A responsabilidade civil do devedor insolvente em consonância com a aplicabilidade imediata do preceito constitucional ao mínimo existencial


PorJeison- Postado em 10 abril 2013

Autores: 
VASCONCELOS, Linda Silveira de.

 

RESUMO: A responsabilidade civil contratual do devedor economicamente hipossuficiente será correlacionada com a ideia do atual descrédito do instituto da insolvência civil no ordenamento jurídico brasileiro, bem como a contingência da constitucionalização do direito privado que resguarda ao devedor a aplicabilidade direta do princípio da dignidade da pessoa humana, assegurando a ele um dos direitos constitucionais mais salutares em sua situação, concernente ao mínimo existencial. Para tanto foram realizados diversos estudos doutrinários – clássicos e modernos -, assentindo, inclusive, a pesquisas jurisprudenciais capazes de oferecer subsistência ao posicionamento construído. O estudo pode ser traduzido como crítica favorável à impenhorabilidade de certos bens essenciais à própria subsistência do devedor e também como questionamento à durabilidade fática do instituto da insolvência civil no cenário jurídico - e também político - brasileiro, onde o incentivo indiscriminado ao consumo consubstancia cada vez mais a situação de superindividamento.

 

PALAVRAS-CHAVE: Responsabilidade civil; Hipossuficiência econômica; Mínimo existencial.


1.  INTRODUÇÃO:

 

As relações jurídicas brasileiras guardam peculiaridades que devem ser destacadas e questionadas pelos operadores do direito, considerando que o ordenamento jurídico prevê diversos mecanismos que podem ser invocados com o objetivo de individualizar cada situação invocada nessas relações, tornando mais justa a aplicação do direito.

 

O instituto da responsabilidade civil contratual garante o dever de indenizar em nosso ordenamento jurídico, perseguindo os bens daquele que descumpre culposamente a avença contratual. A partir da verificação do descumprimento contratual nasce para o credor o direito de usufruir dos meios coercitivos do Estado para ver cumprida a obrigação contraída e é exatamente nesse momento da relação privada que o legislador optou por resguardar de forma admirável a dignidade do devedor, introduzindo normas que conferem diversas possibilidades de proteção à sua subsistência.

 

A repersonalização do direito civil, cuja trajetória tem como marco inicial a Revolução Francesa, com a introdução de uma Constituição escrita em 1791 e do Código Civil Napoleônico em 1804, fez com que toda a construção decorrente da proteção exacerbada do ideal burguês fosse descaracterizada e substituída pela proteção da dignidade da pessoa humana, trazendo uma inversão de valores que antes correspondiam somente aos dissídios de cunho patrimonial.

 

As relações jurídicas privadas passam a ser dirimidas por uma estrutura axiológica desprovida da deturpação da supervalorização do patrimônio, fazendo-se entender, agora, por uma Constituição delineada de valores que resguardam a pessoa como destinatária de direitos.

 

2.  A RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL DECORRENTE DO INADIMPLEMENTO OBRIGACIONAL E SUA RELAÇÃO COM A QUALIDADE DE INSOLVÊNCIA DO DEVEDOR:

 

O instituto da responsabilidade civil possui diversas subdivisões em sua concepção, em razão das mais variadas formas de origem das relações obrigacionais no direito brasileiro. Em uma subdivisão mais abrangente, apresentam-se incontroversas as espécies de responsabilidade civil - a contratual e a extracontratual - que são classificadas a partir da preexistência, ou não, de uma relação jurídica negocial.

 

A responsabilidade civil encontra seu ponto de partida na atuação humana contrária aos preceitos legais, capaz de violar normas jurídicas e causar prejuízo a outrem. Desta característica nasce a conceituação de ato ilícito, instituto responsável por demonstrar uma forma delineada da complexidade dos atos que tornam certo o dever de indenizar[1].

 

Mas essa não é uma concepção única. Além da violação de uma norma jurídica legalmente estabelecida, impende observar que a responsabilidade civil encontra sua origem também na convenção negocial, naquela relação em que a manifestação de vontade inicial é capaz de estabelecer um vínculo factível entre seus protagonistas, fazendo com que o resultado da negociação prévia seja transformado em verdadeira norma privada, tornando os contraentes responsáveis por tudo aquilo que acordaram e eventual inexecução em infração contratual.

 

A infração contratual retrata a transgressão de um dever jurídico preestabelecido entre as partes, transgressão esta que poderá se revelar como uma das formas de exteriorização da culpa que justifica a ação posterior com intuito de restabelecer o equilíbrio perdido com o resultado da conduta transgressora (statu quo ante). Toda e qualquer conduta que venha a ultrapassar diretrizes preestabelecidas, por ato voluntário de seu agente, contempla a culpa, sejam elas provenientes diretamente do ordenamento jurídico ou convencionadas através do consentimento recíproco das partes.

 

Ocorre que o inadimplemento obrigacional voluntário fará com que a atenção do interessado seja direcionada ao devedor, a fim de que sua conduta se submeta a uma análise capaz de identificar a motivação do descumprimento obrigacional. A culpa corresponde à conduta intencional, ou não, direcionada ao descumprimento contratual. A propósito, a culpa no direito civil difere daquela como colocada em concepção criminalista, aqui ela abrange o dolo e a culpa em sentido estrito, exteriorizada através da negligência, da imprudência ou da omissão, diferentemente do que ocorre na esfera pública.

 

A culpa que contribui para a indispensável violação de um preceito convencionado pelas partes é de extrema relevância, seja em razão de sua complexidade fática e também processual, como pelo papel que exerce no próprio caráter do contratante transgressor.

 

A responsabilidade civil prevê hipóteses de culpa legalmente presumida, circunstância que irá refletir também no plano processual, uma vez que acarretará na inversão do ônus da prova, cumprindo ao devedor comprovar que não agiu com culpa e bastando que o polo ativo da relação contratual demonstre que a obrigação avençada não fora cumprida conforme estabelecido em âmbito negocial. No entanto, tal presunção mostra-se como regra geral e deve sempre ser analisada à luz do caso em concreto, sendo indispensável a análise do gênero da obrigação assumida no acordo[2].

 

Além dessas acepções acerca da culpa, tem-se que na academia brasileira, não raras vezes, termos como mora e inadimplemento absoluto costumam ser utilizados como sinônimos ou, além disso, empregados para denominar simplesmente o descumprimento de uma obrigação, mas sem cuidar do real significado que compõe cada uma dessas expressões.

 

Ora, ocorre que ambos os termos possuem uma carga conceitual densa e, quando empregados erroneamente, podem gerar grandes confusões no momento de interpretação da composição escrita correspondente. A forma mais simples de decidir qual denominação será aplicável à situação em concreto será atentar para a possibilidade ou impossibilidade de efetivação do cumprimento da obrigação acertada.

 

A nomenclatura mora será corretamente empregada quando vier relacionada a uma obrigação que, de alguma forma e ainda que fora da maneira, local e tempestividade acertados anteriormente, ainda poderá ser cumprida pelo devedor, como o pagamento de quantia certa posterior ao dia de vencimento, por exemplo, dando origem, também, ao inadimplemento relativo.

