Responsabilidade civil contemporânea: influência constitucional e novos paradigmas


Pormarina.cordeiro- Postado em 20 junho 2012

Autores: 
MARANHÃO, Ney Stany Morais

A constitucionalização do Direito Civil acarreta um repensar de todos os seus institutos, aí incluindo a responsabilidade civil, sobretudo na parte que trata da reparação de danos independente de culpa, geralmente mais preocupada com a tutela da vítima.

“Todas as coisas me são lícitas, mas nem todas as coisas convém; todas as coisas me são lícitas, mas nem todas as coisas edificam. Ninguém busque o proveito próprio; antes, cada um, o que é de outrem.”

Bíblia Sagrada, 1 Coríntios 10.23-24 [1]


1. A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO: CONSIDERAÇÕES BÁSICAS

A Constituição Federal de 1988 é tão grande que não se contém em si. Ela precisa explodir, estourar, vazar. Ela, sem a menor sombra de dúvida, nasceu vocacionada a penetrar, devassar, invadir. É uma espécie de bomba que, com sua densa carga axiológica e seu perfil altamente emancipatório, advém com a declarada missão de implodir as estruturas centrais do edifício jurídico, reconstruindo-as na esteira de seus vetores materiais[2].

Em verdade, sua promulgação ecoou mesmo como um grito de revolução, cujo som se propagou por toda a extensa malha jurídica, pretendendo regular condutas visando à perseguição da justiça material e à promoção da dignidade humana. Podemos afirmar, portanto, que nossa atual Lex Fundamentalis veio ao mundo com o ardente desejo de mudar a realidade brasileira.

Isso quer significar, mais precisamente, que, à vista de sua inexorável preeminência normativa, toda a ordem jurídica deve ser (re)lida à luz da Carta Constitucional, submetida ao seu crivo, confrontada com seus valores[3]. Esse processo é comumente chamado de constitucionalização do Direito. Com isso, oportuniza-se que os valores constitucionais desentupam os poços jurídicos entulhados pelo individualismo exacerbado e os canais normativos obstruídos pelo excessivo apego ao viés patrimonial[4].

 

Partindo dessa linha de ideias, é possível desde logo perceber que por constitucionalização do Direito em nenhum momento se quer aqui referir apenas àquele fenômeno, relativamente recente, que diz com a presença, no texto constitucional, de temas e institutos outrora tratados apenas no âmbito da legislação infraconstitucional. O que pretendemos aqui trabalhar, pois, não concerne à simples elevação constitucional de institutos até então meramente ligados à tábua legislativa ordinária. Não se cuida, assim, de uma visão formal, de uma noção meramente topológica da coisa. É muito mais que isso.

Por constitucionalização do Direito, deve-se compreender, pelo contrário, como o fenômeno pelo qual os vetores constitucionais se deslocam rumo ao direito infraconstitucional, no desiderato de permear seus institutos e dispositivos com os valores consagrados na Magna Carta, impondo-lhes uma releitura substancial, uma reinterpretação crítica, agora debaixo da lente constitucional[5]. Cuida-se, portanto, de uma visão material, de uma noção essencialmente teleológica. É o que FAVOREU chama de constitucionalização-transformação, já que o objetivo é não apenas a impregnação dos diferentes ramos do direito, senão que também a sua própria transformação, em conformidade com o perfil constitucional[6].

O corolário lógico desse tipo de perspectiva é que toda interpretação jurídica acaba por envolver, necessariamente, alguma dose de interpretação constitucional[7]. Melhor dizendo: cada interpretação é um “microcosmo” que deve apontar para a afirmação de uma sociedade mais livre, justa e solidária[8].

Noutro quadrante, tangente aos requisitos que viabilizaram sua ocorrência, CUNHA JUNIOR assere, com inteira pertinência, que a constitucionalização do Direito somente foi possível a partir da i) compreensão da Constituição como norma jurídica fundamental, dotada de supremacia; ii) da incorporação nos textos constitucionais de valores e opções políticas fundamentais; e iii) da eficácia expansiva dos valores constitucionais, moldando a interpretação e aplicação da legislação infraconstitucional em conformidade com aquelas diretrizes materiais[9].

Com relação à amplitude dessa irradiação nos diversos setores de poder da sociedade (público e privado), leciona BARROSO:

“Como intuitivo, a constitucionalização repercute sobre a atuação dos três Poderes, inclusive e notadamente nas suas relações com os particulares. Porém, mais original ainda: repercute, também, nas relações entre particulares. (...) Relativamente ao Legislativo, a constitucionalização (i) limita sua discricionariedade ou liberdade de conformação na elaboração das leis em geral e (ii) impõe-lhe determinados deveres de atuação para realização de direitos e programas constitucionais. No tocante à Administração Pública, além de igualmente (i) limitar-lhe a discricionariedade e (ii) impor-lhe deveres de atuação, ainda (iii) fornece fundamento de validade para a prática de atos de aplicação direta e imediata da Constituição, independentemente da interposição do legislador ordinário. Quanto ao Poder Judiciário, (i) serve de parâmetro para o controle de constitucionalidade por ele desempenhado (incidental e por ação direta), bem como (ii) condiciona a interpretação de todas as normas do sistema. Por fim, para os particulares, estabelece limitações à sua autonomia da vontade, em domínios como a liberdade de contratar ou o uso da propriedade privada, subordinando-a a valores constitucionais e ao respeito a direitos fundamentais”[10].

Logo, a partir dessa delimitação do que se entende tecnicamente por “constitucionalização”, centremos nossa atenção, a partir de agora, para a órbita do Direito Civil propriamente dito.


2. PARTICULARIZANDO O FOCO: A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL

2.1 Intróito

É nesse alvissareiro cenário que a partir dos anos 90 diversos estudiosos demonstraram sua pertinente preocupação em adaptar todos os ramos do direito à nova realidade axiológica inaugurada em 1988. Todavia, foi no campo do Direito Civil que essa repercussão se mostrou mais visível. Há quem defenda, por exemplo, que, a partir da invasão constitucional na esfera antes reservada apenas à autonomia privada, “uma nova ordem pública há de ser construída, coerente com os fundamentos e objetivos fundamentais da República”[11]. Embora cause espécie de início, a assertiva está corretíssima. Poderíamos até mesmo consignar, parafraseando PONTES DE MIRANDA, que, com a Constituição Federal de 1988, começou mesmo, para o Direito Civil, uma nova manhã[12].

De fato, a dimensão objetiva dos direitos fundamentais e a necessidade de promoção do princípio da dignidade da pessoa humana, fundamento da República Federativa do Brasil (CF, artigo 3º, inciso III) e epicentro axiológico da ordem constitucional brasileira[13] – que há de ser realizado no máximo de seu potencial normativo (CF, artigo 5º, § 1º), porquanto incorpora verdadeiro mandado de otimização (Alexy) –, tem remodelado profundamente o perfil do Direito Civil, gerando aquilo que se convencionou chamar de Direito Civil-Constitucional[14]. Como ensina LÔBO:

“Os civilistas, finalmente, descobriram a Constituição. Perceberam que a elevação dos fundamentos do direito civil ao status constitucional foi uma deliberada escolha axiológica da sociedade, indispensável para a consolidação do Estado Democrático e Social de Direito e da consequente promoção da justiça social e da solidariedade, incompatíveis com o modelo liberal anterior de distanciamento jurídico dos interesses privados e de valorização do individualismo”[15].

Com essa nova silhueta, o Direito Civil passa a se alimentar da seiva humanista que jorra do tronco constitucional, expurgando do sistema cível aquela visão extremamente patrimonialista, sua marca registrada até bem pouco tempo atrás[16]. Ao pálio desse novo paradigma, o valor segurança, característico do período das codificações oitocentistas, deve conviver em harmonia com o valor justiça, sobremodo prestigiado no atual rumo da história. Essa apurada engrenagem serve para buscar, no alto de suas possibilidades, a construção de uma sociedade mais livre, justa e solidária, centrada na máxima proteção da dignidade humana[17]. Essa é a nova ordem pública a ser erguida[18].

2.2 Escorço Histórico

No início havia mundos apartados[19]. De um lado, as relações entre o Estado e os cidadãos, regidas pela Constituição, um pálido documento político; do outro, as relações travadas entre particulares, regidas pelo Código Civil, um vigoroso documento jurídico. À época, a legislação civil era subserviente aos interesses egoístas da burguesia, tendo sido entretecida com o claro objetivo de assegurar a liberdade individual, a igualdade formal entre as pessoas e a garantia absoluta da propriedade. Diante da experiência do Código napoleônico (1804), seguiu-se um movimento de codificação na Europa ao longo do século XIX[20]. Naqueles tempos, o direito público não interferia na esfera particular dos cidadãos, “assumindo o Código Civil, portanto, o papel de estatuto único e monopolizador das relações privadas”[21]Público e privado se odeiam.

O tempo fluiu e o mercado ficou “livre”. Mas no aflorar do século XX já não havia mais como esconder uma realidade cruel: as péssimas condições de vida da classe trabalhadora, proporcionadas pelo ambicioso processo de industrialização. Surge uma certa preocupação com a desigualdade material subjacente à sociedade de então, em especial quanto aos liames firmados entre particulares, impondo-se a direta intervenção estatal nessas relações privadas por meio de normas de ordem pública, com vistas a garantir um relativo equilíbrio material entre os contratantes. Tal fenômeno, chamado de dirigismo contratual ou publicização do direito civil, operou-se sob a égide do Estado Social e representou um primeiro despertar de consciência para a promoção da dignidade humana e a superação do individualismo exacerbado, típico do Estado Liberal[22]Público e privado se flertam[23].

Esse processo de intensa intervenção legislativa, aliado à premência de regulação de novos institutos surgidos com a evolução econômica, acabou redundando na formação de diversos microssistemas legais (v.g., no Brasil, a Lei de Locação), que passaram a circundar o Código Civil, como se fossem mundos à parte[24]. Tal fenômeno é chamado na doutrina de processo de descodificação e foi responsável por reduzir a importância jurídica do Código Civil, que já não mais regia todas as relações privadas praticadas no seio social[25]. Dito enfraquecimento se intensificou quando as Constituições do Estado Social começaram a assumir compromissos que deveriam ser levados a cabo pelo legislador, oportunidade em que foram traçados limites para a autonomia privada e a propriedade[26], convolando-se, com isso, essas cartas constitucionais, em genuínos centros de unificação do ordenamento civil[27]Público e privado se aproximam.

Enfim, com a chegada do Estado Constitucional ou Democrático de Direito, a Constituição assume de vez o reinado no ordenamento normativo[28], e, mercê de sua força normativa e dos valores existenciais que nutre, passa a servir como verdadeiro filtro axiológico através do qual devem ser lidos todos os institutos jurídicos, inclusive os do ramo cível. É a constitucionalização do direito civil. Público e privado se casam[29].

2.3 Novos Paradigmas do Direito Civil-Constitucional

No que diz respeito ao nosso anterior Código Civil, gestado nos idos de 1916, destacam com pertinência GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, verbis:

“O CC-16, sem diminuir a sua magnitude técnica, em sua crueza, é egoísta, patriarcal e autoritário, refletindo, naturalmente, a sociedade do século XIX. Preocupa-se com o ‘ter’, e não como ‘ser’. Ignora a dignidade da pessoa humana, não se compadece com os sofrimentos do devedor, esmaga o filho bastardo, faz-se de desentendido no que tange aos direitos e litígios pela posse coletiva de terras, e, o que é pior, imagina que as partes de um contrato são sempre iguais. Por tudo isso, a Constituição Federal, consagrando valores como dignidade da pessoa humana, a valorização social do trabalho, a igualdade e proteção dos filhos, o exercício não abusivo da atividade econômica, deixa de ser um simples documento de boas intenções e passa a ser considerada um corpo normativo superior que deve ser diretamente aplicado às relações jurídicas em geral, subordinando toda a legislação ordinária”[30].

O Código Civil de 2002, de sua parte, efetivamente se rendeu aos princípios, compatibilizando-se, na generalidade de seu perfil, com o paradigma da axiologia constitucional[31]. Embora tenha vindo ao mundo jurídico já debaixo de severas críticas, a par de seu demorado processo de elaboração e votação, a verdade é que tal Codex redimensionou institutos e abriu suas portas ao poderoso influxo principiológico ora intensamente insuflado[32].

Malgrado, no fundo, em alguns aspectos, tenha mesmo expressado certa timidez legislativa, o referido diploma se mostrou digno de encômios quando, em diversas de suas passagens, abre a janela para a ética e a solidariedade, valendo-se ainda de várias cláusulas gerais e inúmeros conceitos indeterminados, o que bem demonstra sua especial maleabilidade, adaptabilidade e sensibilidade aos fatos sociais. Pode-se perceber mesmo um verdadeiro sinal de ruptura material com as proposições do Direito Civil anterior, subserviente que era com o vetusto paradigma de Estado Liberal, que, primando pelo culto a valores individualistas e patrimoniais, assentava-se na rígida dicotomia – hoje ultrapassada – entre público e privado[33].

Logo, podemos afirmar que essa mudança é interna, nodal mesmo, pois centrada na própria essência, no próprio âmago do Direito Civil, a exigir alterações profundas, onde o patamar a ser perseguido é o de uma coerência não apenas formal, mas acima de tudo material, é dizer, um (re)alinhamento teleológico em relação ao renovado conteúdo axiológico que a legislação – e o intérprete – civil recebeu a partir de 1988[34].

De fato, como menciona MONTEIRO FILHO:

“A promulgação da Constituição de 1988 operou vigorosa transformação do direito civil, a impor a releitura de todas as suas instituições. A nova carta ensejou tanto a revogação das disposições normativas incompatíveis com o seu texto e seu espírito, quanto a modificação interpretativa de todas as remanescentes. Rompeu com as bases e valores que até então prevaleciam, de cunho liberal, notadamente o individualismo e o patrimonialismo, e inaugurou nova ordem jurídica, calcada em valores existenciais, não patrimoniais, sobretudo no pluralismo e no solidarismo”[35].

Nessa linha argumentativa, afirma-se que o novo Código Civil foi estruturado debaixo da luz de três princípios, a saber, o princípio da eticidade, o princípio da socialidade e o princípio da operabilidade[36]. Vejamos suas linhas básicas.

princípio da eticidade concerne ao anseio de aproximar ao máximo possível a técnica e a ética. Cuida-se de um vetor axiológico que nos insta a focar os institutos de direito civil não mais debaixo de uma ótica puramente legalista, mas sim sob o influxo da finalidade social da obrigação. É o que se vê, por exemplo, nos artigos 112[37] e 113[38] do atual Código Civil. Prioriza a equidade, a boa-fé, a decisão mais justa para cada caso concreto[39].

Já o princípio da socialidade procura se contrapor à ideologia individualista e patrimonialista do sistema vigorante desde 1916[40]. Através dele, busca-se preservar o sentido de coletividade, muitas vezes em detrimento de interesses puramente individuais[41]. É o caso, por exemplo, do prestígio conferido à função social do contrato e à natureza social da posse, constantes, respectivamente, dos artigos 421[42] e 1.239[43] do vigente Diploma Civil.

De outro turno, o princípio da operabilidade basicamente quer referir à valorização dos poderes do magistrado, a quem se confere um mais alargado campo hermenêutico por ocasião da interpretação/aplicação do direito, habilitando-o a verificar, em cada caso concreto, as efetivas necessidades que demandem a tutela jurisdicional. Nessa vereda, o legislador se valeu, no mais das vezes, de cláusulas gerais e conceitos indeterminados, que devem ser colmatados à luz de cada espécie fática[44]. Podemos destacar, aqui, o conteúdo do artigo 927, parágrafo único, do Código Civil[45]. Esse princípio está também ligado com a ideia de efetividade, imperatividade e cogência das normas, evitando-se ao máximo a utilização de preceitos meramente enunciativos ou programáticos, porquanto desprovidos da necessária força pacificadora de conflitos que há de permear todo o Direito[46].

Na síntese de BENETI, pode-se afirmar que:

“... a socialidade é a prevalência dos valores sociais da sociedade industrial moderna sobre os individuais da antiga sociedade rural; a eticidade afirma os valores humanos e valoriza o resultado justo da atuação do Direito, sobretudo por intermédio da equidade, boa-fé e confiança, e a operacionalidade afasta o formalismo e academicismo e norteia a busca da simplicidade e da realidade concreta”[47].

Fácil inferir que todo esse novo cabedal teórico calha perfeitamente à fiveleta constitucional. Com efeito, note-se que, partindo dessa cosmovisão – onde Direito e Sociedade se aproximam mais intimamente –, a ética deve preceder e permear a técnica, o ser deve preceder e permear o ter, viabilizando, assim, que relações jurídicas obrigacionais sejam focadas não mais debaixo de uma lente puramente legal ou individual, mas sim sob o influxo dos desideratos social e ético de cada obrigação. Altera-se, pois, a forma de se encarar as coisas, migrando-se da frieza das regras formais técnicas para o calor dos princípios substanciais éticos, a serem harmoniosamente conjugados em prol do resguardo da dignidade humana.

Urge averiguar, nesta quadra de nosso estudo, ainda que rapidamente, algumas das importantes influências dessas nobres diretrizes principiológicas no âmbito do novo Código Civil, notadamente – não esqueçamos – enquanto reflexo do fenômeno da constitucionalização desse mui especial ramo jurídico.

Uma das grandes repercussões da constitucionalização do Direito Civil é exatamente a noção de funcionalização dos direitos. À luz dessa condição, mesmo o exercício do mais comezinho dos direitos há de ser praticado em estrita consonância com a pauta axiológica subjacente à ordem constitucional[48]. Nesse rumo intelectivo, pois, não basta se afirmar diante do Estado titular de um direito. Em verdade, é preciso exercê-lo de tal forma que essa prática contribua, ainda que indiretamente, para o bem comum. A intenção é reprimir aqueles atos que, embora legais, são violadores da diretriz constitucional socializante. Enfim, passamos a gozar de nossos direitos não mais de olho apenas no Estado, mas atentos também – e principalmente – para os valores materiais que norteiam a sociedade como um todo[49].

Sob tal prisma, responsabilidade deve vir antes de liberdade. A autonomia privada continua tendo vida, mas – como acentua SARMENTO – a ordem jurídica vai agora temperá-la com preocupações sociais[50]. A iniciativa econômica, nesse contexto, há de ter uma utilidade social e há de ser exercida de maneira que não cause dano à segurança, à liberdade e à dignidade humanas[51].

Outrossim, sabemos que a Constituição Federal enuncia como um de seus objetivos fundamentais a construção de uma sociedade solidária (artigo 3º, inciso I, in fine). Ganha relevo, portanto, na lida com essa temática, o princípio da solidariedade. Como diz com perspicácia SARMENTO, embora diferentes, estamos irmanados em um destino comum, um caminhar em conjunto, pelo que a sociedade, de fato, não pode ser palco de concorrência entre indivíduos isolados, onde cada qual persegue projetos pessoais inteiramente antagônicos, senão que deve se erigir enquanto um rico espaço de diálogo e cooperação entre pessoas livres e iguais, que se reconheçam enquanto tais[52].

Como afirmou KANT, se o fim natural de todos os homens é a realização de sua própria felicidade, não basta agir de modo a não prejudicar ninguém, o que seria uma máxima meramente negativa. Na verdade, tratar a humanidade como um fim em si “implica o dever de favorecer, tanto quanto possível, o fim de outrem. Pois, sendo o sujeito um fim em si mesmo, é preciso que os fins de outrem sejam por mim considerados também como meus”[53].

O avanço do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana foi tão marcante que se iniciou um profundo processo de despatrimonialização ou personalização do Direito Civil, significando dizer que a atividade privada, em todas as suas possíveis dimensões, passa a ser funcionalizada aos valores existenciais e sociais definidos no texto constitucional[54]. Ou seja, sob o foco constitucional, fica cristalino que os bens e direitos patrimoniais não constituem fins em si mesmos, devendo ser tratados, ao revés, como simples instrumentos que devem servir à realização da pessoa humana[55]. Isso é fruto daquela inversão axiológica já anteriormente tratada, decorrente da invasão dos valores constitucionais sobre o campo do Direito Civil, que agora fazem sobrepujar as pessoas sobre as coisas, o ser em detrimento do ter[56].

Outro ponto relevante é a existência das chamadas cláusulas gerais[57]. Com efeito, o legislador brasileiro, diante da insuficiência legal no trato com a dinamicidade dos fatos sociais, elegeu textos normativos semanticamente abertos justamente para facilitar a interlocução entre o Direito e a Realidade, vez que, como alertava Ripert, “quando o direito ignora a realidade, a realidade se vinga, ignorando o próprio direito”. Portanto, deixando o enunciado legal em aberto, no tocante ao seu horizonte normativo, o legislador remete ao intérprete a incumbência de desenhar sua esfera de incidência à luz do caso concreto. Dessa forma, as cláusulas gerais funcionam como uma inteligente técnica legislativa destinada a manter os diplomas legais sempre naturalmente atuais, coevos[58], a ponto de, para sua adaptabilidade social, prescindir da formalidade que é inerente aos procedimentos ordinários da nomogênese legislativa[59].

Ademais, servem ainda para conferir livre trânsito à ductibilidade dos princípios constitucionais, responsáveis por orientar sua interpretação/aplicação por ocasião da incidência concreta[60]. São exemplos de cláusulas gerais no Direito Civil brasileiro a função social do contrato (artigo 421[61]), a boa fé-objetiva (artigo 422[62]) e a cláusula geral de responsabilidade civil objetiva (artigo 927, parágrafo único[63]).

Ao lado das cláusulas gerais, exsurgem também como de especial relevância os chamados conceitos legais indeterminados. Trata-se de técnica que se serve de expressões vazadas através de conceitos vagos e que o legislador lança mão com o deliberado intuito de propiciar a fácil adaptação da norma a uma realidade muito cambiante ou ainda pouco conhecida[64]. Como ensina GOMES:

“A intenção manifesta da doutrina dos conceitos indeterminados é lograr a abertura do sistema jurídico, evitando-se o seu fechamento exagerado e, pois, o seu isolamento do mundo sociocultural circundante. Com isso, propicia-se que a resolução das lides submetidas ao Poder Judiciário se aproxime o mais possível da ideia de justiça presente no meio social. A ideia, portanto, inspiradora dessa doutrina é a realização de justiça no caso concreto, ou seja: é a boa e antiga preocupação com a equidade. A técnica de usar conceitos indeterminados na norma opõe-se à casuística, pela qual são arroladas ou enumeradas as situações em que incidirá a hipótese legal, ou melhor, a regra ou a proposição veiculada na norma”[65].

