Sociedade, Globalização, Riscos Ambientais Globais e Desenvolvimento Sustentável


Porwilliammoura- Postado em 29 maio 2012

Autores: 
BORTOLI, Andreya De

Sociedade, Globalização, Riscos Ambientais Globais e Desenvolvimento Sustentável

Sumário: 1. Introdução – Algumas Considerações sobre a Sociedade Industrial e Pós-Industrial de acordo com Domenico De Masi. 2. Sustentabilidade e Desenvolvimento Sustentável. 2.1. O Clube de Roma e os Limites do Desenvolvimento. 2.2. O Relatório Brundtland. 2.3. O Conceito de Desenvolvimento Sustentável. 3. Globalização e Sociedade de Risco Global.

RESUMO:
Diante das transformações ocorridas na sociedade até sua caracterização como sociedade pós-industrial, principalmente a tomada de consciência sobre a problemática ambiental, surge a questão da sustentabilidade e/ou necessidade de um uso responsável dos recursos naturais no presente considerando as futuras gerações. Em 1972, o relatório “Limits to Growth” demonstrou a existência de um limite entre o esgotamento dos recursos naturais em face da atividade econômica, assim, tornou-se necessário encontrar meios de compatibilizar a conservação ambiental e crescimento econômico. O Relatório Brundtland, publicado em abril de 1987, estabeleceu conceito importante sobre desenvolvimento sustentável, como aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade das gerações futuras atenderem suas próprias necessidades. A efetivação de práticas visando o desenvolvimento sustentável (com harmonização de objetivos sociais, ambientais e econômicos) significa e implica num processo de mudança de valores de toda a sociedade – governos, empresas, cidadãos (consumidores), que deve ser avaliada sob a perspectiva da globalização e da magnitude dos impactos causados pelas decisões e avanços tecnológicos da sociedade atual (sociedade de riscos).

PALAVRAS-CHAVE: sociedade; risco; globalização; desenvolvimento sustentável; meio ambiente.

1. INTRODUÇÃO - ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A SOCIEDADE INDUSTRIAL E PÓS-INDUSTRIAL DE ACORDO COM DOMENICO DE MASI

Domenico De Masi explica que a sociedade industrial, que perdurou da metade do século XVIII à metade do século XX, não se formou de repente, nem foi ultrapassada repentinamente pela sociedade pós-industrial. Os modos de produção e o progresso tecnológico marcaram a peculiaridade da época industrial. [1]
A aplicação da ciência à indústria provocou o nascimento de uma época nova em relação à rural. Com as grande fábricas e com o nascimento da sociedade industrial (revolução francesa e expansão manufatureira), a qual teve como primeiro grande teorizador Adam Smith, que analisou as conseqüências sociais da indústria para a sociedade – novas relações sociais se instauraram na sociedade.
As indústrias se difundem, verificam-se as transformações econômicas e sociais delas derivadas, identificam-se os seus perigos, mas não se fala explicitamente de “sociedade industrial”. Carlyle, por volta de 1830, foi quem primeiro utilizou a expressão ‘sociedade industrial’ no sentido mais próximo ao que é usado atualmente.
Domenico De Masi cita as seguintes características essenciais da sociedade industrial: a) a concentração de massas de trabalhadores assalariados nas fábricas e nas empresas financiadas e organizadas pelos capitalistas de acordo com o modo de produção industrial; b) predomínio de trabalhadores no setor secundário; c) aplicação das descobertas científicas ao processo produtivo na indústria; d) maior mobilidade geográfica e social; e) reforma dos espaços em função da produção e do consumo dos produtos industriais; f) aumento da produção em massa e do consumismo; g) fé em um progresso irreversível e em um bem-estar crescente; h) difusão da idéia de que o homem, em conflito com a natureza, deve conhecê-la e dominá-la; i) presença conflitual, nas fábricas, de partes distintas e contrapostas, os empregadores e os empregados; j) possibilidade de reconhecer uma dimensão nacional dos vários sistemas industriais; l) concessão do predomínio aos critérios de produtividade e de eficiência entendidos como único procedimento para a otimização dos recursos e dos fatores de produção; m) existência de uma rígida hierarquia entre os vários países, estabelecida com base no Produto Nacional Bruto, na propriedade das matérias-primas e dos meios de produção.
O Estado interventor ou Estado de Bem-Estar Social potencializa o surgimento da sociedade produtora de riscos (teoria de Ulrich Beck), ou seja, a reflexidade do desenvolvimento industrial potencializa a distribuição de riscos e atinge o ser humano como um todo.
Pode-se afirmar que na sociedade industrial, eram tratados dos riscos concretos e sob a ótica da responsabilidade objetiva, exigindo-se, para que houvesse o dever de reparação, de dano ambiental atual e concreto.
A transição da sociedade industrial é prenunciada por três fenômenos principais: a) convergência progressiva entre os países industriais – socialismo e capitalismo são duas espécies do mesmo gênero, da sociedade industrial; b) crescimento das classes médias no âmbito da sociedade e da tecno-estrutura da empresa; e c) difusão do consumo de massa e da sociedade de massa.
Nos anos 60, existia nos países desenvolvidos a consciência de que o mundo atravessava uma fase de transição de um tipo de sociedade para outro. Domenico De Masi cita a teoria de Rostow, aceita pelos economistas no início dos anos 60, segundo a qual:

“depois da fase de decolagem e de bem-estar, os estágios do desenvolvimento econômico desembocam em uma época de consumo de massa e depois em uma abundância que vai além do próprio consumo. Mais tarde, sobretudo em conseqüência da crise petrolífera (1973), esta confiança em um bem-estar que cresce ao infinito cederá o lugar a um medo difundido da iminência dos efeitos regressivos determinados pelos limites do desenvolvimento”. [2]

Nos anos 70, quando a eletrônica e a informática se difundiram, entrando na vida das pessoas, deixou-se de pensar no futuro com entusiasmo e começou-se a discutir sobre a “crise do Ocidente”, que Domenico De Masi explica como a crise no modo de compreender e avaliar a realidade, pois, como as categorias mentais assimiladas da época industrial não podiam mais explicar o que estava acontecendo, percebeu-se “o advento do futuro como crise do presente”.
Importante ressaltar que o processo de industrialização foi lento e teve como conseqüência um aumento de renda, do poder de compra, do bem-estar material, o que, de uma certa forma, compensava o desconforto da modernização.
Entretanto, em contrapartida, o advento da sociedade pós-industrial [3] foi extremamente rápido, e contestou diretamente os modos de pensar, os esquemas mentais, as tradições, a cultura ideal e social de milhares de pessoas.
Daniel Bell, um dos primeiros a utilizar a expressão sociedade pós-industrial, “fixa em 1956 a data do nascimento da sociedade pós-industrial, ano em que, pela primeira vez nos Estados Unidos, os trabalhadores da área administrativa superaram em termos numéricos os da área da produção”. [4]
Domenico De Masi cita cinco aspectos que definem a sociedade pós-industrial:

“1) a passagem da produção de bens para a economia de serviços; 2) a preeminência da classe dos profissionais e dos técnicos; 3) o caráter central do saber teórico, gerador da inovação e das idéias diretivas nas quais a coletividade se inspira; 4) a gestão do desenvolvimento técnico e o controle normativo da tecnologia; 5) a criação de uma nova tecnologia intelectual” [5].