 

Inadimplemento absoluto, por sua vez, deverá ser empregado somente quando houver a impossibilidade ou desnecessidade, para o credor, do cumprimento da prestação, como é o caso, por exemplo, do descumprimento de uma obrigação de fazer fiduciária com previsão contratual preestabelecida de local e horário.

 

Portanto, não se pode afirmar que aquele que deixou de cumprir obrigação de pagar quantia certa inadimpliu absolutamente no seu dever contratual, mas sim está em mora com o credor, vigorando, neste caso, o inadimplemento relativo e incidindo a mora obrigacional, pois continua sendo facultado ao devedor, inclusive, e a qualquer tempo, seja em sede de execução forçada ou não, realizar a prestação que lhe é incumbida, pois assim convém ao desespero do credor.

 

A obrigatoriedade contratual é o pilar fundamental entre as relações negociais privadas e devem ser cumpridas por ambos os polos. O devedor deve efetuar completamente a prestação assumida, assim como o credor deve exigir o cumprimento do negócio pelo devedor na forma, tempo e local estabelecidos em sede negocial. Trata-se de norma estabelecida diretamente pelas partes, obrigando-as, e assim permanecerá até que somente elas, querendo, rescindam voluntariamente o contrato ou sobrevenha motivações externas que acarretem diretamente seu descumprimento, como é o caso do caso fortuito ou força maior[3].

 

 A força vinculante do contrato não permite sequer seja ele rediscutido em palco judicial, a menos que alguma excepcionalidade venha a miná-lo, oportunidade em que a intervenção do Estado faz-se de extrema necessidade, já que elididas as diretrizes da relação privada.

 

A inexecução contratual voluntária estará configurada quando a transgressão de um dever jurídico privado for imputável ao devedor. Para isso, a imputabilidade não restará perfeita senão pelo liame subjetivo entre o fato e o dano contratual. Porém, nem sempre que configurado todo esse quadro de inexecução voluntária o devedor terá a incumbência de indenizar o credor em perdas e danos, uma vez que isso somente ocorrerá quando houver a impossibilidade de cumprimento da prestação, o que também não é o propósito do presente estudo.

 

Do postulado emergem três princípios concernentes à responsabilidade contratual, a saber: a uma, a imprescindibilidade, para sua configuração, da existência de um vínculo contratual entre credor e devedor; a duas, a necessidade de violação do contrato, no todo ou em parte, por um ou ambos os contratantes ou por um terceiro; a três, a ocorrência necessária de um liame de causalidade entre o dano e a inexecução contratual, quer em relação à obrigação principal, que relativamente à acessória[4].

 

O devedor que futuramente venha a ser declarado insolvente irá possuir obrigações de pagar quantia certa, por isso bastará que o devedor restaure o objeto do contrato. O descumprimento da obrigação de pagar quantia certa constituirá sempre em mora o devedor, considerando que o inadimplemento deste tipo específico de relação obrigacional é relativo e nunca se perde por completo a possibilidade de sua realização, podendo ele ser cumprido a qualquer tempo pelo devedor, despertando sempre a atenção especial credor, pois, obviamente, a pecúnia jamais será inútil a ele.

 

A mora exre[5] depende ainda de alguns requisitos indispensáveis, como a liquidez e o vencimento da dívida. O credor que, movido pela má-fé, ingressar em juízo buscando pagamento forçado de dívida não vencida ficará obrigado a esperar o tempo que falta para o vencimento da mesma e descontar os juros que incidiram até ali, além de pagar as custas em dobro. Por outro lado, aquele que agiu de boa-fé somente deverá pagar as custas da ação que será julgada extinta por falta de interesse.

 

Coaduna com a qualidade de insolvência do devedor a ideia de inadimplemento voluntário, pois ao assumir diversas obrigações de dar quantia certa, com uma multiplicidade de credores, faz com que todo o seu patrimônio seja fielmente comprometido, compromissos estes que irão resultar em consequências sérias à sua própria subsistência.

 

Neste ponto, tem-se como certa, mas não única, a infração contratual voluntária cometida pelo devedor que deixa de cumprir seu percentual obrigacional na avença estipulada na esfera privada negocial, sendo exigível através de ação executiva direta, ofertando-se ao credor a possibilidade de usufruir dos mais diversos poderes de império do Estado para ver cumprida a obrigação posta no negócio jurídico.

 

A situação jurídica do devedor economicamente hipossuficiente retrata necessariamente a incidência da culpa, esta que na maioria das vezes não incide somente na figura do devedor, mas também naqueles que negociaram com o futuro devedor. Certa é a culpa do contraente que obrigou-se para além do patrimônio que possuía, tornando, em verdade, ainda mais precária a empreitada percorrida por seus credores. Mas também é possível vislumbrar a ausência do dever de cuidado objetivo daqueles que facilitam em demasia o acesso da grande massa ao crédito.

 

A situação atual do Brasil retrata o induzimento ao consumo extremo e descontrolado que assola as mais diversas classes sociais e os mais diversos públicos, convencendo a massa a contrair obrigações exorbitantes através da fantasia do pagamento fácil e em pequenas (e perpétuas) parcelas. Mas ao final de toda a procedibilidade de marketing e, em uma concepção hipócrita recorrente, o único culpado pelas dívidas assumidas será o devedor, e não os grandes empresários que iludem a massa culturalmente desfavorecida[6][7].

 

A busca pelo cumprimento de um contrato, por sua própria natureza, é atividade extremamente difícil no direito brasileiro, mais ainda será se essa busca estiver direcionada ao patrimônio do devedor que não possui meios capazes de suprir com as dívidas contratuais que assumiu, tornando prejudicado o próprio caráter fático de sua responsabilidade patrimonial[8].

 

3. A INEFICIÊNCIA DOS MECANISMOS EXPROPRIATÓRIOS DA FUNÇÃO EXECUTIVA NA FASE PÓS-DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA DO DEVEDOR ECONOMICAMENTE HIPOSSUFICIENTE:

 

Pretensa a ideia do devedor insolvente constituído como pessoa física desprovida de bens suficientes capazes de gerir todas as obrigações convencionadas, inexistindo bens expropriáveis que viabilize, no mundo dos fatos, a transferência de patrimônio ao credor. O devedor adota a qualidade de insolvente quando sobrepõe expressiva quantidade de obrigações que ultrapassam o valor de patrimônio suficiente para fomentá-las.

 

De plano assegura-se que o conceito de devedor insolvente difere amplamente do conceito de falência, pois esta constitui consequência obrigacional que serve apenas para o devedor que exerce função comercial, sendo esta uma das principais distinções entre os dois institutos[9].

 

Contudo, aspecto semelhante ao da falência é o processo que fará do devedor civil um devedor insolvente, processo que irá culminar na produção de diversos efeitos importantíssimos para essa complicada relação jurídico-processual que é a execução por quantia certa contra devedor insolvente.