Verdadeiramente, em um mundo cada vez mais dinâmico, onde os fatos sociais estão em constante estado de fervilhamento, a tarefa de reger condutas se torna inglória, restando praticamente impossível o regramento pontual, preciso, com menção a determinadas condutas específicas. Para sermos sinceros, o manuseio de conjunções de conceito fugidio, hodiernamente, revela-se mais uma imposição dos tempos do que precisamente uma opção dogmática[66]. São exemplos de conceitos legais indeterminados “ordem pública” e “bons costumes”, para caracterizar a ilicitude da condição que os ofenda (CC, artigo 122[67]), podendo-se citar, ainda, a própria locução “risco”, estampada no já citado parágrafo único, do artigo 927, do Código Civil de 2002.

Atrai especial relevo, também, nesse privilegiadíssimo cenário, o empenho pela garantia de equivalência material no âmago das relações jurídicas. Nesse campo de ideias, incorpora-se o desejo de, na perspectiva dos substantivos valores constitucionais, impor-se o dever de efetivo equilíbrio nos vínculos obrigacionais firmados entre particulares, que, de sua parte, devem servir para unir vontades tendentes a consultar ambos os interesses envolvidos, não se podendo permitir que tais sirvam como locus de opressão, enquanto “expediente de exploração do homem pelo homem”[68]. Exsurgem como exemplo da imposição de equivalência material entre as prestações os comandos normativos vazados nos artigos 478[69] e 480[70] do Código Civil.

Diante de todas as considerações já lançadas ao longo deste texto, podemos, com MONTEIRO FILHO, apontar, em resumo, os novos paradigmas da perspectiva contemporânea do Direito Civil, como segue: (i) identificação do marco axiológico supremo do ordenamento jurídico na dignidade humana e na solidariedade; (ii) aplicação direta dos princípios e valores constitucionais às relações privadas (independentemente da existência de norma infraconstitucional), a permitir a abertura e, ao mesmo tempo, a unidade interpretativa do sistema jurídico; (iii) distinção e prevalência, nas situações de conflito, dos valores não patrimoniais sobre os patrimoniais, por opção, democrática, do Poder Constituinte; (iv) funcionalização dos institutos jurídicos à tábua axiológica da Constituição, com a submissão de todas as situações jurídicas subjetivas a controle de merecimento de tutela, com base no projeto constitucional; (v) valorização da situação concreta e de suas especificidades sob a perspectiva da isonomia substancial, buscando-se tutelar, ao máximo, as diferenças (proteção especial aos idosos, crianças, adolescentes, portadores de necessidades especiais etc.); (vi) superação definitiva da dicotomia público-privado, proporcionando a interpenetração das searas e a redefinição permanente da noção de ordem pública; (vii) consagração da função social das instituições jurídicas, notadamente o contrato e a propriedade – o direito passa a ser visto sob a perspectiva mais ampla da sua função promocional[71].

Dessa forma, o Direito Civil pátrio passa a integrar um sistema hipercomplexo, “em constante interação com a mutabilidade social, tendo no ápice a Constituição, que inspira a interpretação do Código Civil e sua interlocução com a legislação especial e os microssistemas jurídicos”[72].

É evidente que existem inúmeros aspectos da constitucionalização do Direito, em especial com relação ao Direito Civil, que aqui não foram objeto de referência. Mas o quadro desenhado já é mais que suficiente para alcançar nosso atual objetivo: demonstrar que a força irradiadora dos valores constitucionais conformaram a atuação do legislador ordinário, mais especificamente quando forçou vir à baila o Código Civil de 2002, que, de sua parte, cimentou sua normatividade na perspectiva de que as relações jurídicas de direito privado devem ser interpretadas à luz da Constituição, “seja em obediência às escolhas político-jurídicas do constituinte, seja em favor da proteção da dignidade, princípio capaz de conformar um novo conceito de ordem pública, fundado na solidariedade social e na plena realização da pessoa humana”[73].

3. PARTICULARIZANDO MAIS AINDA: A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL

3.1. Intróito

A tsunami chamada “constitucionalização do Direito” também tem alcançado as praias da responsabilidade civil, a ponto de proporcionar profundas e irreversíveis reformulações em sua paisagem. Deveras, já de início podemos mencionar que se a responsabilidade civil tradicional estava basicamente centrada na tutela do direito de propriedade, agora a dignidade da pessoa humana, a solidariedade social e a justiça distributiva modificaram decisivamente a sistemática do dever de ressarcir[74]. Isso se dá mormente em razão da necessidade de harmonização do instituto da responsabilidade civil com os ventos atuais, compatibilizando-o com a complexidade/dinamicidade inerentes à sociedade contemporânea[75].

3.2 Contemporaneidade e Responsabilidade Civil: Fatores de Influência

Podemos apontar pelo menos quatro fatores que têm influenciado diretamente os rumos da responsabilidade civil da atualidade.

Cumpre acentuar, primeiramente, um importante fator econômico. De fato, a substituição de uma economia fundada na agricultura por outra baseada na indústria suscitou a produção e distribuição, em grande escala, de produtos de consumo padronizados, potencializando sobremaneira o risco, sobretudo o chamado risco serial. Deflui daí, desse âmago da Revolução Industrial, pois, o fenômeno da massificação das relações, donde se percebe o envolvimento cada vez maior de grandes grupos em torno de um único fato. Com isso, ocorre o declínio dos liames jurídicos essencialmente individualizados, que cedem espaço às lides tipicamente de massa[76]. Por outro lado, a complexidade estrutural dos grandes conglomerados econômicos serviram para dificultar ainda mais a já árdua tarefa de identificação precisa do verdadeiro autor da lesão[77].

 

Segue-se, ainda, ligado intimamente a esse fator econômico, o já reconhecido fator tecnológico. À guisa de exemplo, destaque-se o desenvolvimento dos transportes, em especial ferroviários, aéreos e rodoviários, que, de sua parte, elevaram vertiginosamente o nível de risco que naturalmente gravita sobre seus usuários[78]. De fato, muitas das máquinas utilizadas nas indústrias eram ligadas não apenas para gerar lucro, mas também para mutilar corpos e ceifar vidas[79]. Nessa linha, o contundente desabafo de RIPERT, verbis:

“As estatísticas mostram quantos acidentes custa um quilômetro de exploração de vias férreas, um ano de circulação de automóvel, a extração de tantas toneladas de carvão. A ciência que, frustrando a doença, consegue prolongar a vida humana, é impotente para prevenir todos os acidentes, e mesmo sabendo curar as feridas, faz aleijados. É justo que as vítimas sejam designadas à fatalidade? (...) os que possuem bens materiais criam, pela exploração respectiva, novos riscos; os que estão privados de riqueza sofrem as consequências desta exploração intensiva. Há uma classe social de autores dos prejuízos e uma outra das vítimas. Ora, a parte mais pobre da população é precisamente a mais exposta: são os operários da indústria que estão em contacto permanente com as coisas perigosas; os que circulam a pé pelas estradas que são apanhados pelos automóveis. (...) A morte dum rico proprietário enriquece os parentes; a morte dum operário priva uma família do seu amparo”[80].

É por força dessa problemática que mencionamos ainda um fator moral. A respeito, destaca ALVINO LIMA, in verbis:

“Ao lado destes fatores de ordem material e social, fatores morais vieram influenciar no surto do movimento inovador. O crescente número de vítimas sofrendo as consequências das atividades do homem, dia a dia mais intensas, no afã de conquistar proventos; o desequilíbrio flagrante entre os ‘criadores de risco’ poderosos e as suas vítimas; os princípios de equidade que se revoltavam contra esta fatalidade jurídica de se impor à vítima inocente, não criadora do fato, o peso excessivo do dano muitas vezes decorrente da atividade exclusiva do agente, vieram-se unir aos demais fatores, fazendo explodir intenso, demolidor, o movimento das novas ideias, que fundamenta a responsabilidade extracontratual tão-somente na relação de causalidade entre o dano e o fato gerador”[81].

Gize-se, também, a reboque, algo acerca de um fator ideológico –intimamente ligado àquele fator moral –, aqui representado pela intensa defesa dos direitos do homem, notadamente no que concerne à necessária blindagem da dignidade humana. Destarte, logo em seguida às guerras mundiais adveio uma radical transformação na conformação constitucional dos ordenamentos jurídicos ocidentais, firmando-se uma clara tomada de posição em prol da defesa da dignidade do homem[82].

Esse fator, espraiado com destaque em meio a diversas cartas constitucionais do mundo, aninhou-se, sem fazer cerimônia, no texto de nossa Constituição Federal, que firmou intransigente compromisso com os valores existenciais que permeiam cada ser humano, tão-só por ser tal[83]. Sem pestanejar, podemos afirmar que, no campo da responsabilidade civil, um dos magníficos reflexos desse modo de pensar é a crescente – e crucial – ênfase na pessoa da vítima, e sua justa reparação, em detrimento da clássica ênfase na pessoa do ofensor, e sua reprovável conduta[84].

Essa valorização da pessoa humana, marcada pela ampla proteção de sua dignidade, deteve o elevado condão de gerar uma profunda reestruturação dos próprios alicerces da responsabilidade civil, de modo a fazer com que seu epicentro de preocupação passasse a açambarcar não apenas a recomposição do patrimônio da vítima, tout court, mas também a própria preservação da pessoa, a defesa de sua existência digna, sendo um exemplo disso a já consagrada solidificação da indenização por abalo moral no direito brasileiro[85].

Percebe-se, nisso tudo, uma certa (r)evolução de ideias, humanizando-se a forma de raciocínio da reparação civil, tomada não mais apenas enquanto mero fator técnico ressarcitório/reparatório – o que é campo totalmente subserviente a uma estreita visão patrimonial –, mas, acima de tudo, assume, agora, uma forte conotação ética de valorização de uma concepção preventiva da dignidade humana – o que por certo se ajusta a um foco ligado a preciosos valores existenciais –[86].

Certamente que essa preocupação angariou maior simpatia social quando se viu que os acidentes que marcavam os novos tempos na grande maioria das vezes afetavam singelos trabalhadores, cuja coarctação da força de trabalho, de regra a única fonte de renda, significava quase sempre lançar uma família inteira ao campo da miséria[87].

Dessarte, tais fatores, conjugados, serviram como um denso pano de fundo que cuidou de forçar reformulações drásticas na teoria da responsabilidade civil, a ponto de lhe conferir um diferente perfil, apto a dar resposta adequada à contundente ambiência que lhe é circundante[88]. Mas, que reformulações seriam essas? Que nova formatação é essa que tem marcado a novel responsabilidade civil? Vejamos.

3.3 Contemporaneidade e Responsabilidade Civil: Tendências

A responsabilidade civil é matéria sempre viva e dinâmica[89], a todo tempo no encalço das transformações da realidade[90]. Desse modo, passemos a abordar, à luz das assertivas acima delineadas, algumas das mais destacadas tendências da responsabilidade civil contemporânea.

3.3.1 O Ocaso Científico da Culpa

É cediço que a ideologia liberal foi erigida em torno da ideia de liberdade. Como corolário, no afã de garantir um amplo espaço de atuação aos particulares, a teoria da responsabilidade civil foi construída tendo como elemento fundante da reparação o mau uso dessa valiosa liberdade individual[91]. A culpa, nessa ocasião, é o fundamento nuclear – senão único – da responsabilidade civil[92].

Então, na esteira do artigo 1.382 do Código Civil francês[93], seguiram-se inúmeros outros diplomas civis de países ocidentais, tal como consta dos artigos 159 do Código Civil brasileiro de 1916[94], 1.902 do Código Civil espanhol[95], 1.319 do Código Civil uruguaio[96] e 483 do Código Civil português[97], todos corroborando a ideia de que a responsabilidade civil de um agente causador de danos, em regra, só se concretizaria se presente o elemento subjetivo da culpa (em um sentido genérico, que abrange, pois, dolo e culpa em sentido estrito)[98]. Ou seja: a vítima só será indenizada se houver prova de que o agente tenha incorrido em culpa (latu sensu). Ocorre que, se, de um lado, essa concepção psicológica da culpa serviu para conferir uma razoável justificativa filosófica ao dever de ressarcir, certo é, por outro, que também serviu para, no aspecto jurídico, atrair os holofotes quase que exclusivamente para o ofensor – e seu ato praticado –, em detrimento da vítima – e seu dano sofrido –[99].

Todavia, já ao fim do século XIX começam a surgir críticas com relação à exigência da prova da culpa como pressuposto exclusivo do dever de reparação[100]. É que os desumanos vínculos de trabalho, o frio maquinário produzido a larga escala pela indústria, o manuseio de insumos perigosos e a crescente invasão dos veículos contribuíram para o surgimento de diferenciados tipos de acidentes, muitos deles até mesmo inevitáveis, de tal arte que, a cada dia, passou-se a perceber, com a nefasta experiência do cotidiano, a enorme dificuldade das vítimas em provar a conduta culposa dos lesantes, conforme exigência do então vigente modelo de responsabilidade civil[101].

Essa dificuldade probatória era tão intensa e injusta que acabou sendo encarada como uma verdadeira maldade às vítimas, que, diante do dissabor de um já previsível fracasso probatório no interior de uma demanda judicial, no mais das vezes restavam totalmente irressarcidas. Daí o porquê dessa frustração técnico-probatória ter sido batizada na doutrina de probatio diabolica[102].

Tal nuança foi bem destacada por JOSSERAND, que, lançando mão de fortes argumentos, verberou:

“Como um operário, que se feriu durante o seu trabalho, pode demonstrar a culpa do patrão? Como o pedestre, colhido por um automóvel, num lugar solitário, à noite, na ausência de testemunhas, pode provar – supondo-se que tenha sobrevivido ao acidente – que o carro não estava iluminado ou que corria a uma velocidade excessiva? Como o viajante que, no curso de um trajeto efetuado em estrada de ferro, ou sobre a via, pode provar que os empregados tinham negligenciado no fechamento da porta, logo depois da partida da última estação? Impor à vítima ou aos seus herdeiros demonstrações desta natureza equivale, de fato, a recusar-lhes qualquer indenização”[103].

A partir de então, iniciou-se uma crescente tendência à objetivização da responsabilidade civil[104]. Mercê do profundo sentimento de justiça e de equidade que passou a trespassar a matéria, doutrina e jurisprudência começaram a se utilizar de artifícios técnicos cada vez mais acurados e requintados, sempre imbuídos do mesmo intuito: buscar a máxima reparação de todo e qualquer dano injusto. Nessa fase, inicia uma respeitosa mudança de ângulo na responsabilidade civil, cujo giro conceitual vai do ato ilícito para o dano injusto, do lesante para a vítima[105].

Surgem, assim, por primeiro, posições doutrinárias que diminuíam o clássico rigor na configuração da culpa, fazendo com que os magistrados, em sua atividade judicante, extraíssem a culpa das próprias circunstâncias, em si mesmo consideradas, ou dos antecedentes pessoais dos participantes[106].

Eclodem, depois, as primeiras teorias favoráveis à aplicação de uma presunção de culpa a desfavor do agente causador do dano. Para tal visão, a simples existência do dano, por si só, já era uma demonstração da culpa do ofensor. Nesse viés doutrinário, pois, uma vez ocorrido o dano, haveria de se tomar por culpado aquele que agiu ou se omitiu, que, de sua parte, em sua defesa, deveria se desincumbir do onus probandi de demonstrar, inequivocamente, nos autos, que o resultado danoso não teria qualquer nexo de causalidade com sua conduta[107].

Através desse expediente, aliviou-se sobremaneira a pesada carga probatória que, antes, recaía sobre a vítima, repassando-a, desta feita, para os ombros do ofensor. Em paralelo, tal medida representava uma solução salomônica, já que, além de impedir injustiças decorrentes da severa exigência da prova da culpa, também exercia o oportuno papel de negar acolhida à polêmica teoria do risco como novo fundamento da responsabilidade[108]. Foi o que fez, por exemplo, o Código Civil italiano de 1942, em seu conhecido artigo 2.050[109].

Também faz parte dessa articulação doutrinária – que, para seus fins, valia-se da figura da presunção – a engenhosa ideia de transformação da culpa extracontratual em culpa contratual. A finalidade prática dessa arguciosa operação intelectiva era justamente a de transferir o encargo probatório ao agente causador do dano, a quem caberia demonstrar, ao final, que o resultado lesivo não lhe poderia ser imputado. Com isso, libertava-se a vítima da árdua tarefa de provar o estado de culpa do ofensor.

Não durou muito para que o caráter dessa presunção passasse de juris tantum para juris et de jure, ou seja, que sua feição assumisse contornos absolutos, inamovíveis, ao ponto de o juiz, no exercício dessa tarefa, presumir de forma tão definitiva a culpa do ofensor que, no frigir dos ovos, a medida equivalia mesmo, na prática, à própria dispensa do fator culpa para fins de reparação civil[110]. Note-se, porém, que, ainda aqui, a culpa continua a figurar como atriz principal no palco da responsabilidade civil, muito embora já se perceba fortes indícios de sua degradação enquanto principal elemento da responsabilidade civil.

Seguindo essa interessante trilha que conduz ao gradual ocaso da culpa, enquanto fator exclusivo de legitimação da reparação civil, cabe-nos agora trazer a lume o nascimento de uma concepção objetiva de culpa (também chamada de culpa normativa), onde, desprezando-se as particularidades do agente, realiza-se um cotejo de seu comportamento com uma figura abstrata, um homem-médio, um homem-padrão, na linha dos famosos bonus pater familias e reasonable man. Agindo dessa forma, a prova da culpa fica deveras facilitada, pois a investigação judicial, passando ao largo das idiossincrasias do ofensor, abre margem para um ambiente interpretativo bem mais propenso à visualização do culpa[111].

Como se pode perceber, até aqui as novidades teóricas sempre advinham da reflexão dos doutrinadores e/ou da pena dos juízes, cuja sensibilidade, para garantir um direito mais justo e equânime, caminhava bem à frente da bitolada legislação da época, forjada sob a luz da sempre rigorosíssima exigência de prova da conduta culposa do agente lesivo[112]. Mas a invasão dessa direção teórica no campo da práxis fez com que o legislador finalmente passasse a positivar, expressamente, no ordenamento jurídico pátrio, hipóteses específicas de atribuição de responsabilidade independentemente do fator subjetivo da culpa.

Enfim, há o reconhecimento formal, através de leis especiais, que o instituto da culpa não mais figurava como necessário pressuposto da responsabilidade civil, marcadamente naquelas áreas onde há um maior índice de acidentes (fator quantitativo) e onde ocorre maior dificuldade na prova da culpa (fator qualitativo), podendo ser citados, com tais características, os acidentes de trabalho e os acidentes de aviação, sendo claro, nessa nova fase, “o objetivo de superar o individualismo, que marca a noção de culpa, em favor de uma visão mais solidarista da responsabilidade civil”[113].

Mais à frente, essas previsões normativas foram se tornando tão numerosas que acabaram por gerar a consagração, no âmbito do próprio Código Civil, de uma responsabilidade que prescinde do fator subjetivo da culpa. Em geral, as hipóteses previstas na lei englobam situações específicas em que há um prévio desequilíbrio entre os envolvidos, sendo flagrante a hipossuficiência da vítima quanto ao encargo de provar a possível culpa do lesionante[114].

Por último, ganha relevo o disposto no artigo 927, parágrafo único, do atual Código Civil pátrio[115], que, acolhendo a teoria do risco, de uma parte ratificou as hipóteses até então fixadas pelo legislador como acobertadas por uma responsabilidade objetiva, e, de outra, autorizou cada magistrado a, pautado em um senso de justiça, identificar atividades outras que, à luz do caso concreto submetido ao crivo do Judiciário, ajustem-se perfeitamente à moldura semântica que marca a cláusula geral de responsabilidade objetiva ali estampada – tema que será abordado com mais vagar no próximo capítulo –.

Defronte de uma preocupante questão probatória, o que se extrai desse breve histórico é a gradual mitigação da culpa, se tomada enquanto um dos fatores hábeis ao acionamento do dever de reparação de danos[116]. Por via de consequência, descortina-se, já há algum tempo, um visível processo de crescente objetivação da responsabilidade civil.

Não se enxergue nesse fenômeno, todavia, a falsa impressão de que a culpa estaria fadada à morte, com tempo marcado para desaparecer do cenário da responsabilidade civil. Quando se fala aqui em ocaso científico da culpa, reportamo-nos à total decadência do pensamento que enxerga a culpa como o único fundamento da responsabilidade civil[117]. Na verdade – e muito pelo contrário –, a aferição da culpabilidade do agente continua exercendo um relevante papel na sistemática jurídica que rege o tema, bastando destacar, no caso do ordenamento brasileiro, o disposto no artigo 186 do Código Civil de 2002[118], havendo até quem esgrime a tese de que, nos dias atuais, ocorre mesmo uma espécie de contra-ofensiva da culpa[119].

3.3.2 A Flexibilização Técnica do Nexo Causal

Não é somente o clássico elemento da culpa que tem sofrido mudanças no decorrer dos anos, de modo a se prestigiar o pleno ressarcimento da vítima. Também o nexo de causalidade tem enfrentado suas transformações ao sabor do mesmo objetivo. A nítida impressão é que o fluir dos tempos tem sido acompanhado por um profícuo aprimoramento das teorias que versam sobre a causalidade, cuja fluidez decorre do constante confronto com circunstâncias que ousam desafiar o senso de justiça que reside em cada coração humano, em especial no coração do julgador[120].

De fato, perceba-se que a mais antiga das concepções que cuidavam da fixação do nexo de causalidade seguia pela toada de que, em verdade, todas as condições de um dano se equivalem, ou seja, todo e qualquer evento que tenha de alguma forma contribuído para o resultado lesivo há de ser considerado efetiva causa do dano, para os efeitos da responsabilização civil. Trata-se da chamada teoria da equivalência das condições (conditio sine qua non), cuja crítica mais severa reside justamente no inconveniente de alargar em demasia o raio do dever de reparação, imputando-o a uma miríade de agentes e eventos que muitas vezes apenas remotamente se relacionam com o dano[121].

Procurando ajustar esse defeito, formulou-se então a teoria da causalidade adequada, para quem “somente se considera como causadora do dano a condição por si só apta a produzi-lo”[122]. Através dessa teoria, para se conhecer se determinada causa é ou não adequada para produzir determinado efeito, instiga-se a questionar se tal relação de causa e efeito existe sempre, independentemente de qualquer outra circunstância, ou se, ao revés, no caso sob análise do estudioso, tal liame de causalidade se firmou em razão de fatores outros, específicos do caso concreto. A crítica, aqui, recai sobre a alegada excessiva dilatação do campo de liberdade conferido ao juiz na análise de cada caso, medida, para alguns, assaz perigosa[123].

