A soberania alimentar sob a égide dos princípios e objetivos fundamentais do estado brasileiro


Porbarbara_montibeller- Postado em 17 maio 2012

Autores: 
LESSA, Natalie Coelho.

1CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A Constituição de 1988, promulgada em 5 de outubro de 1988, foi a primeira Carta Magna do Estado brasileiro depois do processo de redemocratização. Em relação às Constituições anteriores, a Constituição de 1988 representa um grande avanço na consolidação da democracia no País. Os avanços mais significativos foram no respeito à cidadania e a previsão de uma série de direitos fundamentais e liberdades individuais que foram desrespeitadas pelo tortuoso e castrador Regime Militar. Devido aos avanços sociais que o texto final da CF incorporou o deputado federal e presidente da Assembléia Nacional Constituinte (1987-1988) Ulisses Guimarães apelidou-a de “Constituição Cidadã”[1].

Outro grande avanço, no campo dos direitos e garantias da Constituição Cidadã, que privilegiou a dignidade da pessoa humana, foi à importância dada pelos constituintes aos Direitos e Garantias Fundamentais, incluindo-se aí os Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, constituindo o primeiro capítulo do Título II da Constituição. Vale ressaltar que pela primeira vez, na história das constituições brasileiras, esse título inicia a Constituição. Evidentemente que os princípios fundamentais integram o Título I, para mostrar a importância que os constituintes deram a esse tema[2].

Segundo o professor Dirley da Cunha Júnior, os direitos sociais constituem,

Os direitos sociais, em suma, são aquelas posições jurídicas que credenciam o indivíduo a exigir do Estado uma postura ativa, no sentido de que este coloque à disposição daquele, prestações de natureza jurídica material, consideradas necessárias para implementar as condições fáticas que permitam o efetivo exercício das liberdades fundamentais e que possibilitam realizar a igualização de situações sociais desiguais, proporcionando melhores condições de vida aos desprovidos de recursos materiais (CUNHA JÚNIOR, 2010, p. 719-720).

Assim, na esfera dos direitos fundamentais de segunda dimensão, a Emenda Constitucional nº 64 representa um marco nos direitos fundamentais, não só pelo fato de estes direitos terem o escopo positivo[3], como também por cumprirem uma função prestacional do Estado para com o indivíduo. Nesses termos é que estamos trabalhando a expressão “soberania alimentar”: um direito de matriz constitucional.

A Emenda Constitucional nº 64 de 04 de fevereiro de 2010 que alterou o art. 6º da Constituição Federal Brasileira de 1988, incluindo o direito à alimentação como direito social fundamental, surgiu com a Proposta de Emenda Constitucional – PEC nº 47, de 2003, de autoria do Senador Antonio Carlos Valadares[4].

Consolidar a segurança alimentar e nutricional como política de Estado era de extrema significação, pois assim o direito à alimentação não ficaria a mercê dos governos. Através da emenda as bases para sua efetivação eram sólidas e permanentes.

Conforme o Relatório[5] da Comissão Especial destinada a apreciar e proferir parecer à proposta de emenda à constituição nº 47, de 2003, em sua Justificação, o Antonio Carlos Valadares lembra que o direito à alimentação foi reconhecido pela Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas – ONU, em 1993, enriquecendo a Carta dos Direitos Humanos de 1948, colocando em primeiro lugar, entre os direitos do cidadão, a alimentação. Alega, também, que o Brasil manifestou-se oficialmente, na ONU, favorável à inclusão da alimentação como direito social do cidadão.

A aprovação da PEC, segundo o citado relatório, poderia estabelecer um novo estágio para a alimentação como direito humano fundamental. O Estado passa a se responsabilizar em grau maior por uma produção, comercialização e abastecimento de alimentos de acordo com a utilização sustentável dos recursos naturais, a promoção de práticas de boa alimentação por meio de programas educacionais, a distribuição de água e alimentos em situações de crise e a garantia da qualidade biológica e nutricional dos gêneros alimentícios.

No entanto, as questões políticas e econômicas e o problema das empresas transnacionais produtoras de alimentos que atravessam os governos dos estados não foram sequer mencionados nesse relatório.

Afinal o direito à alimentação se atrela, sobretudo à soberania alimentar do País e a prioridade das ações públicas de incentivo para a agroindústria brasileira e para agricultura familiar, com base na cultura alimentar do país. O objetivo é preservar os hábitos da população da influência de outros países como os Estados-Unidos, por exemplo.

O tema foi objeto de debates extensos e profundos com a participação do Governo, de entidades internacionais e da sociedade civil, dos movimentos sociais e de membros da sociedade, tais como artistas, intelectuais, dentre outros colaboradores.

Na primeira audiência pública, realizada em 09/09/2009, os membros da Comissão Especial ouviram especialistas na área de alimentação e nutrição, que prestaram sua colaboração de acordo com o princípio do pluralismo político, à apreciação da PEC em análise, conforme apresentado a seguir:

1) O Presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – CONSEA, Dr. Renato Maluf, afirmou que “é melhor trabalhar em um patamar em que a alimentação tenha um caráter de política de Estado, não variável com a troca de governos, do que uma política transitória. Ao colocar isso na Constituição, a alimentação como o direito social torna-se obrigatória, assim como já acontece com a saúde e a educação";

2) O representante da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação - FAO no Brasil, Dr. José Tubino, ressaltou que a crise alimentar mundial é crescente, com fome e desnutrição. Ele sugeriu que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva anuncie ao mundo no dia 16 de novembro, quando começa a Cúpula Mundial da Alimentação na Itália, a aprovação da alimentação como direito constitucional dos brasileiros.

A segunda audiência pública, realizada em 15/09/2009, contou com a participação dos seguintes especialistas da área de segurança alimentar e nutricional, conforme descrito a seguir:

1) O Secretário Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, Crispim Moreira, afirmou que, se a PEC for aprovada, a população terá instrumentos para cobrar das autoridades o direito universal à alimentação;

Ele disse que, com a aprovação da proposta, o Brasil se colocará de maneira ainda mais enfática como referência mundial no combate à fome;

2) A Secretária-Executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Alimentar, Vanessa Schottz, afirmou que a formalização da alimentação como direito social vai dotar a sociedade de instrumentos legais para garantir o acesso a alimentos, numa interpretação ampla do direito à dignidade e de outros direitos fundamentais. Destacou, ainda, a importância simbólica da aprovação da PEC no Plenário da Câmara dos Deputados, se possível até o Dia Mundial da Alimentação, em 16 de outubro próximo;

3) A Secretária-Executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Alimentar, Vanessa Schottz, afirmou que a formalização da alimentação como direito social vai dotar a sociedade de instrumentos legais para garantir o acesso a alimentos, numa interpretação ampla do direito à dignidade e de outros direitos fundamentais. Destacou, ainda, a importância simbólica da aprovação da PEC no Plenário da Câmara dos Deputados, se possível até o Dia Mundial da Alimentação, em 16 de outubro próximo;

4) Najla Veloso Sampaio Barbosa, representante da Coordenação-Geral do Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE/MEC/FNDE, defendeu a ampliação do público atendido e a normatização existente a partir da Lei nº 11.947, de 16 de junho de 2009, que dispõe sobre o atendimento da alimentação escolar e do Programa Dinheiro Direto na Escola aos alunos da educação básica, além dos princípios que norteiam o PNAE, tais como a universalidade, continuidade, equidade, respeito aos hábitos alimentares e sustentabilidade;

5) O Sr. Marciano da Silva, representante da Via Campesina, destacou a necessidade de valorização da agricultura familiar e da implementação, na prática, dos pressupostos constitucionais no que se refere à alimentação;

6) O Dr. Francisco Menezes, Diretor do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas – IBASE, reafirmou a importância da Conferência Mundial de Alimentação, a se realizar em novembro do corrente ano e destacou que, de acordo com dados estatísticos do Programa Mundial de Alimentos, da ONU, ultrapassa um bilhão o número de pessoas que passam fome no mundo. Além disso, defendeu que a afirmação do direito à alimentação respalda iniciativas que o assegurem na prática.