 

De início cumpre destacar que precedentes jurisprudenciais recentes firmaram entendimento que a inexistência de bens penhoráveis[10] na esfera patrimonial do devedor, uma vez que o interesse processual executivo sempre estará presente em razão da natureza jurisdicional constitutiva da demanda[11][12]Ora, a própria qualidade de insolvência do devedor limita a pretensão dos credores, pois seu conceito pressupõe a insuficiência patrimonial para satisfazer a exigência de todos os títulos contra si apontados.

 

Somente com a propositura da ação executória coletiva – ou, como chamada por parte da doutrina, executória universal - será possível obter a declaração do devedor como insolvente e também a construção de meios capazes de resolver os diversos créditos existentes contra ele. Faz-se indispensável percorrer os caminhos dessa espécie complexa de ação, com o propósito de melhor analisar todas as facetas que envolvem o procedimento e a dogmática social inserta no tema ora retratado.

 

Mediante a ação executória coletiva, todos os credores do devedor poderão obter a declaração de insolvência e tomar conhecimento de todos os bens que fazem parte do patrimônio do devedor, partindo então para a expropriação forçada de todos os bens suscetíveis de penhora, consumando-se, por fim, o rateio do todo arrecadado, dentre os credores, satisfazendo seus créditos e extinguindo-se a ação.

 

A ação executória coletiva, ou universal, se subdivide em três fases necessárias: a fase inicial, que percorre desde a instauração da demanda até a sentença declaratória da insolvência; a fase instrutória, que irá da nomeação do administrador até a apuração dos créditos do devedor insolvente e; a final, constituída a partir da realização do patrimônio até a extinção do processo, caso transcorra tudo dentro da normalidade, o que nem sempre é possível, conforme demonstra-se neste estudo[13].

 

Para a viabilidade da ação universal, em um primeiro momento, são indiscutivelmente necessários alguns pressupostos que deverão ser levados em conta no momento de sua propositura, como é o caso da capacidade postulatória, da competência do juízo e da legitimidade das partes. A observância desses três requisitos antecede o oferecimento da ação coletiva de declaração de insolvência, já que sem eles ela sequer será possível juridicamente.

 

A capacidade postulatória, ou simplesmente jus postulandi, não diferente dos demais casos previstos no Código de Processo Civil, comparece como sendo a necessidade de intervenção obrigatória de advogado na ação executiva universal, para que os atos processuais sejam revestidos de validade jurídica. A petição inicial deverá ser formulada, privativamente, por advogado inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil. Além disso, a peça inicial em processos dessa natureza, em especial nos casos de insolvência voluntária, possui caráter particular e por esta razão deve ser proposta pelo advogado constituído pelo insolvente mediante mandato com poderes especiais para confessar, pois ainda que essa exigência seja atributo convencional do depoimento pessoal, o Artigo 38, caput, do Código de Processo Civil exige que assim se prossiga, já que não se pode negar que a ação executiva universal envolve o reconhecimento de um fato que é a própria declaração de insolvência[14].

 

No plano da competência, problemática particular se instala, uma vez que diferentes conclusões serão evidenciadas a respeito tanto de uma perspectiva da ação executiva de insolvência voluntária, como de insolvência necessária. Em se tratando de insolvência voluntária, estabelece o Artigo 760, caput, do Código de Processo Penal que a petição inicial deverá ser endereçada “ao juiz da comarca em que o devedor tem seu domicílio” e com isso soluciona qualquer dúvida remanescente a respeito das outras diversas regras de competência atinentes, em particular, aos diversos títulos executivos de que têm posse seus credores[15]. Já em se tratando, por outro lado, de insolvência necessária, requerida por qualquer credor quirografário e indispensavelmente instruída com título executivo judicial ou extrajudicial, deverá o exequente seguir a regra de competência geral específica para a ação executória correspondente ao título que possui. Ambas as espécies de insolvência deverão percorrer seu caminho em um único juízo, pois pretensa a ela a relação exata de todos os credores e a arrecadação total dos bens do devedor.

 

A legitimidade ativa[16], por seu turno, revela a capacidade legal conferida a alguns para propor a ação executiva para declaração de insolvência. Essa legitimidade transmite a força da iniciativa daqueles contemplados no rol legal, força essa que não poderá ser suprida sequer pelo Magistrado, este que está vinculado ao princípio da inércia (Artigo 626 CPC), portanto proibido de agir de ofício até mesmo para reconhecer a insolvência do devedor. São legitimados legalmente para propor a ação executiva de insolvência os credores quirografários, o próprio devedor, assim como o espólio do devedor.

 

Já no polo da legitimidade passiva, que tem origem, assim como a legitimidade passiva, no título executivo, podem figurar, por óbvio, o próprio devedor, que poderá ser pessoa física ou jurídica desde que não exerça atividade empresarial, ou o espólio do devedor, que assim figurará caso venha a falecer o devedor civil antes ou durante o curso da ação executiva universal. Neste diapasão, há a possibilidade de se instalar o litisconsórcio, ativo ou passivo nessa relação processual, o primeiro que decorre da multiplicidade de credores em busca de satisfazer seus créditos através da expropriação dos bens do devedor, e o segundo evidenciado nos casos em que o devedor mantém matrimônio em regime de comunhão universal de bens.

 

Na insolvência necessária, deverá o credor apresentar concomitantemente ao requerimento da declaração de insolvência do devedor, o título executivo correspondente, fazendo prova do descumprimento por parte do devedor e também de sua imputabilidade[17]. Situação um pouco diversa ocorre no caso da insolvência voluntária, oportunidade em que nem prova da existência de dívidas lhe incumbe produzir e, além disso, nem mesmo haverá necessidade de demonstrar a insuficiência patrimonial para arcar com essas dívidas - não comprovadas - que também podem estar apenas vincendas. Mas então quais motivos teria o legislador para agir com o que aparenta ser um grande descaso com o devedor? Ora, presume-se que o devedor, ao tomar decisão com expressiva magnitude, conhece as consequências de declaração que pretende e assim assinta com ela.[18]

 

O juiz, em sede de insolvência necessária, ao deferir o pedido formulado por credor quirografário, irá declarar a insolvência do devedor e, automaticamente, preencher o requisito essencial da execução universal, partindo o processo para uma nova fase que é a de instrução. Diante disso, diversos efeitos processuais e materiais[19] irão decorrer dessa declaração que inaugura a execução concursal.

 

Todavia, tais efeitos merecem ser lembrados apenas para instruir o leitor, pois sua análise minuciosa não faz parte do propósito deste estudo, com exceção do efeito processual da arrecadação dos bens do devedor. Este importantíssimo efeito torna possível mensurar a extensão do patrimônio do devedor insolvente.

 

Cumpre ressaltar, que é exatamente neste momento processual que será possível identificar a existência de bens capazes de suprir com os diversos compromissos obrigacionais assumidos pelo devedor insolvente, sendo rotineira a descoberta de que, além de insolvente, encontra-se em uma situação econômica hipossuficiente, ou seja, não provêm sequer recursos capazes de suprir suas próprias necessidades, acarretando uma inutilidade absoluta dos meios expropriatórios previstos no ordenamento jurídico brasileiro[20].