Outrossim, almejando afastar essa visão algo que abstrata, engendrou-se a teoria da causalidade eficiente, segundo a qual as condições que concorrem para um certo resultado não são tomadas como equivalentes, porquanto sempre haverá de existir um fator que, na circunstância concreta, efetivamente desponta como a verdadeira causa do evento. Aqui, como se percebe, o juízo alusivo à causalidade não se dá in abstracto, mas in concreto. Entretanto, como não se logrou êxito em chegar a um denominador comum quanto a que critérios deveriam ser usados nesse mister, tal teoria se fadou ao insucesso[124].

Em seguida, exsurgiu a teoria da causalidade direta ou imediata, da interrupção do nexo causal ou da causalidade necessária[125], propalando, no particular, que a causa jurídica será apenas o evento que se vincula diretamente ao dano, sem interferência de outra condição sucessiva, “tendo o condão de restringir a relevância do comportamento humano, para fins de responsabilização, aos acontecimentos mais próximos da geração do prejuízo”[126]. Sucede, porém, que também esse constructo intelectivo, com o tempo, não escapou de duras críticas, centradas basicamente na demonstração de sua feição excessivamente limitativa, acarretando até mesmo resultados injustos, à vista de determinadas hipóteses fáticas[127].

O fato inconteste é que na seara doutrinária impera enorme polêmica quanto a se saber qual a teoria mais consentânea com o ordenamento jurídico cível brasileiro. GONÇALVES, por exemplo, afirma que a teoria da causalidade direta ou imediata foi aquela adotada pelo novel Código Civil, como se vê de seu artigo 403, assim vazado: “Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual”[128]. Entretanto, há também quem diga, em contraposição, como CAVALIERI FILHO, que a teoria vigorante no direito pátrio é a da causalidade adequada[129].

O mesmo se dá no que diz com a seara jurisprudencial, que também reflete semelhante dificuldade em se encontrar um ponto em comum, um consenso definitivo. Isso ocorre pela corriqueira inconsistência científica verificada no bojo de muitos acórdãos, que, “sucumbindo ao caráter sedutoramente empírico do tema, acabam por confundir ambas as teorias, não dispensando, entretanto, em nenhuma hipótese, a investigação da necessidade da causa”[130]. Realmente, malgrado seu relevante papel usualmente direcionado a alavancar decisões mais justas, a jurisprudência, nesse particular, e isso não há como negar, apresenta-se bastante confusa no que atine ao nexo causal[131].

Esse fenômeno, de início, produz um certo ar de descontentamento em nosso espírito. No entanto, cremos que a razão está mesmo com SCHREIBER, que, à luz de uma análise mais fina, afirma que a dita “torre de babel” erigida nos tribunais, no que toca ao tema sub examen, não significa um franco descompromisso científico, um irresponsável desleixo teórico por parte dos juízes. Muito pelo contrário, no fundo, esse “caos” reinante, quanto à temática do nexo etiológico, em verdade detém certo grau de coerência interna, já que consubstancia uma especial abordagem do tema, deliberadamente destinada a, por assim dizer, flexibilizar o nexo de causalidade, de modo a garantir, na prática – e à revelia de qualquer rigor científico-dogmático –, a efetiva reparação às vítimas de danos[132].

Não fosse apenas isso, cumpre registrar, que, mesmo com relação às denominadas excludentes de causalidade – que, sabe-se, são aquelas circunstâncias fático-jurídicas que, rompendo o elo etiológico, a rigor liberam o agente de qualquer dever de reparação[133] –, temos verificado construções flagrantemente impregnadas dessa altaneira influência que vem confirmando a erosão desse tal liame causal. Perceba-se, a título ilustrativo, que, inspirados na especialidade da relação consumerista, doutrina e jurisprudência vêm tecendo nos últimos anos sutil distinção entre fortuito externo e fortuito interno[134]. A respeito, leciona SCHREIBER:

“Por consistir em risco ligado à atividade do sujeito responsável, o fortuito interno tem sido considerado insuficiente para o afastamento da relação de causalidade entre a atividade desenvolvida e o dano, mesmo quando imprevisível e irresistível. Em outros termos: aos tradicionais requisitos da imprevisibilidade e irresistibilidade do caso fortuito, tem-se acrescentado esta terceira exigência – a externalidade ou externidade do caso fortuito, sem a qual se conserva a responsabilidade”[135].

Com relação ao fato ou culpa exclusiva de terceiro, já há mesmo expressa disposição legal mencionando, no caso dos contratos de transporte, que a responsabilidade contratual do transportador por acidente com o passageiro não é elidida por culpa de terceiro, contra o qual tem ação regressiva (CC, artigo 135). Isso quer dizer, por exemplo, que caso o acidente entre um ônibus e um caminhão tenha decorrido diretamente da imprudência deste último, por ter invadido a contramão de direção, as vítimas que estavam no coletivo deverão se voltar contra a empresa transportadora. Assim se tem entendido porque “o fato culposo de terceiro se liga ao risco do transportador, relaciona-se com a organização de seu negócio, caracterizando o fortuito interno, que não afasta a sua responsabilidade”[136].

Também o fato ou culpa exclusiva da vítima tem recebido interpretação relativizada. É famoso o caso em que determinado jovem, hospedado em um hotel fazenda paulista, pela madrugada, após se confraternizar com amigos, decidiu subir em um escorrega e dali mergulhar dentro da piscina. Como a piscina não era suficientemente profunda para acolher um mergulho daquela altura, o salto acabou rendendo ao jovem um violento choque de sua cabeça com o solo, com sérias repercussões para a sua saúde. Nesse caso, muito embora, a rigor, o lesado tenha agido em desacordo com um standard mínimo de diligência e cautela, o Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu por bem que a responsabilidade pelos danos deveria recair sobre o hotel e a agência de turismo que o indicou, já que, segundo a decisão, o fato da vítima se encontrava dentro dos lindes da previsibilidade e prevenção do estabelecimento hoteleiro, excluindo-se a responsabilidade integral da vítima[137]. Percebemos, aí, que o julgamento levou ao extremo a noção de fato ou culpa exclusiva da vítima, buscando, em prol da tutela do lesionado, no contexto fático desse caso concreto, um dado, uma circunstância, um fator que, por parte da empresa, de alguma forma pudesse ter contribuído, minimamente que seja, para o evento danoso[138].

Vale mencionar, também, posicionamento doutrinário e jurisprudencial que vai no sentido de elastecer o próprio elo causal em si, a tal ponto de não se dispensar o agente da reparação de danos naqueles casos em que se sucede lesão mais grave que o normal, por força de condições particulares da vítima. Nesse sentido, até se pode invocar o preceito contido no artigo 944, parágrafo único, do Código Civil brasileiro, que reza: “Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização”[139].

Mais uma vez, fica clara a depuração científica do tema, empolgada pelo  intuito de tutelar a pessoa da vítima, de modo a evitar injustas hipóteses de ausência de reparação. A flexibilização do nexo causal, nesse cenário, representa um engenhoso desdobramento técnico do sentimento constitucional de proteção da dignidade humana, no caso bem refletido naquelas situações em que a vítima se vê lesada em circunstâncias que, de uma forma ou de outra, têm alguma ligação com a atividade do agente causador do dano[140].

3.3.3 O Redimensionamento Ontológico dos Danos

Esse crescente influxo do desejo de proteção da vítima deitou por terra o clássico pensamento que tendia a dificultar ao máximo o acionamento da reparação civil. Eis o porquê dos filtros da responsabilidade civil (culpa e nexo causal), na maior parte do tempo, terem sido manuseados com extremo rigor pela pena judicante.

Entretanto, na atual quadra científica, o impulso segue por caminho diverso, qual seja, pugna-se, agora, pela relativização cada vez maior desses fatores, a fim de que decisões mais justas sejam exaradas, como naquelas hipóteses em que a prova da culpa é praticamente impossível e o fortuito envolve circunstância que pode ser enquadrada, de alguma forma, na própria dinâmica de atividade do sujeito lesionante. E a consequência da erosão desses clássicos filtros da reparação civil é o natural alargamento da esfera de danos ressarcíveis[141].

Nesse quadro, podemos relatar, inicialmente, a expansão de danos sob um enfoque estritamente quantitativo. Deveras, em especial a contar da Constituição de 1988, valorizou-se o pleno acesso à justiça[142] e se consolidou a viabilidade jurídica de vingar indenizações por dano moral[143]. Some-se a isso a edição do Código de Defesa do Consumidor (1990) – que abrange um extenso círculo humano de influência normativa[144] – e a criação dos Juizados Especiais[145].

No que se refere, agora, ao enfoque qualitativo, urge destacar a impetuosa proliferação de novas espécies de danos, além daqueles exclusivamente patrimoniais. A respeito, assevera VINEY que essa aparição e multiplicação de danos até então completamente desconhecidos, seja pela sua origem, seja pela sua amplitude, advém “dos acidentes de toda natureza que atingem o homem e o seu ambiente em razão do desenvolvimento da indústria, dos meios de transporte, da difusão de produtos complexos e perigosos, da exploração de energias mais ou menos bem controladas etc”[146]. NORONHA bem captou esse novo cenário, discorrendo com propriedade, verbis:

“Em tempos ainda recentes, os danos suscetíveis de reparação eram quase que somente os patrimoniais e individuais. A necessidade sentida pela sociedade de não deixar dano nenhum sem reparação é que mudou as coisas. Em primeiro lugar, gerou um avassalador movimento em prol da reparação dos danos extrapatrimoniais (ou morais, em sentido amplo), que, por contraposição aos danos que acarretam prejuízo econômico, atingem valores somente de ordem corporal (danos puramente corporais) ou espiritual e moral (danos anímicos, ou morais em sentido estrito). (...) Em segundo lugar, conduziu ao reconhecimento da necessidade de tutelar também os danos transindividuais (também chamados de supra-individuais ou metaindividuais), que são os que resultam da violação dos chamados interesses difusos e coletivos, definidos pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90), art. 81, parágrafo único, I e II. Trata-se de danos que dizem respeito a bens do interesse da generalidade das pessoas que integram uma comunidade, destacando-se, dentre eles, os prejuízos causados ao meio ambiente, ao consumidor e a bens ou direitos da coletividade”[147].

Exemplos dessa nova miríade de lesões seriam o abalo moral individual, o dano moral coletivo, dano estético, dano afetivo, dano social, dano coletivo, dano difuso, dano ambiental, dano sexual, dano por perda de oportunidade, perda de concorrencialidade, por redução de capacidade laboral, por assédio moral, por abandono afetivo, por morte de animal doméstico, por tranquilidade doméstica etc.[148]

Não sem razão a técnica legislativa mais utilizada no mundo contemporâneo é a da fixação de cláusulas gerais e conceitos indeterminados... A extrema dinamicidade da sociedade atual, aliada ao forte desejo de promover, no plano mais amplo possível, a tutela da pessoa humana, são dados incompatíveis com a rigorosa tipicidade de condutas que outrora marcou a produção legiferante[149].

Cuida-se, pois, de uma imposição dos novos tempos, que, obviamente, não poderia passar desapercebida por nosso Direito. De fato, uma ampla rede de proteção quanto aos mais variados danos, permeada por conceitos de extrema vaguidade conceitual, pode ser bem visualizada no arcabouço normativo brasileiro.

Perceba-se que, na órbita constitucional, verificamos ser resguardado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem (artigo 5º, inciso V), mostrando-se invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação (artigo 5º, inciso X).

Ademais, agora na órbita infraconstitucional, dispõe a lei que comete ato ilícito aquele que, por ato culposo (omissivo ou comissivo), violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral (CC, artigo 186), bem como aquele que, sendo titular de um direito, ao exercê-lo, exceder manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes (CC, artigo 187).

3.3.4 A Potencialização Fática da Efetiva Reparação

Na vigência do modelo anterior, a responsabilidade civil expressava um sistema altamente individualista, fundado na necessidade de prova inequívoca da culpa e onde os filtros de reparabilidade eram manuseados com alto rigor, em consonância com a criticável ideia de que o ressarcimento só deveria incidir em casos excepcionais, estreitos. Nessa dimensão, ressoava algo que comum ver inúmeras vítimas serem diuturnamente assoladas pelo fantasma do desamparo, que, defronte de um previsível insucesso probatório, acabavam por assumir, com absurda resignação, prejuízos que sequer tinham dado causa.

 Nos dias atuais, todavia, a sistemática da responsabilidade civil é tangida por outro comando. Mercê de uma sadia ambiência constitucional – que introduziu a dignidade da pessoa humana como fundamento da República Federativa do Brasil (artigo 1º, inciso III) e viu no princípio da solidariedade uma noção objetiva conformadora das instituições jurídicas (artigo 3º, inciso I) –, a preocupação, hoje, é justamente evitar ao extremo as fatídicas ocasiões de ausência de reparação.

Como anotamos em linhas transatas, o ocaso científico da culpa, a flexibilização técnica do nexo de causalidade e o redimensionamento ontológico dos danos ressarcíveis constituem medidas que, conjugadas, expressam essa nova forma de ver as coisas, esse novo paradigma que, fincado em densos valores constitucionais, exsurge com o elevado intuito de tutelar a vítima, de forma que, pelo contrário, a reparação plena e integral de seus prejuízos seja uma regra, nunca uma exceção[150].

Dentre tantas tendências no particular desse tema, pelo menos três podem aqui ser mencionadas, todas dirigidas pela mesma ideia de garantia da efetiva reparação da vítima.

De início, registramos o que se tem cunhado de teoria da causalidade alternativa, cujo conteúdo ganha importância naquelas hipóteses em que, malgrado seja possível identificar o grupo de cuja atuação adveio o dano, há impossibilidade de realizar a identificação precisa e individualizada de seu causador, sendo que a tendência verificada, na esteira do direito germânico, segue pela responsabilização solidária de todos os participantes do grupo, impedindo, com isso, que a vítima reste injustamente desamparada[151].

Sobressai, também, a vigorosa tendência de fazer com que a responsabilidade pelo ressarcimento abarque o maior número possível de pessoas, geralmente amarradas com um precioso vínculo de solidariedade, elo esse que, sabe-se, reduz sobremaneira as possibilidades da vítima sair irressarcida do infortúnio, em face da maior amplitude de acervo patrimonial reservado ao cumprimento de uma possível tutela ressarcitória de dano. Esse alinhamento encontra prodigioso espaço em nosso sistema jurídico, destacando-se, por exemplo, o disposto no artigo 942, caput, in fine, do Código Civil de 2002, quando reza que se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação[152].

Mas, na verdade, quem deu mesmo novo fôlego ao tema foi o Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90), que, no caso de danos nas relações consumeristas, primando pela máxima proteção da vida humana[153] e pela ampla prevenção e reparação de toda e qualquer sorte de prejuízo (artigo 6º, incisos I e VI)[154], adotou a solidariedade da responsabilização enquanto regra geral[155]. Não bastasse, tal Codex também previu, expressamente, a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica das empresas, com invasão da esfera patrimonial dos sócios, quando essa figura – a personalidade jurídica – constituir óbice ao ressarcimento de prejuízos de consumidores (artigo 28, caput, e § 5º[156]).

Não bastasse, estabelece também aquele valoroso diploma legal que toda e qualquer vítima do evento danoso, ocorrido no âmbito consumerista, por fato do produto ou do serviço, ainda que não detenha relação direta de consumo com o prestador ou fornecedor, gozará de todo o mesmo plexo de benefícios que recaem sobre a figura do consumidor[157]. Aliás, em norma até muito mais abrangente que essa, dispõe mesmo o Código de Defesa do Consumidor que “equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo[158].

Também deve receber menção o uso, em diversos países, de um sistema de seguro de responsabilidade civil, destinado a fazer frente com possíveis indenizações. Inicialmente encarada como uma ideia absurda[159], a verdade é que, com o desenrolar da história, tal mecanismo acabou ganhando corpo, ao ponto de YVONNE FLOUR afirmar que, “na época contemporânea, a responsabilidade civil não pode mais ser pensada fora da noção de seguro”[160]. Sobre o assunto, acentua SCHREIBER:

“A grande ironia reside em que o próprio desenvolvimento da responsabilidade civil veio ampliar a interferência da técnica securitária em seus domínios. A ânsia por desestimular as condutas culposas e, em momento posterior, o propósito de assegurar a reparação integral à vítima vieram exigir somas ressarcitórias elevadas com as quais os agentes lesivos não estavam preparados ou dispostos a arcar. Mais recentemente, ao consolidar-se a alteração funcional da responsabilidade civil, com um progressivo abandono do escopo repressivo da conduta culposa em favor da proteção à pessoa lesada, eliminaram-se os obstáculos ideológicos que impediam a transferência do ônus econômico da reparação a um terceiro inocente”.[161]

A nosso ver, uma das grandes críticas que se pode lançar contra esse sistema securitário é justamente o fato de que sua formatação atinge de morte a inarredável função preventiva da reparação, justamente a que mais se tem tentado prestigiar na concepção hodierna de responsabilidade civil[162].

De resto, cumpre o aceno, sempre bem-vindo, no sentido de que, em ocorrendo prejuízos, estes merecerão especial tutela não apenas para serem reparados (CC, artigo 927, caput[163]), mas, também e acima de tudo, reparados em toda a sua extensão (CC, artigo 944, caput – princípio da restitutio in integrum[164]), expediente esse consentâneo com a já mencionada cláusula geral de tutela da pessoa humana e que, de sua parte, só convalida essa salutar tendência hodierna de se garantir, na medida das condições fáticas e jurídicas de cada caso, a máxima potencialização fática da efetiva reparação das vítimas.

3.3.5 A Reformulação Teórica dos Fundamentos da Responsabilidade Civil

A mais importante tendência da responsabilidade civil no mundo atual – quiçá até mesmo responsável por todas as demais tendências anteriormente relatadas – está ligada não com seus elementos clássicos (culpa, dano, nexo de causalidade), muito menos com aquela tão propalada inflexão subjetiva de forte ênfase na vítima.

In vero, a mais marcante das tendências da responsabilidade civil está ocorrendo em seu próprio âmago, nas razões de sua própria existência. Nessa área, as reflexões têm sido tão profundas que podemos até mesmo afirmar estarmos vivenciando, hodiernamente, um auspicioso momento de transição quanto à própria concepção da responsabilidade civil[165].

Um dos rebentos mais destacados desse novo ambiente pode ser visualizado na excelente obra Responsabilidade Pressuposta, redigida por Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, da Universidade de São Paulo. Nesse livro, de conteúdo denso e altamente qualificado, a ilustre jurista faz inquietantes indagações. No início de seu trabalho, por exemplo, afirma, in verbis:

“Poucos institutos jurídicos evoluem mais que a responsabilidade civil. A sua importância em face do direito é agigantada e impressionante em decorrência dessa evolução, dessa mutabilidade constante, dessa movimentação eterna no sentido de ser alcançado seu desiderato maior, que é exatamente o pronto-atendimento às vítimas de danos pela atribuição, a alguém, do dever de indenizá-los. Refere-se, neste início de um novo tempo, à necessidade de se definir, de modo consentâneo, eficaz e ágil, um sistema de responsabilidade civil que tenha por objetivo precípuo, fundamental e essencial a convicção de que é urgente que deixemos hoje, mais do que ontem, um número cada vez mais reduzidos de vítimas irressarcidas. Mais que isso. O momento atual desta trilha evolutiva, isto é, a realidade dos dias contemporâneos, detecta uma preocupação – que a cada dia ganha mais destaque – no sentido de ser garantido o direito de alguém de não mais ser vítima de danos. Este caráter de prevenção da ocorrência de danos busca seu espaço no sistema de responsabilidade civil, em paralelo ao espaço sempre ocupado pela reparação dos danos já ocorridos. Há um novo sistema a ser construído, ou, pelo menos, há um sistema já existente que reclama transformação...”[166].

De fato, a responsabilidade civil, sempre sensível às transformações sociais[167], evidenciou, no começo de tudo, a superação da vingança privada pela ideia de culpa. Depois, imposições da modernidade exigiram o avanço para o constructo da culpa presumida. Mais à frente, com a contundência da contemporaneidade, aflorou a responsabilidade objetiva[168]. Propõe-se, agora, um novo salto evolutivo, desta feita avançando-se para a noção de responsabilidade pressuposta[169]. Ainda com HIRONAKA, mergulhemos um pouco mais no assunto:

“O evoluir jurisprudencial, então, cada vez mais, passa a registrar decisões que se expressam em termos de presunção de responsabilidade e não presunção de culpa. Como se uma espécie de responsabilidade pressuposta. Nem fundada na culpa, nem derivada do risco. Objetivada, mas com precauções. Os freios de expansão bem puxados, controlando os casos de aplicação e restringindo a esfera de abrangência. As considerações vinculadas à culpa vão se tornando, assim, cada vez mais raras e a maior parte das decisões contém uma grande dose de severidade na apreciação da prova liberatória, a ponto de parecer aplicar, na realidade, uma verdadeira responsabilidade objetiva. (...) O que se procura, com um sistema aperfeiçoado de responsabilidade civil, não é, obviamente, evitar todo o perigo, o que seria impraticável, inviável e inimaginável; a finalidade objetivada seria, isto sim, a diminuição do dano. A partir do momento em que a impossibilidade de evitar o dano é aceita, a disciplina jurídica da responsabilidade civil deveria visar a redução do custo social que ele representa, seja por meio da adoção de medidas de prevenção, ou porque alguém responderá por ele, por força de uma responsabilidade pressuposta e fundada num critério-padrão de imputação”[170].

Para a autora, é preciso pensar a responsabilidade civil debaixo de uma ótica eminentemente constitucional, fundando sua disciplina nos princípios da dignidade da pessoa humana (CF, artigo 1º, inciso III) e da solidariedade social (CF, artigo 3º, inciso I). Como corolário, há de se tutelar por primeiro a vítima, para só em seguida atentar para o ofensor[171]. Propõe a jurista que se busque um fator que justifique um novo sistema de responsabilidade civil, a responsabilidade pressuposta[172], que demandaria a construção de um critério geral de imputação que legitime o regime objetivo de responsabilidade civil, situado além da solução legal casuística e que venha a atender àqueles vetores constitucionais acima citados[173]. Encerra a obra reconhecendo a necessidade da doutrina amadurecer ainda um pouco mais o debate, mencionando ter deixado pelo menos algumas pistas para a resolução dessa intrincada questão[174].

