Sistemas Processuais Penais


PorPedro Duarte- Postado em 25 fevereiro 2013

Autores: 
Irving Marc Shikasho Nagima

Trata-se de estudo sobre os sistemas processuais penais - inquisitório, acusatório e misto - na visão do princípio unificador de cada sistema.

INTRODUÇÃO

Para entender os sistemas processuais penais é necessário, antes de qualquer coisa, compreender o significado da palavra “sistema”. Etimologicamente, sistema – no viés jurídico– é o conjunto de normas, coordenadas entre si, intimamente correlacionadas, que funcionam como uma estrutura organizada dentro do ordenamento jurídico. Na visão de Paulo Rangel, é o conjunto de princípios e regras constitucionais, de acordo com o momento político de cada Estado, que estabelecem as diretrizes a serem seguidas para a aplicação do direito no caso concreto.

Assim, para que haja um sistema, é imperiosa a existência de uma idéia fundante e de um conjunto de normas que decorre dessa premissa. Basta, portanto, identificar o princípio unificador de cada sistema processual penal para saber de qual sistema estar-se-á tratando. Todo sistema é, portanto, regido por um único princípio unificador (idéia fundante) e, daí decorre as demais normas que devem ser interpretadas sob essa ótica.

Pois bem.

São três os sistemas processuais penais existentes no ordenamento jurídico: a) sistema inquisitório ou inquisidor; b) sistema acusatório; c) sistema misto, reformado, napoleônico ou acusatório formal.

SISTEMA INQUISITÓRIO

A origem da nomenclatura do sistema inquisitivo vem da inquisição (Santa Inquisição – Tribunal Eclesiástico), que possuía como finalidade a investigação e punição dos hereges, pelos membros do clero.

No sistema inquisitivo é o juiz quem detém a reunião das funções de acusar, julgar e defender o investigado – que se restringe à mero objeto do processo. A idéia fundante deste sistema é: o julgador é o gestor das provas, i.e., o juiz é quem produz e conduz as provas.

O sistema inquisidor possui as seguintes características: a) reunião das funções: o juiz julga, acusa e defende; b) não existem partes – o réu é mero objeto do processo penal e não sujeito de direitos; c) o processo é sigiloso, isto é, é praticado longe “aos olhos do povo”; d) inexiste garantias constitucionais, pois se o investigado é objeto, não há que se falar em contraditório, ampla defesa, devido processo legal etc.; e) a confissão é a rainha das provas (prova legal e tarifação das provas); e f) existência de presunção de culpa? O réu é culpado até que se prove o contrário.

O juiz, gestor da prova, busca a prova para confirmar o que pensa (subjetivismo) sobre o fato (idéia pré-concebida), onde as provas colhidas são utilizadas apenas para comprovar seu pensamento. Ele irá fabricar as provas para que confirme sua convicção sobre o crime e o réu. Para tanto, utiliza-se principalmente da confissão do réu, obtida mediante tortura ou outro meio cruel, para obter as respostas que lhe convir. Em outras palavras, o julgador – representante de Deus na Terra –produz provas para confirmar o fato, utilizando-se de todos os meios – lícitos ou não (máxima de Maquiavel) – para obter a condenação do objeto da relação processual.

Em um breve parêntese, pode-se notar que a delação premiada surge nesta época da inquisição, diante da confissão dos fiéis perante a autoridade eclesiástica (padre, bispo, etc.). Deste modo, o clero detinha poder sobre a comunidade, sabendo tudo que se passava no local, diante das confissões e delações dos fiéis.

Também, é neste período que as provas são tarifadas/valoradas. O testemunho de um clero ou nobre possuíam valores muito maiores, por exemplo, ao de uma mulher. A confissão é absoluta e irretratável (daí a expressão rainha das provas).

A crítica feita a este sistema processual, difundida por Juan Montero Aroca, é de que há contradição terminológica entre sistema processual inquisitivo e processo, alegando que processo pressupõe a aplicação das garantias processuais. Tal crítica é rebatida diante do conceito de processo, que se restringe ao instrumento para concretização do direito material.

SISTEMA ACUSATÓRIO

Diversamente do sistema inquisitório, sua antítese é o sistema processual acusatório, que possui como princípio unificador o fato de o gestor da prova ser pessoa/instituição diversa do julgador. Há, pois, nítida separação entre as funções de acusar, julgar e defender, o que não ocorria no sistema inquisitivo. Destarte, o juiz é imparcial e somente julga, não produz provas e nem defende o réu.

Os prováveis precursores desse sistema processual são: a) Magna Carta; b) Petition of Rights; c) Bill of Rights; d) secularização; e) iluminismo.