Verifica-se o predomínio do setor terciário, que não é mais marcante o conflito de classes (empregadores X empregados), um grande aumento da sociedade de consumo, e também, o surgimento de uma nova problemática ambiental, que exige decisões em contextos de incerteza científica acerca da existência ou não de danos ambientais e de suas reais dimensões, com a necessidade de antecipação da decisão à ocorrência desses danos (ambientais) por sua freqüente irreversibilidade e efeitos globais.
Na sociedade de risco (conforme é denominada por Ulrich Beck), os riscos ambientais são invisíveis e, muitas vezes imprevisíveis, o que exige a imposição de medidas preventivas e faz surgir uma responsabilidade por danos futuros (responsabilidade objetiva mesmo que o dano ainda não tenha ocorrido).
Domenico De Masi compara as características principais da sociedade pré-industrial (até o séc. XIX), industrial (da metade do séc. XVIII até a metade do séc. XX) e pós-industrial (desde a Segunda Guerra Mundial; Projeto Manhattan – 1944-45; desembarque na Normandia – 1944; descoberta da estrutura do DNA – 1953; concentração da mão-de-obra no setor terciário nos EUA – 1956; crise petrolífera - 1973), e conclui que na sociedade pós-industrial os desafios principais são a qualidade de vida, saúde psíquica, conformismo, guerra, necessidades pós-materialistas, e preocupação com o meio ambiente.
Para Alain Touraine, o cerne da nova sociedade se encontra na produção científica e o processo fundamental não é a produção dos bens, mas a programação da inovação. Por isso, ele prefere a denominação ‘sociedade programada’ ao invés de ‘sociedade pós-industrial’, pois o controle é exercido não mais pelos proprietários dos meios de produção, mas por aqueles que administram o conhecimento e que podem planejar a inovação.
Domenico De Masi entende que a formulação mais satisfatória da sociedade pós-industrial é de uma discípula de Touraine, a húngara Zsuzsa Hegedus. Para esta, os quatro elementos da sociedade industrial (existência de um local certo onde ocorre a produção; classes sociais contrapostas: empregadores e dirigentes X classe operária; dimensão nacional própria; hierarquia internacional de importância dos vários países com base em seu produto interno bruto), estão profundamente modificados, e existe um “salto de qualidade” entre a era industrial e a pós-industrial, tendo ocorrido uma revolução do método científico e da relação com a natureza.
Segundo Zsuzsa Hegedus, na sociedade programada o futuro é um problema social (e não um problema natural), pois não é mais a indústria que define o futuro do homem, sendo necessário exercer influência onde são tomadas as decisões estratégicas.
Diante de todas as questões que envolvem as mudanças ocorridas na sociedade, principalmente a tomada de consciência sobre a problemática ambiental, a questão da sustentabilidade e/ou necessidade de um uso responsável dos recursos naturais no presente considerando as futuras gerações, é o tema que aparece no centro do debate.

2. SUSTENTABILIDADE E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

Conforme José Eli da Veiga, existem três padrões de resposta para o questionamento sobre a sustentabilidade.
Em primeiro lugar, existem aqueles que acreditam que não há dilema entre conservação ambiental e crescimento econômico, é a conhecida teoria ultra-otimista, como a “curva ambiental de Kuznets”, que propõe que o crescimento econômico só prejudicaria o meio ambiente até determinado patamar de riqueza aferida pela renda per capta. A partir deste patamar, a tendência seria inversa, fazendo que o crescimento passasse a melhorar a qualidade ambiental.
Nesse sentido, Gene M. Grossman e Alan B. Krueger, após examinar a relação entre o comportamento da renda per capita e quatro indicadores de degradação ambiental, concluíram que o que separa “as fases da desgraça” da “recuperação ambiental” é um ponto de mutação em torno de oito mil dólares de renda per capita, a partir do qual haveria uma tendência de melhora na preservação dos recursos naturais.
De outro lado existem os pessimistas, que alertam para uma impossibilidade de harmonizar a conservação ambiental com o crescimento econômico. Os estudos do Clube de Roma e Nicholas Georgescu-Roegen são expoentes desse entendimento.
Nicholas Georgescu-Roegen argumentou que em um sistema fechado como a Terra, a matéria se dissipa tanto quanto a energia, graças à Lei da Entropia, e afirmou que a exaustão de recursos materiais poderia ser mais importante do que a energia para limitar o crescimento.
Assim, de acordo com a lei da entropia, as atividades econômicas gradualmente transformam a energia de baixa entropia (energia livre - útil) em forma de calor tão difusa (alta entropia) que se torna inutilizável. A conclusão é que ao utilizar diversos recursos naturais na atividade econômica, muitos deles não se recuperam, o que leva à conclusão pessimista.
Também existem os otimistas, que entendem ser possível compatibilizar, sob certas condições, o crescimento econômico com a conservação ambiental. Sob esse entendimento foi desenvolvido o conceito de “desenvolvimento sustentável” no Relatório Brundtland, em 1987.
Com relação ao Clube de Roma e o conceito de desenvolvimento sustentável, vale destacar um estudo mais aprofundado sobre suas conclusões para o entendimento do significado da sustentabilidade.