Em escrito mais recente, a autora finalmente lançou, com maior precisão, os traços concretos dessa nova sistemática de responsabilização civil, pioneiramente denominada responsabilidade pressuposta. Embora longo, o texto, pela sua indiscutível relevância, merece ser transcrito, verbis:

“Segundo a nossa visão, e a partir da incansável reflexão acerca do assunto, até aqui, uma mise en danger otimizada tenderia a corresponder ao que chamamos de responsabilidade pressuposta e poderiam ser descritos assim os traços principais que ela contém: 1) risco caracterizado (fator qualitativo): é a potencialidade, contida na atividade, de realizar um dano de grave intensidade, potencialidade essa que não pode ser inteiramente eliminada, não obstante toda a diligência que tenha sido razoavelmente levada a cabo, nesse sentido; 2) atividade especificamente perigosa (fator quantitativo): subdivide-se em: a) probabilidade elevada: corresponde ao caráter inevitável do risco (não da ocorrência danosa em si, mas do risco da ocorrência). A impossibilidade de evitar a ocorrência nefasta acentua a periculosidade, fazendo-a superior a qualquer hipótese que pudesse ter sido evitada pela diligência razoável; b) intensidade elevada: corresponde ao elevado índice de ocorrências danosas advindas de uma certa atividade (as subespécies deste segundo elemento podem, ou não, aparecer juntas; não obrigatoriamente). Portanto, e a partir desta súmula do que se idealiza quanto a uma mise en danger, provavelmente seria possível retratar o critério buscado para lhe conferir o status de uma règle de valeur, da seguinte maneira: 1) este critério deve descrever a potencialidade perigosa das atividades que podem ensejar a responsabilização pelo viés da mise en danger; 2) não deve ser taxativo ou enumerativo, para não fechar as portas para futuros danos, ainda não conhecidos; 3) não deve ser tão elástico que acabe por suportar (ou por deixar entrar) variáveis que não se encaixem na verdadeira potencialidade perigosa de uma atividade; 4) estabelecido o nexo causal (dano x atividade perigosa), o executor da atividade é considerado o responsável pela reparação (tout court); 5) essa responsabilidade civil deve ter como finalidade exclusivamente a reparação da vítima, sem qualquer abertura à exoneração dos responsáveis, em face de provas liberatórias (assemelhadas às contraprovas, nas presunções juris tantum); 6) não deve admitir excludente de responsabilidade; 7) pode, eventualmente, admitir o regresso (ação de regresso), mas que se dará pelas provas que o demandado possa fazer nessa outra ação, e que demonstrariam a culpa de outrem, contra o qual regressaria”[175].

De tudo o que fora exposto, a sensação que fica é a de que se sucede um verdadeiro sismo no terreno da responsabilidade civil. Seus alicerces estão abalados; seus paradigmas, trincados. Saiu o Código Civil; entrou a Constituição. Passou-se do lesante, ao lesado; do ofensor, para a vítima[176]. Já não reina absoluta a responsabilidade subjetiva; desponta a responsabilidade objetiva. Da culpa ao risco. Do risco à solidariedade. A responsabilidade civil está se libertando da noção individualista de sanção; assimila, agora, as noções solidaristas de reparação e prevenção[177]. Já não se buscam culpados; almejam-se responsáveis. De responsabilidade civil para responsabilidade constitucional. Ou melhor: de responsabilidade civil para reparação civil. Melhor ainda: reparação constitucional. Ora, há, de fato, algo novo sendo construído...[178]

4. CONFLUÊNCIA DE IDEIAS EM PROL DE UMA NOVA CONCEPÇÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL

Não há como negar: o Direito Civil do século XXI é constitucionalizado, detém forte carga solidarista e um profundo viés despatrimonializante[179]. O eixo gravitacional dessa mudança tem como epicentro axiológico o princípio da dignidade da pessoa humana, fundamento da República Federativa do Brasil (artigo 1º, inciso III), cujo maior reflexo, no estuário civilista, tem sido a constante humanização de todos os seus institutos.

Quando a dignidade humana se capilariza nos meandros da seara cível, faz produzir, na esfera dogmática, os chamados direitos de personalidade, particularmente voltados a reger a dignidade nas relações entre particulares[180]. De fato, nada obstante tenha nascido ainda um tanto quanto tímido na regência legal da matéria, nosso Código Civil, de todo modo, ao cuidar desses tais direitos, deixou bem evidente sua irrefragável opção pela proteção da dignidade humana[181].

Essa forma de encarar a realidade, erigida na base de um matiz principiológico, faz com que a proteção da pessoa humana seja vista e percebida enquanto fomentadora de uma série amplamente descerrada de direitos, uma genuína cláusula aberta de promoção da dignidade humana. Com esse expediente, a parcimônia legal revelada no trato do tema se torna coisa de menor valia, problemática de pouca monta, já que a visão de um sistema arrimado na Constituição, especialmente na esteira do que diz seu artigo 5º, § 2º[182], sinaliza pela ampliação da proteção da pessoa, nos mais variados aspectos de sua personalidade, ainda que nem todas as situações de risco à sua dignidade estejam legalmente disciplinadas[183]. Noutra forma de dizer: a proteção à dignidade humana passa a prescindir por completo do vetusto fator exclusivo da prévia tipicidade.

 

A responsabilidade civil, debaixo desse novo paradigma, funcionaliza-se, adentrando mesmo em uma nova dimensão jurídica. Nessa guindada dogmática, esse instituto deixa de ser visto apenas como um simples instrumento técnico de solução de conflitos individuais, para assumir, definitivamente, a relevante função de poderoso instrumento ético de integral tutela da pessoa humana e de máxima convergência com o solidarismo constitucional.

Com tal colocação, pretende-se dizer que não é só a propriedade e o contrato que detêm função social[184], sendo certo que, de modo muito mais abrangente, em verdade, hoje, todo e qualquer instituto jurídico está materialmente vinculado aos objetivos constitucionais de promoção da dignidade humana e construção do bem-estar social[185]. Concordamos, pois, com ABREU BARROSO, quando afirma que “a função social da responsabilidade civil não reclama por aceitação, posto ser uma realidade peremptória no contexto do direito civil brasileiro”[186].

Nessa perspectiva, a responsabilidade civil ganha importância singular enquanto eficaz ferramenta de proteção da dignidade humana[187].

Assim ocorre porque a constitucionalização do Direito Civil é fenômeno arrasador, na medida em que acarreta um repensar de todos os seus institutos, aí incluindo, óbvio, uma revisão da complexa seara da responsabilidade civil, sobretudo na parte que trata da reparação de danos independente de culpa, geralmente mais preocupada com a tutela da vítima. Não sem razão novos paradigmas estão sendo construídos, novos rumos estão sendo apontados, aí se destacando a recentíssima vertente doutrinária denominada responsabilidade pressuposta, cuja pedra de toque é a ágil e eficaz reparação da vítima, quando frente a danos injustos.

Na verdade, esse agitar de ideias, essa verdadeira chacoalhada dogmática, tem servido não só para um aprimoramento técnico com relação ao fenômeno jurídico, senão que também para uma ímpar reflexão quanto ao próprio papel da instância jurídica, de modo a insuflar uma permanente interrogação que almeja saber, para além das formalidades legais, a que serve e a quem serve o Direito[188], e, também, porque não, a que serve e a quem serve a responsabilidade civil.


Notas

[1]  ALMEIDA, João Ferreira de (tradutor). Bíblia Sagrada. Revista e Corrigida. São Paulo : Sociedade Bíblica do Brasil, 1995, Novo Testamento, p. 140.

[2]  Dentre os vetores materiais instituídos pela Carta da República, destacam-se: o da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III, e artigo, 170, caput); o do prestígio aos valores sociais do trabalho e à livre iniciativa (artigo 1º, inciso IV, e artigo 170, caput, inciso VIII e parágrafo único); o que reforça a premissa de que todo poder emana do povo (artigo 1º, parágrafo único); o que enuncia o propósito de construir uma sociedade livre, justa e solidária (artigo 3º, inciso I), na qual haja justiça social (artigo 170, caput); o que deseja garantir o desenvolvimento nacional (artigo 3º, inciso II); e o que promete erradicar a pobreza, a marginalização, e reduzir as desigualdades sociais e regionais (artigo 3º, inciso III e artigo 170, incisos VII e VIII).

[3]  CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MOREIRA, Vital. Fundamentos da Constituição. Coimbra : Coimbra Editora, 1991, p. 45.

[4]  Ricardo Guastini afirma que a constitucionalização do Direito “é um processo de transformação de um ordenamento jurídico, ao término do qual o ordenamento em questão resulta totalmente ‘impregnado’ pelas normas constitucionais. Um ordenamento jurídico constitucionalizado é caracterizado por uma Constituição extremamente invasora e expansiva” (GUASTINI, Ricardo. A “Constitucionalização” do Ordenamento Jurídico e a Experiência Italiana. In A Constitucionalização do Direito – Fundamentos Teóricos e Aplicações Específicas. Coordenadores: NETO, Cláudio Pereira de Souza & SARMENTO, Daniel. Rio de Janeiro : Editora Lumen Juris, 2007, p. 272). Luís Roberto Barroso destaca que a Constituição, atualmente, “passa a atuar como o filtro axiológico pelo qual se deve ler todo o direito civil” (BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo : Saraiva, 2009, p. 368). Algumas páginas atrás, o ilustre professor já havia acentuado que o direito norte-americano constitui uma verdadeira exceção nesse fenômeno, porquanto “a Constituição americana – a mesma desde 1787 – teve, desde a primeira hora, o caráter de documento jurídico, passível de aplicação direta e imediata pelo Judiciário” (BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo : Saraiva, 2009, p. 353-354). Confira-se essa mesma obra para um interessante quadro histórico da constitucionalização do Direito no Brasil e em outros países.

[5]  Nesse sentido: BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo : Saraiva, 2009, p. 351.

[6]  Apud SILVA, Virgílio Afonso da. A Constitucionalização do Direito: Os Direitos Fundamentais nas Relações entre Particulares. São Paulo : Malheiros Editores, 2008, p. 47-48. Como relata Daniel Sarmento, “se o constitucionalismo representava basicamente uma doutrina de contenção do poder estatal, o neoconstitucionalismo, que vem se desenvolvendo na Europa a partir do segundo pós-guerra, e no Brasil sob a égide da Constituição de 1988, é muito mais ambicioso no seu afã de fecundar o direito positivo com os ideais humanitários presentes nas constituições contemporâneas” (SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2ª Edição, Rio de Janeiro : Editora Lumen Juris, 2006, p. 56-57).

[7]  Ou seja, na esteira dessa visão, toda interpretação jurídica, direta ou indiretamente, é antes de tudo uma interpretação constitucional. Nesse particular, ensina Eduardo Ribeiro Moreira: “A hermenêutica constitucional é o campo de estudo da tarefa da interpretação por natureza. A abertura do texto constitucional enterrou, de uma vez por todas, a noção de que somente o texto legal que não fosse claro deveria ser interpretado. Toda norma carrega direta e potencialmente o elemento disposicional de ser interpretada à luz da Constituição” (MOREIRA, Eduardo Ribeiro. Neoconstitucionalismo: A Invasão da Constituição. 7ª Obra da Coleção Professor Gilmar Mendes. São Paulo : Editora Método, 2008, p. 84). Após também se alinhar com essa assertiva, Luís Roberto Barroso passa a demonstrar como, na prática, essa interpretação constitucional ocorre, verbis: “Qualquer operação de realização do Direito envolve a aplicação direta ou indireta da Lei Maior. Aplica-se a Constituição: a) Diretamente, quando uma pretensão se fundar em uma norma do próprio texto constitucional. Por exemplo: o pedido de reconhecimento de uma imunidade tributária (CF, art. 150, VI) ou o pedido de nulidade de uma prova obtida por meio ilícito (CF, art. 5º, LVI). b) Indiretamente, quando uma pretensão se fundar em uma norma infraconstitucional, por duas razões: (i) antes de aplicar a norma, o intérprete deverá verificar se ela é compatível com a Constituição, porque, se não for, não deverá fazê-la incidir; esta operação está sempre presente no raciocínio do operador do Direito, ainda que não seja por ele explicitada; (ii) ao aplicar a norma, o intérprete deverá orientar seu sentido e alcance à realização dos fins constitucionais” (BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo : Saraiva, 2009, p. 363). Paulo Lôbo relata, também, que “quando inexistir norma infraconstitucional, o juiz extrairá da norma constitucional todo o conteúdo necessário para a resolução do conflito. (...) Portanto, as normas constitucionais sempre serão aplicadas em qualquer relação jurídica privada, seja integralmente, seja pela conformação das normas infraconstitucionais” (LÔBO, Paulo. A Constitucionalização do Direito Civil Brasileiro. In Direito Civil Contemporâneo: Novos Problemas à Luz da Legalidade Constitucional: Anais do Congresso Internacional de Direito Civil-Constitucional da Cidade do Rio de Janeiro. TEPEDINO, Gustavo (organizador). São Paulo : Atlas, 2008, p. 21).

[8]  LÔBO, Paulo. A Constitucionalização do Direito Civil Brasileiro. In Direito Civil Contemporâneo: Novos Problemas à Luz da Legalidade Constitucional: Anais do Congresso Internacional de Direito Civil-Constitucional da Cidade do Rio de Janeiro. TEPEDINO, Gustavo (organizador). São Paulo : Atlas, 2008, p. 23.

[9]  CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Neoconstitucionalismo e o Novo Paradigma do Estado Constitucional de Direito: Um Suporte Axiológico para a Efetividade dos Direitos Fundamentais Sociais. In Temas de Teoria da Constituição e Direitos Fundamentais. CUNHA JÚNIOR, Dirley da; PAMPLONA FILHO, Rodolfo (organizadores). Salvador : JusPODIVM, 2007, p. 72-73.

[10]  BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo : Saraiva, 2009, p. 352.

[11]  TEPEDINO, Gustavo. Normas Constitucionais e Direito Civil na Construção Unitária do Ordenamento. In A Constitucionalização do Direito – Fundamentos Teóricos e Aplicações Específicas. SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel (coordenadores). Rio de Janeiro : Editora Lumen Juris, 2007, p. 309. Nada obstante, o próprio Gustavo Tepedino relaciona quatro objeções centrais à incidência imediata das normas constitucionais no direito civil, in verbis: “(i) os princípios constitucionais, mesmo tomados como preceitos normativos, constituem-se em normas de organização política e social e, portanto, valer-se deles para a regulamentação das relações jurídicas interindividuais traduziria verdadeiro salto sobre o legislador ordinário, ao qual é dado disciplinar o direito privado; (ii) a baixa concretude dos princípios constitucionais suscitaria exagerada e por vezes perigosa subjetividade dos juízes; (iii) as normas constitucionais sujeitam-se a reformas, compromissos e contingências políticas, ao contrário das normas do direito privado, muito mais afeitas à estabilidade própria da sua dogmática, em grande parte herdada, quase de forma intacta, do direito romano; (iv) o controle de merecimento de tutela imposto pela aplicação automática das normas constitucionais, para além do juízo de ilicitude dos atos em geral, representaria uma ingerência valorativa indevida nos espaços privados, reduzindo o campo das escolhas e liberdades individuais. Todas as quatro críticas, embora respeitáveis, mostram-se descontextualizadas, relacionando-se com uma realidade inteiramente obsoleta, por pressupor o cenário característico da codificação do Século XIX, quando se delineava, então, uma clara dicotomia entre o direito público e o direito privado, este destinado à sublimação da autonomia privada. (...) ...vive-se hoje cenário bem distinto: a dignidade da pessoa humana impõe transformação radical na dogmática do direito civil, estabelecendo uma dicotomia essencial entre as relações jurídicas existenciais e as relações jurídicas patrimoniais” (TEPEDINO, Gustavo. Normas Constitucionais e Direito Civil na Construção Unitária do Ordenamento. In A Constitucionalização do Direito – Fundamentos Teóricos e Aplicações Específicas. Coordenadores: NETO, Cláudio Pereira de Souza & SARMENTO, Daniel. Rio de Janeiro : Editora Lumen Juris, 2007, p. 315-316).

[12]  Apud  BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Direitos de Personalidade e Dignidade: Da Responsabilidade Civil para a Responsabilidade Constitucional. In Novo Código Civil - Questões Controvertidas: Responsabilidade Civil. Série Grandes Temas de Direito Privado. Vol. 5. DELGADO, Mário Luiz; ALVES, Jones Figueirêdo (coordenadores). São Paulo : Método, 2006, p. 558.

[13]  SARMENTO, Daniel. A Ponderação de Interesses na Constituição Federal. 1ª Edição, 3ª Tiragem, Rio de Janeiro : Editora Lumen Juris, 2003, p. 59.

[14]  Dentre muitos, confira-se: MORAES, Maria Celina Bodin de. A Caminho de um Direito Civil Constitucional. Revista de Direito Civil. n. 65, jul./set. 1993; MORAES, Maria Celina Bodin de. Perspectivas a Partir do Direito Civil-Constitucional. In Direito Civil Contemporâneo: Novos Problemas à Luz da Legalidade Constitucional: Anais do Congresso Internacional de Direito Civil-Constitucional da Cidade do Rio de Janeiro. TEPEDINO, Gustavo (organizador). São Paulo : Atlas, 2008; FACHIN, Luiz Edson. A Construção do Direito Privado Contemporâneo na Experiência Crítico-Doutrinária Brasileira a partir do Catálogo Mínimo para o Direito Civil-Constitucional no Brasil. In Direito Civil Contemporâneo: Novos Problemas à Luz da Legalidade Constitucional: Anais do Congresso Internacional de Direito Civil-Constitucional da Cidade do Rio de Janeiro. TEPEDINO, Gustavo (organizador). São Paulo : Atlas, 2008. Registre-se que mesmo o uso da expressão Direito Civil-Constitucional recebe críticas. Virgílio Afonso da Silva, por exemplo, argumenta que: “... falar em direito civil constitucional pressupõe, a meu ver equivocadamente, que haja uma parte do direito civil completamente imune às influências dos princípios constitucionais e outra que seria por eles conformada. Se, ao contrário, é todo o direito civil que recebe essa influência e não apenas uma parte, a ideia de um direito civil constitucional perde ainda mais em sentido, a não ser que a expressão direito civil, sem qualificativos, seja abandonada, por deixar de fazer sentido” (SILVA, Virgílio Afonso da. A Constitucionalização do Direito: Os Direitos Fundamentais nas Relações entre Particulares. São Paulo : Malheiros Editores, 2008, p. 172). Data venia, pensamos que a manifestação do ilustre professor também está descontextualizada, porquanto espelhando, ainda que imotivadamente, a já ultrapassada distinção entre público e privado. A nosso ver, o que a expressão “Direito Civil-Constitucional” quer referir é exatamente a profunda imbricação atualmente vigorante entre esses dois ramos do Direito, de modo que, hoje, todo o Direito Civil, desde suas estruturas mais clássicas, há de ser analisado, sem prejuízo de sua autonomia científica, com uma postura hermenêutica fiel à Constituição. Ou seja: não há como manusear e pensar o Direito Civil sem previamente ajustá-lo ao foco constitucional. Como bem esclarece Paulo Lôbo, “as relações entre familiares e parentes, entre contratantes, entre titular de domínio e o alter, entre o causador do dano e a vítima, entre herdeiros, por mais que sejam constitucionalizadas não perdem sua natureza estritamente civil” (LÔBO, Paulo. A Constitucionalização do Direito Civil Brasileiro. In Direito Civil Contemporâneo: Novos Problemas à Luz da Legalidade Constitucional: Anais do Congresso Internacional de Direito Civil-Constitucional da Cidade do Rio de Janeiro. TEPEDINO, Gustavo (organizador). São Paulo : Atlas, 2008, p. 20). Logo, a locução, ao contrário do imaginado pelo ilustre jurista, não é usada sob um prisma formal (alcançando apenas algumas regras e institutos), senão que material (alcançando a própria inteligência de todo o ramo cível, em si mesmo considerado). Não se cuida de apenas aceitar a chegada da Constituição ao Direito Civil (ou a partes dele), mas, acima de tudo, reconhecer que o próprio Direito Civil, em si, hodiernamente, reformulou-se, ajustou-se, transformou-se, de modo a não mais se poder sequer raciocinar um Direito Civil alheio à prévia incidência axiológica constitucional, pena de afronta à soberania popular legitimamente cristalizada na Carta de 1988.

[15]  LÔBO, Paulo. A Constitucionalização do Direito Civil Brasileiro. In Direito Civil Contemporâneo: Novos Problemas à Luz da Legalidade Constitucional: Anais do Congresso Internacional de Direito Civil-Constitucional da Cidade do Rio de Janeiro. TEPEDINO, Gustavo (organizador). São Paulo : Atlas, 2008, p. 20. Segundo Ricardo Aronne: “Um novo Direito Civil, independente do asfalto, que suba o morro e reencontre a sociedade, não se fez em códigos. É fruto de uma reconstrução epistemológica, capitaneada pela jurisprudência mais compromissada, nucleada na nova dimensão existencial do Direito Privado, que teve por ante-sala um substancioso Diploma Constitucional, destinado a uma sociedade advinda de vinte e um anos de militarismo totalitário” (ARONNE, Ricardo. Direito Civil-Constitucional e Teoria do Caos: Estudos Preliminares. Porto Alegre : Livraria do Advogado Ed., 2006, p. 38).

[16]  Nessa linha, ensina Ricardo Aronne: “Ao se erigir o sistema jurídico pátrio a partir de valores como igualdade, solidariedade, liberdade, fraternidade, pluralismo e bem comum, na consecução de um Estado Social e Democrático de Direito, como princípio jurídico vinculante – não só ao Estado como também aos destinatários da ordem jurídica –, que se desvenda através de princípios, tais como o da dignidade da pessoa humana, cidadania e função social da propriedade, as regras do direito privado passam a receber um novo conteúdo e a expressar um novo sentido, diverso daquele que emanava quando adveio à ordem jurídica” (ARONNE, Ricardo. Direito Civil-Constitucional e Teoria do Caos: Estudos Preliminares. Porto Alegre : Livraria do Advogado Ed., 2006, p. 41).

[17]  GAMA. Guilherme Calmon Nogueira da; CIDAD, Felipe Germano Cacicedo. Função Social no Direito Privado e Constituição. In Função Social no Direito Civil. GAMA. Guilherme Calmon Nogueira da (coordenador). 2ª Edição. São Paulo : Atlas, 2008, p. 19.

