A sociedade transitória


PorAnônimo- Postado em 21 junho 2009


Velocidade e política é um texto muito provocativo. Escrito por Paul Virilio, em 1977, foi traduzido em várias línguas. É um livro que radicaliza a crítica às consequências da tecnologia sobre a sociedade: a velocidade, para ele, é um engenho da tecnologia que, por sua vez, é um engenho da destruição. Toda inovação tecnológica gera velocidade e com ela seus incidentes destrutivos fatais. A velocidade tornou as sociedades ainda mais violentas e as despolitiza: militarizou as sociedades, automatizou as decisões e ridicularizou a importância dos homens enquanto indivíduos e cidadãos na arena política.

É que a hiperinformação aniquila a deliberação. Essa fragilidade do poder de raciocinar é efeito de uma miniaturização da ação resultante da sociedade hiperinformada e vitimada pela miniaturização do espaço como campo de ação. A velocidade teria, por isso, aniquilado a geopolítica como estratégia de dominação, pois, segundo ele, a tecnologia que produziu a alta velocidade também instituiu uma nova forma de dominação, não mais pela ocupação permanente de territórios. Se a simples possibilidade de estar num local é suficiente para dominá-lo, a geopolítica foi sucedida pela speed-and-politics.

O livro denuncia uma sociedade sujeita à velocidade. Destaca como o trânsito veloz de pessoas, coisas e informações produz uma sociedade também em trânsito permanente: uma sociedade, podemos dizer, transitória. A boa conduta nessa sociedade não é mais a moral com o outro, mas uma moral do trânsito, baseada nas leis de trânsito de veículos que transportam pessoas e bens, e também para os veículos que transportam dados.

Virilio não abordou isso, mas não seria equivocado acrescentar que também as ruas se converteram numa arena do embate político. A rua de nossos tempos não é só um lugar de passagem veloz: é também nela que se realizam críticas ruidosas das massas em forma de passeatas e carretas e protestos. A sociedade transitória, que Virilio chamou de dromocrática, tem no trânsito veloz seu fundamento de compreensão e destruição; mas também de reação.

No Brasil, como no mundo, as ruas já matam mais do que guerras. As estatísticas são bem conhecidas. Ultimamente, para piorar, políticos se envolvem em grotescos acidentes de trânsito. Não haveria melhor cena a caricaturar essa faceta terrível da junção entre política, máquinas e velocidade. Máquinas nas mãos de políticos tornando a matança, o risco e a imprudência em diversão!

É a nova musculatura da hi-speed e hi-tech society, a sociedade transitória.
Obs. A figura reproduz o quadro "Velocidade do automóvel", de 1913, do pintor italiano Giacomo Balla. É um dos símbolos do futurismo italiano.