2.1. O Clube de Roma e os Limites do Desenvolvimento

O Clube de Roma se constituiu em Roma em um encontro realizado na Accademia dei Lincei, em 1968. O grupo se propôs “a aprofundar e difundir o conhecimento científico dos problemas da humanidade e induzir, sobre uma base científica, ações políticas concretas para a solução desses problemas”. Foram publicados vários relatórios, sendo o primeiro (e um dos mais importantes) em 1972, com o título “Limits to Growth”. A este relatório seguiu-se outro, em 1974, de título “Strategie per sopravvivere”, e depois foram publicados outros oito relatórios na Itália. [6]
O primeiro trabalho “Limits to Growth”, foi realizado por uma equipe de cientistas de variadas nacionalidades do Massachusetts Institute of Technology (MIT), sob a direção de Dennis L. Meadows, com apoio financeiro da Volkswagen Foundation.
O estudo pretendia analisar o andamento conjunto dos fenômenos da população, produção industrial, produção de alimentos, exploração de recursos naturais e poluição. Foi feito um gráfico sob a metodologia da dinâmica dos sistemas, considerando o período compreendido entre os anos de 1900 a 2100, através do qual, com simulação por computador, foram feitas previsões sobre as conseqüências do crescimento econômico, demográfico, poluição e esgotamento dos recursos naturais. Os investigadores descobriram que toda vez que alteravam uma variável poderia ocorrer uma crise ambiental.
Conforme Stefano Calabretta, verificou-se que a população aumentou cerca de 2% (dois por cento) nos últimos anos, e no mesmo período, houve um aumento de 7% (sete por cento) da produção industrial, entretanto, a grande maioria da melhoria do nível de vida foi absorvido pelos paises industrializados (houve um crescimento econômico e não desenvolvimento econômico – este pressupõe distribuição de renda).
Lembre-se que crescimento econômico é o processo pelo qual o Produto Interno Bruto - PIB por habitante, aumenta em um determinado período de tempo, através de ganhos contínuos na produtividade dos fatores produtivos, e o desenvolvimento econômico está relacionado com a distribuição do produto e com o grau de utilização da capacidade produtiva de um país, assim, são objetivos do desenvolvimento econômico o crescimento do produto interno per capita, a geração de emprego e a maior igualdade na distribuição de renda. [7]
Assim, conclui-se que mesmo que houvesse o dobro de recursos naturais (em razão da tecnologia), haveria uma crise pelo aumento da poluição. O controle da poluição (1/4 do seu total) também não resolveria, porque faltariam alimentos em razão do aumento da população. “E mesmo supondo as mais promissoras combinações de controle dos danos e multiplicação dos recursos, apenas se retardaria o colapso por algumas décadas, pois o crescimento exponencial, como aparece no modelo, é incompatível com um mundo finito”. [8]
O relatório demonstrou o caráter insustentável dos níveis de crescimento da população, industrialização, poluição, produção de alimentos e esgotamento de recursos, e apontou um limite no prazo de até um século. Para resolver a crise do sistema mundial, foi proposta a seguinte alternativa:

“Para esconjurar a crise do sistema mundial devem ser primeiramente controladas as duas variáveis fundamentais: população e produção industrial. Isso exige não só a realização de programas quase utópicos de controle dos nascimentos, mas também uma condição de estabilidade do capital industrial que é possível obter somente mantendo a taxa de investimento igual àquela da depreciação.
Além disso é necessário que, em combinação com as mais vastas aplicações das futuras inovações tecnológicas, sejam modificados alguns valores e orientações fundamentais da sociedade humana a fim de reduzir a tendência do sistema em direção ao desenvolvimento. Para conter o esgotamento dos recursos naturais, o consumo de matérias-primas por unidade de produto industrial deveria ser reduzido a um quarto do seu valor; com o mesmo objetivo a atividade produtiva deveria ser dirigida para os serviços e não para os bens de consumo material. A poluição industrial e agrícola deveria ser reduzida a um quarto do seu valor, seria necessário o máximo empenho na produção de alimentos e deveria ser encorajada a adoção de técnicas de cultivo baseadas no enriquecimento e na conservação dos solos. Por fim, para compensar a redução do investimento industrial, dever-se-ia tentar prolongar a vida média dos produtos mediante um projeto cuidadoso, atento também à possibilidade de um conserto fácil, com vantagens também no que concerne aos níveis de poluição e de consumo de matérias-primas”. [9]