[18]  Segundo Paulo Lôbo, “a constitucionalização do direito civil não é episódica ou circunstancial. (...) A ordem jurídica infraconstitucional deve concretizar a organização social e econômica eleita pela Constituição, não podendo os juristas desconsiderá-la, como se os fundamentos do direito civil permanecessem ancorados no modelo liberal do século XX” (LÔBO, Paulo. A Constitucionalização do Direito Civil Brasileiro. In Direito Civil Contemporâneo: Novos Problemas à Luz da Legalidade Constitucional: Anais do Congresso Internacional de Direito Civil-Constitucional da Cidade do Rio de Janeiro. TEPEDINO, Gustavo (organizador). São Paulo : Atlas, 2008, p. 20). Registre-se, aqui, que essa sinergia entre Direito Civil e Direito Constitucional é tão intensa que Gomes Canotilho chegou ao ponto de indagar se o processo não é inverso, ou seja, da “civilização do direito constitucional”. A respeito, confira-se: CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Civilização do Direito Constitucional ou Constitucionalização do Direito Civil? In Direito Constitucional: Estudos em Homenagem a Paulo Bonavides. GRAU, Eros; GUERRA FILHO, Willis Santiago (organizadores). São Paulo : Malheiros, 2000.

[19]  BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo : Saraiva, 2009, p. 367.

[20]  SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2ª Edição, Rio de Janeiro : Editora Lumen Juris, 2006, p. 67.

[21]  TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. 3ª Edição, Rio de Janeiro : Renovar, 2004, p. 3.

[22]  BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo : Saraiva, 2009, p. 367.

[23]  Segundo Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, “a sociedade do século XX, sobretudo após a 1ª Grande Guerra, marcaria o ocaso das codificações, por meio da maciça intervenção do Estado na economia, e, sobretudo, com o processo, daí decorrente, de restrição à autonomia privada, pelo chamado dirigismo contratual. A teia viva das relações sociais, as incertezas da economia, a imprevisão generalizada dos negócios e a publicização do direito começariam a amolecer o gesso das normas codificadas, vulnerando, passo a passo, importantes regras que pretendiam ser imutáveis e eternas. Aliás, nesse prisma, todo o esforço despendido nos primeiros anos da faculdade para ensinar ao aluno a distinção entre direito público e privado acaba não tendo mais importância alguma...” (GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. Volume I : Parte Geral. 8ª Edição. São Paulo : Saraiva, 2006, p. 45).

[24]  Carlos Edison do Rêgo Monteiro Filho assim descreve essa fase: “... num primeiro momento, surgiram diversas leis extraordinárias que gravitavam ao redor do sistema do Código, mas que não lhe retiravam do centro do ordenamento jurídico (fase da excepcionalidade). Depois, essas leis, que, inicialmente, eram de emergência, extravagantes, foram se tornando cada vez mais densas e robustas, subtraindo inteiras matérias do bojo do Código Civil e passando a constituir verdadeiras legislações especiais (fase da especialização). Mais ainda: com o passar do tempo, se chegou à era dos estatutos, quando parte da doutrina então destacou a passagem de um monosistema para um polissistema, a contemplar diferentes microssistemas que teriam critérios interpretativos próprios, peculiares, distintos entre si” (MONTEIRO FILHO, Carlos Edson do Rêgo. Rumos Cruzados do Direito Civil Pós-1988 e do Constitucionalismo de Hoje. In Direito Civil Contemporâneo: Novos Problemas à Luz da Legalidade Constitucional: Anais do Congresso Internacional de Direito Civil-Constitucional da Cidade do Rio de Janeiro. TEPEDINO, Gustavo (organizador). São Paulo : Atlas, 2008, p. 264).

[25]  SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2ª Edição, Rio de Janeiro : Editora Lumen Juris, 2006, p. 74.

[26]  TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. 3ª Edição, Rio de Janeiro : Renovar, 2004, p. 7.

[27]  SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2ª Edição, Rio de Janeiro : Editora Lumen Juris, 2006, p. 75.

[28]  Nesse particular, assere Maria Celina Bodin de Moraes: “Diante da nova Constituição e da proliferação dos chamados microssistemas, como, por exemplo, a Lei do Direito Autoral, e recentemente o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Código de Defesa do Consumidor e a Lei das Locações, é forçoso reconhecer que o Código Civil não mais se encontra no centro das relações de direito privado. Tal pólo foi deslocado, a partir da consciência da unidade do sistema e do respeito à hierarquia das fontes normativas, para a Constituição, base única dos princípios fundamentais do ordenamento” (MORAES, Maria Celina Bodin de. A Caminho de um Direito Civil Constitucional. In Revista de Direito Civil. n. 65, jul./set. 1993, p. 24).

[29]  Segundo Luís Roberto Barroso, “há razoável consenso de que o marco inicial do processo de constitucionalização do Direito foi estabelecido na Alemanha. Ali, (...) o Tribunal Constitucional Federal assentou que os direitos fundamentais, além de sua dimensão subjetiva de proteção de situações individuais, desempenham uma outra função: a de instituir uma ordem objetiva de valores. (...) O primeiro grande precedente na matéria foi o caso Luth, julgado em 15 de janeiro de 1958” (BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo : Saraiva, 2009, p. 354-355). Sobre a união entre o Direito Constitucional e o Direito Civil, aduz Eduardo Ribeiro Moreira: “O direito civil-constitucional é fruto da reunião dos campos mais importantes para o Estado e para a sociedade, desde o ponto de vista clássico; Roma e Grécia, enfim, encontram-se unidas. A constitucionalização do sistema jurídico passou a ser um dado respeitado e concreto com o direito civil constitucionalizado. Para o direito constitucional foi um grande benefício, pois não há maior prova de invasão da Constituição do que no ramo da autonomia da vontade por excelência atravessando dogmas milenares. (...) Tal união, para o direito civil, foi revitalizadora por três razões. Primeira, pela supremacia das normas constitucionais de natureza civil... (...) Segunda, pela renovação legislativa, com novas leis de direito privado, que se tornaram necessárias após a promulgação da Constituição. Desde então, seguiram-se o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Código de Defesa do Consumidor, as leis de união estável, o Estatuto do Idoso, entre as mais destacadas. (...) O novo Código Civil para muitos não acompanhou a Constituição, limitando-se a algumas cláusulas abertas, que revelam certa socialização do direito... (...) Terceira e principal mudança, entretanto, não foi sentida pelas normas infraconstitucionais de direito civil, mas pelos direitos fundamentais... Essa invasão dos direitos fundamentais nas relações entre particulares é a questão de primeiro plano do direito civil-constitucional. (...) Todos – públicos e privados – no seu agir devem fazê-lo com uma postura compatível com os direitos fundamentais” (MOREIRA, Eduardo Ribeiro. Neoconstitucionalismo: A Invasão da Constituição. 7ª Obra da Coleção Professor Gilmar Mendes. São Paulo : Editora Método, 2008, p. 111-113).

[30]  GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. Volume I : Parte Geral. 8ª Edição. São Paulo : Saraiva, 2006, p. 48.

[31]  LÔBO, Paulo. A Constitucionalização do Direito Civil Brasileiro. In Direito Civil Contemporâneo: Novos Problemas à Luz da Legalidade Constitucional: Anais do Congresso Internacional de Direito Civil-Constitucional da Cidade do Rio de Janeiro. TEPEDINO, Gustavo (organizador). São Paulo : Atlas, 2008, p. 24.

[32]  “Isso implica dizer que todo o direito privado está comprometido com os ditames da cidadania e da justiça social, atinentes aos Estados de Direito democráticos, abandonando definitivamente as matrizes individualistas que o permearam nos últimos séculos, em proveito dos valores coletivos” (BARROSO, Lucas Abreu. Novas Fronteiras da Obrigação de Indenizar e da Determinação da Responsabilidade Civil. In Novo Código Civil - Questões Controvertidas: Responsabilidade Civil. Série Grandes Temas de Direito Privado. Vol. 5. DELGADO, Mário Luiz; ALVES, Jones Figueirêdo (coordenadores). São Paulo : Método, 2006, p. 368).

[33]  Note-se, a propósito, que já em 1975, quando da exposição de motivos do anteprojeto do novo Código Civil – portanto, antes mesmo do advento da Carta Constitucional de 1988 –, já se percebia o desejo por um certo giro axiológico, em especial quanto à superação do individualismo que marcava o Código Civil de então, lavrado em 1916. Segue trecho dessa interessante exposição, in verbis: “... o nosso tempo se mostra mais propício a vislumbrar as linhas do futuro do que o de Clóvis, quando ainda o planeta não fora sacudido pela tormenta de duas guerras universais e pelo impacto dos conflitos ideológicos. Muito embora sejamos partícipes de uma ‘sociedade em mudança’, já fizemos, no Brasil, a nossa opção pelo sistema e o estilo de vida mais condizentes com as nossas aspirações e os valores de nossa formação histórica. Se reconhecemos os imperativos de uma Democracia Social, repudiamos todas as formas de coletivismo ou estatalismo absorventes e totalitários. Essa firme diretriz não só nos oferece condições adequadas à colocação dos problemas básicos de nossa sociedade civil, como nos impõe o dever de assegurar, nesse sentido, a linha de nosso desenvolvimento. Superado de vez o individualismo, que condicionara as fontes inspiradoras do Código vigente; reconhecendo-se cada vez mais que o Direito é social em sua origem e em seu destino, impondo a correlação concreta e dinâmica dos valores coletivos com os individuais, para que a pessoa humana seja preservada sem privilégios e exclusivismos, numa ordem global de comum participação, não pode ser julgada temerária, mas antes urgente e indispensável, a renovação dos códigos atuais, como uma das mais nobres e corajosas metas de governo”. Fonte: NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Comentado. 4ª Edição. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 139-140.

[34]  ARONNE, Ricardo. Direito Civil-Constitucional e Teoria do Caos: Estudos Preliminares. Porto Alegre : Livraria do Advogado Ed., 2006, p. 42.

[35]  MONTEIRO FILHO, Carlos Edson do Rêgo. Rumos Cruzados do Direito Civil Pós-1988 e do Constitucionalismo de Hoje. In Direito Civil Contemporâneo: Novos Problemas à Luz da Legalidade Constitucional: Anais do Congresso Internacional de Direito Civil-Constitucional da Cidade do Rio de Janeiro. TEPEDINO, Gustavo (organizador). São Paulo : Atlas, 2008, p. 263.

[36]  Conforme palavras do ilustre Miguel Reale, Supervisor da Comissão Revisora e Elaboradora do Código Civil, pronunciadas quando da cerimônia de sanção da Lei que instituiu o novo Código Civil. Fonte: FRANCIULLI NETO, Domingos; MENDES, Gilmar Ferreira; MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva (coordenadores). O Novo Código Civil: Estudos em Homenagem ao Professor Miguel Reale. São Paulo : LTr, 2003, p. 19.

[37]  Código Civil, artigo 112: “Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem”.

[38]  Código Civil, artigo 113: “Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”.

[39]  GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Vol. 1, Parte Geral. 2ª Edição. São Paulo : Saraiva, 2005, p. 25.

[40]  “O Código Beviláqua (...) foi construído com base no individualismo; o homem era tomado a partir de uma visão abstrata, isolado em sua singularidade e vivente em condições ideais de uma igualdade formal... (...) Nos últimos séculos, entretanto, o homem se viu amontoado em grandes cidades, empilhado em edifícios, comprimido em áreas de lazer comum, invadido e compartilhado pelos meios de comunicação – a realidade, mãe de todas as mudanças, tornou inviável a sustentação do caráter absoluto dos direitos subjetivos. Diante de tão forte agregamento, a sociedade tornou-se mais do que presente – passou a representar parte essencial da vida humana, quase sua outra metade, o que tornou impossível a convivência dos direitos subjetivos em sua fórmula absoluta, pela simples ausência de espaço físico e jurídico para tanto. Filha destas circunstâncias fáticas, a socialidade surgiu como um contraponto a um individualismo, propondo uma percepção do homem em sua perspectiva social, qual seja, como elemento partícipe da sociedade e, portanto, sujeito às suas vicissitudes” (AGUIAR, Roger Silva. Responsabilidade Civil Objetiva: Do Risco à Solidariedade. São Paulo : Atlas, 2007, p. 74-75).

[41]  GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. Volume I : Parte Geral. 8ª Edição. São Paulo : Saraiva, 2006, p. 51. Registre-se, aqui, a pertinente ressalva lavrada por Lauro Augusto Moreira Maia, quando afirma: “Entendemos incorreto, como têm defendido alguns, afirmar que a socialidade signifique a derrocada do indivíduo, dos valores individuais, o aniquilamento dos valores individuais em nome dos interesses da sociedade. É importante afirmar que essa ideia é absolutamente incorreta. Nem sempre os valores individuais devem ser sacrificados em nome dos interesses coletivos. Há uma margem de liberdade individual que não pode ser olvidada. (...) ... a sociedade, base para compreender a socialidade, é algo qualitativamente diferente dos seus indivíduos e também qualitativamente diferente do somatório desses indivíduos. Ela traz em si algo mais dinâmico, mais complexo e ao mesmo tempo, mais instável. Se, por um lado, somos indivíduos, por outro, somos indivíduos que somente nos realizamos em sociedade. (...) A socialidade tem uma forte conotação de solidariedade, pois convida-nos a (também) dar atenção a uma outra realidade fora do individual” (MAIA, Lauro Augusto Moreira. Novos Paradigmas do Direito Civil. Curitiba : Juruá, 2007, p. 40 e 42).

[42]  Código Civil, artigo 421: “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”.

[43]  Código Civil, artigo 1.239: “Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como sua, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra em zona rural não superior a cinquenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade”.

[44]  GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. Volume I : Parte Geral. 8ª Edição. São Paulo : Saraiva, 2006, p. 51. No particular, afirma Lauro Augusto Moreira Maia: “A operacionalidade busca mostrar aos seus ‘operadores’ que as questões por ele tratadas não podem ficar coaguladas no texto, presas a academicismos puramente teóricos e pouco aptos a solucionarem um problema ou questão que necessita saltar da vida dos textos para a vida prática. Se precisamos de bons Códigos e de boas leis, é, precisamente, em razão de que elas servem à pessoa humana e não o contrário” (MAIA, Lauro Augusto Moreira. Novos Paradigmas do Direito Civil. Curitiba : Juruá, 2007, p. 46).

[45]  Código Civil, artigo 927, parágrafo único: “Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.

[46]  STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 6ª Edição. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 110.

[47]  BENETI, Sidnei Agostinho. A Constituição do Homem Comum. In Panorama da Justiça. São Paulo : Editora Scala, ano VI, n. 38, p. 12-14.

[48]  “Emprestar ao direito uma função social significa considerar que os interesses da sociedade se sobrepõem aos do indivíduo, sem que isso implique, necessariamente, a anulação da pessoa humana, justificando-se a ação do Estado pela necessidade de acabar com as injustiças sociais. (...) A ideia de função social deve entender-se, portanto, em relação ao quadro ideológico e sistemático em que se desenvolve, abrindo a discussão em torno da possibilidade de se realizarem os interesses sociais, sem desconsiderar ou eliminar os do indivíduo. (...) E ainda, historicamente, o recurso à função social demonstra a consciência político-jurídica de se realizarem os interesses públicos de modo diverso do até então proposto pela ciência tradicional do direito privado, liberal e capitalista. (...) A função social é, por tudo isso, um princípio geral, um verdadeiro standard jurídico, uma diretiva mais ou menos flexível, uma indicação programática que não colide nem torna ineficazes os direitos subjetivos, orientando-lhes o respectivo exercício na direção mais consentânea com o bem comum e a justiça social” (AMARAL, Francisco. Direito Civil: Introdução. 5ª Edição. Rio de Janeiro : Renovar, 2003, p. 367-368). Quanto ao assunto, mencionam Guilherme Calmon Nogueira da Gama e Felipe Germano Cacicedo Cidad que “a função social do Direito Civil, como uma das exigências fundamentais do Estado brasileiro, é um aspecto componente do aparato de proteção que se dá ao princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, no sentido de viabilizar a consolidação efetiva dos princípios de igualdade material e justiça social. (...) Vivencia-se, na contemporaneidade, uma sensível e significativa reformulação da estrutura, noção e função dos institutos de Direito Civil. O modelo jurídico construído nas codificações oitocentistas, na civilização ocidental, se revelou inadequado, insuficiente e impróprio para reger tais questões à luz da realidade política, social e econômica. Diante das mudanças da civilização e com crises de toda ordem, com a gradativa aceleração da intolerância dos indivíduos, o clima de exacerbação do individualismo e do modelo globalizado (de exclusão social), qual será o futuro da humanidade no planeta? O Direito exerce necessário e insubstituível papel de atuar eficazmente em prol dos bens e valores socialmente escolhidos no curso da história, não sendo mero receptáculo da realidade subjacente. No contexto de tal problematização, insere-se a função social dos institutos do Direito Civil à luz da experiência constitucional comparada e brasileira” (GAMA. Guilherme Calmon Nogueira da; CIDAD, Felipe Germano Cacicedo. Função Social no Direito Privado e Constituição. In Função Social no Direito Civil. GAMA. Guilherme Calmon Nogueira da (coordenador). 2ª Edição. São Paulo : Atlas, 2008, p. 28 e 36). No campo do Direito Civil, são exemplos de funcionalização de direitos os debates acerca da função social da propriedade (CF, artigo 5º, inciso XXIII), do contrato e da própria empresa (CF, artigos 1º, inciso IV, e 170, caput e inciso III, além do CC, artigo 421). Também é o caso do chamado abuso de direito (CC, artigo 187). A respeito, ensina Heloísa Carpena, verbis: “No ato ilícito, o sujeito viola diretamente o comando legal, pressupondo-se então que este contenha previsão expressa daquela conduta. No abuso, o sujeito aparentemente age no exercício de seu direito, todavia, há uma violação dos valores que justificam o reconhecimento deste mesmo direito pelo ordenamento. Diz-se, portanto, que no primeiro há inobservância de limites lógico-formais e, no segundo, axiológico-materiais” (CARPENA, Heloísa. O Abuso do Direito no Código de 2002: Relativização de Direitos na Ótica Civil-Constitucional. In Direito Civil Contemporâneo: Novos Problemas à Luz da Legalidade Constitucional: Anais do Congresso Internacional de Direito Civil-Constitucional da Cidade do Rio de Janeiro. TEPEDINO, Gustavo (organizador). São Paulo : Atlas, 2008, p. 381). Tem razão, pois, Rui Stoco, quando afirma que “antes de ofender o particular, o ato abusivo ofende a sociedade” (STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 6ª Edição. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 126). Com relação ao tema, confira-se o Enunciado 37 da I Jornada de Direito Civil (2002), com a seguinte redação: “A responsabilidade civil decorrente do abuso do direito independe de culpa e fundamenta-se somente no critério objetivo-finalístico”.

[49]  A respeito, leciona Sergio Cavalieri Filho: “Toda sociedade tem um fim a realizar: a paz, a ordem, a solidariedade e a harmonia da coletividade – enfim, o bem comum. E o Direito é o instrumento de organização social para atingir essa finalidade. Todo direito subjetivo está, pois, condicionado ao fim que a sociedade se propôs” (CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 6ª Edição, 3ª Tiragem, São Paulo : Malheiros Editores, 2006, p. 178).

[50]  SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2ª Edição, Rio de Janeiro : Editora Lumen Juris, 2006, p. 94. No que refere ao tema, assevera Gustavo Tepedino: “... a nova proposta interpretativa não pretendia subtrair o espaço de incidência do direito privado, visando, ao revés, a alterá-lo qualitativamente, potencializando-o e redimensionando-o, mediante a funcionalização de seus institutos e categorias à realização dos valores constitucionais” (TEPEDINO, Gustavo. Normas Constitucionais e Direito Civil na Construção Unitária do Ordenamento. In A Constitucionalização do Direito – Fundamentos Teóricos e Aplicações Específicas. Coordenadores: NETO, Cláudio Pereira de Souza & SARMENTO, Daniel. Rio de Janeiro : Editora Lumen Juris, 2007, p. 310). A título ilustrativo, cumpre referir que a atual sujeição dos contratos – outrora o natural habitat jurídico da autonomia privada – a uma inescapável função social constitui mesmo uma das grandes provas das gritantes reformulações por que tem passado o Direito Civil. Em específico, para um alentado estudo acerca da função social do contrato, debaixo de uma envolvente visão civil-constitucional, confira-se: TARTUCE, Flávio. Função Social dos Contratos: do Código de Defesa do Consumidor ao Código Civil de 2002. 2ª Edição, São Paulo : Método, 2007.

[51]  PERLINGIERI, Pietro. A Doutrina do Direito Civil na Legalidade Constitucional. In Direito Civil Contemporâneo: Novos Problemas à Luz da Legalidade Constitucional: Anais do Congresso Internacional de Direito Civil-Constitucional da Cidade do Rio de Janeiro. TEPEDINO, Gustavo (organizador). São Paulo : Atlas, 2008, p. 3.

[52]  SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2ª Edição, Rio de Janeiro : Editora Lumen Juris, 2006, p. 296. Mais à frente, o mesmo autor afirma, com propriedade: “A construção de uma sociedade solidária, tal qual projetada pelo constituinte, pressupõe o abandono do egocentrismo, do individualismo possessivo, e a assunção, por cada um, de responsabilidades sociais em relação à comunidade, e em especial em relação àqueles que se encontrarem numa situação de maior vulnerabilidade. (...) Construir esta sociedade justa e igualitária é um dever do Estado, que impõe tarefas promocionais aos três Poderes, mas é também uma obrigação que pesa sobre toda a sociedade e sobre cada um dos seus integrantes, na medida das respectivas possibilidades. Sem embargo, trata-se de uma responsabilidade cujos contornos e limites devem ser desenhados de forma cuidadosa, para que não seja demasiadamente comprometida a liberdade dos agentes privados, tão importante para a dignidade da pessoa humana e para a edificação de uma sociedade verdadeiramente democrática” (SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2ª Edição, Rio de Janeiro : Editora Lumen Juris, 2006, p. 297). Na mesma linha, leciona Maria Celina Bodin de Moraes: “Ao contrário do que pode parecer, elevar a dignidade da pessoa humana (e o desenvolvimento de sua personalidade) ao posto máximo do ordenamento jurídico constitui opção metodológica oposta a do individualismo das codificações. A pessoa humana, no que se difere diametralmente da concepção jurídica de indivíduo, há de ser apreciada a partir da sua inserção no meio social, e nunca como uma célula autônoma, um microcosmo cujo destino e cujas atitudes pudessem ser indiferentes às demais” (MORAES, Maria Celina Bodin de. O Princípio da Solidariedade. In Os Princípios da Constituição de 1988. PEIXINHO, Manoel Messias; GUERRA, Isabela Franco; NASCIMENTO FILHO, Firly (organizadores). Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2001, p. 177). Trazendo para o campo da aplicação prática, a mesma jurista, com extrema didática, assevera: “Como seria possível obrigar alguém a ser solidário? Não seria o mesmo que querer exigir o sentimento de fraternidade entre as pessoas? A dificuldade está unicamente em se continuar atribuindo à solidariedade um caráter essencialmente beneficente. Não se quer exigir que alguém sinta algo de bom pelo outro; apenas que se comporte como se o sentisse. Um único exemplo será o bastante para demonstrar que não há dificuldades em se exigir, não apenas do poder público, mas também dos particulares, o dever de respeito e solidariedade para com o(s) outro(s). O patrão que dava ao seu empregado favorito, além do salário, uma quantia a mais às vésperas das festas natalícias foi, durante algum tempo, julgado bondoso, generoso, solidário. O legislador, entendendo que não devia ir contra esse comportamento voluntário, e que devia estendê-lo a todos os empregados, estabeleceu a ‘obrigação de ser solidário’ aos empregadores, por ocasião do natal, determinando o pagamento do chamado 13º salário” (MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à Pessoa Humana: Uma Leitura Civil-Constitucional dos Danos Morais. Rio de Janeiro : Renovar, 2003, p. 69). Não se olvide que nessa última obra a autora inclui a solidariedade social em um seleto grupo de postulados essenciais derivados do princípio da dignidade da pessoa humana.