A “conquista” da Emenda Constitucional nº 64 reflete mais uma conquista real do cidadão pertencente a uma nação democrática. A soberania alimentar é de extrema importância, porque vai relacionar o direito fundamental à alimentação com os outros princípios implícitos e explícitos da constituição. Garantir a alimentação não é o suficiente; é necessário criar condições para que o povo brasileiro produza seu próprio alimento de acordo com os princípios do direito ambiental e os princípios fundamentais do Estado. Não faz lógica distribuir para o povo alimentos “envenenados” de agrotóxicos e de má qualidade. Ou seja, as grandes empresas transnacionais não devem ter mais uma oportunidade para difundir seus alimentos em larga escala e ainda fazendo o papel de caridade para com o povo. Por isso a soberania alimentar defende a autonomia dos povos na produção.

No momento em que o Estado inclui o direito à alimentação na Constituição deve assumir uma postura ativa, sendo obrigado materialmente a cumprir sua obrigação. Nesse sentido, essa obrigação transcende à postura assistencialista e alienante adotada pelo Estado que não irá resolver de forma efetiva o problema da fome sem o desejo de operar grandes transformações nas esferas políticas, econômicas e sociais. Essa resolução do problema da fome é uma das pretensões da reivindicação dos povos à soberania alimentar; que não defende como medida permanente uma política “assistencialista de moleta” para a população mais carente, mas, sim, uma solução através do princípio da autodeterminação dos povos, da prevalência dos direitos humanos e da cooperação entre os povos para o progresso da humanidade (art. 4º da CF88).

Nas palavras de Sarlet (2010, p. 185), os direitos fundamentais a prestações correspondem:

à evolução do Estado de Direito, na matriz liberal-burguesa, para o Estado democrático e social de Direito, incorporando-se à maior parte das Constituições do segundo pós-guerra. No constitucionalismo pátrio, em que pese uma tímida previsão de direitos a prestações sociais na Constituição de 1824, foi a Carta de 1934, inspirada, principalmente, nas Constituições do México (1917) e de Weimar (1919), que inaugurou a fase do constitucionalismo social no Brasil, passando a integrar os direitos fundamentais da segunda dimensão no nosso direito constitucional positivo.

Antes de se constituírem objeto de reconhecimento e positivação nas Constituições – momento de sua conversão em elementos do direito positivo e direitos fundamentais de uma determinada comunidade jurídica –, os direitos humanos integravam somente uma espécie de moral. Segundo o professor José Alfonso da Silva

O sentido universalizante das declarações de direitos, de caráter estatal, passou a ser objeto de reconhecimento supra-estatal em documentos declaratórios de feição multinacional ou mesmo universal. As primeiras manifestações nesse sentido foram propostas de organismos científicos internacionais, visando estender a defesa dos direitos humanos a todos os países e a todos os indivíduos de todas as nacionalidades, como noticia José Castán Tobeñas, de que é exemplo o projeto de “Declaração dos Direitos Internacionais do Homem”, redigido pelo Instituto de Direito Internacional, em 1928-1929. Um passo concreto foi dado quando os vinte e uma países da América se reuniram em Chapultepec (México) no início do ano de 1945, firmando a tese de que um dos primeiros objetivos das Nações Unidas deveria ser a redação de uma carta dos direitos do homem. Daí que a Carta das Nações Unidas (26.6.45) ficara impregnada da idéia do respeito aos direitos fundamentais do homem, desde o seu segundo considerando, onde afirma “a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e valor da pessoa humana, na igualdade dos direitos de homens e mulheres e das nações grandes e pequenas”, até as referências contidas nos arts. 1º, item 2; 13, item 1, b; 55, c; 62, item 2; e 76, c (SILVA, 2006, p. 164-165).

Se por um lado os direitos humanos referem-se aos direitos básicos da pessoa reconhecidos no âmbito dos documentos de Direito Internacional. Por outro, a expressão “direitos fundamentais” designa as posições jurídicas básicas reconhecidas como tais pelo Direito Constitucional positivo de um dado Estado, em um dado momento histórico. No entanto, para Sarlet (2010, p. 185), essa distinção pode ter um fundamento, tomando em conta uma concepção já estabelecida: “os direitos humanos guardam relação com uma concepção jusnaturalista (jusracionalista) dos direitos, ao passo que os direitos fundamentais dizem respeito a uma perspectiva positivista” (op. cit., p. 32).

Assim, segundo Sarlet (2010, p. 32),

os direitos humanos (como direitos inerentes à própria condição e dignidade humana) acabam sendo transformados em direitos fundamentais pelo modelo positivista, incorporando-os ao sistema de direito positivo como elementos essenciais, visto que apenas mediante um processo de “fundamentalização” (precisamente pela incorporação às constituições), os direitos naturais e inalienáveis da pessoa adquirem a hierarquia jurídica a seu caráter vinculante em relação a todos os poderes constituídos no âmbito de um Estado Constitucional (id. Ibid.).

A diferença entre uma expressão e outra não minimiza a tênue relação entre os direitos humanos e os direitos fundamentais. Vale ressaltar que grande parte das Constituições do pós-Segunda Guerra Mundial tomou como exemplo a Declaração Universal de 1948, bem como um conjunto de documentos internacionais e/ou regionais que as sucederam. Como indicativo a esse movimento, parece haver um processo de harmonização nos campos dos direitos fundamentais e humanos rumo um direito constitucional internacional (op.cit).

As declarações de direitos humanos surgiram como uma forma de superar e não cometer os erros com as atrocidades da 1ª e 2ª guerras mundiais. Os países de alguma forma queriam se redimir pelos erros cometidos para com a humanidade, se inspirando no direito natural. Os direitos fundamentais, positivados na Constituição Brasileira de 1988, estão ligados em sua origem á declaração universal dos direitos do homem de 1948, mas eles têm uma carga principiológica implícita e explicita que orientam uma interpretação como farol de todo sistema jurídico brasileiro.

A Soberania Alimentar está diretamente ligada aos direitos fundamentais presentes na Constituição Federal. Neste capítulo iremos abordar alguns dos entrelaces interpretativos que envolvem a categoria: Soberania Alimentar numa amplitude do direito constitucional. Para Eros Roberto Grau (2003, p. 81)

Vale dizer: a norma encontra-se (parcialmente), em estado de potência, involucrada no enunciado (texto ou disposição); o intérprete a desnuda. Neste sentido - isto é, no sentido de desvencilhamento da norma de seu invólucro: no sentido de fazê-la brotar do texto, o enunciado - é que afirmo que o intérprete produz a norma. O intérprete compreende o sentido originário do texto e o mantém (deve manter) como referência de sua interpretação.