Houve várias críticas ao modelo apresentado no relatório “Limits to Growth”, entendeu-se que o relatório não considerou corretamente a capacidade humana para responder aos desafios ambientais com avanços tecnológicos ou com meios políticos. Além disso, os críticos salientaram que as forças de mercado podem atuar para limitar a sobre-exploração dos recursos (por exemplo, quando um recurso fica escasso, o seu preço no mercado sobe), o que também não foi considerado no relatório.
Anthony Giddens afirma que, embora as críticas que foram feitas, a grande importância do relatório foi alertar as pessoas sobre as conseqüências nocivas que o desenvolvimento industrial e a tecnologia (atividades econômicas) podem ter, bem como sobre os perigos que acarreta a permissão de desenvolvimento de diferentes formas de poluição de forma descontrolada. [10]

2.2. O Relatório Brundtland

O relatório sob o título Nosso Futuro Comum (Our Common Future ou Relatório Brundtland), organizado e presidido pela ex-primeira-ministra da Noruega, Gro Harlem Brundtland, foi publicado em abril de 1987, depois da aprovação pela Assembléia Geral das Nações Unidas em sua 42ª Sessão.
A Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento caracterizou o desenvolvimento sustentável como aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade das gerações futuras atenderem suas próprias necessidades. [12]
Anthony Giddens explica:

Desenvolvimento sustentável significa que o crescimento deveria ser conduzido, pelo menos idealmente, de forma a reciclar os recursos físicos em vez de os esgotar e a manter os níveis de poluição no mínimo possível. O termo ‘desenvolvimento sustentável’ foi introduzido pela primeira vez em 1987 no relatório encomendado pelas Nações Unidas, Our Common Future (O Nosso Futuro Comum)”. [12]

O Relatório Brundtland atraiu muitas críticas. Alguns críticos consideraram que a noção de desenvolvimento sustentável é vaga e que ela negligencia as necessidades específicas dos países mais pobres (ou seja, centra sua análise sobre as necessidades dos países ricos). Outros criticaram a comparação que foi feita entre as necessidades desta geração e das gerações futuras (não se considerou a liberdade dos humanos de salvaguardarem aquilo de valorizam e a que atribuem importância). Outra crítica que foi feita foi com relação ao senso de responsabilidade quanto ao futuro das espécies, pois se a espécie humana é a mais poderosa deve ter responsabilidade para com as outras, o que não teria sido devidamente considerado.
De qualquer forma, a importância do Relatório Brundtland está no reconhecimento do caráter planetário da apreensão sobre a decadência ambiental.

2.3. O conceito de Desenvolvimento Sustentável

            Com o surgimento da nova problemática ambiental, que exige decisões em contextos de incerteza científica acerca da existência ou não de danos ambientais e de suas reais dimensões (na sociedade de risco, os riscos ambientais são invisíveis e, muitas vezes imprevisíveis), passou-se a dar maior importância não ao crescimento econômico, mas sim, ao desenvolvimento econômico e sustentável.
Muitos problemas ambientais são problemas globais: o desgaste da camada de ozônio, o aumento do efeito estufa, a perda de biodiversidade. Estas são apenas algumas questões que demonstram o âmago dos conflitos sobre a sustentabilidade, que é a dificuldade de preservar e expandir as liberdades desfrutadas pelas pessoas/sociedade atualmente, sem comprometer a capacidade das futuras gerações de desfrutarem de liberdade semelhante.

“A atual retórica sobre o desenvolvimento sustentável oscila entre essa sinistra visão de futuro, delineada por Georgescu, e a confiante crença de que surgirão, em tempo, os novos mercados e as inovações tecnológicas capazes de evitar, ou contornar, as catástrofes ambientais. Por isso, além de ter surgido a já mencionada distinção entre a sustentabilidade forte e fraca, também surgiu um sério debate sobre o caráter “objetivo” ou “subjetivo” do “conceito” de sustentabilidade (Hueting e Reijnders, 1998). E há ainda quem diga ser absolutamente necessário ir além da sustentabilidade para que seja possível abordar a atual desordem existente no relacionamento humano com a natureza (Jamieson, 1998)”. [13]