[53]  Apud COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 4ª Edição, São Paulo : Saraiva, 2005, p. 23. Não há como deixar de registrar, aqui, neste momento, as inspiradoras palavras de Maria Celina Bodin de Moraes, como segue: “Enquanto se acreditou que a maneira mais adequada de tutelar os seres humanos era aquela ligada à proteção de sua “essência” individual, a expressão do jurista era de melancólica e desconsolada solidão: o direito de ser homem contém o direito que ninguém me impeça de ser homem, mas não o direito a que alguém me ajude a conservar a minha humanidade. O princípio da solidariedade, ao contrário, é a expressão mais profunda da sociabilidade que caracteriza a pessoa humana. No contexto atual, a Lei Maior determina – ou melhor, exige – que nos ajudemos, mutuamente, a conservar nossa humanidade, porque a construção de uma sociedade livre, justa e solidária cabe a todos e a cada um de nós” (MORAES, Maria Celina Bodin de. O Princípio da Solidariedade. In Os Princípios da Constituição de 1988. PEIXINHO, Manoel Messias; GUERRA, Isabela Franco; NASCIMENTO FILHO, Firly (organizadores). Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2001, p. 179).

[54]  TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. 3ª Edição. Rio de Janeiro : Renovar, 2004, p. 74-75.

[55]  SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2ª Edição, Rio de Janeiro : Editora Lumen Juris, 2006, p. 91.

[56]  A repeito, ensina Pietro Perlingieri que “o primado dos valores da pessoa humana e dos seus direitos fundamentais exclui que a área do direito civil possa ser exaurida em uma concepção patrimonialista fundada ora sobre a centralidade da propriedade, ora sobre a noção de empresa. O direito civil constitucional – segundo a tendência do constitucionalismo contemporâneo – reconhece que a forte ideia do sistema é não somente o mercado, mas também a dignidade da pessoa, de uma perspectiva que tende a despatrimonializar o direito” (PERLINGIERI, Pietro. A Doutrina do Direito Civil na Legalidade Constitucional. In Direito Civil Contemporâneo: Novos Problemas à Luz da Legalidade Constitucional: Anais do Congresso Internacional de Direito Civil-Constitucional da Cidade do Rio de Janeiro. TEPEDINO, Gustavo (organizador). São Paulo : Atlas, 2008, p. 5). Nesse ponto, também vale consignar as sempre pertinentes colocações de Maria Celina Bodin de Moraes, verbis: “O projeto de uma sociedade livre, justa e solidária contraria a lógica da competição desmedida e do lucro desenfreado, presentes em situações jurídicas subjetivas de cunho patrimonial (o ambiente do ter) – situações próprias, aliás, de uma sistema capitalista sem qualquer moderação, sem valores sociais a proteger, onde vigora a máxima, proveniente de conhecida expressão popular, de que é ‘cada um por si e Deus por todos’. Esta lógica foi, por determinação constitucional, substituída pela perspectiva solidarista, em que a cooperação, a igualdade substancial e a justiça social se tornam valores hierarquicamente superiores, subordinados tão somente ao valor precípuo do ordenamento, que está contido na cláusula de tutela da dignidade da pessoa humana” (MORAES, Maria Celina Bodin de. O Princípio da Solidariedade. In Os Princípios da Constituição de 1988. PEIXINHO, Manoel Messias; GUERRA, Isabela Franco; NASCIMENTO FILHO, Firly (organizadores). Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2001, p. 189). À luz de todo esse prisma, bem arremata a questão Antonio Jeová Santos: “A busca de cooperação entre as pessoas e a consecução do bem comum, a vivência dos valores da sociabilidade, que podem tornar uma vivência menos turbulenta, é a nova visão do homem do direito incorporada pelo Código Civil de 2002. Esse novo entendimento, esse giro do patrimonialismo ao personalismo, visa, precipuamente, a justiça social, o equilíbrio nos negócios feitos diariamente e a busca inexorável e eficiente da proteção do mais fraco, do inexperto, de quem tem uma conduta leviana no ato de contratar, do necessitado, do homem que não pode se deixar engolir por outro mais astuto e esperto” (SANTOS, Antonio Jeová. Função Social do Contrato. 2ª Edição. São Paulo : Editora Método, 2004, p. 126).

[57]  Para Judith Martins-Costa, cláusula geral “constitui uma disposição normativa que utiliza, em seu enunciado, uma linguagem de tessitura intencionalmente aberta, fluida ou vaga, caracterizando-se pela ampla extensão de seu campo semântico” (MARTINS-COSTA, Judith. A Boa-Fé no Direito Privado. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2000, p. 303).

[58]  ANDRIGHI, Fátima Nancy. Cláusulas Gerais e Proteção da Pessoa. In Direito Civil Contemporâneo: Novos Problemas à Luz da Legalidade Constitucional: Anais do Congresso Internacional de Direito Civil-Constitucional da Cidade do Rio de Janeiro. TEPEDINO, Gustavo (organizador). São Paulo : Atlas, 2008, p. 290. Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, inobstante ratificarem esse entendimento de que as cláusulas gerais fazem com que o sistema fique mais vivo e atualizado, fazem a ressalva de que as cláusulas gerais, por outro lado, também conferem “certo grau de incerteza, dada a possibilidade de o juiz criar a norma pela determinação dos conceitos, preenchendo o seu conteúdo com valores. Pode servir de pretexto para o recrudescimento de ideias, como instrumento de dominação por regimes totalitários ou pela economia capitalista extremada” (NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Comentado. 4ª Edição. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 162-163).

[59]  “Tal reconhecimento vem estabelecer uma função mais criadora por parte da Justiça em consonância com o princípio da eticidade, cujo fulcro fundamental é o valor da pessoa humana como fonte de todos os valores. Como se vê, o novo Código abandonou o formalismo técnico-jurídico próprio do individualismo da metade deste século, para assumir um sentido mais aberto e compreensivo, sobretudo numa época em que o desenvolvimento dos meios de informação vem ampliar os vínculos entre os indivíduos e a comunidade” (REALE, Miguel. Visão Geral do Projeto de Código Civil. In Revista dos Tribunais. n. 752, 1998, p. 29-30).

[60]  Como leciona Maria Celina Bodin de Moraes, “a vagueza e ambiguidade intrínsecas às normas jurídicas não são ampliadas pela utilização dos princípios; ao contrário, é a identificação dos princípios que as justificam que fornecem a segurança jurídica. O papel que os princípios exercem como ratio (razão) em cada interpretação-aplicação jurídica é que garante a coerência entre elas” (MORAES, Maria Celina Bodin de. Perspectivas a Partir do Direito Civil-Constitucional. In Direito Civil Contemporâneo: Novos Problemas à Luz da Legalidade Constitucional: Anais do Congresso Internacional de Direito Civil-Constitucional da Cidade do Rio de Janeiro. TEPEDINO, Gustavo (organizador). São Paulo : Atlas, 2008, p. 40). A respeito das cláusulas gerais enquanto pontos de livre trânsito com a Constituição Federal, ensina Roger Silva Aguiar que “estas válvulas de conexão permitem, inclusive, a integração da norma civil ao texto constitucional, fazendo que todo o novo Codex seja iluminado pelos valores firmados na Constituição Federal de 1988, voltados para a afirmação do valor supremo da pessoa humana a partir de uma perspectiva social” (AGUIAR, Roger Silva. Responsabilidade Civil Objetiva: Do Risco à Solidariedade. São Paulo : Atlas, 2007, p. 68-67).

[61]  Código Civil, artigo 421: “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”.

[62]  Código Civil, artigo 422: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.

[63]  Código Civil, artigo 927, parágrafo único: “Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.

[64]  FARIA, José Eduardo. Direito e Economia na Democratização Brasileira. São Paulo : Malheiros, 1993, p. 139. A respeito, destaca Rui Stoco: “Como se verifica e cabe reiterar, a estrutura do novo Código mantém essa classificação germânica das matérias, que nos parece a mais acertada à luz das novas tendências e do atual pensamento jurídico que emana da nossa Carta de Princípios, pois, adepto da filosofia de Kant, o legislador alemão, como o nosso, adotou fundamentalmente o tipo de formulação mediante conceitos gerais abstratos, dando maior liberdade ao juiz na interpretação e aplicação da lei” (STOCO, Rui. A Responsabilidade Civil. In O Novo Código Civil: Estudos em Homenagem ao Professor Miguel Reale. FRANCIULLI NETO, Domingos; MENDES, Gilmar Ferreira; MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva [coordenadores]. São Paulo : LTr, 2003, p. 787).

[65]  GOMES, José Jairo. Responsabilidade Civil e Eticidade. Belo Horizonte : Del Rey, 2005, p. 79.

[66]  Segundo Lauro Augusto Moreira Maia: “A lei é um metal e quanto mais clara for a sua redação e mais determinados os seus vocábulos, mais rígido será esse metal. Ao contrário, quando a norma tem densidade semântica mais ampla e aberta, seja pela sua forma redacional, seja pela imprecisão de seus vocábulos, mais flexível será esse metal” (MAIA, Lauro Augusto Moreira. Novos Paradigmas do Direito Civil. Curitiba : Juruá, 2007, p. 69-70).

[67]  Código Civil, artigo 122: “São lícitas, em geral, todas as condições não contrárias à lei, à ordem pública ou aos bons costumes; entre as condições defesas se incluem as que privarem de todo efeito o negócio jurídico, ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes”.

[68]  RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. 6ª Edição. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 22. Segundo Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, “tal princípio pode ser considerado um desdobramento da manifestação intrínseca da função social do contrato e da boa-fé objetiva, na consideração, pelo julgador, do desequilíbrio recíproco real entre os poderes contratuais ou da desproporcionalidade concreta de direitos e deveres, o que, outrora, seria inadmissível. (...) De fato, somente se poderá atingir o tão almejado solidarismo social, em fina sintonia com a proteção da dignidade da pessoa humana, se o contrato buscar, de fato, o equilíbrio entre as prestações das partes pactuantes, evitando-se, assim, o abuso do poder econômico e a tirania – já anacrônica – do vetusto pacta sunt servanda” (grifo no original) (GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. Volume IV : Contratos. São Paulo : Saraiva, 2005, p. 69).

[69]  Código Civil, artigo 478: “Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação”.

[70]  Código Civil, artigo 480: “Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva”.

[71]  MONTEIRO FILHO, Carlos Edson do Rêgo. Rumos Cruzados do Direito Civil Pós-1988 e do Constitucionalismo de Hoje. In Direito Civil Contemporâneo: Novos Problemas à Luz da Legalidade Constitucional: Anais do Congresso Internacional de Direito Civil-Constitucional da Cidade do Rio de Janeiro. TEPEDINO, Gustavo (organizador). São Paulo : Atlas, 2008, p. 265.

[72]  LÔBO, Paulo. A Constitucionalização do Direito Civil Brasileiro. In Direito Civil Contemporâneo: Novos Problemas à Luz da Legalidade Constitucional: Anais do Congresso Internacional de Direito Civil-Constitucional da Cidade do Rio de Janeiro. TEPEDINO, Gustavo (organizador). São Paulo : Atlas, 2008, p. 28.

[73]  TEPEDINO, Gustavo. Normas Constitucionais e Direito Civil na Construção Unitária do Ordenamento. In A Constitucionalização do Direito – Fundamentos Teóricos e Aplicações Específicas. Coordenadores: NETO, Cláudio Pereira de Souza & SARMENTO, Daniel. Rio de Janeiro : Editora Lumen Juris, 2007, p. 320.

[74]  Nesse sentido: TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. 3ª Edição, Rio de Janeiro : Renovar, 2004, p. 194.

[75]  De fato, segundo Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, há uma “incompatibilidade natural entre o conceito clássico (isto é, da passagem do século XVIII para o século XIX) de responsabilidade civil e a estrutura extremamente dinâmica das sociedades atuais” (HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Responsabilidade Pressuposta. Belo Horizonte : Del Rey, 2005, p. 30).

[76]  GODOY, Claudio Luiz Bueno de. Responsabilidade Civil Pelo Risco da Atividade. Coleção Professor Agostinho Alvim. LOTUFO, Renan (coordenador). São Paulo : Saraiva, 2009, p. 13.

[77]  VINEY, Geneviève. As Tendências Atuais do Direito da Responsabilidade Civil. In Direito Civil Contemporâneo: Novos Problemas à Luz da Legalidade Constitucional: Anais do Congresso Internacional de Direito Civil-Constitucional da Cidade do Rio de Janeiro. TEPEDINO, Gustavo (organizador). São Paulo : Atlas, 2008, p. 43.

[78]  “No mundo de hoje, a introdução de máquinas e de aparatos perigosos gerou uma situação de perigo ou de possibilidade de perigo para o homem. É o que ocorre com as estradas de ferro e a exploração de minas; o uso de energia elétrica, solar e nuclear; o uso de telefonia e de telegrafia por fios condutores, ou telefonia celular; o uso de veículos, terrestres, aéreos ou marítimos; fábricas para a produção de bens de consumo etc.” (QUEIROGA, Antônio Elias de. Responsabilidade Civil e o Novo Código Civil. 2ª Edição. Rio de Janeiro : Renovar, 2003, p. 208).

[79]  Tangente a esse ponto, destaca Sergio Cavalieri Filho: “Com efeito, se o desenvolvimento do maquinismo fez surgir a indústria, mudando a base econômica do País, trouxe como consequência os acidentes de trabalho. O progresso científico fez aparecer um sem-número de inventos, encheu as ruas de veículos que, se, por um lado, facilitam a vida em sociedade, por outro, dão causa a um brutal número de acidentes de trânsito diariamente. O crescimento da população, com milhões de pessoas migrando do interior para os grandes centros em busca de trabalho, levou ao caos os sistemas de transportes urbanos” (CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 6ª Edição, 3ª Tiragem, São Paulo : Malheiros Editores, 2006, p. 154).

[80]  RIPERT, Georges. Regimen Democrático e o Direito Civil Moderno. Tradução de J. Cortezão. São Paulo : Saraiva, 1937, p. 327-328.

[81]  LIMA, Alvino. Culpa e Risco. 2ª Edição. Revisão e atualização pelo Prof. Ovídio Rocha Barros Sandoval. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 1998, p. 116. A respeito desse viés, vale mencionar o atilado ensino de Eugênio Facchini Neto, verbis: “Até o final do Século XIX, o sistema da culpa funcionara satisfatoriamente. Os efeitos da revolução industrial e a introdução do maquinismo na vida cotidiana romperam o equilíbrio. A máquina trouxe consigo o aumento do número de acidentes, tornando cada vez mais difícil para a vítima identificar uma ‘culpa’ na origem do dano e, por vezes, era difícil identificar o próprio causador do dano. Surgiu, então, o impasse: condenar uma pessoa não culpada a reparar os danos causados por sua atividade ou deixar-se a vítima, ela também sem culpa, sem nenhuma indenização. Para resolver os casos em que não havia culpa de nenhum dos protagonistas, lançou-se a ideia do risco, descartando-se a necessidade de uma culpa subjetiva. Afastou-se, então, a pesquisa psicológica, do íntimo do agente, ou da possibilidade de previsão ou de diligência, para colocar a questão sob um aspecto até então não encarado devidamente, isto é, sob o ponto de vista exclusivo da reparação do dano. Percebe-se que o fim por atingir é exterior, objetivo, de simples reparação e não interior e subjetivo, como na imposição da pena” (FACCHINI NETO, Eugênio. Da Responsabilidade Civil no Novo Código. In O Novo Código Civil e a Constituição. SARLET, Ingo Wolfgang (organizador). 2ª Edição. Porto Alegre : Livraria do Advogado Ed., 2006, p. 177-178).

[82]  GODOY, Claudio Luiz Bueno de. Responsabilidade Civil Pelo Risco da Atividade. Coleção Professor Agostinho Alvim. LOTUFO, Renan (coordenador). São Paulo : Saraiva, 2009, p. 14.

[83]  Gustavo Tepedino, de sua parte, enxerga, no cenário atual da responsabilidade civil, uma instigante contradição. Segundo o ilustre autor, “o desenvolvimento industrial e tecnológico, de um lado, e a crescente proteção jurídica da pessoa humana e de seus direitos fundamentais, de outro, trazem a lume contexto ironicamente paradoxal, em que o mesmo progresso científico que amplia a expectativa e a qualidade de vida multiplica, a um só tempo, o potencial de riscos e de danos na vida social” (prefácio à obra: CALIXTO, Marcelo Junqueira. A Culpa na Responsabilidade Civil: Estrutura e Função. Rio de Janeiro : Renovar, 2008).

[84]  Geneviève Viney também inclui nesse fator ideológico os movimentos ligados aos aspectos consumerista e ecológico. Fonte: VINEY, Geneviève. As Tendências Atuais do Direito da Responsabilidade Civil. In Direito Civil Contemporâneo: Novos Problemas à Luz da Legalidade Constitucional: Anais do Congresso Internacional de Direito Civil-Constitucional da Cidade do Rio de Janeiro. TEPEDINO, Gustavo (organizador). São Paulo : Atlas, 2008, p. 44.

[85]  Constituição Federal, artigo 5º, inciso V: “É assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”; Constituição Federal, artigo 5º, inciso X: “São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”; Código Civil, artigo 186: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

[86]  GODOY, Claudio Luiz Bueno de. Responsabilidade Civil Pelo Risco da Atividade. Coleção Professor Agostinho Alvim. LOTUFO, Renan (coordenador). São Paulo : Saraiva, 2009, p. 15.

[87]  MONTEIRO, Jorge Ferreira Sinde. Estudos Sobre a Responsabilidade Civil. Coimbra : Almedina, 1983, p. 18.

[88]  Registre-se, neste compasso, que Sergio Cavalieri Filho, de sua parte, aponta como fatores histórico-sociais que ensejaram uma nova concepção de responsabilidade civil a revolução industrial, o progresso científico e a explosão demográfica do século passado. Fonte: CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 6ª Edição, 3ª Tiragem, São Paulo : Malheiros Editores, 2006, p. 153.

[89]  VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Responsabilidade Civil. Volume 4. 4ª Edição. São Paulo : Atlas, 2004, p. 19.

[90]  Para um excelente resgate histórico acerca da responsabilidade civil, vale conferir, por todos: HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Responsabilidade Pressuposta. Belo Horizonte : Del Rey, 2005.

[91]  SCHREIBER, Anderson. Novos Paradigmas da Responsabilidade Civil: Da Erosão dos Filtros da Reparação à Diluição dos Danos. 2ª Edição, São Paulo : Atlas, 2009, p. 12.

[92]  CALIXTO, Marcelo Junqueira. A Culpa na Responsabilidade Civil: Estrutura e Função. Rio de Janeiro : Renovar, 2008, p. 148. Percebemos, aqui, algo do pensamento de Kant, para quem a autonomia da vontade – compreendida como a faculdade de ser capaz de se guiar por leis editadas por si próprio – é um atributo exclusivo dos seres racionais, revelando-se como fundamento da dignidade humana. A respeito, confira-se: KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Série Os Pensadores – Kant (II). Tradução de Paulo Quintela. São Paulo : Abril Cultural, 1980, p. 134.

[93]  Código Civil francês, artigo 1.382: “Qualquer ação de uma pessoa que cause dano a outra, obrigará aquele por cuja culpa se causou a repará-lo” (tradução livre).

[94]  Código Civil brasileiro de 1916, artigo 159: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano”.

[95]  Código Civil espanhol, artigo 1.902: “Aquele que por ação ou omissão causar dano a outro, intervindo culpa ou negligência, está obrigado a reparar o dano causado” (tradução livre).

[96]  Código Civil uruguaio, artigo 1.319: “Todo fato ilícito de um homem que causa a outro um dano, impõe àquele por cujo dolo, culpa ou negligência tenha sucedido, a obrigação de o reparar” (tradução livre).

[97]  Código Civil português, artigo 483: “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.

[98]  NICOLAU, Gustavo Rene. Efetiva Aplicação da Teoria do Risco no Código Civil de 2002. In Novo Código Civil - Questões Controvertidas: Responsabilidade Civil. Série Grandes Temas de Direito Privado. Vol. 5. DELGADO, Mário Luiz; ALVES, Jones Figueirêdo (coordenadores). São Paulo : Método, 2006, p. 225.

[99]  Nessa linha: SCHREIBER, Anderson. Novos Paradigmas da Responsabilidade Civil: Da Erosão dos Filtros da Reparação à Diluição dos Danos. 2ª Edição, São Paulo : Atlas, 2009, p. 16.

[100]  “A obrigação de reparar nem sempre tem como origem a conduta culposa do agente, embora o direito brasileiro esteja basicamente estribado na teoria da responsabilidade subjetiva, que não prescinde da culpa como elemento de geração da obrigação de reparar. Ocorre que em determinadas situações é de melhor técnica, e socialmente mais coerente, atribuir a responsabilidade civil a quem, mesmo sem incorrer em culpa, acaba causando dano a outrem” (MATIELLO, Fabrício Zamprogna. Código Civil Comentado. São Paulo : LTr, 2003, p. 579).