Para facilitar a compreensão desse sistema, eis suas principais características: a) as partes são as gestoras das provas; b) há separação das funções de acusar, julgar e defender; c) o processo é público, salvo exceções determinadas por lei; d) o réu é sujeito de direitos e não mais objeto da investigação; e) consequentemente, ao acusado é garantido o contraditório, a ampla defesa, o devido processo legal, e demais princípios limitadores do poder punitivo; f) presume-se a não culpabilidade (ou a inocência do réu); g) as provas não são taxativas e não possuem valores preestabelecidos.

Para diferenciar o sistema acusatório do sistema inquisitório, observe-se o quadro abaixo:

 

Características/sistemas

Sistema inquisitório

Sistema acusatório

Princípio unificador

O juiz é o gestor das provas.

As partes é que são gestoras das provas.

Funções acusar, defender e julgar

Reunidas nas mãos do juiz.

Separadas.

Atos do processo

Sigilosos.

A regra é a publicidade dos atos do processo, salvo exceções legais.

Réu

Objeto da investigação.

Sujeito de direitos.

Garantias

Não há contraditório, ampla defesa ou devido processo legal.

Todas as garantias constitucionais inerentes ao julgamento.

Provas

Taxativas, onde a confissão é a rainha das provas.

Livre convencimento do juiz e devidamente motivadas.

Presunção

De culpabilidade, podendo utilizar-se de torturas e meios cruéis para obter a confissão.

De não culpabilidade ou de inocência.

Julgador

É parcial.

É imparcial, eqüidistantes das partes.

Ainda, com relação às provas, no sistema acusatório puro, não é possível a realização/determinação de provas pelo juiz, de ofício, sob pena de fazer às vezes das partes (neste sentido, Luiz Flávio Gomes, Mirabete, Tourinho Filho, Scarance, etc.), embora haja entendimento diverso (Paulo Rangel, Norberto Avena etc.). A corrente contrária fundamenta-se no princípio da verdade real, no entanto, esse princípio, como parte do sistema acusatório, e diante de sua interpretação teleológica e sistemática, não permite – por si só – que o juiz produza provas ou recorra de ofício, v.g., sem determinação pelas partes (p. ex Lei de Falências, Lei de Economia Popular, Lei do Crime Organizado, Lei de Interceptação Telefônica, demais dispositivos do CPP).

Contudo, em um sistema acusatório não puro (ou aparência acusatória), como adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro, é possível a realização de provas – ex officio – pelo julgador. Todavia, nosso Código de Processo Penal (e não o processo penal que não está adstrito ao CPP) ainda resguarda resquícios de um sistema processual penal misto, conforme veremos a seguir.

SISTEMA MISTO

Por fim, o sistema processual misto contém as características de ambos os sistemas supracitados. Possui duas fases: a primeira, inquisitória e a segunda, acusatória. Tem origem no Código Napoleônico (1808).

A primeira fase é a da investigação preliminar. Tem nítido caráter inquisitório em que o procedimento é presidido pelo juiz, colhendo provas, indícios e demais informações para que possa, posteriormente, embasar sua acusação ao Juízo competente. Obedece as características do sistema inquisitivo, em que o juiz é, portanto, o gestor das provas.

A segunda fase é a judicial, ou processual propriamente dita. Aqui, existe a figura do acusador (MP, particular), diverso do julgador (somente o juiz). Trata-se de uma falsa segunda fase, posto que, embora haja as demais características de um sistema acusatório, o princípio unificador (idéia fundante) ainda reside no juiz como gestor da prova.

Há uma corrente doutrinária que diz que o sistema processual brasileiro é misto (Tornaghi, Mougenot), aduzindo sua dupla fase: a) a fase investigatória, de características inquisitórias, visto que é pré-processual; b) fase judicial, com características acusatórias, iniciada após o recebimento da denúncia ou queixa. A crítica a esta corrente cinge-se ao caráter administrativo (extraprocessual) da investigação preliminar (inquérito policial, p. ex.).

CONCLUSÃO

A guisa de uma conclusão, pode-se afirmar que o sistema processual penal é definido a partir de uma idéia fundante (premissa ou princípio unificador), em que todas as demais características e normas devem ser interpretadas de acordo com essa ideia. Conhecida essa premissa, é possível distinguir o que sistema está se tratando.

Importante frisar que os sistemas processuais são intimamente interligados com o modelo político de Estado. Vale dizer que quanto mais o Estado aproxime ao autoritarismo (ditadura, monarquia), mais reduzidos ficam as garantias do réu, e mais se aproxima ao sistema inquisitório. O contrário também é verdadeiro: quanto mais o Estado se aproxime à democracia e ao Direito, maiores ficam as concessões de garantias e, por conseguinte, mais se aproxima ao modelo acusatório puro. Por fim, vale ressaltar que não existem sistemas puros.

 

 

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