Neste capítulo trabalharemos segundo Eros Roberto Grau com o tipo de ideologia de interpretação jurídica que considera a interpretação como atividade que adapta o direito às necessidade presentes e futuras da vida social, na acepção mais ampla dessa expressão. Podemos chama-a de ideologia dinâmica da interpretação jurídica que contrapõe a ideologia estática de interpretação jurídica (GRAU, 2003).

Segundo Clemente de Diego (1916, p. 293-294), os princípios são os informadores do direito. O legislador, ao formular as normas concretas de um direito positivo, traduz e desenvolve os princípios que se dão na sua consciência, mas ele não faz obra de criação individual, porque sem negar suas legítimas influências e iniciativas esses princípios estão dados objetivamente na consciência popular, no material do direito histórico, na realidade social. O direito positivo não é mero produto da vontade do legislador, não é pura criação da mente, é um produto sociológico, é uma criação da sociedade.

Por isto é que, adotamos aqui uma reflexão sobre a soberania alimentar relacionada aos princípios da Constituição Federal brasileira de 1988. Mas antes de tudo ressaltamos a concepção Celso Antônio Bandeira de Mello (2003, p. 817-818) que afirma que transgredir um princípio é mais grave do que violar uma norma, pois a desatenção a princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, ferida irreversível a seu conjunto lógico e corrosão de sua estrutura mestra (BANDEIRA DE MELLO, 2003).

Diante do exposto, analisaremos os princípios constitucionais, pontuando as transgressões que ocorrem entorno dos princípios quando à pessoa humana é negado seu direito a se alimentar de forma digna e saudável. A alimentação é o direito mais fundamental de todos, pois sem a mínima efetivação deste não pode ser realizado nenhum outro direito fundamental previsto na constituição federal brasileira de 1988.

Sem o alimento (que inclui a água), o ser humano se torna um bicho como bem escreveu Graciliano Ramos em Vidas Secas[6] ao descrever o personagem Fabiano. As vidas se tornam secas e os seres humanos se tornam desprovidos de sentimentos, e as relações se tornam brutas. Devido à importância primordial do alimento analisaremos os princípios constitucionais e ambientais de acordo com a realidade na qual está velado o problema mundial da alimentação globalizada e industrial.

É impossível a interpretação do direito sem observar seus princípios. Aqui analisaremos a categoria soberania alimentar sob a ótica dos princípios jurídicos positivados explícitos (GRAU, 2003), ou seja, aqueles recolhidos no texto da Constituição federal de 1988. Sem os princípios não há coerência, nem coesão, nem integração. São eles que dão a direção interpretativa para as normas. Aqui interpretaremos os princípios que vão guiar as regras. Para Grau (2003, p. 195):

A complexidade da interpretação do direito repousa fundamentalmente na força dos princípios, que conforma as regras (Varga 1993:4 - “principles control the rules as well”), mas que – embora sejam tomados como seu critério dominante-se compõem também como objeto da interpretação.

Já para Bonavides (2003, p. 288) “Em verdade, os princípios são o oxigênio das Constituições na época do pós-positivismo. É graças aos princípios que os sistemas constitucionais granjeiam a unidade de sentido e auferem a valoração de sua ordem normativa”.

A respeito da neutralidade política das análises compactuamos com Eros Roberto Grau (2003), de que não existe neutralidade, e que todas as decisões jurídicas são políticas.

O conceito de Soberania Alimentar coloca em discussão o atual modelo econômico neoliberal e consequentemente coloca também em discussão a atitude política do Estado perante a sociedade. Quando o Estado não pode decidir sobre sua produção de alimentos sua soberania é colocada em risco gerando consequências desastrosas para o que se chama de Estado Democrático de Direito.

Conforme o art. 1º da CF, a República Federativa do Brasil, constitui-se em Estado Democráticode Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V- o pluralismo político (BRASIL, 1988).

No parágrafo único do art. 1º da CF, reza que todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos da Constituição.

Analisaremos neste artigo os princípios e objetivos fundamentais do Estado Brasileiro dialogando com a categoria soberania alimentar.

Segundo Mendes (2008, p. 149), entende-se como Estado Democrático de Direito

a organização política em que o poder emana do povo, que o exerce diretamente ou por meio de representantes, escolhidos em eleições livres e periódicas, mediante sufrágio universal e voto direto e secreto, para o exercício de mandatos periódicos, como proclama, entre outras, a Constituição brasileira. Mais ainda, já agora no plano das relações concretas entre o Poder e o indivíduo, considera-se democrático aquele Estado de Direito que se empenha em assegurar aos seus cidadãos o exercício efetivo não somente dos direitos civis e políticos, mas também e sobretudo dos direitos econômicos, sociais e culturais, sem os quais de nada valeria a solene proclamação daqueles direito.

Esse entendimento, porém não condiz com a realidade social do povo brasileiro e o conceito de Estado Democrático de Direito acaba se tornando um mito sob égide da Constituição de 1988. Ela se torna mítica ao não materializar através dos seus princípios os direitos sociais a alimentação, educação, saúde, trabalho, moradia, etc. (GRAU, 2007). Segundo o autor “consubstancia um instrumento retórico de dominação. Porque esse o seu perfil, ela se transforma em mito” (GRAU, 2007, p. 41).

            Ainda conforme as palavras do autor citado acima:

Note-se que o mito aparente ser uma revelação do que foi e permanece sendo. Não obstante, o mito funciona como recurso linguístico no discurso ideológico de quem tem condições de, através dele, exercer dominação social. Os mitos são descritos como formas de fé popular que não nasceram da reflexão racional do povo, mas de sentimentos pré-racionais, emotivos (p. 41) [...].

As constituições formais inúmeras vezes consubstanciam modalidade exemplar de mito moderno. Por um lado, instam no seio da coletividade a convicção de que se vive sob a égide do Estado de Direito: se a Constituição, documento formal, existe, temos instituído o regime do Estado de Direito (p.42) [...]. A legitimação da hegemonia do capital, nutrida pela mitificação da Constituição formal, é de outra parte reforçada mediante o desenvolvimento, pela burguesia, de uma retórica que distorce a realidade (p. 44).

O discurso da Constituição Federal Brasileira de 1988 e dos direitos humanos já nasceram como um mito. Porém esse discurso se tornou necessário para o desenvolvimento na nova fase do capitalismo que já não se auto-sustentava com suas próprias leis auto-reguladoras, mas necessitava dos Estados Nacionais para manter o equilíbrio financeiro e a segurança para que o próprio sistema não viesse a romper[7].

Neste trabalho analisamos as contradições que provém justamente por haver uma dissociação da Constituição Federal de 1988 com a realidade brasileira. Como pode haver um Estado Democrático de Direito com os princípios da soberania, da dignidade da pessoa humana e a soberania popular se as políticas econômicas estão voltadas à exportação de agro-combustíveis[8] que geram a consequência da fome?

2 A soberania alimentar e os princípios fundamentais do estado brasileiro

2.1  A soberania

Segundo prof. Dirley a soberania[9] tratada no texto constitucional é a soberania nacional, enquanto poder do Estado supremo e independente. É um poder supremo em relação aos indivíduos e grupos que forma a população do Estado; é independente relativamente ao poder de outros Estados.