[101]  GODOY, Claudio Luiz Bueno de. Responsabilidade Civil Pelo Risco da Atividade. Coleção Professor Agostinho Alvim. LOTUFO, Renan (coordenador). São Paulo : Saraiva, 2009, p. 13.

[102]  A respeito, vale conferir as colocações de Anderson Schreiber, verbis: “De início, a dificuldade de demonstração da culpa atendia, em boa medida, ao interesse liberal que rejeitava a limitação da autonomia privada, salvo nas hipóteses de uso flagrantemente inaceitável da liberdade individual. Entretanto, com o desenvolvimento do capitalismo industrial e a proliferação de acidentes ligados às novas tecnologias, tal dificuldade intensificou-se ao extremo, atraindo a intolerância social e a rejeição do próprio Poder Judiciário. A exigência de que a vítima demonstrasse a culpa em acidentes desta natureza – basta pensar em acidentes de transporte ferroviário ou em acidentes de trabalho ocorridos no interior das fábricas – tornava-se verdadeiramente odiosa diante do seu desconhecimento sobre o maquinismo empregado, da sua condição de vulnerabilidade no momento do acidente e de outros tantos fatores que acabaram por assegurar à prova da culpa a alcunha de probatio diabolica” (SCHREIBER, Anderson. Novos Paradigmas da Responsabilidade Civil: Da Erosão dos Filtros da Reparação à Diluição dos Danos. 2ª Edição, São Paulo : Atlas, 2009, p. 17).

[103]  JOSSERAND, Luis. Evolução da Responsabilidade Civil. In Revista Forense. Vol. 86, Rio de Janeiro : Forense, abr./jun. de 1941, p. 55.

[104]  De fato, leciona Silmara Juny Chinelato que “a tendência à objetivação da responsabilidade civil atende à sociedade pós-moderna, sociedade de massa e globalizada, caracterizada pelos riscos da produção e do desenvolvimento, nos quais se inclui a tecnologia, que tornam mais vulneráveis as pessoas, possíveis vítimas” (CHINELATO, Silmara Juny. Tendências da Responsabilidade Civil no Direito Contemporâneo: Reflexos no Código de 2002. In Novo Código Civil - Questões Controvertidas: Responsabilidade Civil. Série Grandes Temas de Direito Privado. Vol. 5. DELGADO, Mário Luiz; ALVES, Jones Figueirêdo (coordenadores). São Paulo : Método, 2006, p. 588).

[105]  GOMES, Orlando. Tendências Modernas na Teoria da Responsabilidade Civil. In Estudos em Homenagem ao Professor Silvio Rodrigues. São Paulo : Saraiva, 1980, p. 293.

[106]  CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 6ª Edição, 3ª Tiragem, São Paulo : Malheiros Editores, 2006, p. 154.

[107]  CALIXTO, Marcelo Junqueira. A Culpa na Responsabilidade Civil: Estrutura e Função. Rio de Janeiro : Renovar, 2008, p. 151.

[108]  SCHREIBER, Anderson. Novos Paradigmas da Responsabilidade Civil: Da Erosão dos Filtros da Reparação à Diluição dos Danos. 2ª Edição, São Paulo : Atlas, 2009, p. 16.

[109]  Código Civil italiano, artigo 2.050: “Aquele que ocasionar prejuízo a outrem no exercício de uma atividade perigosa pela sua natureza ou pela natureza dos meios adotados, ficará obrigado à indenização se não provar ter adotado todas as medidas idôneas para evitar o prejuízo” (tradução livre). Para um alentado estudo acerca desse dispositivo legal, confira-se: HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Responsabilidade Pressuposta. Belo Horizonte : Del Rey, 2005.

[110]  SCHREIBER, Anderson. Novos Paradigmas da Responsabilidade Civil: Da Erosão dos Filtros da Reparação à Diluição dos Danos. 2ª Edição, São Paulo : Atlas, 2009, p. 31. Lembra o referido autor, ainda, que esse tipo de visão falseava, na verdade, a aplicação de uma genuína responsabilidade civil objetiva, ligada ao risco, motivo pelo qual faz lembrar que, “não por outra razão, o Código Civil brasileiro de 2002 converteu em hipóteses de responsabilidade objetiva inúmeras situações de culpa presumida a que a jurisprudência vinha dando tratamento rigoroso. É o que se verifica na responsabilidade por fato de terceiro, como a dos pais pelos atos dos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia (art. 932, inciso I), ou a já mencionada responsabilidade de tutores e curadores, por pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições (art. 932, inciso II). Também foi o que ocorreu com a responsabilidade por fato de animais, em que se eliminou a excludente fundada na demonstração de que houvera guarda e vigilância do animal ‘com o cuidado preciso’, constante da codificação de 1916” (SCHREIBER, Anderson. Novos Paradigmas da Responsabilidade Civil: Da Erosão dos Filtros da Reparação à Diluição dos Danos. 2ª Edição, São Paulo : Atlas, 2009, p. 32).

[111]  Segundo Anderson Schreiber, “tomada assim em sentido objetivo, como desconformidade a um padrão geral e abstrato de comportamento, a culpa tem sua prova enormemente facilitada. Afigura-se, como já mencionado, tormentoso para o juiz decifrar se o sujeito deixou de empregar o cuidado que poderia ter empregado, se agiu negligentemente, se poderia ter previsto os resultados de sua conduta e não o fez por indiferença ao próximo, se atuou de forma reprovável sob o ponto de vista moral. Muito menos árdua – embora não imune a dificuldades – é a tarefa de comparar, em um exame meramente normativo, a conduta empregada no caso concreto com a conduta esperada, nas mesmas circunstâncias, do homem diligente, verificando se coincidem ou se, ao contrário, aquela se mantém aquém desta” (SCHREIBER, Anderson. Novos Paradigmas da Responsabilidade Civil: Da Erosão dos Filtros da Reparação à Diluição dos Danos. 2ª Edição, São Paulo : Atlas, 2009, p. 31). Marcelo Junqueira Calixto, por sua vez, em análise crítica, assevera que “a afirmação de uma culpa sem culpabilidade talvez seja o sintoma mais evidente de que o elemento subjetivo da responsabilidade civil já não era mais exigido para a imputação ao agente da obrigação de reparar o dano causado. Mas, embora objetivada, a culpa é ainda vista como elemento da responsabilidade civil, por isso nomeada responsabilidade subjetiva. Faltava proclamar a sua extinção” (CALIXTO, Marcelo Junqueira. A Culpa na Responsabilidade Civil: Estrutura e Função. Rio de Janeiro : Renovar, 2008, p. 152-153). A respeito, também Orlando Gomes, incisivamente, destacou que “bitolar a culpa de alguém por um tipo abstrato implica, em última análise, em admitir a responsabilidade sem culpa, por isto que a não se levar em conta o coeficiente pessoal do agente, suas aptidões, suas possibilidades, se é forçado a admitir, na maioria dos casos, que o indivíduo, não podendo, a rigor, ser considerado culpado, entretanto é como tal declarado. Assim, a aceitação do critério que se baseia na culpa in abstracto não passa de um meio tosco de objetivação de responsabilidade, pois que, rigorosamente, esta não é subjetiva. Mas, representa uma escandalosa incoerência ideológica dos subjetivistas” (GOMES, Orlando. Culpa x Risco. In Revista Forense. Vol. 83. Rio de Janeiro : Forense, setembro de 1940, p. 383).

[112]  Todo esse longo percurso aqui traçado é didaticamente sintetizado por Eugênio Facchini Neto, como segue: “Os juízes, em princípio, recusaram-se a aplicar desde logo a teoria da responsabilidade objetiva. Desejosos de se manterem dentro da teoria da culpa, mas tendo que garantir às vítimas a efetivação de seu direito à reparação do mal injustamente sofrido, passaram eles a usar um método singular. Tradicionalmente, constatava-se a existência da culpa antes de condenar-se o culpado. Inverteram eles, então, o iter lógico: constatando que a vítima tinha ‘direito’ a ver reparado seu prejuízo, esforçavam-se em descobrir uma culpa que pudesse justificar a decisão. Ou seja, adotavam-se ‘processos técnicos’ de extensão do conceito de culpa, para tentar garantir o direito à reparação dos danos, sob a égide da responsabilidade subjetiva, dilatando abusivamente a ideia de culpa, de que são exemplos os expedientes das presunções de culpa, da teoria da culpa na guarda das coisas, teoria da culpa anterior, teoria da culpa desconhecida, teoria da culpa coletiva, culpa das pessoas jurídicas etc” (FACCHINI NETO, Eugênio. Da Responsabilidade Civil no Novo Código. In O Novo Código Civil e a Constituição. SARLET, Ingo Wolfgang (organizador). 2ª Edição. Porto Alegre : Livraria do Advogado Ed., 2006, p. 178).

[113]  CALIXTO, Marcelo Junqueira. A Culpa na Responsabilidade Civil: Estrutura e Função. Rio de Janeiro : Renovar, 2008, p. 154. No particular, lecionou Luis Josserand: “Todas essas leis, e muitas outras ainda, preparam e consagram uma verdadeira revolução, dissociando completamente a responsabilidade da culpa, erigindo o patrão, a comuna, ou o explorador da aeronave em seu próprio segurador por motivo dos riscos que criou; a ideia de mérito ou de demérito nada tem a ver no caso; a lei impõe o princípio justo e salutar ‘a cada um segundo seus atos e segundo suas iniciativas”, princípio valioso para uma sociedade laboriosa, princípio protetor dos fracos: a força, a iniciativa, a ação devem ser por si mesmas geradoras de responsabilidade” (JOSSERAND, Luis. Evolução da Responsabilidade Civil. In Revista Forense. Vol. 86, Rio de Janeiro : Forense, abr./jun. de 1941, p. 52).

[114]  NICOLAU, Gustavo Rene. Efetiva Aplicação da Teoria do Risco no Código Civil de 2002. In Novo Código Civil - Questões Controvertidas: Responsabilidade Civil. Série Grandes Temas de Direito Privado. Vol. 5. DELGADO, Mário Luiz; ALVES, Jones Figueirêdo (coordenadores). São Paulo : Método, 2006, p. 227.

[115]  Código Civil, artigo 927, parágrafo único: “Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.

[116]  Conforme ressalta José de Aguiar Dias: “... a variação dos sistemas de responsabilidade civil se prende precipuamente à questão da prova. Mais precisamente, ao problema da distribuição do ônus probatório... É por isso que, encarnando todo o amargo ressentimento da opinião reacionária contra a influência democrática na atribuição dos riscos, Ripert acentua a inversão dos princípios normalmente imperativos no regime da culpa, como expressão da tendência do direito civil moderno para ir em socorro da vítima, imaginando toda uma complexa construção jurídica para que a vítima ou seus parentes não tenham de provar a culpa do responsável...” (DIAS, José de Aguiar. Da Responsabilidade Civil. 11ª Edição, Rio de Janeiro : Renovar, 2006, p. 100). Flávio Tartuce também afirma: “Com certeza, afastada a responsabilidade objetiva, muito difícil seria, pela deficiência geral observada na grande maioria dos casos, uma vitória judicial em uma ação promovida por um particular contra o Estado ou de um consumidor contra uma grande empresa” (TARTUCE, Flávio. Direito Civil. Vol. 2: Direito das Obrigações e Responsabilidade Civil. 4ª Edição. São Paulo : Método, 2009, p. 303).

[117]  “A concepção que ganhou força e pavimentou a nova estrada foi a teoria da responsabilidade sem culpa, objetiva, fundada na ideia de risco. Note-se, porém, que não se quis alijar a culpa do cenário jurídico, a despeito da extrema vagueza desse termo, sendo reconhecidamente impossível fixar-lhe conteúdo certo. O que se pôs em foco, antes, foi a sua insuficiência para reger as situações trazidas pela nova realidade social que despontava. Combatia-se, na verdade, pelo reconhecimento de uma outra base para a responsabilização dos autores de danos, que, para fugirem do dever de indenizar, no mais das vezes se abrigavam sob a velha bandeira da culpa. Assim, pretendia-se que culpa e risco fossem os pólos da nova teoria da responsabilidade civil” (GOMES, José Jairo.Responsabilidade Civil e Eticidade. Belo Horizonte : Del Rey, 2005, p. 230).

[118]  Código Civil, artigo 186: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

[119]  Segundo Marcelo Junqueira Calixto, a culpa ainda “conserva o seu verdor” (CALIXTO, Marcelo Junqueira. A Culpa na Responsabilidade Civil: Estrutura e Função. Rio de Janeiro : Renovar, 2008, p. 5). A respeito, confira-se ainda o relato de Anderson Schreiber, verbis: “Invoca-se, por exemplo, como expressão de um retorno à culpa, o já analisado art. 944 que autoriza a redução equitativa da indenização em face da desproporcionalidade entre a culpa e o dano. Recorda-se, também, o habitual emprego do grau de culpa na quantificação do dano moral. Fala-se, ainda, na introdução da culpa no âmbito da responsabilidade objetiva, por força da excludente de responsabilidade consubstanciada na chamada culpa exclusiva da vítima. Por fim, aludem os partidários da culpa à invocação implícita ou explícita de juízos de culpabilidade mesmo em ações de responsabilidade objetiva” (SCHREIBER, Anderson. Novos Paradigmas da Responsabilidade Civil: Da Erosão dos Filtros da Reparação à Diluição dos Danos. 2ª Edição, São Paulo : Atlas, 2009, p. 31).

[120]  Não é à toa que Anderson Schreiber afirma que “a postura eclética das cortes no que tange à aferição da relação de causalidade revela, de fato, que os magistrados têm se preocupado mais com os resultados concretos a serem alcançados, que com a técnica empregada em seus julgamentos” (SCHREIBER, Anderson. Novos Paradigmas da Responsabilidade Civil: Da Erosão dos Filtros da Reparação à Diluição dos Danos. 2ª Edição, São Paulo : Atlas, 2009, p. 242-243).

[121]  Nesta mesma senda Gustavo Tepedino, quando frisa que “a inconveniência desta teoria, logo apontada, está na desmesurada ampliação, em infinita espiral de concausas, do dever de reparar, imputado a um sem-número de agentes. Afirmou-se, com fina ironia, que a fórmula tenderia a tornar cada homem responsável por todos os males que atingem a humanidade” (TEPEDINO, Gustavo. Notas sobre o Nexo de Causalidade. In Revista Trimestral de Direito Civil, ano 2, v. 6, jun. de 2001, Rio de Janeiro : Padma, p. 18). Para mostrar o absurdo dessa tese, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho ofertam o seguinte exemplo: “Nessa linha, se o agente saca a arma e dispara o projétil, matando o seu desafeto, seria considerado causa não apenas o disparo, mas também a compra da arma, a sua fabricação, a aquisição do ferro e da pólvora pela indústria etc., o que envolveria, absurdamente, um número ilimitado de agentes na situação de ilicitude” (GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. Vol. III: Responsabilidade Civil. 4ª Edição. São Paulo : Saraiva, 2006, p. 87). Essa teoria é mais aceita no campo penal, onde a exigência de tipicidade de conduta serve como fator de restrição desse exagerado campo de abrangência.

[122]  GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 9ª Edição. São Paulo : Saraiva, 2005, p. 538.

[123]  De fato, para Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, “se a teoria anterior peca por excesso, admitindo uma ilimitada investigação da cadeia causal, esta outra, a despeito de mais restrita, apresenta o inconveniente de admitir um acentuado grau de discricionariedade do julgador, a quem incumbe avaliar, no plano abstrato, e segundo o curso normal das coisas, se o fato ocorrido no caso concreto pode ser considerado, realmente, causa do resultado danoso” (GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. Vol. III: Responsabilidade Civil. 4ª Edição. São Paulo : Saraiva, 2006, p. 90). Interessante a posição de Lucas Abreu Barroso, quando diz que os artigos 944 e 945, do Código Civil brasileiro, “ao recepcionarem a teoria da causalidade adequada, estão plenamente amparados, em nossa opinião, na função social da responsabilidade civil” (BARROSO, Lucas Abreu. Novas Fronteiras da Obrigação de Indenizar e da Determinação da Responsabilidade Civil. In Novo Código Civil - Questões Controvertidas: Responsabilidade Civil. Série Grandes Temas de Direito Privado. Vol. 5. DELGADO, Mário Luiz; ALVES, Jones Figueirêdo (coordenadores). São Paulo : Método, 2006, p. 368).

[124]  SCHREIBER, Anderson. Novos Paradigmas da Responsabilidade Civil: Da Erosão dos Filtros da Reparação à Diluição dos Danos. 2ª Edição, São Paulo : Atlas, 2009, p. 57-58.

[125]  GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. Vol. III: Responsabilidade Civil. 4ª Edição. São Paulo : Saraiva, 2006, p. 90.

[126]  SCHREIBER, Anderson. Novos Paradigmas da Responsabilidade Civil: Da Erosão dos Filtros da Reparação à Diluição dos Danos. 2ª Edição, São Paulo : Atlas, 2009, p. 58.

[127]  Confira-se, a propósito, o que diz Anderson Schreiber: “A própria teoria da causalidade direta e imediata foi, pouco a pouco, mostrando-se excessivamente restritiva, especialmente em casos nos quais a causa indireta do prejuízo associava-se à causa direta de modo muito intenso. Tome-se, como exemplo, as discussões recentes em torno do chamado dano sexual, consubstanciado na privação da possibilidade de relacionamento sexual de um dos cônjuges após erro médico de que vem a ser vítima o outro. Em hipótese assim, a conduta negligente do médico afeta, reflexamente, o cônjuge da vítima, mas não há dúvida de que a ressarcibilidade deste prejuízo autônomo, embora passível de discussão, não deve ser excluída sob o argumento de que se trata de dano remoto” (SCHREIBER, Anderson. Novos Paradigmas da Responsabilidade Civil: Da Erosão dos Filtros da Reparação à Diluição dos Danos. 2ª Edição, São Paulo : Atlas, 2009, p. 59).

[128]  GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 9ª Edição. São Paulo : Saraiva, 2005, p. 540.

[129]  CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 6ª Edição, 3ª Tiragem, São Paulo : Malheiros Editores, 2006, p. 75. Para uma análise acerca desse embate doutrinário entre as teorias da causalidade adequada e da causalidade direta ou imediata, inclusive com exposição de farto material jurisprudencial, vale conferir: TARTUCE, Flávio. Direito Civil. Vol. 2: Direito das Obrigações e Responsabilidade Civil. 4ª Edição. São Paulo : Método, 2009, p. 360-364.

[130]  GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. Vol. III: Responsabilidade Civil. 4ª Edição. São Paulo : Saraiva, 2006, p. 90.

[131]  CRUZ, Gisela Sampaio da. O Problema do Nexo Causal na Responsabilidade Civil. Rio de Janeiro : Renovar, 2005, p. 21. Confira-se, por exemplo, o seguinte julgado: “Responsabilidade Civil. Danos causados em imóvel por invasão de cupins. Nexo causal inexistente. Ninguém responde por aquilo a que não tiver dado causa, segundo fundamental princípio do direito. E de acordo com a teoria da causa adequada em sede de responsabilidade civil, também chamada de causa direta ou imediata, nem todas as condições que concorrem para o resultado são equivalentes, como ocorre na responsabilidade penal, mas somente aquela que foi a mais adequada a produzir concretamente o resultado. Assim, provado que a invasão de cupins foi a causa direta dos danos sofridos pela autora, e o madeiramento deixado pela construtora no teto do imóvel apenas concausa, fica esta última exonerada do dever de indenizar. Recurso Desprovido” (TJRJ, AC 1995.001.271, publicação com registro em 18.05.05).

[132]  SCHREIBER, Anderson. Novos Paradigmas da Responsabilidade Civil: Da Erosão dos Filtros da Reparação à Diluição dos Danos. 2ª Edição, São Paulo : Atlas, 2009, p. 63.

[133]  Consoante clássica doutrina, são apontados como fatores que rompem o nexo causal o fato exclusivo da vítima, o fato exclusivo de terceiro, o caso fortuito e a força maior. A respeito, confira-se, por todos: TARTUCE, Flávio. Direito Civil. Vol. 2: Direito das Obrigações e Responsabilidade Civil. 4ª Edição. São Paulo : Método, 2009, p. 365-374.

[134]  Quando trata da responsabilidade do transportador, ensina Sergio Cavalieri Filho: “Entende-se por fortuito interno o fato imprevisível, e, por isso, inevitável, que se liga à organização da empresa, que se liga com os riscos da atividade desenvolvida pelo transportador. O estouro de um pneu do ônibus, o incêndio do veículo, o mal súbito do motorista etc. são exemplos do fortuito interno, por isso que, não obstante acontecimentos imprevisíveis, estão ligados à organização do negócio explorado pelo transportador. (...) O fortuito externo é também fato imprevisível e inevitável, mas estranho à organização do negócio. É o fato que não guarda nenhuma ligação com a empresa, como fenômenos da Natureza – tempestades, enchentes etc.” (CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 6ª Edição, 3ª Tiragem, São Paulo : Malheiros Editores, 2006, p. 322). Parecendo se referir ao mesmo particular, só que com nomenclaturas diferentes, doutrina Fábio Ulhoa Coelho, verbis: “Dois são os tipos de fortuito. De um lado, os fatos da natureza, como a queda do cometa, de raio, inundação, furacão, terremoto, desmoronamento etc. Vou chamá-lo de fortuito natural. De outro, atos humanos não culposos, como a produção em massa, prestação de serviços empresariais, atendimento ao interesse público etc. Designo-o fortuito humano. (...) O fortuito, natural ou humano, exclui a responsabilidade subjetiva em qualquer hipótese. (...) No tocante à responsabilidade objetiva, contudo, apenas o fortuito natural é excludente” (COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil. Volume 2. 2ª Edição. São Paulo : Saraiva, 2005, p. 388 e 390).