 

Nesse contexto, a declaração de insolvência do devedor culmina na arrecadação de todos os bens que formam seu patrimônio. A arrecadação de todos os bens penhoráveis e inclusive os bens futuros, irão formar a massa destinada a saciar os créditos postos em concurso. O procedimento da arrecadação seguirá o mesmo conferido à penhora, que ao contrário de depositário terá o administrador.

 

Mas nada disso será viável na hipótese do devedor possuir apenas bens impenhoráveis em seu patrimônio subjugando-se economicamente hipossuficiente. De nada terá valido tantos atos dispendiosos percorridos desde o requerimento da declaração de insolvência e posterior instauração de ação executiva universal, isso porque acertadamente a jurisprudência assentou entendimento de que as regras de impenhorabilidade aplicam-se no concurso universal[21], não existindo motivos plausíveis para que se prosseguisse no contrário.

 

Nada será capaz de mudar o quadro da situação desoladora que suporta o devedor, muito pior do que aquela enfrentada por seus credores já que o quadro brasileiro do padrão credor/devedor demonstra a constante vantagem de um sobre o outro. Ainda que a legislação possibilite aos credores a expropriação dos bens futuros esses muito dificilmente virão a existir, diante da precária situação econômica que ele está inserido.

 

Específico a essa situação o legislador estabeleceu a suspensão do processo de execução quando o devedor não possuir bens suscetíveis de penhora ou quando evidente que o produto da execução dos bens encontrados será totalmente absorvido pelo pagamento das custas do próprio processo de execução.

 

Portanto, hoje em dia formou-se a plena descrença no instituto de insolvência civil, seja ela necessária ou voluntária, pois ainda que prevista sua possibilidade em nosso ordenamento, dificilmente será ela adotada pelos credores ou até mesmo pelo próprio devedor, em razão das péssimas consequências que acarreta para ambos os polos da relação jurídica.

 

Não seria radical, diante do cenário crítico atual, afirmar que um credor, conhecendo a situação econômica do devedor, que além da dívida que possui para consigo possui diversas outras, jamais ingressaria com ação de declaração de insolvência necessária, esta que teria por consequência direta a arrecadação de todos os demais credores e o rateio de todos os bens do devedor entre eles. Da mesma forma cabe a afirmação quando tratar-se da busca insana da declaração judicial voluntária da insolvência que traz em seu conteúdo consequências capazes de gerir a morte social de uma pessoa, já que será incapaz até mesmo de administrar seus próprios bens ou de dispor deles como bem preferir.

 

4. A MAGNITUDE DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E A APLICABILIDADE IMEDIATA DO DIREITO AO MÍNIMO EXISTENCIAL NA SITUAÇÃO DE HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA DO DEVEDOR:

 

A constitucionalização do direito surgiu fazendo referência aos efeitos das normas hierarquicamente superiores – constitucionais – aos demais ramos do direito, em que indispensavelmente todo o ordenamento jurídico de determinado Estado democrático deveria adequar-se nos termos e limites impostos por elas.

 

Tem-se finalmente a integração do direito constitucional com o direito civil, a partir da influência direta dos direitos fundamentais também nessas relações. A primeira problemática doutrinária a ser enfrentada surge dos efeitos dos direitos fundamentais nas relações regidas pelo direito civil.

 

4.1. Direito valorativo e constitucionalização do direito privado: do direito exclusivamente patrimonial à dignidade da pessoa humana.

 

O direito de propriedade e o direito contratual foram encarados por muito tempo como norteadores de todo sistema jurídico. A origem do direito privado está diretamente relacionada com o direito de propriedade que foi interpretado com exagerada valoração em comparação às demais previsões normativas do ordenamento jurídico da época. Ao contrário do que se apresenta atualmente, o direito de propriedade e o direito contratual eram o que regiam as relações – sejam elas privadas ou públicas -, sendo eles pressupostos de poder e, portanto, direitos a serem fielmente assegurados pelo Estado.

 

As relações privadas possuem, em sua maioria, caráter patrimonial e devem ser protegidas e amparadas pelo Estado em razão de sua relevância para o desenvolvimento econômico do País. De sabido conhecimento, aliás, que os principais institutos do direito civil brasileiro são a propriedade e o contrato, encarados pelo Estado de forma absolutamente contrária daquela verificada em tempos liberais. A extrema valoração do direito de propriedade é que fora perdendo espaço – conforme apresentado no tópico anterior - para a pessoa humana que é a destinatária de direitos.

 

A evolução da constitucionalização do direito civil trouxe a inversão valorativa do Estado, que passou a perder seu caráter de patrimonialista, dando lugar – como não se podia deixar de ser – para a pessoa humana. A atenção exclusiva e até mesmo exaustiva dada para o direito de propriedade passou a ser redefinida e redirecionada por razões de origem internacional.

 

Essa nova dogmática jurídica teve seu marco inicial na Segunda Guerra Mundial, momento em que os direitos humanos foram redimensionados passando por fim a tomar lugar como principal pressuposto das constituições dos Estados democráticos. A forte pressão internacional fez com que uma repersonalização do direito fosse firmada, passando a pessoa humana a figurar como centro de todo o ordenamento jurídico.

 

Os valores ressaltados pelas constituições modernas através do reconhecimento material da dignidade da pessoa humana nada lembram as relações civis ultrapassadas, construídas em base exclusivamente econômica chocando-se com o principal preceito dos Estados democráticos de direito que são os direitos fundamentais[22].

 

Daí o ponto onde se pretende esgotar no presente trabalho. O princípio da dignidade da pessoa humana, fruto de demasiada discussão e estruturação internacional, passa a atuar não só como chave para redimensionar toda a cadeia jurídico-normativa, mas também – e muito principalmente – como limitador do poder do Estado. Diante dessa circunstância, o ser humano – destinatário final do direito – vê-se amparado por normas constitucionais protetoras ainda que esteja inserido em uma relação exclusivamente privada[23].

 

Diante dessa chamada repersonalização do direito civil, a pessoa passou a ser observada de uma forma humana e não simplesmente pelo que representaria economicamente para determinada sociedade. Alguns princípios de cunho patrimonial e social como o princípio do mínimo existencial, por exemplo, podem ser destacados a respeito de tal efeito[24].

 

4.2. Eficácia, efeitos e aplicabilidade: uma introdução ao estudo das teorias doutrinárias de aplicabilidade direta e eficácia indireta dos direitos fundamentais nas relações privadas.

 

Antes da abordagem das diversas discussões a respeito da possibilidade de aplicação dos direitos fundamentais nas relações privadas, necessário fazer uma breve análise acerca das terminologias utilizadas na referência da problemática, distinguindo efeitos, eficácia e aplicabilidade e, para a correta exposição do tema, como também adverte Virgílio Afonso da Silva, não realizar a distinção entre esses três conceitos pode gerar muito possivelmente uma confusão no emprego dessas definições.