A soberania, assim, é geralmente considerada sob esses dois aspectos: interno e externo. Internamente, a soberania é o poder mais elevado dentro do Estado; externamente, significa que nas relações recíprocas entre os Estados, não há subordinação nem dependência entre eles, mas sim igualdade. Esses dois aspectos, todavia, não revelam duas soberanias. A soberania é uma só. A primeira obra teórica acerca do conceito de soberania foi “Les Six Livres de la Republique” (Os Seis Livros da República), de Jean Bodin, Publicada em 1580. Segundo este autor, soberania é um poder absoluto e perpétuo de uma República (CUNHA, 2010, p. 529).

Sem a soberania alimentar, ou seja, sem a verdadeira autonomia de decisão política sobre o que vai ser colocado na mesa do povo não pode existir de fato a soberania prevista na constituição. A luta pela soberania alimentar também faz parte da soberania do país. A segurança de um Estado perpassa pela soberania; assim como a segurança alimentar perpassa pela soberania alimentar.

Portanto o Estado só poderá ter segurança se ele for capaz de nutrir sua população com alimentos garantindo assim o mais elementar direito que é chave para abertura de todos os outros direitos previstos na constituição. Vale lembrar que o direito à água de beber faz parte do direito à alimentação.

A Soberania Alimentar é uma urgente reinvidicação dos povos pela sua autonomia territorial-ambiental num contexto em que a economia global é centralizada macroeconomicamente em grandes blocos supranacionais.

A soberania dos Estados nacionais se encontram enfraquecidas pelos processos de globalização neoliberal e pelo modelo de produção capitalista. Os Espaços territoriais são afetados por imposição de um modelo econômico e as pessoas que ali habitam perdem a identidade cultural, e qualidade de vida.

Essa crise da soberania é bem discutida por Capella (2002, p.240) quando traz o conceito do soberano privado supra-estatal, que se caracteriza por ser um poder difuso e possuir sua “própria lei”: nova lex mercatoria metaestatal. Esse poder é constituído pelo conjunto das grandes companhias transnacionais e pelos conglomerados financeiros. Segundo o referido autor:

As companhias transnacionais, estruturas gigantescas de recursos humanos e materiais surgidas com o crescimento econômico da etapa keynesiana, foram os agentes sociais que, nas condições de esgotamento do modelo anterior, optaram por empreender uma renovação a fundo de seu capital fixo e de suas formas organizativas para resolver a sua maneira a crise do sistema intervencionista. Dispunham de grande poder econômico e social, e foram apoiadas politicamente por governos de direita nos Estados Unidos, Japão, Reino Unido e Alemanha, principalmente, isto é, pelos governos metropolitanos mais importantes. Os novos materiais obtidos por procedimentos químicos (desde fibra ótica a todo tipo de plásticos, tecidos, sementes e outros bens tratados,química, bioquímica ou geneticamente) permitem uma diferenciação e especificação produtiva até agora impensada, o que dá à indústria contemporânea uma flexibilidade e uma capacidade de adaptação às exigências técnicas - e também de geração de necessidades novas- inimaginável na etapa anterior (p. 240).

O estados nacionais tem como princípio a soberania que é transferida para o povo pelo próprio sistema democrático. Uma vez que os estados-nacionais perdem sua soberania, o povo também perde a sua soberania, assim sendo afetada toda estrutura dos fundamentos da própria constituição. Em suma, os Estados-nação acabam submetendo sua soberania em nome no soberano privado supra-estatal e a população (povo) é quem saí no maior prejuízo, sofrendo na pele as consequências das explorações sofridas por essas empresas difusas que vão escolher os países com a legislação trabalhista e ambiental mais frágeis para fixarem seu tentáculos. Para Capella (2002):

Esse poder estratégico dos grandes agentes econômicos, que comparece no cenário mundial e dita as condições da vida coletiva sem haver sido chamado a isso por ninguém, conta com um discurso da eficácia-técnico-produtiva que começa a ser interiorizado, não só pelas instâncias públicas subalternas senão também pelas sociedades dominadas. [...] Esse discurso apresenta os projetos do soberano supra-estatal como osúnicos dotados de racionalidade. [...] É um discurso excludente (ou seja, que não apega a razões, que não dialoga com outras lógicas) (p. 262-263).

A partir desse discurso as pessoas começam a acreditar que o crescimento econômico é o maior objetivo que um país pode ter. Não se importando muitas vezes como vai se concretizar esse crescimento e às custas de quem e a partir de quais critérios de produção. A promessa da “Revolução Verde” por exemplo, foi um discurso como esse. As empresas transnacionais produtoras de alimentos em larga escala, prometeram acabar com a fome do mundo com tecnologias, insumos, etc. Essa promessa não se realizou e contraditoriamente deixou um rastro de danos sócio-ambientais e fome.

2.2 A cidadania

O cidadão, portanto tem deveres, mas ao mesmo tempo direitos assegurados pelo Estado. A Constituição da República Federativa do Brasil foi batizada como Constituição Cidadã, pelo constituinte Deputado Ulisses Guimarães, para ressaltar a conquista dos direitos sociais e individuais garantidos no novo “Contrato Social”. Exercer a cidadania é poder se expressar e atuar politicamente dentre de uma democracia. A cidadania[10] só pode ser assim chamada com a plena realização das garantias constitucionais.

Para o prof. Dirley da Cunha Júnior

A cidadania como fundamento do Estado não se reduz ao conceito de nacional no gozo de direitos políticos (a chamada cidadania política prevista no art. 14). É muito mais do que isso, pois visa qualificar todas as pessoas como titulares de direitos frente ao Estado, reconhecendo o indivíduo como parte integrante e indissociável da sociedade (CUNHA JÚNIOR, 2009, p. 529).

Faz parte da cidadania o direito do povo de decidir sobre sua alimentação e sua forma de produzir os alimentos. O alimento não pode ser usado como uma forma de dominação econômica pelas empresas transnacionais excluindo o povo como titular de direitos a serem garantidos.

É direito do cidadão obter as verdadeiras informações nutricionais sobre o alimento, e saber se ao alimento foi acrescentado alguma substância química ou se foi geneticamente modificado. O caso, do leite (longa-vida) adulterado no ano de 2007 é um exemplo de como a cidadania é afetada:

A transnacional italiana Parmalat e a suíça Nestlé eram compradoras de leite da Coopervale e Casmil – que adicionavam uma fórmula ao leite para economizar e esconder as péssimas condições de conservação as quais o produto era submetido. A fórmula composta por soda cáustica, água oxigenada e outros produtos, teria sido criada por um engenheiro químico que vendia às produtoras de leite. A operação Ouro Branco da Polícia Federal localizou, sobretudo em Minas Gerais, produtores de leite que utilizavam-se dessa prática. A partir disso, passaram a pipocar denúncias e suspeitas sobre leite adulterado em todo o país. [...] A adulteração do leite é “gravíssima” pois este é um produto essencial para a alimentação das crianças. [...] Esse tipo de leite tornou-se hegemônico no mercado brasileiro nos últimos dez anos, impulsionado pelo lobby da transnacional sueca Tetra Pak, que monopoliza o mercado de embalagens de caixas para leite e outros produtos. O aumento do consumo desse produto no mercado brasileiro foi impulsionado pelo que se chama “panacéia do longa vida”. A publicidade conseguiu criar um senso-comum de que esse produto está intimamente ligado à demanda da vida das pessoas nas cidades grandes. Assim privilegia-se a “facilidade” de poder estocar leite, em detrimento da qualidade nutricional do produto. [...] Com as dificuldades no transporte, as más condições de conservação e de refrigeração, o leite chega à fábrica com uma acidez maior do que o ideal para a produção de longa vida. A soda cáustica, encontrada na fórmula que adultera o leite, serve, justamente, para reduzir a acidez do produto (TOLEDO, 2007, p. 2).