Conforme explica José Eli da Veiga, a força da “sustentabilidade” (que evoca uma espécie de “ética de perpetuação da humanidade e da vida”) está nas suas fraquezas, imprecisões e ambivalências. Sua força está em delimitar qual é o sentido que deve ter o meio ambiente no mundo contemporâneo e na atividade econômica.
Portanto, a “sustentabilidade” lidera “o processo de institucionalização que insere o meio-ambiente na agenda política internacional, além de fazer com que essa dimensão passe a permear a formulação e a implantação de políticas públicas em todos os níveis nos Estados nacionais e nos órgãos multilaterais e de caráter supranacional”. [14]
            A sustentabilidade passou a exprimir a necessidade de um uso mais responsável dos recursos ambientais, o que é de difícil assimilação para as correntes do pensamento que se fundam no utilitarismo, individualismo e equilíbrio, como a economia neoclássica (racionalidade da maximização das utilidades individuais com a determinação do uso “ótimo” ou “eficiente” dos recursos em equilíbrio – relembrar que “uso ótimo” está ligado à idéia de eficiência, o que é diferente de “uso sustentável”, que está ligado à idéia de eqüidade).
            Portanto, a efetivação de práticas visando o desenvolvimento sustentável (com harmonização de objetivos sociais, ambientais e econômicos) significa e implica num processo de mudança de valores da própria sociedade como um todo – governos, empresas, consumidores.
Essa mudança principiológica já é percebida no Direito, que consagrou o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado e sadio, capaz de proporcionar qualidade de vida às presentes e futuras gerações, como um direito fundamental do cidadão, impondo ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo (artigo 225 da Constituição Federal Brasileira).
Entretanto, a definição de desenvolvimento sustentável precisa ser compreendida também sob a perspectiva da sociedade atual e os efeitos da globalização.

3. GLOBALIZAÇÃO E SOCIEDADE DE RISCO GLOBAL

As ações locais estão ligadas ao cenário social que compreende o mundo como um todo (conexão entre o local e o global). “Os sociólogos usam o termo globalização para referirem-se àqueles processos que estão intensificando as relações e a interdependência sociais globais. É um fenômeno social com vastas implicações”. Globalização está relacionada ao desenvolvimento de redes mundiais e também é um fenômeno local, o que faz com que as pessoas tenham mais consciência de sua ligação com os povos de outras sociedades, e dos problemas que o mundo enfrenta: “que nossas ações têm conseqüências para outros e que os problemas do mundo têm conseqüências para nós” [15].
Anthony Giddens explica que no entendimento dos transformacionalistas, a globalização é uma força de reordenação das relações inter-regionais e das ações à distância, que está transformando o governo e as políticas mundiais, pois é um processo aberto e dinâmico que está sujeito à influência e à mudança. A ordem global está se transformando (na esfera econômica, política, cultural e pessoal), mas velhos modelos ainda restam, e os governos ainda detêm bastante poder apesar do avanço da interdependência global.
Ainda, a globalização é entendida como um fluxo de imagens, informações e influências que corre em duas mãos. A migração, a mídia e as telecomunicações globais contribuem na difusão de influências culturais, por isso, a globalização é um processo “descentrado” e reflexivo, caracterizado por conexões e fluxos culturais que funcionam de um modo multidirecional. Os países estão passando por um processo de reestruturação que responde às novas formas de organização econômica e social desprovidas de base territorial (corporações, movimentos sociais, organismos internacionais), e os governos estão sendo forçados a adotar uma postura mais ativa e aberta ao exterior, que os leve à governança dentro das complexas condições da globalização.
A globalização é muito retratada apenas como um fenômeno econômico (papel das corporações transnacionais, que influenciam os processos de produção global e a distribuição internacional do trabalho), mas globalização também é criada pela convergência de fatores políticos, sociais, culturais e econômicos.
Entendido em termos gerais a definição adotada no presente trabalho sobre globalização, importa ressaltar que ela é um processo aberto e internamente contraditório, que produz resultados que são difíceis de prever e controlar (riscos). Muitas mudanças geradas pela globalização são apresentadas como novas formas de risco que diferem daquelas que existiam antigamente (riscos externos – secas, terremotos, escassez, tempestades, entre outros). Hoje os riscos são incalculáveis na origem e indeterminados nas suas conseqüências (alguns chamam de riscos invisíveis, como por exemplo, os vírus eletrônicos).
A aceleração industrial e o desenvolvimento tecnológico causam a expansão da interferência do homem na natureza, o que gerou o início de uma destruição ambiental generalizada (causa indeterminada e conseqüências difíceis de calcular): aquecimento global, mudança de padrões climáticos. Por serem os riscos ambientais difusos em sua origem, não se sabe como enfrentá-los nem quem tem a responsabilidade de fazê-lo.
O aquecimento global, o desenvolvimento de novas doenças, a discussão sobre a comida geneticamente modificada e outros riscos manufaturados colocam os indivíduos perante novas escolhas e desafios de suas vidas quotidianas. Assim, por não haver um mapa sobre os novos perigos (o que dificulta o controle dos riscos ambientais), os indivíduos, os países e as organizações transnacionais devem negociar riscos à medida que fazem escolhas - decisões sobre quais riscos se está preparado a assumir.
A maioria das questões referentes ao meio ambiente estão relacionadas com o risco, são resultado da expansão da ciência e da tecnologia (incertezas). Ulrich Beck foi o primeiro a introduzir a idéia de “sociedade do risco”, entendendo que muitos dos riscos enfrentados pelas pessoas são riscos globais, não discriminatórios em termos de nacionalidade, riqueza ou origem social.
Anthony Giddens cita o sociólogo Ulrich Beck, precursor sobre o risco e a globalização, que analisa os riscos como um fator de contribuição para a formação da sociedade de risco global: “A sociedade de risco, segundo ele, não está limitada somente aos riscos de saúde e ambientais – inclui toda uma série de mudanças inter-relacionadas dentro da vida social contemporânea: mudanças nos modelos de emprego, aumento da insegurança no trabalho, declínio da influência da tradição e do costume sobre a auto-identidade, o desgaste dos paradigmas familiares tradicionais e a democratização dos relacionamentos pessoais”.[16]
De acordo com Ulrich Beck, os riscos da atualidade afetam todos os países e todas as classes sociais - suas conseqüências são globais -, o que leva à conclusão de que o risco é uma das principais conseqüências da globalização e do avanço tecnológico, e que a globalização traz problemas ambientais crescentes e o aumento das desigualdades em razão da concentração da renda, riqueza e recursos em um pequeno núcleo de países desenvolvidos.
Entretanto, embora haja concentração da riqueza e aumento da desigualdade econômica, os efeitos sobre o meio ambiente, causados pelo crescimento econômico, são divididos entre todas as pessoas de todos os países - idéia de privatização dos lucros e socialização das perdas.
Assim, é necessário que o comércio global seja regulado por regras que visem a proteção dos direitos humanos, do meio ambiente, dos direitos do trabalho e das economias locais. É preciso assegurar que a globalização beneficie as pessoas em todos os lugares (governança global), não apenas as que estão em alguns locais privilegiados, e que incorporem não apenas benefícios econômicos, mas também benefícios sociais e ambientais, internalizando a definição de desenvolvimento sustentável.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