 

Pode-se afirmar, de plano, que eficácia e aplicabilidade são fenômenos considerados conexos sem muita divergência doutrinária. Mas ainda que existente tal conexidade, não é permitido afirmar de forma correta que um conceito pressuponha o outro. O fato é que embora sejam institutos conexos, eficácia e aplicabilidade não correspondem a um mesmo acontecimento jurídico com relação à determinada norma.

 

Certa norma pode não conter todos os requisitos necessários de aplicabilidade, faltando-lhe, portanto, a eficácia e, por consequência da anomalia, não possuir aplicabilidade no mundo jurídico. Contudo, ressalte-se, pode uma norma possuir todos os requisitos exigidos para eficácia jurídica e não possuir absolutamente nenhuma aplicabilidade.

 

Para sintetizar a distinção, Virgílio Afonso da Silva traz perfeita explicação, referindo com clareza a ideia de que eficácia não pode ser confundida com aplicabilidade, uma vez que a primeira expressa a aptidão da norma em produzir efeitos, enquanto que a segunda é o próprio efeito da norma.

 

Portanto, eficácia é a aptidão da norma de produzir efeitos e a aplicabilidade é a consequência dessa aptidão, podendo facilmente uma norma possuir eficácia jurídica e não encontrar aplicabilidade em dada relação.

 

Passada a problemática da terminologia a ser adotada e do real significado do instituto da aplicabilidade normativa nas relações jurídicas, convém explicitar os aspectos doutrinários com relação aos efeitos e à aplicabilidade dos direitos fundamentais nas relações jurídicas entre privados.

 

4.3. Efeitos indiretos: a influência dos direitos fundamentais nas relações jurídicas privadas a partir das normas de direito civil.

 

Não há significativa discordância doutrinária acerca da maneira como os direitos fundamentais produzem efeitos nas relações privadas. Tanto no direito brasileiro como no direito estrangeiro a possibilidade da incidência dos direitos fundamentais na relação entre indivíduos se subdivide em dois modelos independentes e com peculiaridades significativas no que se refere ao poder de aplicabilidade nas normas e nas relações jurídicas de cunho privado.

 

A primeira subdivisão a ser encarada e desenvolvida neste tópico é o modelo em que os direitos fundamentais são relativizados em detrimento do direito fundamental – próprio da relação privada - da autonomia privada.

 

O precursor desse modelo indireto de incidência dos direitos fundamentais nas relações entre particulares foi Günter Dürig, que sustenta que o direito à liberdade, “um direito geral de liberdade, consagrado pela grande maioria das constituições das democracias ocidentais”, impede o efeito absoluto dos direitos fundamentais nas relações entre particulares, pois se assim operado culminaria em uma verdadeira dominação do direito constitucional no direito privado.

 

Segundo Dürig, a liberdade contratual de que dispõem os particulares não pode ser restringida em razão da incidência implacável e desmedida dos direitos fundamentais nas relações jurídicas privadas. Assim, seria permitido evitar – de certa forma – os direitos fundamentais nos negócios movidos pelo direito civil em razão da liberdade contratual de que gozam os particulares a partir de uma concepção ofertada pelo próprio Estado, esta que vem representada pelo direito à autonomia privada[25].

 

Já se pode notar que, em verdade, Dürig fez uma divisão dos efeitos dos direitos fundamentais, uma vez que assegura a fiel aplicabilidade deles nas relações entre o indivíduo e o Estado, ao passo que nas relações privadas o que predomina é a liberdade contratual e a autonomia privada. No entanto, não se pode afirmar que a liberdade contratual do indivíduo e a autonomia privada são direitos invencíveis e inatingíveis, pelos quais o sujeito da relação irá se atrelar rapidamente a fim de sustentar talvez a mais completa resistência às diretrizes impostas pelos direitos fundamentais.

 

Como referido anteriormente, caso houvesse o reconhecimento de uma superioridade inatingível dos institutos próprios das relações jurídicas particulares, também haveria de ser reconhecida uma separação do próprio direito, com um afastamento proposital do direito público e do direito privado, o que – por óbvio – não ocorre.

 

Buscando, portanto, evitar essa dominação sustentada por Dürig e muito bem retratada por Virgílio, é que se propõe uma relação indireta entre direitos fundamentais e direito privado, evidenciada através de uma simples influência dos primeiros sobre as diretrizes normativas do segundo.

 

Para que essa influência seja realmente possível os direitos fundamentais precisam ser compreendidos tanto como sistema de valores, como a existência de cláusulas gerais que possibilitariam a penetração desses valores no direito privado.

 

4.4. Aplicabilidade direta (efeitos diretos) do direito ao mínimo existencial na situação jurídica do devedor.

 

Estudada a tese dos direitos fundamentais como influência no direito privado – efeitos indiretos -, merece agora especial atenção a segunda vertente a ser desenvolvida no presente trabalho, esta que é expressamente referida e sustentada por Luís Roberto Barroso, e também pela doutrina e jurisprudência nacionais.

 

Deve-se retomar a ressalva feita no item “4.2” acerca da distinção entre as terminologias efeitos, eficácia e aplicabilidade. É pacífico na doutrina que os direitos fundamentais possuem uma aplicabilidade direta em todas as relações jurídicas, pois são eles que norteiam essas relações.

 

Os direitos fundamentais, dessa forma, não encontram aplicação exclusivamente na proteção do indivíduo contra o Estado, mas também nas relações regidas pelos particulares. Nas relações privadas ocorre o mesmo processo de aplicabilidade dos direitos fundamentais presenciadas nas relações do indivíduo com o Estado. Os direitos fundamentais protegem o cidadão tanto da superioridade do Estado, como dos imprevistos que circunscrevem um negócio jurídico privado.[26]

 

Quando a problemática se instaura no direito social ao mínimo existencial a uma vida digna inerente a qualquer ser humano, a resolução não poderá ser diversa. O preceito constitucional do mínimo existencial deverá ser observado no momento do adimplemento de uma dívida contraída em sede exclusivamente privada. O que se busca fazer crer é simples. Não poderá o direito do credor de ver adimplido o seu crédito se sobrepor ao direito da própria subsistência mínima do devedor.

 

A aplicabilidade direta do preceito constitucional ao mínimo existencial na relação devedor/credor vem estabelecida claramente através do Artigo 649 do Código de Processo Civil, dispositivo que declara a impenhorabilidade absoluta de certos bens, retratando a verdadeira magnitude da dignidade da pessoa humana em nosso ordenamento jurídico.

 

Trata-se, portanto, não somente de um resguardo infraconstitucional direto da dignidade da pessoa humana, mas sim verdadeira mitigação da responsabilidade patrimonial do obrigado, pois ainda que tenha o devedor contraído obrigações para além do patrimônio que possui não poderá ele ser privado do mínimo para conviver em sociedade de forma digna.

 

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS:

 

Decorre do presente estudo a ideia da supervalorização ao crédito e a manutenção deplorável do descaso para com a situação econômica do devedor. Ainda que existam mecanismos capazes de proteger a subsistência do devedor frente à sua situação de superindividamento, limitando o mecanismo expropriatório através da atribuição de impenhorabilidade de certos bens indispensáveis para a manutenção de uma vida com o mínimo de dignidade, a declaração de insolvência civil e suas consequências continuam sendo medidas drásticas para a vida do devedor.