Este caso é uma vergonha nacional e afeta diretamente, a cidadania, mas principalmente a saúde das crianças e da população. Por consequência, afeta a dignidade da pessoa humana em seu mais alto grau, pois não se pode calcular o dano causado por produtos como esse quando ingeridos pelos cidadãos. A alimentação alienada afeta a cidadania quando a pessoa não tem como saber que determinado produto vai por em risco sua integridade física e psíquica e até mesmo espiritual.

Outro fator crucial que afetou a cidadania foi a medida provisória n.º 113 de 26 de março de 2003 que, no art. 1º, estabelece: "A comercialização da safra de soja 2003 não estará sujeita às exigências pertinentes da Lei n.º 8.974, de 5 de janeiro de 1995[11], com as alterações da Medida Provisória no 2.191-9, de 23 de agosto de 2001".

Segundo Viana (2003)[12], ao excluir a aplicação da Lei n.º 8.974/95 para safra de soja de 2003, o Governo Federal nada mais fez do que afastar os mecanismos legais asseguradores da biossegurança, ou seja, com a liberação do alimento, sem a elaboração do parecer técnico pelo CNTBio, permanecem desconhecidas pela ciência e pelo público em geral a existência de eventuais propriedades nocivas na soja geneticamente modificada assumindo o risco potencial que, eventualmente, pode ser criado para o meio ambiente e para a saúde da população.

A partir dessa medida os cidadãos ficaram sem saber nem mesmo através de etiquetas quais produtos são ou não transgênicos. A relação de consumo com os alimentos se tornou cada vez mais distantes dos princípios constitucionais e ambientais.

Nesta linha, concluímos que são atitudes inconstitucionais que ferem o princípio da participação comunitária que pressupões o direito à informação. Afinal os cidadãos com acesso à informação têm melhores condições de serem ativos e manifestar suas opiniões e críticas, articulando de forma eficaz seus desejos e inconformismos se posicionando de forma expressiva nas decisões que lhes atingem diretamente (MIRALÉ, 2000, p. 99). No que se refere à alimentação, a situação é alarmante e urgente devido à ingestão diária por toda a humanidade de alimentos que não são seguros por estarem dissociados da realidade ambiental-econômica e cultural de cada região.

2.3 A dignidade da pessoa humana

A dignidade da pessoa humana é o princípio que permeia todos os direitos fundamentais e sociais previstos na Constituição. Sem a legítima efetivação desse princípio em todo ordenamento jurídico e na organização econômica torna-se impossível a materialização de um verdadeiro Estado Democrático de Direito.

Esse princípio revela relação de profundo respeito entre o ser humano e o Estado; existe um cidadão, não só sujeito de deveres, mas sim, sujeito de direitos. Ocorre através desse princípio uma ampliação dos direitos fundamentais em todas as esferas sociais, porém surgem os problemas econômicos, políticos e jurídicos de sua efetividade material, inviabilizando o exercício da cidadania e da soberania popular.

Para Cunha Júnior (2010, p. 529) “A dignidade da pessoa humana assume relevo como valor supremo de toda sociedade para o qual se reconduzem todos os direitos fundamentais da pessoa humana”.

Ela é para Ingo Sarlet (apud CUNHA JÚNIOR, 2010) uma

qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável dos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos (p. 529-530).

O princípio dignidade da pessoa humana é lesado quando em qualquer relação (política, econômica, cultural, ambiental, jurídica, familiar e interpessoal) é pervertido o respeito ao ser humano em prol de interesses que não tem como foco a equilibrada convivência entre as pessoas na sociedade.

2.4 Os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa

O trabalho dignifica o homem, já diz o ditado; portanto, sem a valorização do trabalho humano não pode existir dignidade. É através do trabalho que a humanidade sustenta a vida organizada em sociedade. Sem o trabalho humano não poderíamos afirmar que existe cultura, econômica, política. Nada existiria como é hoje sem o trabalho. A própria história da modernidade e da globalização pode ser analisada sob a forma de como vem sendo modificada a relação de trabalho no mundo.

Compreendemos que vale a pena lembrar-nos de Friedrich Engels[13] quando terce uma interpretação sobre o papel do trabalho na transformação do macaco em homem. Engelsvai dizer neste ensaio, que o trabalho cria o próprio homem o diferenciando assim dos outros animais, sendo o trabalho condição fundamental de toda vida humana.

O valor que o trabalho tem perante a sociedade é imensurável e incalculável e por isso tem o lugar como princípio fundamental do Estado Brasileiro na Constituição Federal de 1988. Por isso, o valor social do trabalho compreende em nosso entendimento, a valorização do trabalho humano. Durante a história brasileira o trabalhador rural sofreu uma série de restrições em seus direitos, deixando esse princípio encoberto de desrespeitos que geraram desastres sociais para o Brasil. Um deles foi a inchação das cidades e a miséria urbana, devido a um êxodo rural em larga escala, porque aos trabalhadores rurais não eram assegurados os direitos de previdência e nem o acesso à terra e muito menos aos meios de produção.

Aos trabalhadores rurais foram e são negadas as efetivações de direitos e esse fato irradia até os dias de hoje consequências; como a fome nas cidades. Enquanto uns desfilam em carros de ar-condicionado, consumindo etanol ou gasolina outros imploram por esmola nos engarrafamentos: “tanques cheios a custa de barrigas vazias[14]”.

A soberania alimentar também é afetada pela desvalorização do trabalho humano. Um dos motivos para essa desvalorização é a constante maquinização do campo[15]. Atualmente não se precisa mais de tantos trabalhadores para cortar cana-de-açúcar como há 50 anos atrás. Esse fato gerou um enorme índice de desemprego. Sabemos que os trabalhadores que trabalhavam nos canaviais do Brasil nunca tiveram seu trabalho valorizado e que as condições primeiramente foram de escravos, mas hoje, não há trabalho nem terra para essas pessoas. Planta-se cana nas melhores terras brasileiras para produção de etanol (agrocombustível) e toda essa produção não necessita mais do trabalho humano. O álcool também não vai para os humanos, mas sim para os carros se locomoverem nas cidades. Qualquer pessoa é capaz de entender a lógica cruel desse sistema, e a constituição é clara no que se refere aos seus princípios, porém poucas iniciativas estão sendo tomadas para reversão desses padrões nocivos de consumo capitalista.

Sobre a livre iniciativa, compactuamos de antemão compactuamos com Eros Roberto Grau que a liberdade de iniciativa econômica não se identifica apenas com a liberdade de empresa. Ela abrange todas as formas de produção sejam elas individuais ou coletivas. A livre iniciativa não se restringe ao liberalismo e o neoliberalismo econômico. Não podemos vincular o princípio da livre iniciativa somente com a ideologia do capitalismo, pois há também a iniciativa cooperativa, a iniciativa autogestionária e a iniciativa pública (GRAU, 2007, p. 202).

2.5 O pluralismo político

A soberania alimentar é uma reivindicação dos movimentos sociais que almejam por melhores condições no campo e pela reforma agrária. Portanto ela é uma expressão do pluralismo político, ela é a expressão popular organizada internacionalmente e construída coletivamente para se contrapor ao modelo atual da indústria de alimentos.