            Antes do desenvolvimento da indústria moderna, a natureza dominava a vida humana, embora as atividades humanas também deixassem marcas na natureza. Entretanto, atualmente, as agressões humanas ao ambiente são intensas e há poucos processos naturais não influenciados pela atividade humana. A terra cultivável é utilizada para a produção agrícola. A “natureza selvagem” é explorada através do turismo. As indústrias exigem cada vez mais recursos energéticos e matérias-primas, o que é limitado pela natureza. Até mesmo o clima mundial foi afetado pelo desenvolvimento global da indústria. Portanto, o progresso tecnológico é imprevisível (riscos invisíveis).
            A preocupação pública com o ambiente levou à formação de movimentos e partidos “verdes”, que fazem campanhas em torno das questões ambientais, com o objetivo de proteger o ambiente mundial (conservar os recursos ao invés de explorá-los até o limite). Foi a partir da divulgação do relatório “Limits to Growth”, do Clube de Roma que tornou-se mais preemente a preocupação pública com os problemas ambientais, embora não tenha sido sob essa vertente pessimista que a definição de desenvolvimento sustentável tenha sido centrada.
A idéia de desenvolvimento sustentável, introduzida inicialmente pelo Relatório Brundtland, está auxiliando na promoção de inovações importantes na sociedade, governos e atividades econômicas/empresas.
Anthony Giddens cita como avanço a inclusão de conceitos como ‘eco-eficiência’ (“desenvolvimento de tecnologias eficazes em termos de crescimento econômico, mas com custos mínimos para o ambiente”, ou seja, trata-se de compatibilizar as formas de desenvolvimento industrial com a proteção ambiental), e ‘modernização ecológica’ (“a utilização de tecnologias eco-eficientes pode produzir formas de desenvolvimento econômico que conjugam o crescimento com políticas positivas para o ambiente”). De acordo com o autor, a eficiência e a modernização fundamentam a busca por alternativas econômica, social e ambientalmente mais corretas, como por exemplo as formas de tratamento de lixo para agrega-lo a novos processos produtivos, perseguindo-se o objetivo do “desperdício zero” - reciclagem total - , ou seja, o lixo passa a ser um recurso para a própria empresa. [17]
Verifica-se, portanto, que a diminuição dos impactos ambientais depende não apenas de mudanças tecnológicas, mas também de mudanças sociais. Assim, é importante repensar a atuação de diversos setores da sociedade, inclusive o empresarial, que deve incorporar à sua gestão estratégica e aos processos decisórios, as concepções de sustentabilidade e desenvolvimento sustentável.