 

O superindividamento merece análise especial, pois vem atrelado a causas que ultrapassam os limites do impacto individual e deve ser estudado como um problema social do Brasil. A facilitação do crédito pela iniciativa privada, chancelado pelas políticas públicas, devem ser levados em consideração como circunstância determinante para o consumo extremo e endividamento constante da população.

 

Muitas pessoas enfrentam problemas econômicos graves e não possuem meios capazes de adimplir as obrigações que avençaram, o que não significa dizer que não possuem verdadeira vontade em fazê-lo. Muitos fatores contribuem para o cenário encarado atualmente em nosso País, muito principalmente em razão da facilidade do crédito, do parcelamento perpétuo e dos juros exacerbados inicialmente acobertados pela falsa compreensão de benefício.As instituições financeiras, por exemplo, em recorrentes situações estimulam a dívida de milhares de pessoas da classe baixa e média, visando simplesmente o recebimento do juro.

 

Em toda e qualquer situação, seja a demanda instaurada entre particular/Estado ou particular/particular, jamais há de se olvidar para o caráter do País em que vivemos, Estado Social-democrático, que resguarda direitos a todos, sendo que em cada situação concreta e diversa em sua essência, deverá ser lançado um olhar, da mesma forma, peculiar.

 

A realidade é que a situação de superindividamento não poderá ser imputada exclusivamente ao devedor. A todo instante e em qualquer lugar o incentivo ao consumo se apresenta e hoje as técnicas de marketing mudaram de perfil: não se ocupam em demonstrar unicamente os produtos ou serviços, mas em vender um verdadeiro “estilo de vida”. O incentivo ao consumo desse estilo de vida quase beira a uma obrigação, causando diversas distorções sociais e uma drástica inversão de valores na sociedade.

 

Verifica-se, dessa forma, que não se pode atribuir unicamente ao devedor o dogma do descumprimento contratual pela falta de recursos para o seu adimplemento, enquanto as práticas consumeristas extremadas são ofertadas de forma sistematizada e demasiada, com a autorização e o incentivo do próprio governo atual. Não se justificam todas as consequências negativas da declaração de insolvência civil marcando a vida do devedor e é justamente por isso que a insolvência voluntária é facultativa e não obrigatória, diferentemente com o que ocorre no instituto da falência.

 

A aplicabilidade imediata do preceito constitucional ao mínimo existencial assegura ao devedor que, mesmo sendo declarada sua insolvência civil, não será ele privado dos meios mínimos de subsistência, o que será realizado através da limitação legal ao mecanismo expropriatório do Estado, de que se valem os credores para verem os seus créditos cumpridos. Não se justificaria ceifar do devedor a dignidade humana em detrimento do direito exclusivamente patrimonial do credor, pois então não estaríamos diante de um Estado de Direito.

 

REFERÊNCIAS:

 

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THEODORO Jr., Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 45ª. Ed. Vol. 2. Rio de Janeiro: Forense, 2010.

 

Notas:

[1]Necessário observar os dispositivos do Código Civil de 2002 que tratam da responsabilidade civil: “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. (…) Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.”

[2]Cavalieri assevera, ainda, que nos casos da avença estar relacionada a uma obrigação de resultado, sem conclusão satisfatória, haverá a incidência da culpa presumida e, em certos casos até mesmo a responsabilidade objetiva, dispensando a comprovação da culpa (CAVALIERI, p. 226).

[3]Código Civil de 2002: “ Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado. Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.”. (MARIA HELENA DINIZ, p. 199).

[4]MARIA HELENA DINIZ, p.236-239.

[5]É a lição de Maria Helena Diniz: “A Mora ex ré, se decorrer de lei, resultando do próprio fato do descumprimento da obrigação, independendo, portanto, de provocação do credor. A mora do devedor ocorrerá pleno iure, não sendo necessário qualquer ato ou iniciativa do credor se houver vencimento determinado para o adimplemento da obrigação. Aplicar-se-á, portanto, a regra dies interpellat pro homine (RT, 226:179, 228:200), ou seja, o termo interpela em lugar do credor, pois a lex ou o dies assumirão o papel de intimação. É o que se dá, p. ex.: a) nas obrigações positivas ou líquidas, não cumpridas no seu termo. Vencidos os débitos contraídos com prazo certo, surgirá de pleno direito o dever de pagar, que, se não for cumprido, terá por efeito a imediata constituição do devedor em mora (CC, art. 397, 1º alínea); b) “nas obrigações negativas o devedor é havido por inadimplente desde o dia em que executou o ato de que se devia abster” (CC, art. 390); c) nas obrigações provenientes de delito, em que se considera o devedor em mora desde que  o perpetrou (CC, art. 398), de forma que desde o instante em que praticou o delito, em decorrência de violação de lei penal ou civil, correrão os riscos da coisa devida exclusivamente por conta do devedor.  (MARIA HELENA DINIZ, p. 207).

[6]Araken de Assis chama a atenção justamente para esta problemática: “Entre as obrigações previstas, em tese, no catálogo dos títulos executivos, destaca-se, quantitativamente, a pecuniária. Tal fato representa uma distorção porque, ante às exigências de comportamento da sociedade moderna, mereceriam prioridade as obrigações faciendi. Influem naquela tendência dois fatores principais: a exacerbada valorização do dinheiro; e a notória vocação do sistema econômico liberal a traduzir bens e valores em moeda. Numerosas prestações, portanto, se expressam em moeda corente, dando lugar, em caso de descumprimento, a execuções coativas mediante o mecanismo expropriatório (p. 880)”.