Para o professor Dirley da Cunha Júnior

O pluralismo político é fundamento que assegura a realização dos postulados democráticos, garantindo a multiplicidade de opiniões, de crenças, de convicções e de idéias, que se manifestem normalmente por instituições como as associações, as entidades sindicais e, em especial, os partidos políticos (CUNHA JÚNIOR, 2010, p. 530).

            Uma das maiores formas de expressão do pluralismo político ocorre quando a interpretação da constituição é interpretada com uma abertura tal que se faça coerente com a realidade plural que se constitui a sociedade. A sociedade por ser plural necessita ter voz, necessita ser escutada para que possa ocorrer uma interpretação da constituição federal sob a luz dos olhos do povo que alimentam a esperança de ter uma vida digna, a cada eleição. Os partidos, as entidades sindicais e os movimentos sociais devem ser representações dessas vozes e dessas esperanças.

            Para Häberle (1997, p. 33)

Do ponto de vista teorético-constitucional, a legitimação fundamental das forças pluralistas da sociedade para participar da interpretação constitucional reside no fato de que essas forças representam um pedaço da publicidade e da realidade da Constituição (ein Stuck Öffentlichkeit und Wirklichkeit der Verfassung), não podendo ser tomadas como fatos brutos, mas como elementos que se colocam dentro do quadro da Constituição: a integração, pelo menos indireta, da “res publica” na interpretação constitucional em geral é expressão e consequência da orientação constitucional aberta no campo de tensão do possível, do rela e do necessário. Uma Constituição, que estrutura não apenas o Estado em sentido estrito, mas também a própria esfera pública, dispondo sobre a organização da própria sociedade e, diretamente, sobre setores da vida privada, não pode tratar as forças sociais e privadas como meros objetos.

Esse princípio vai dar a força propulsora e política para que a soberania alimentar seja interpretada sob a luz da constituição. Seguindo a linha de pensamento de Häberle (1997), a unidade da Constituição surge da conjugação do processo e das funções de diferentes intérpretes que por sua vez vão dar arcabouço e fundamento para o próprio sistema democrático.

A soberania alimentar com expressão pluralismo político se legitima e ganha força constitucional nos espaços públicos de decisões. Na medida em que ela vem permeando as próprias normas constitucionais, ela pode contribuir como princípio para real efetivação do direito à alimentação.

3 A SOBERANIA ALIMENTAR OS OBJETIVOS FUNDAMENTAIS DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL

Segundo o art. 3º da C.F, constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, dentre outros: garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais.

Primeiramente, segundo Grau (2003, p. 41)

Ensina Von Jhering que a finalidade é o criador de todo o direito e não existe norma ou instituto jurídico que não deva sua origem a uma finalidade.

Daí a importância das normas-objetivo, que surgem definidamente a partir do momento em que os textos normativos passam a ser dinamizados como instrumentos de governo. O direito passa a ser operacionalizado tendo em vista implementação de políticas públicas, políticas referidas a fins múltiplos e específicos. Pois a definição dos fins dessas políticas é enunciada precisamente em textos normativos que consubstanciam normas-objetivo e que, mercê disso, passam a determinar os processos de interpretação do direito, reduzindo a amplitude da moldura do texto e dos fatos, de modo que nela não cabem soluções que não sejam absolutamente adequadas a tais normas-objetivo.

A contemplação, no sistema jurídico, de normas-objetivo importa a introdução, na sua “positividade”, de fins aos quais ele – o sistema- está voltado. A pesquisa dos fins da norma, desenrolada no contexto funcional, torna-se mais objetiva; a metodologia teleológica repousa em terreno firme.

Interpretaremos a seguir a soberania alimentar de acordo com os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil. Os enlaces são variados e de uma amplitude global, tal como os tempos atuais. A noção de soberania alimentar está profundamente ligada a esses objetivos e a proposta de soberania alimentar, vai além do academicismo, pois traz uma solução simples e real para conjuntura de pobreza, desigualdades sociais e dependência que se fincou a história do Brasil desde sua colonização.

3.1 Garantir o desenvolvimento nacional

Para as trabalhadoras que estiveram em Conferência Especial pela Soberania Alimentar e pelos Direitos – e pela vida a conjuntura atual se agrava pela expansão dos agrocombustíveis que não podem ser considerados “oportunidades” para o desenvolvimento rural e nem para o combate da pobreza, nem como solução para as mudanças climáticas, como dizem governos e instituições internacionais.

 Os agrocombustíveis são uma verdadeira ameaça ao direito à alimentação dos povos, assim como incentiva a mortalidade infantil. Para a Rede Social de Justiça e Direitos Humanos e a Comissão Pastoral da Terra, além da degradação ambiental e do uso indiscriminado dos recursos naturais, o monocultivo da cana-de-açúcar dominará algumas das melhores terras agricultáveis no Brasil[16]. A expansão dessa monocultura irá substituir terras produtoras de alimentos em produção de agroenergia, visando principalmente o lucro. É importante lembrar que o conceito de desenvolvimento não é somente econômico, mas, sobretudo social. Para Eros Roberto Grau

O processo de desenvolvimento deve levar a um salto, de uma estrutura social para outra, acompanhado da elevação do nível econômico e do nível cultural-intelectual comunitário. Daí porque, importando a consumação de mudanças de ordem não apenas quantitativa, mas também qualitativa, não pode o desenvolvimento ser confundido com a idéia de crescimento (GRAU, 2006, p. 216).

Questionemos então: Já que o Brasil conta com um sistema de produção de alimentos de grande dimensão e complexidade, ocupando papel de destaque no comércio internacional, porque o problema da fome ainda não foi solucionado?

Dialogando com Juan Ramón Capella (2002) a lex mercatoria metaestata[17], ou lei de mercado, estabelecida e garantida pelos grandes sujeitos econômicos transnacionais vão afetar os Estados-nações, gerando subdesenvolvimento, desigualdades. O privado invade o público, desregulando de todas as formas as sociedades alvo.

A colonização e parasitação do público por sujeitos particulares, assim como a cessão de capacidade de decisão da esfera pública à esfera privada, são características da legalidade adotada pela nova economia política, em condições de debilidade dos sujeitos sociais (como fica dito, cidadãos, trabalhadores, consumidores) (CAPELLA, 2002, p. 266).

Sem sombra de dúvidas, essa lógica econômica cria, uma forte dependência do Estado nacional frente ao “soberano privado supra-estatal difuso”[18]. Contrariando os objetivos fundamentais da atual constituição brasileira.

O soberano privado supra-estatal está constituído pelo poder estratégico conjunto das grandes companhias transnacionais e sobretudo hoje, dos conglomerados financeiros. Impõe-se mediante instâncias convencionais interestatais, como o G7 (conferências do grupo dos países mais industrializados), central para a regulação do comércio mundial; de instituições como Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, que procedem dos acordos de Bretton Woods, ou da OCDE; também através de instâncias privadas de ciração de direito como as que estabelecem para inter-relacionar-se os grandes grupos econômicos transnacionais; através da lex mercatoria (CAPELLA, 2002, p. 258-259).

