto "internet na mala" como diretor da Iniciativa de Tecnologia Aberta da New America Foundation, um grupo de pesquisa apartidário. A secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, fez da liberdade na web uma causa especial.
"Vemos cada vez mais gente ao redor do mundo usando internet, telefones celulares e outras tecnologias para fazer ouvir seu protesto contra a injustiça", disse Clinton em uma resposta por e-mail.
"Existe uma oportunidade histórica de efetivar uma mudança positiva, mudança que os EUA apoiam", afirmou.
O Departamento de Estado descreve seu apoio como promoção da livre expressão e dos direitos humanos, e não algo destinado a desestabilizar governos. Mas é difícil explicar essa diferença, disse Clay Shirky, professor assistente da Universidade de Nova York que estuda internet e mídia social.
"Você não pode dizer: 'Queremos apenas que as pessoas falem o que pensam, e não derrubar regimes autocráticos' -é a mesma coisa!", disse Shirky. Os EUA, segundo ele, poderiam se expor a acusações de hipocrisia se o Departamento de Estado mantiver seu apoio a governos autocráticos que dominam países como Arábia Saudita e Bahrein, enquanto emprega tecnologia que, provavelmente, os prejudicaria. 

A web invisível
Em um edifício de escritórios não identificado em Washington, quatro fornecedores do Departamento de Estado estão sentados ao redor de uma mesa. Josh King, que ostenta piercings na orelha e uma faixa de couro com tachas metálicas no pulso, aprendeu programação sozinho. Thomas Gideon era um hacker consumado. Dan Meredith, um entusiasta do polo ciclístico, ajudava empresas a proteger seus segredos digitais. Meinrath, como decano do grupo aos 37 anos, usa gravata.
Financiado por verba de US$ 2 milhões do Departamento de Estado, o "projeto da mala" do grupo contará com tecnologia de "rede aberta", capaz de transformar equipamentos como celulares ou computadores para criar uma rede sem fio invisível, sem um polo central. Meinrath disse que a mala incluiria antenas sem fio que poderão aumentar a área de cobertura; notebook para administrar o sistema; drives e CDs para espalhar o software e criptografar as comunicações; e componentes como cabos Ethernet.
Criar linhas simples de comunicação fora das oficiais é crucial, disse Collin Anderson, um pesquisador da tecnologia da libertação de 26 anos da Dakota do Norte, especializado em Irã, onde o governo praticamente fechou a internet durante os protestos de 2009.
"Não importa quantos desvios os manifestantes usem, se o governo desacelerar demais a rede, não é possível carregar vídeos do YouTube ou posts do Facebook", disse Anderson. "Eles precisam de formas alternativas de compartilhamento de informações."
Essa necessidade é tão urgente que os cidadãos estão encontrando maneiras próprias de montar redes rudimentares. Mehdi Yahyanejad, um expatriado iraniano e desenvolvedor de tecnologia que ajudou a fundar um popular site em língua persa, estima que quase a metade das pessoas que visitam o site dentro do Irã compartilham arquivos usando Bluetooth.
Yahyanejad disse que ele e seus colegas pesquisadores também deverão receber financiamento do Departamento de Estado para um projeto que modificaria o Bluetooth para que um arquivo -um vídeo de um manifestante sendo espancado- possa saltar de telefone em telefone em uma "rede confiável" de cidadãos.
Até o final deste ano, o Departamento de Estado terá gastado cerca de US$ 70 milhões em tecnologias de desvio ou relacionadas, segundo números oficiais. 

Sistema celular na sombra
As torres de telefonia celular construídas por empresas privadas brotaram em todo o Afeganistão. Os EUA promoveram a rede como uma maneira de cultivar a boa vontade e incentivar as empresas locais.
Mas há um problema. Com uma combinação de ameaças aos diretores das companhias telefônicas e ataques às torres, os talebans podem fechar a rede principal no interior. O Pentágono e o Departamento de Estado estão colaborando em um projeto para construir um sistema de celular "sombra", que seria imune à tática dos talebans, dependendo em parte das torres de celulares colocadas em bases americanas.
As estimativas de custo pelos militares e civis americanos variam muito, de US$ 50 milhões a US$ 250 milhões.

Esforço subversivo
Em maio de 2009, um desertor norte-coreano chamado Kim se reuniu com autoridades no Consulado Americano a cerca de 190 quilômetros da Coreia do Norte, segundo um telegrama diplomático. As autoridades queriam saber como Kim, que atuava no contrabando de pessoas para fora do país, se comunicava com o outro lado da fronteira. "Kim não quis dar muitos detalhes", diz o telegrama, mas mencionou que enterravam celulares chineses "nos morros para que as pessoas os encontrassem à noite".
Os celulares são capazes de captar sinais de torres na China, disse Libby Liu Xiaobo, diretor da rádio Free Asia, emissora financiada pelos EUA que usa as ligações para coletar informações para os programas. Dos geeks ativistas na rua L em Washington aos engenheiros militares no Afeganistão, a atração global da tecnologia sugere a comunicação aberta.
Em uma conversa com o "Times" via Facebook, Malik Ibrahim Sahad, filho de dissidentes líbios, disse que está usando a internet através de uma conexão com satélite comercial em Benghazi. "A internet é extremamente necessária aqui. As pessoas estão isoladas nesse sentido", escreveu Sahad, que cresceu nos EUA, nunca esteve na Líbia antes da rebelião e, atualmente, trabalha apoiando as autoridades rebeldes. 
Mesmo assim, ele disse, "não acho que esta revolução teria acontecido se não existisse a World Wide Web".