[7]A problemática fora abordada também por Claudia Lima Marques, que assim retrata: O endividamento é um fato individual, mas com consequências sociais e sistêmicas, cada vez mais claras. A economia de mercado, liberal e em desenvolvimento no Brasil, é por natureza uma economia de endividamento, mais do que uma economia de poupança. (...) O crédito para pessoa física aumentou oito vezes, segundo a Febraban, e hoje já é responsável por quase a metade do crédito concedido por todo o sistema financeiro brasileiro. Isso propiciou uma verdadeira explosão do crédito ao consumidor no Brasil. De 2001 a 2005, o número de cartões de crédito (incluindo os de loja e de débito) aumentou 118% no Brasil, e, nas classes C, D e E, aumentou 144%.  Se em 2000 tínhamos no Brasil 119 milhões de cartões de crédito, em 2007 já eram 413 milhões, sendo que apenas os "cartões de loja" representam 132 milhões. A insolvência aumentou, já se fala em uma "ressaca do crédito",  e o "hiperconsumo" das classes C, D e E no Brasil, o crédito ao consumo e o superendividamento são os temas da moda. Assim, podemos afirmar que consumo e crédito são duas faces de uma mesma moeda: para consumir muitas vezes necessito crédito; se há crédito ao consumo, a produção aumenta e a economia se ativa, há mais emprego e aumenta o "mercado" de consumo brasileiro. Bem, uma moeda da sorte... mas também do azar... Podemos usar a figura de linguagem da moeda para afirmar que essa moeda de duas faces "consumo/crédito" sorri somente quando está na vertical, girando e mostrando suas duas caras ao mesmo tempo: é bompara todo mundo, para a sociedade em geral, pois economia "sorri", e para o consumidor, que também é incluído - feliz - no mundo do consumo. Mas o equilíbrio desse movimento é difícil, e na sociedade de consumo de massa sempre uma moeda ou outra vai se desequilibrar e cair: o consumidor não paga o crédito, não consome mais, cai no inadimplemento individual (ou insolvência civil), seu nome vai para os bancos de dados negativos... aqui a dívida vira um problema dele e de sua família, sua "culpa" ou fracasso... Mas, quando muitas moedas caem ao mesmo tempo, uma crise na sociedade é criada, as taxas de inadimplemento sobem, sobem os juros, os preços, a insolvência, cai a confiança, o consumo, desacelera-se a economia... uma reação em cadeia. (...) Logo, deve ser incentivado o acesso ao crédito, mas o crédito deve ser concedido de maneira responsável. Trata-se, efetivamente, de um "serviço" complexo, difícil de ser "administrado" sem que se caia no excesso e na impossibilidade de pagar o conjunto das dívidas em um tempo razoável, ainda mais no Brasil, com juros e spread dos mais altos do mundo, a multiplicar as dívidas em pouco tempo. Na sociedade de consumo a publicidade, o marketing e as práticas comerciais criam desejos, tentações mesmo, exigências sociais novas, até necessidades visando o lucro, e ninguém está liberto dessas pressões, seja de qual classe social for. Em resumo, o crédito ao consumidor (para se contrapor ao crédito profissional ou ao produtor), em especial em fases de massificação, democratização do crédito e crises de garantia mundiais, tem seus perigos... O perigo maior é para o consumidor pessoa física, pois o Brasil não conhece a falência do consumidor  - sendo assim, o endividamento excessivo, ou, como aqui o vamos denominar, o (super)endividamento, pode levar à exclusão da pessoa da sociedade de consumo.”(MARQUES, Cláudia Lima. Algumas perguntas e respostas sobre prevenção e tratamento do superindividamento dos consumidores pessoas físicas. In: Revista de direito do consumidor. Vol. 75, p. 9. Revista dos Tribunais, 2010).

[8]Trata-se a responsabilidade patrimonial do comprometimento do patrimônio do obrigado como forma de garantia fática em uma ação de execução. Neste passo, considera-se patrimônio o conjunto de bens mensuráveis que comportam a propriedade de seu senhor. Portanto, como a ação de execução visa a satisfação do direito subjetivo (satisfação do crédito do credor), esta satisfação objetivará, salvo raras exceções, a carga patrimonial do devedor, comumente denominado princípio da responsabilidade exclusivamente patrimonial.

[9]Marinoni ressalta que no direito brasileiro somente quem pode falir é o empresário ou a sociedade empresária, conforme estabelece o Artigo 1º da Lei nº 11.101/2005. Além disso, somente se considera empresário aquele que exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços, conforme estabelece o Artigo 966 do Código Civil de 2002. Além disso, adverte que não se considera empresário aquele que exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda que por conta disso utilize de auxiliares ou colaboradores, excetuando-se a hipótese de o exercício de profissão constituir elemento de empresa, conforme dispõe o Parágrafo Único do Artigo 966 do Código Civil (MARINONI;MITIDIERO, p. 725).

[10]Esse entendimento é compartilhado por Humberto Theodoro Júnior, este que afirma que o processo de insolvência civil não nasce como uma execução forçada, mas como um procedimento típico de cognição, que nada tem a ver com a existência ou inexistência de bens do devedor (2010, p. 451).

[11]Pacífico o entendimento dos Tribunais Superiores que a ausência de bens penhoráveis na esfera patrimonial do devedor gera tão somente a suspensão do processo executivo e jamais retiram o interesse de agir do possuidor do crédito, assim como jamais irão gerar a extinção do feito por esse mesmo motivo. Precedentes Superior Tribunal de Justiça: AgRg no REsp 1166950 / SP; AgRg no REsp 1288131 / PR. Ainda, “RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. INSOLVÊNCIA CIVIL. AUTONOMIA. NATUREZA DECLARATÓRIA-CONSTITUTIVA. DIFERENÇA DO PROCESSO DE EXECUÇÃO. INEXISTÊNCIA DE BENS PASSÍVEIS DE PENHORA. INTERESSE REMANESCENTE. PRECEDENTES DESTA CORTE. PROVIMENTO. I - O processo de insolvência é autônomo, de cunho declaratório-constitutivo, e busca criar um estado jurídico para o devedor, com as consequências de direito processual e material, não podendo ser confundido com o processo de execução, em que a existência de bens é pressuposto de desenvolvimento do processo. II - A inexistência de bens passíveis de penhora não enseja a extinção de ação que busque a declaração da insolvência civil, remanescendo o interesse na declaração, tanto por parte do próprio devedor, quanto de credor. Precedentes. III - Recurso Especial provido, para prosseguimento do julgamento pelo Tribunal de origem. Processo REsp 957639/RS. Ministro Sidnei Beneti. Órgão julgador: T3 – Terceira Turma. Data do julgamento: 07/12/2010. Data da Publicação: DJe 17/12/2010.” (...) “Processual Civil. Recurso especial. Insolvência civil. Inexistência de bens passíveis de penhora. - A inexistência de bens passíveis de penhora não enseja a extinção de ação que busque a declaração da insolvência civil, remanescendo o interesse na declaração, tanto por parte do próprio devedor, quanto de credor. Recurso provido. Processo: REsp 586414/RS. Relator(a): Ministra Nancy Andrighi. Órgão julgador: T3 Terceira Turma. Data do julgamento: 16/11/2004. Data da publicação: 01/02/2005, p. 545.”

[12]APELAÇÃO CÍVEL. INSOLVÊNCIA CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA. INEXISTÊNCIA DE BENS. EXTINÇÃO DO FEITO. SENTENÇA DESCONSTITUÍDA. A inexistência de bens passíveis de penhora não enseja a extinção de ação que busque a declaração da insolvência civil, remanescendo o interesse na declaração, tanto por parte do próprio devedor, quanto de credor. Precedentes. DESCONSTITUIRAM A SENTENÇA. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70045308681, Décima Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ergio Roque Menine, Julgado em 23/08/2012).” E mais, “APELAÇÃO CÍVEL. INSOLVÊNCIA CIVIL. INTERESSE PROCESSUAL CONFIGURADO. A inexistência de bens passíveis de penhora não afasta o interesse da parte em postular a declaração de insolvência civil, sobretudo porque a arrecadação compreende os bens presentes e futuros do devedor. Sentença desconstituída. APELAÇÃO PROVIDA. (Apelação Cível Nº 70049010606, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Isabel Dias Almeida, Julgado em 27/06/2012)”. Ainda, “APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO DE INSOLVÊNCIA CIVIL. INEXISTÊNCIA DE BENS PASSÍVEIS DE PENHORA. SENTENÇA DESCONSTITUÍDA. O fato de o devedor não possuir bens passíveis de penhora não obstaculiza o pedido de insolvência civil, uma vez que a arrecadação prevista no inciso II do artigo 751 do Código de Processo Civil abarca os bens presentes e futuros que integram a esfera de responsabilidade patrimonial do devedor. Entendimento doutrinário e jurisprudencial. Desconstituição da sentença. RECURSO PROVIDO À UNANIMIDADE. (Apelação Cível Nº 70047369111, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: LiegePuricelli Pires, Julgado em 12/04/2012)”. 