BIBLIOGRAFIA

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DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. 2ª ed. São Paulo: Max Limond, 2001.

FOLADORI, Guilhermo. Limites do desenvolvimento sustentável. São Paulo: Ed. Unicamp, 2001.

GIDDENS, Anthony. Sociologia. 4ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001.

MEADOWS, Dennis L.; MEADOWS, Donella H.; RANDERS, Jorge; BEHRENS III, Willian W. Limites do crescimento: um relatório para o projeto do clube de Roma sobre o dilemma da humanidade. 2ª ed. São Paulo: Perspectiva, 1978.

MENDES, Judas Tadeu Grassi. Economia Empresarial. Curitiba, 2002.

MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

SACHS, Ignacy. Caminhos para o desenvolvimento sustentável. Rio de Janeiro: Garamond, 2002.

VEIGA, José Eli da. Desenvolvimento Sustentável – o desafio do século XXI. Rio de Janeiro: Garamond, 2005.

NOTAS:

[1] DE MASI, Domenico (organizador). A Sociedade Pós-Industrial. 3ª ed. São Paulo: Editora SENAC São Paulo, 2000, p. 11-97.
[2] DE MASI, Domenico (organizador). A Sociedade Pós-Industrial. 3ª ed. São Paulo: Editora SENAC São Paulo, 2000, p. 25.
[3] Este termo é utilizado por Domenico de Masi com a advertência de que muitas expressões já foram utilizadas até hoje para determinar a “nova” sociedade, mas acredita que a expressão ‘sociedade pós-industrial’ deve ser utilizada enquanto não ficar claro que a nova sociedade, além de delinear-se como diferente em relação à sociedade industrial, se distingue também por um ou vários fatores determinantes. Assim, informa que Daniel Bell começou a falar dessa denominação em 1959, remetendo a Arthur J. Penty, um socialista inglês que em 1914 organizou uma antologia intitulando-a Essays in Post-Industrialism, e que em 1917 publicou um volume com o título de Old Worlds for New: A Study of the Post-Industrial State. Penty definiu o pós-industrialismo como “forma de sociedade que se seguirá à derrocada do industrialismo”.
[4] DE MAIS, Domenico, ob. cit., p. 35.
[5] DE MAIS, Domenico, ob. cit., p. 33.
[6] CALABRETTA, Stefano. Clube de Roma: os limites do desenvolvimento, in A Sociedade Pós-Industrial. 3ª ed. São Paulo: Editora SENAC São Paulo, 2000. p. 369-379.
[7] MENDES, Judas Tadeu Grassi. Economia Empresarial. Curitiba, 2002. p. 10-11.
[8] CALABRETTA, Stefano, ob. cit., p. 373-374.
[9] CALABRETTA, Stefano, ob. cit., p. 374.
[10] GIDDENS, Anthony. Sociologia. 4ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001, p. 613.
[11] CMMAD - Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Nosso Futuro Comum. 2. ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1991, p. 46.
[12] GIDDENS, Anthony, ob. cit., p. 613.
[13] VEIGA, José Eli da. Desenvolvimento Sustentável – o desafio do século XXI. Rio de Janeiro: Garamond, 2005, p. 163.
[14] VEIGA, José Eli da, ob. cit., p. 164.
[15] GIDDENS, Anthony, ob. cit., p. 51 - 74.
[16] GIDDENS, Anthony, ob. cit., p. 68-69.

[17] GIDDENS, Anthony, ob. cit., p. 633.