É um enigma para o direito contemporâneo a forma de resolver o problema do soberano privado supra-estatal difuso que não tem raízes em território algum e se aproveita de toda fragilidade do estado de direito (quando não garante direitos), para se infiltrar a partir do discurso ilusório de desenvolvimento econômico e garantias de emprego. Digamos que o soberano supra-estatal difuso se aproveita taticamente das demagogias e mitos do próprio estado para barganhar possibilidades de lucro que vão enriquecer um pequeno oligopólio desumano. Afinal ele precisa do Estado para adentrar nos territórios e podem “produzir” e explorar o território, seus recursos naturais e sua força de trabalho.

Porém o Estado-nacional não precisa do soberano privado supra-estatal difuso. Os Estados-nacionais precisam se livrar dessa dependência para adquirirem independência e assim sua autonomia e a tão sonhada sustentabilidade.

Pelo exposto, concluímos que o princípio ambiental-constitucional do desenvolvimento sustentável se coloca coerente com a soberania alimentar que significa um desenvolvimento sustentado da produção de alimentos através das terras, rios e mares pela população local e para o povo; de forma autônoma; com a prudência necessária para que as atuais e futuras gerações usufruam do tesouro da natureza que uma vez roubado não pode ser substituído.

3.2 Erradicar a pobreza e a marginalização

Esse princípio reconhece que no Brasil existem seqüelas sociais da pobreza, da marginalização e as desigualdades.

A soberania alimentar é uma proposta para erradicar não só a fome, mas a pobreza e a marginalização. Ela não compactua com a Revolução Verde que também foi uma tentativa para erradicar a fome. A diferença é que a soberania alimentar pretende realizar esse objetivo constitucional baseada do princípio consagrado pela constituição da autonomia aos povos e não apenas intensificando a produção agrícola com mecanização e uso massivo de insumo químicos (fertilizantes e agrotóxicos). Com a Revolução Verde os estoques mundiais de alimentos aumentaram, mas os problemas da fome e insegurança alimentar não desapareceram.

Uma solução para erradicar a pobreza e a marginalização é aproveitar o conhecimento que o povo tem da sua própria história e ancestralidade e não impondo modelos de consumo e produção que só dissociam a população de sua própria identidade cultural.

O subdesenvolvimento é um estado dinâmico de desequilíbrio econômico e de desarticulação social. Não parece haver dúvida de que a dinâmica dessa dissociação coletiva foi gerada pela industrialização. O setor industrial, nas economias subdesenvolvidas, não surgiu endogenamente, dentro do tecido social, como a natural maturação de seus elementos criadores, vale dizer a acumulação do saber científico, a tecnologia e o surgimento de uma nova classe empresarial. A indústria foi introduzida de fora e permaneceu como elemento artificial no organismo social, uma espécie de prótese invasora (COMPARATO, 1989, p. 103-104).

Ressaltamos quantas vezes forem necessárias que a fome no Brasil e no mundo persiste não pela falta de alimentos no mundo, pois há disponibilidade de alimentos mais que suficientes para toda população. O problema da fome ainda existe porque não há uma distribuição equitativa dos gêneros alimentícios entre as regiões do Brasil e entre os países do mundo. Enquanto em países da África é compreensível que haja fome por causa dos desertos; no Brasil não se pode ter desculpas para o terror da fome, porque é um país extremamente fértil e grande exportador de agrocombustíveis e alimentos.

3.3 Reduzir desigualdades sociais e regionais

O norte e o nordeste do Brasil ainda continuam sendo zonas de fome no Brasil. No caso do Nordeste a monocultura da cana-de-açúcar prejudicou no passado colonial causando fome e enfermidades para população, assim como degradação ambiental e diminuição da fertilidade das terras. Atualmente se repete a mesma praga social, pois atualmente o Brasil é o maior exportador de etanol do mundo.

Em março de 2008 o governo americano assinou um contrato com o Brasil aumentado a exportação de etanol. Um quinto da produção brasileira é exportada, principalmente para os Estados Unidos, mas o álcool brasileiro é sobretaxado em 30 centavos de real por litro para entrar no mercado americano, o que protege os produtores locais de milho, grão que lá é utilizado na produção do etanol. O acordo firmado o presidente Norte americano George W. Bush não acarretou na redução da tarifa. O governo americano tem a intenção de diminuir em 10 anos 20% da produção de combustíveis derivados do petróleo nos Estados Unidos. Com essa política os preços dos alimentos subiram causando grande transtorno a toda população brasileira. (MORENO; MITTAL, 2008).

Mesmo tendo registrados em livros de história e geografia a desastrosa experiência da época colonial dos séculos XVI e XVII relativa a monocultura da cana-de-açúcar, o Brasil continua insistindo na monocultivo da cana-de-açúcar em larga escala. O desastre do modelo se retratou na história na ocorrência da falta de produtos alimentares para atender às necessidades da população regional, assim como está ocorrendo hoje no Recôncavo Baiano como se fosse um “karma” histórico da sociedade que não aprendeu com o sofrimento das gerações passadas.

Reduzir as desigualdades sociais e regionais, portanto perpassa por serem adotadas políticas públicas que incentivem e respeitem a soberania alimentar.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

São fatores que impedem a soberania alimentar e ao mesmo tempo a efetivação do direito à alimentação previsto no art. 6º da atual Constituição Federal Brasileira: I - uso massivo de sementes transgênicas pelas grandes transnacionais; II - a desenfreada monocultura de cana-de-açúcar; celulose e soja; III - o incentivo do governo federal aos agrocombustíveis; IV - a industrialização globalizada dos alimentos; V - a privatização e mercantilização dos alimentos e dos recursos naturais; VI - a maquinização do campo que tira o espaço do trabalhador rural; VII - modelos de desenvolvimento industriais que utilizam em grande quantidade: agrotóxicos e fertilizantes; VIII - o consumo exagerado de carne, gerando devastação na floresta amazônica; IX - práticas abusivas de comércio como o dumping; etc. X - concentração de poder e de recursos nas grandes companhias de produção e de distribuição de alimentos; XI - sistemas de ofertas de alimentos que excluem os pequenos agricultores, que produzem em menor escala.

A soberania alimentar deve ser incentivada pelos Estados Nacionais e Movimentos Sociais que almejam a Reforma Agrária e Justiça Ambiental para impulsionar a verdadeira independência econômica, política e cultural do povo brasileiro e latino-americano. Conquistar a soberania alimentar é o maior desafio da humanidade nos tempos atuais, e é a grande lição que todos teremos que aprender: Agradecer o que vem da natureza, saber cultivá-la e se responsabilizar pelo que nela é produzido. Todas as crianças deveriam aprender esses conhecimentos tão essenciais na escola para passar de geração em geração, garantindo a sustentabilidade e a diversidade cultural do planeta.

Sugerimos que a Soberania Alimentar seja adotada como norma-princípio na constituição federal de 1988, uma vez que a segurança alimentar e o direito à alimentação não são suficientes para garantir as soluções necessárias e substanciais para todos os problemas que gravitam em torno dos alimentos, sua distribuição, produção e consumo.

A soberania alimentar ao mesmo tempo em que trava uma discussão ampla e profunda sobre a indústria de alimentos ela traz consigo a simplicidade do conhecimento popular, apresentando soluções viáveis para o governo. A soberania alimentar valoriza e incentiva a cultura e a sabedoria alimentar dos povos como forma de resistência a um modelo capitalista e neoliberal que nunca foi sustentável, pois sempre gerou excluídos e famintos.