[13]MARINONI; MITIDIERO, p. 725.

[14]ARAKEN DE ASSIS, p. 894.

[15]Araken de Assis, de forma brilhante como sempre, faz atentar ao tão questionado problema dos limites extrínsecos, objetivos e subjetivos, da jurisdição brasileira, já que em se tratando de competência e, em contrapartida, de devedor insolvente, não se pode negar que há a possibilidade real de que seu patrimônio esteja espalhado por toda a extensão territorial brasileira, ou até mesmo fora dela, importando em necessário desdobramento da regra geral em contraprestação à execução civil.Com relação a isso, ainda, reporto o leitor à regra posta no Artigo 71 do Código Civil Brasileiro, onde se observa a possibilidade da pluralidade de domicílios e, portanto, o devedor insolvente poderá propor a ação em qualquer um deles (p. 894-895).

[16]Art. 753 do Código de Processo Civil: “A declaração de insolvência pode ser requerida: I - por qualquer credor quirografário; II - pelo devedor; III - pelo inventariante do espólio do devedor.”

[17]Assim dispõe o Artigo 754 do Código de Processo Civil: “O credor requererá a declaração de insolvência do devedor, instruindo o pedido com o título executivo judicial ou extrajudicial (Art. 586). Neste passo, conforme o Artigo 585 do Código de Processo Civil, são os títulos executivos extrajudiciais: “a letra de câmbio, a nota promissória, a duplicata, a debênture e o cheque; a escritura pública ou outro documento público assinado pelo devedor; o documento particular assinado pelo devedor e por duas testemunhas; o instrumento de transação referendado pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública ou pelos advogados dos transatores; os contratos garantidos por hipoteca, penhor, anticrese e caução, bem como os de seguro de vida; o crédito decorrente de foro e laudêmio; o crédito, documentalmente comprovado, decorrente de aluguel de imóvel, bem como de encargos acessórios, tais como taxas e despesas de condomínio; o crédito de serventuário de justiça, de perito, de intérprete, ou de tradutor, quando as custas, emolumentos ou honorários forem aprovados por decisão judicial; a certidão de dívida ativa da Fazenda Pública da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, correspondente aos créditos inscritos na forma da lei; todos os demais títulos a que, por disposição expressa, a lei atribuir força executiva.

[18]Neste sentido, Araken de Assis, p. 971-972.

[19]Conforme se vislumbra nos Artigos 751 e 752 do Código de Processo Civil, a declaração de insolvência produz o vencimento antecipado de todas as dívidas; a arrecadação de todos os bens do devedor, suscetíveis de penhora, quer os atuais, quer os adquiridos no curso do processo e; a execução por concurso universal dos seus credores. Além disso, o devedor declarado insolvente perderá o direito de administrar os seus bens e também de dispor deles, até que a massa seja totalmente liquidada.

[20]Precedente: “AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO DE INSOLVÊNCIA CIVIL. IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA. LEI N. 8.009/90. IMÓVEL UTILIZADO COMO RESIDÊNCIA. ÔNUS DA PROVA DO QUAL A AGRAVANTE SE DESINCUMBIU, COMPROVANDO QUE RESIDE NO IMÓVEL HÁ VÁRIOS ANOS. IMPENHORABILIDADE RECONHECIDA. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70047662994, Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ana Lúcia Carvalho Pinto Vieira Rebout, Julgado em 12/07/2012)”.

[21]  STJ: REsp 54205 SP.

[22]Ingo Wolfgang Sarlet ressalva que a positivação do princípio da dignidade da pessoa humana é relativamente recente, sendo uma das causas para esse acontecimento o fato das origens do conceito concreto de dignidade serem remotas. Somente no decorrer do século XX, a partir da Segunda Guerra Muncial, é que a dignidade da pessoa humana passou a ser reconhecida expressamente nas Constituições, comumente após consagração através da Declaração Universal da ONU, em 1948 (p. 71-72).

[23]Luis Roberto Barroso leciona que o direito civil atravessou os tempos sob o signo da livre iniciativa e da autonomia da vontade, o que acarretou no sopesamento do Código Napoleônico de 1804, acompanhado pelas doutrinas individualista e voluntarista, no Código Civil de 1916. Na oportunidade a liberdade de contratar e o direito de propriedade fundiam-se para formar o centro de gravidade do sistema privado, o que fora amplamente alterado durante o século XX, com a progressiva superação do liberalismo puro pelo intervencionismo estatal que transportou para o domínio do direito privado diversos princípios limitadores da liberdade individual e do primado da vontade, denominados princípios de ordem pública. O processo se acelera quando mais próximo do século XXI, em que a doutrina começa a tratar todo esse desenvolvimento como a constitucionalização do direito civil. A partir de então inicia a descaracterização da antiga concepção do direito civil, antes consubstanciado exclusivamente nos interesses do contratante e do proprietário e agora dando lugar ao aclareamento da consciência social, fazendo com que os direitos fundamentais oferecessem segmentos capazes de concretizar a despatrimonialização do direito civil (2010, p. 58-60).

[24]Até mesmo o mais pessoal dos direitos civis, o direito de família, é marcado pelo predomínio do conteúdo patrimonializante, nos códigos. No Código Civil Brasileiro de 1916, por exemplo, dos 290 artigos do Livro de Família, em 151 o interesse patrimonial passou à frente. Como exemplo, o direito assistencial da tutela, curatela e da ausência constitui estatuto legal de administração de bens, em que as pessoas dos supostos destinatários não pesam. Na curatela do pródigo, a prodigalidade é negada e a avareza é premiada. A desigualdade dos filhos não era inspirada na proteção de suas pessoas, mas do patrimônio familiar. A maior parte dos impedimentos matrimoniais não têm as pessoas, mas seus patrimônios, como valor adotado (VIRGÍLIO, p.).

[25]Virgílio faz importante referência à breve trecho de Dürig que sintetiza a posição do precursor: “os indivíduos podem decidir livremente entre si, sem precisar levar em consideração os deveres e as proibições de direitos fundamentais direcionados ao Estado, sobre se e como farão uso de sua liberdade e de sua igualdade”

[26]Robert Alexy, acerca da restrição aos direitos fundamentais, retrata que uma norma somente pode ser uma restrição a um direito fundamental se ela for compatível com a Constituição. Se ela for inconstitucional, ela até pode ter a natureza de uma intervenção, mas não a de uma restrição (2011, p. 281).

 

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