Quando o alimento é produzido e consumido em sua localidade, respeitando seu habitat natural, o custeio de transporte é diminuído e os alimentos já não precisarão atravessar continentes para serem finalmente ingeridos. Através do estudo de caso no Recôncavo Baiano com as Mulheres do Candomblé do MST, podemos concluir que somente com a sabedoria popular de diferentes culturas é que poderá ser construída a soberania alimentar de cada região; assim economizando os recursos naturais, uma vez que vão ser economizados combustíveis, porque o deslocamento não será mais  intercontinental.

Para além do exposto, ainda são necessários estudos sobre os impostos que incidem sobre os alimentos. Se por um lado há uma lacuna na divulgação desses tributos, por outro há uma população que paga impostos e necessita que seus direitos sociais sejam definitivamente cumpridos.

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Notas:

[1] Nourmirio Bittencourt TESSEROLI FILHO.Constituição “Cidadã” de 1988 e a Redemocratização. Disponível em:<http://www.webartigos.com/articles/10117/1/Constituicao-Federal-De-1988-e-a-Redemocratizacao/pagina1.-html> Acesso em: 20 out. 2010.Vale lembrar que esta constituição vai ter profunda inspiração na constituição alemã de Weimer (1919).

[2] Igual à referencia 23 (ibidem).

[3] Ou nas palavras de Ingo Wolfgang SARLET, “É no status positivus que se poderia, grosso modo, enquadrar os assim denominados direitos a prestações estatais, incluindo os direitos sociais, salientando-se aqui a crítica formulada pela atual doutrina no que concerne à localização dos direitos de defesa no âmbito da teoria de Jellinek”. Cf. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 158.

[5]Disponível em: http://www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=114145. Acesso em: 26.09.2010.

[6] Vidas Secas é um romance de Graciliano Ramos (autor brasileiro) publicado em 1938.

[7] Inspirada em Eros Roberto Grau. Cap I.

[8] Jean Ziegler, relator das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO, foi categórico em seu relatório para a Assembléia Geral das Nações Unidas: o aumento da produção de agrocombustíveis causará mais fome no mundo. “A pressa súbita e mal planejada de converter alimentos-tais como milho, trigo, açúcar e óleo de palma- em combustíveis anuncia um desastre”, alertou. Ziegler ainda aponta o risco de se aumentarem as disputas por terras e recursos hídricos, sobretudo nos países pobres, lesando as populações mais carentes. 4. de dezembro de 2007. Jornal Brasil de Fato. Edição especial- transnacionais.

[9] SOBERANIA Segundo Bodin, a S. consiste negativamente em estar liberado ou dispensado das leis e dos usos do Estado; positivamente, consiste no poder de abolir ou criar leis. O único limite da S. é a lei natural e divina (Si.livres de Ia republique, 9a ed., 1576, I, pp. 131-32). O termo e o conceito foram aceitos por Hegel: "As duas determinações, de os negócios e os poderes particulares do Estado não serem autônomos e estáveis nem em si mesmos, nem na vontade pessoal dos indivíduos, mas de terem raízes profundas na unidade do listado —que outra coisa não é senão a identidade deles – constituem a S. do Estado" ( do dir.,§ 278). Hegel esclarece esta noção dizendo: "O idealismo que constitui a S. é a mesma determinação segundo a qual, no organismo animal, as chamadas partes deste não são partes, mas membros, momentos orgânicos cujo isolamento ou existência por si é enfermidade" (Ibid.,§ 278). Essas determinações de Hegel são dirigidas contra o princípio afirmado pela Revolução Francesa, de que a S. está no povo. Rousseau qualificara de soberano o corpo político que nasce com o contrato social (Conlrat social, I, 7) e assim definira o seu poder: "O corpo político ou soberano, cujo ser deriva tão-somente da santidade do contrato, nunca pode obrigar-se, nem mesmo em relação a outros, a nada que derrogue aquele ato primitivo, que seria a alienação de alguma parte de si mesmo ou a sua submissão a outro soberano. Violar o ato graças ao qual existe significaria anular-se; e o que nada é nada produz " (Ibid., I. 7). Portanto, o princípio da S. é ser o poder mais alto em certo território: isso não significa poder absoluto ou arbitrário. Para a moderna teoria do direito, a S. pertence à ordenação jurídica (v. ESTADO), sendo entendida como a característica em virtude da qual "acima cia ordenação jurídico – estatal não existe outra" (II. KHLSKN. General'íheoiyofl.aii'and State, 1945; trad. it., p. 390). Segundo Kelsen, se admitirmos a hipótese da prioridade do direito internacional, o Estado pode ser considerado soberano apenas em sentido relativo; se admitirmos a hipótese da prioridade do direito estatal, pode ser chamado de soberano no sentido absoluto e originário da palavra. A escolha entre as duas hipótesesé arbitrária (Ibid., p. 391). ABBAGANO, Nicola. Dicionário de filosofia.- 21 ed. - São Paulo: Martins Fontes, 2007.

[10]  “O bourgeois é o que serve a si mesmo, servindo indiretamente ao Estado (a comunidade); o cidadão grego, o que serve ao Estado, servindo indiretamente a si mesmo. O cidadão de Hegel é o que no plano ético serve ao Estado servindo a si mesmo e, ao servir a si mesmo, tem como finalidade servir ao Estado” Joaquim Carlos Salgado (A idéia de justiça em Hegel, Edições Loyola, São Paulo, 1996, p. 366).

[11] A lei n.º 8.974 regulamentaos incisos II e V do § 1º do art. 225 da Constituição Federal, Estabelece Normas para o Uso das Técnicas de Engenharia Genética e Liberação no Meio Ambiente de Organismos Geneticamente Modificados, Autoriza o Poder Executivo a Criar, no Âmbito da Presidência da República, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, e dá outras Providências.

[13] Para Engels o fator decisivo para transição do maçado em homem foi a partir do momento em que um grupo de macacos não precisavam mais utilizar as mãos para caminhar, adquirindo assim, a postura ereta, tendo as mãos livres. ENGELS, Friedrich. Sobre o papel do trabalho na transformação do macaco em homem [1876]. In: ENGELS, Friedrich; MARX, Karl. Obras escolhidas. São Paulo: Alfa-Omega, s.d., v. II.

[14] Expressão utilizada pela via campesina em protestos contra as empresas transnacionais que priorizam a produção de etanol ao invés de priorizar a produção de alimentos saudáveis para população.

[15] “O campo sempre foi um celeiro disponível para repor continuamente os trabalhadores da cidade, ou para complementar os ciclos da produção na cidade por meio de expedientes na economia informal que barateavam os custos da própria reprodução da força de trabalho”. GOHN, Maria da Glória. Teoria dos movimentos sociais. São Paulo: Loyola, 1997. (p. 214).

[16] In: Agroenergia: mitos e impactos na América latina. Org. Comissão Pastoral da terra e Rede Social de Justiça e direitos humanos, 2007. Já foi citado anteriormente. (ibidem)

[17] Segundo o autor: “A expressão lex mercatoria se volta a usar contemporanamente para designar um conjunto de práticas jurídicas dos grandes agentes econômicos [...] é direito criado diretamente pelo soberano privado supra-estatal [...] ela consiste justamente em ser um direito extrajurisdicional”.

[18] Essa expressão é utilizada por Capella (2002) para designar empresas transnacionais ou multinacionais que são tão poderosas quanto os próprios Estados, exercendo influência política e econômica mesmo tendo a natureza privada e difusa, porque não tem nacionalidade específica.