[135]  SCHREIBER, Anderson. Novos Paradigmas da Responsabilidade Civil: Da Erosão dos Filtros da Reparação à Diluição dos Danos. 2ª Edição, São Paulo : Atlas, 2009, p. 66-67. A respeito, confira-se o teor da Súmula 94 do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro: “Cuidando-se de fortuito interno, o fato de terceiro não exclui o dever do fornecedor de indenizar”. Seguem alguns julgados que tratam do tema: “Direito processual civil e do consumidor. Recurso especial. Roubo de talonário de cheques durante transporte. Empresa terceirizada. Uso indevido dos cheques por terceiros posteriormente. Inscrição do correntista nos registros de proteção ao crédito. Responsabilidade do banco. Teoria do risco profissional. Excludentes da responsabilidade do fornecedor de serviços. Art. 14, § 3º, do CDC. Ônus da prova. Segundo a doutrina e a jurisprudência do STJ, o fato de terceiro só atua como excludente da responsabilidade quando tal fato for inevitável e imprevisível. O roubo do talonário de cheques durante o transporte por empresa contratada pelo banco não constituiu causa excludente da sua responsabilidade, pois trata-se de caso fortuito interno. - Se o banco envia talões de cheques para seus clientes, por intermédio de empresa terceirizada, deve assumir todos os riscos com tal atividade. O ônus da prova das excludentes da responsabilidade do fornecedor de serviços, previstas no art. 14, § 3º, do CDC, é do fornecedor, por força do art. 12, § 3º, também do CDC. Recurso especial provido” (Resp 685662 / RJ, Recurso Especial 2004/0122983-6. 3ª Turma. Data do Julgamento: 10/11/05. Relatora: Ministra Nancy Andrighi. Publicação: DJ de 05/12/05, p. 232); “Recurso especial. Dano moral. Inclusão indevida em cadastro restritivo de crédito. Abertura de conta corrente e fornecimento de cheques mediante fraude. Falha administrativa da instituição bancária. Risco da atividade econômica. Ilícito praticado por terceiro. Caso fortuito interno.  Revisão do valor. Violação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Recurso parcialmente provido. 1. Inescondível a responsabilidade da instituição bancária, atrelada ao risco da própria atividade econômica que exerce, pela entrega de talão de cheques a terceiro, que mediante fraude, abriu conta bancária em nome do recorrido, dando causa, com isso e com a devolução do cheque emitido, por falta de fundos, à indevida inclusão do nome do autor em órgão de restrição ao crédito. 2. Irrelevante, na espécie, para configuração do dano, que os fatos tenham se desenrolado a partir de conduta ilícita praticada por terceiro, circunstância que não elide, por si só, a responsabilidade da instituição recorrente, tendo em vista que o panorama fático descrito no acórdão objurgado revela a ocorrência do chamado caso fortuito interno. 3. A verificação da suficiência da conduta do banco no procedimento adotado para abertura de contas, além de dispensável, na espécie, demandaria reexame do conjunto fático-probatório, o que é vedado no âmbito do recurso especial, à luz do enunciado 7 da Súmula desta Corte. 4. O entendimento deste Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que evidente exagero ou manifesta irrisão na fixação, pelas instâncias ordinárias, viola os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, tornando possível, assim, a revisão da aludida quantificação. 5. Recurso conhecido em parte e, no ponto, provido, para reduzir a indenização a R$ 12.000,00 (doze mil reais), no limite da pretensão recursal” (REsp 774640 / SP, Recurso Especial 2005/0136304-0. 4ª Turma. Data do Julgamento: 12/12/06. Relator: Ministro Hélio Quaglia Barbosa. Publicação: DJ de 05/02/07, p. 247). Interessante, também, outra decisão em que determinada instituição bancária foi responsabilizada pela morte de cliente que, ainda que fora do horário de expediente, foi assaltada e morta quando manuseava caixa eletrônico localizado dentro da agência bancária. No bojo dos autos colhemos o seguinte trecho, elaborado pelo Ministro Ruy Rosado de Aguiar Junior, relator originário, verbis: “... havia o dever jurídico do banco de zelar pela incolumidade dos que usam de seus serviços, em postos que ele instalou e colocou à disposição do público, daí a responsabilização” (REsp 488310 / RJ, 4ª Turma. Data do Julgamento: 28/10/03. Relator para o acórdão: Ministro Aldir Passarinho Júnior. Publicação: DJ de 22/03/04).

[136]  CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 6ª Edição, 3ª Tiragem, São Paulo : Malheiros Editores, 2006, p. 325.

[137]  STJ, Recurso Especial 287.849/SP, julgamento em 17.04.01, Relator: Ministro Ruy Rosado de Aguiar Junior.

[138]  Insta dizer, a propósito, que essa exclusividade do fato ou da culpa da vítima é até mesmo muito bem destacada em legislação específica (CDC, artigos 12, § 3º, inciso III, e 14, § 3º, inciso II), nada havendo, pois, de equivocada com a interpretação acima alinhavada. É certo, porém, por óbvio, que a extrema falta de cuidado da vítima há de ser levada em conta na tarifação do quantum indenizatório. Mas, repetimos, esse alto grau de culpa, em si, não elide o dever de reparação, quando se tem, ainda que de forma assaz tênue, algum grau de culpa sobre o agente apontado como lesionante. Tratando sobre o fato de terceiro ou fato da vítima em relação aos casos de responsabilidade civil objetiva, mais especificamente no caso do direito italiano, Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka também acentua essa tendência de severidade na análise jurisprudencial dessas hipóteses de afastamento da responsabilidade do agente, como segue: “... em se tratando de responsabilidade civil sem culpa, decorrente de mise en danger, conforme se vem examinando, seria igualmente possível – e esta é a situação sob análise – operar a exclusão de responsabilidade do demandado, sob a alegação de verificação culposa resultante de fato de terceiro ou mesmo da vítima? Pois bem, quanto ao fato do terceiro ou da vítima, a jurisprudência italiana tem entendido que, na maior parte das vezes, não deve ser considerado como razão suficiente para admitir a exclusão, o fato de que estas condutas tenham sido introduzidas na esfera jurídica do agente e tenham, por isso, ocasionado prejuízo ou dano. Para exonerar-se, em casos assim, o agente deve realizar a rigorosa demonstração de ter adotado todas as medidas oportunas e suficientes para evitar a intervenção daqueles – terceiros ou vítima – ou de ter adotado todas as medidas endereçadas a atrair a atenção sobre a existência do perigo. O efeito liberatório só será admitido, então, se o fato de terceiro ou da vítima excluir, de maneira indubitável, o elo causal necessariamente existente entre o exercício da atividade perigosa e o dano produzido. Não bastará, contudo, que essas pessoas tenham apenas se imiscuído no exercício da atividade perigosa, para que o agente seja liberado; terá sido necessário que as medidas para evitar a intromissão tenham sido tomadas à exaustão. Deste modo, a simples participação da vítima na concretização do episódio danoso não exonerará de responsabilidade o executor desta atividade, embora a jurisprudência tenha reconhecido, em casos assim, a possibilidade de redução da carga indenizatória a ele imputada” (HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Responsabilidade Pressuposta. Belo Horizonte : Del Rey, 2005, p. 308-309). Esclareça-se que a expressão francesa mise en danger significa, em essência, na língua portuguesa, “expor ao perigo”, “expor ao risco”. Conforme: HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Responsabilidade Pressuposta. Belo Horizonte : Del Rey, 2005, p. 231, nota de rodapé n. 7.

[139]  Essa teoria é conhecida no direito anglo-saxão como the thin skull rule ou the egg-shell skull rule, nomenclatura aplicada em razão de caso concreto onde, mesmo diante de pequeno golpe, resultou fratura do crânio da vítima, devido à fragilidade congênita do osso frontal. No particular, leciona Sergio Cavalieri Filho, verbis: “Doutrina e jurisprudência entendem, coerentes com a teoria da causalidade adequada, que as concausas preexistentes não eliminam a relação causal, considerando-se como tais aquelas que já existiam quando da conduta do agente, que são antecedentes quanto ao próprio desencadear do nexo causal. Assim, por exemplo, as condições pessoais de saúde da vítima, bem como as suas predisposições patológicas, embora agravantes do resultado, em nada diminuem a responsabilidade do agente. Será irrelevante, para tal fim, que de uma lesão leve resulte a morte por ser a vítima hemofílica; que de um atropelamento resultem complicações por ser a vítima diabética; que da agressão física ou moral resulte a morte por ser a vítima cardíaca; que de pequeno golpe resulte fratura de crânio em razão da fragilidade congênita do osso frontal; etc. Em todos esses casos, o agente responde pelo resultado mais grave, independentemente de ter ou não conhecimento da concausa antecedente que agravou o dano” (CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 6ª Edição, 3ª Tiragem, São Paulo : Malheiros Editores, 2006, p. 85). Anderson Schreiber, de sua parte, faz criticas à tese ora exposta, como segue: “... mesmo que a fragilidade intrínseca da vítima não fosse suficiente a interromper a cadeia causal, excluindo integralmente a responsabilidade do agente, o resultado mais grave, em um exame normal de preponderância, derivaria, principalmente, da condição especial do lesado. Diante de ‘pequeno golpe’ de que ‘resulte fratura do crânio em razão da fragilidade congênita do osso frontal’, a preponderância causal cabe à fragilidade congênita peculiar, e não ao comportamento do agente. Não por outra razão, no direito estrangeiro, adota-se, muitas vezes, a previsibilidade da pré-condição da vítima como pressuposto da manutenção do nexo causal em tais situações. (...) De uma forma ou de outra, exigindo-se ou não a previsibilidade do resultado mais grave, atribuí-lo ao agente consiste em fazê-lo responder por efeito que não se vincula à sua conduta, salvo por uma relação de causalidade no sentido natural, correspondente à tão criticada teoria da equivalência das condições, cuja ausência de limites afigura-se perigosa em um campo do direito livre da tipicidade como é a responsabilidade civil” (SCHREIBER, Anderson. Novos Paradigmas da Responsabilidade Civil: Da Erosão dos Filtros da Reparação à Diluição dos Danos. 2ª Edição, São Paulo : Atlas, 2009, p. 71-72).

[140]  Aqui, costuma-se sempre citar a advertência de Silvio Rodrigues, in verbis: “A excessiva severidade dos tribunais, na admissão do caso fortuito como exonerador de responsabilidade, principalmente em um país como um nosso em que o seguro de responsabilidade é pouco difundido, pode aumentar enormemente o número de casos em que o agente, embora agindo sem culpa, causa dano a outrem e é obrigado a indenizar. Tal solução, como já foi apontado, em muitos casos apenas transferirá a desgraça da pessoa da vítima para a pessoa do agente, este também inocente e desmerecedor de tão pesada punição” (RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Volume 4: Responsabilidade Civil. São Paulo : Saraiva, 2003, p. 176). A crítica, porém, precisa ser encarada cum grano salis, à luz de cada caso concreto, parecendo-nos que a sutil distinção entre fortuito interno e fortuito externo, considerada em si mesma, vem para injetar mais equidade e justiça ao tema, pois responsabiliza o agente naqueles casos em que, embora imprevisível e inevitável o fato lesivo, a priori, este pode ser visualizado dentro daquele natural grau de risco ínsito à sua própria atividade. Ainda com relação à flexibilização do nexo causal, em atenção aos interesses da vítima, importa também trazer à ribalta, para o enriquecimento da discussão, o que Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, ao focar o direito italiano, chama de apreciação ex post das medidas assecuratórias de minoração de perigos e riscos, nas atividades caracterizadas pela exposição natural a perigo, destacando a ilustre autora que, quanto à necessidade de se demonstrar a causalidade entre o dano e a atividade perigosa, também aqui por mais das vezes “a carga probatória permanece em elevado grau de dificuldade de ser realizada, tendo em vista a diversidade e a complexidade das mise en danger. Em auxílio das vítimas, e por conta destas dificuldades apontadas, a jurisprudência, então, tem admitido a produção da prova por meio de constatação ex post da periculosidade, realizada de tempo em tempo, e sob a ótica da simples intensidade do dano ocorrido, na espécie. Esta apreciação ex post (...) não favorece, pois, a concretização de prova liberatória ou exoneratória do dever de indenizar. Quando este é o percurso seguido pelo julgador, a responsabilidade é assim reconhecida não porque o demandado não tenha adotado as medidas, mas sim pela só circunstância de que o exercício da atividade se revela perigoso, estabelecendo, assim, um elo causal com o dano. O caráter diligente das medidas preventivas adotadas não é levado em plena consideração... (...) Não é incomum, portanto, que a jurisprudência constate, primeiro, a produção do dano intenso, e, depois, o caráter perigoso da atividade, construindo a ponte causal necessária a posteriori e realizando o imprescindível nexo, de trás para frente. A reparação não será justificada, em casos assim, por uma verdadeira mise en danger, mas talvez mais pela expectativa de se obter uma reparação ao direito prejudicado da vítima” (HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Responsabilidade Pressuposta. Belo Horizonte : Del Rey, 2005, p. 311).

[141]  SCHREIBER, Anderson. Novos Paradigmas da Responsabilidade Civil: Da Erosão dos Filtros da Reparação à Diluição dos Danos. 2ª Edição, São Paulo : Atlas, 2009, p. 243.

[142]  Constituição Federal, artigo 5º, inciso XXXV: “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

[143]  Constituição Federal, artigo 5º, inciso V: “É assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”; Constituição Federal, artigo 5º, inciso X: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

[144]  Em especial quando o CDC preceitua, em seu artigo 2º, parágrafo único, que “equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo”. Também trilha pela mesma senda ampliativa o artigo 17 do mesmo diploma legal: “Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento”.

[145]  SCHREIBER, Anderson. Novos Paradigmas da Responsabilidade Civil: Da Erosão dos Filtros da Reparação à Diluição dos Danos. 2ª Edição, São Paulo : Atlas, 2009, p. 83.

[146]  Apud SCHREIBER, Anderson. Novos Paradigmas da Responsabilidade Civil: Da Erosão dos Filtros da Reparação à Diluição dos Danos. 2ª Edição, São Paulo : Atlas, 2009, p. 81-82.

[147]  NORONHA, Fernando. Direito das Obrigações. São Paulo : Saraiva, 2003, p. 542.

[148]  Para um amplo estudo desses novos danos no âmbito da jurisprudência brasileira e italiana, vale conferir: SCHREIBER, Anderson. Novos Paradigmas da Responsabilidade Civil: Da Erosão dos Filtros da Reparação à Diluição dos Danos. 2ª Edição, São Paulo : Atlas, 2009, p. 81-115.

[149]  Como bem destaca Roxana Cardoso Brasileiro Borges, verbis: “Os primeiros direitos de personalidade reconhecidos foram o direito à vida, o direito à liberdade e o direito à integridade física. Visava-se a proteger a pessoa contra as intervenções arbitrárias do Estado. Com o aumento populacional das cidades, com o crescimento dos veículos de comunicação de massa, com o aumento do desequilíbrio nas relações econômicas e com o avanço tecnológico, outros direitos da personalidade emergiram, desta vez não apenas para proteger o indivíduo contra o Estado, mas para protegê-lo também contra a intervenção lesiva de outros particulares. Na sociedade tecnológica dos séculos XX e XXI, as pessoas conscientizaram-se mais de sua dignidade e, consequentemente, exigem o reconhecimento dos seus interesses mais recentes e o respeito à sua condição de pessoa. Na esfera jurídica, atualmente, reconhecem-se cada vez mais direitos, sobretudo os de cunho não-patrimonial, reconhecendo-se, cada vez mais, novos direitos de personalidade. Desta forma, tanto os direitos de personalidade presentes na Constituição Federal como os previstos no texto do Código Civil de 2002 são listas apenas exemplificativas e abertas dos direitos de personalidade, não exaustivas ou taxativas, uma vez que os direitos de personalidade não são unicamente direitos típicos. Pelo contrário, refletem dado momento histórico que está em veloz mutação” (BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Direitos de Personalidade e Dignidade: Da Responsabilidade Civil para a Responsabilidade Constitucional. In Novo Código Civil - Questões Controvertidas: Responsabilidade Civil. Série Grandes Temas de Direito Privado. Vol. 5. DELGADO, Mário Luiz; ALVES, Jones Figueirêdo (coordenadores). São Paulo : Método, 2006, p. 561).

[150]  Há que se refrear, claro, eventuais exageros. Nada de empolgação. Nesse aspecto, é pertinente a colocação de José Jairo Gomes, in verbis: “Ocorrendo situação causadora de dano, o equilíbrio derivado da solidariedade e da cooperação deve ser restabelecido. A atenção que se deve devotar aos valores e princípios superiores que orientam o sistema jurídico deixa claro que tal restabelecimento não implica sempre e necessariamente a busca incessante da exata recomposição patrimonial, porquanto a vida social impõe a todos a assunção de certos prejuízos e a exposição a certos riscos” (GOMES, José Jairo. Responsabilidade Civil e Eticidade. Belo Horizonte : Del Rey, 2005, p. 371).

[151]  “De acordo com o § 830 do Código Civil alemão – BGB (1896) –, se várias pessoas causaram um prejuízo por meio de um ato ilícito praticado em comum, cada uma delas é responsável pelo dano. A segunda parte do dispositivo impõe idêntica solução quando não for possível descobrir, dentre os vários participantes, quem, com seu ato, causou o dano. No Direito alemão, como se vê, não se deixa sem amparo o lesionado só porque não foi possível identificar o responsável pelo prejuízo” (CRUZ, Gisela Sampaio da. O Problema do Nexo Causal na Responsabilidade Civil. Rio de Janeiro : Renovar, 2005, p. 21).

[152]  Também constitui reflexo dessa forte tendência à ampliação das possibilidades de efetiva reparação da vítima – embora, aqui, gizando um liame de feição não solidária, mas subsidiária –, a hipótese contida no artigo 928 do Código Civil, que preceitua: “O incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes. Parágrafo único. A indenização prevista neste artigo, que deverá ser equitativa, não terá lugar se privar do necessário o incapaz ou as pessoas que dele dependem”. A doutrina tem afirmado ser digno de elogios tal dispositivo, como segue: “Por força do dispositivo em análise, o patrimônio do incapaz responde subsidiariamente pelo dever de reparar, ampliando consideravelmente a possibilidade de reparação das vítimas dos danos por eles causados. (...) A solução inova em face do sistema anterior, em que a vítima poderia permanecer sem indenização, ainda que o incapaz possuísse patrimônio significativo, em caso de insolvência do responsável. (...) No regime atual, nestas situações, por razões de política legislativa, preferiu-se, em detrimento da tutela ao incapaz, sacrificar o seu patrimônio a deixar desamparada a vítima do dano” (TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil Interpretado Conforme a Constituição da República. Volume II. Rio de Janeiro : Renovar, 2006, p. 820). Também se pode entrever, no parágrafo único desse artigo, a incidência do mesmo princípio, a dignidade da pessoa humana, que outrora recaiu a favor da vítima, mas que, desta feita, incide em benefício do incapaz, vedando que seu patrimônio seja afetado de forma tão intensa que venha a lhe privar do mínimo necessário para a sua própria subsistência ou a mantença das pessoas que de si dependam. Interessante registrar, nessa senda, a linha argumentativa que tem primado por atribuir responsabilidade subsidiária ao Estado pelos danos ligados à sua incúria na garantia da segurança pública e no combate à violência. A respeito do entrelaçamento dos temas violência urbana, meio ambiente do trabalho e responsabilidade estatal, confira-se: ARAÚJO JUNIOR, Francisco Milton; MARANHÃO, Ney. Responsabilidade civil e violência urbana: considerações sobre a responsabilização objetiva e solidária do Estado por danos decorrentes de acidentes laborais diretamente vinculados à insegurança pública. In: VELLOSO, Gabriel; MARANHÃO, Ney. Contemporaneidade e trabalho: aspectos materiais e processuais. São Paulo : LTr, 2011.

[153]  Código de Defesa do Consumidor, artigo 6º, caput, e inciso I: “São direitos básicos do consumidor: I - a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos”.

[154]  Código de Defesa do Consumidor, artigo 6º, caput, e inciso VI: “São direitos básicos do consumidor: (...) VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos”.

[155]  Podemos citar, como exemplo dessa assertiva, os seguintes artigos: CDC, artigo 7º, parágrafo único: “Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo”; CDC, artigo 12: “O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos”; CDC, artigo 14: “O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos”; CDC, artigo 25, caput: “É vedada a estipulação contratual de cláusula que impossibilite, exonere ou atenue a obrigação de indenizar prevista nesta e nas seções anteriores”; CDC, artigo 25, § 1º: “Havendo mais de um responsável pela causação do dano, todos responderão solidariamente pela reparação prevista nesta e nas seções anteriores”; CDC, artigo 25, § 2º: “Sendo o dano causado por componente ou peça incorporada ao produto ou serviço, são responsáveis solidários seu fabricante, construtor ou importador e o que realizou a incorporação”. Esse código é tão avançado que Jorge Pinheiro Castelo o denominou de “direito comum da pós-modernidade”. Fonte: CASTELO, Jorge Pinheiro. O Direito Material e Processual do Trabalho e a Pós-Modernidade: A CLT, o CDC e as Repercussões do Novo Código Civil. São Paulo : LTr, 2003, p. 213.

[156]  Código de Defesa do Consumidor, artigo 28, caput, e § 5º: “O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração. (...) § 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores”.

[157]  Código de Defesa do Consumidor, artigo 17: “Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento”.

[158]  Código de Defesa do Consumidor, artigo 2º, parágrafo único: “Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo”. Sobre o tema, Flávio Tartuce oferece elucidativo exemplo, verbis: “A título de ilustração, imagine-se o caso de compra de um eletrodoméstico, de uma televisão. Várias pessoas estão na residência do consumidor-comprador assistindo a um filme, quando, de repente, o aparelho explode, atingindo todos os que estão à sua volta. Pois bem, não só o comprador do aparelho, que manteve a relação contratual direta com o fabricante, mas todos aqueles prejudicados pelo evento danoso poderão pleitear indenização deste, eis que são consumidores por equiparação ou by stander (art. 17 da Lei 8.078/90). O raciocínio jurídico é que se um produto inseguro foi colocado no mercado, deve existir a responsabilidade, já que a empresa que o produziu dele retirou lucros e riqueza (risco proveito). Se sua colocação no mercado gera riscos à coletividade, a empresa fornecedora ou prestadora deverá assumir os ônus deles decorrentes (risco criado). Também exemplificando, um avião está prestes a pousar em um aeroporto. Pouco antes do pouso, o compartimento de malas se abre e estas caem sobre uma casa que é destruída. O dono da casa poderá ingressar com demanda indenizatória contra a empresa aérea, sendo o consumidor equiparado. A responsabilidade da prestadora de serviços é objetiva, independe de culpa” (TARTUCE, Flávio. Direito Civil. Vol. 2: Direito das Obrigações e Responsabilidade Civil. 4ª Edição. São Paulo : Método, 2009, p. 475).

[159]  “Ao tempo em que prevalecia a ideia de que toda responsabilidade deveria ser fundada na culpa, era considerada imoral a possibilidade de o lesante transferir para uma companhia seguradora a obrigação de indenizar” (NORONHA, Fernando. Direito das Obrigações. São Paulo : Saraiva, 2003, p. 546).

[160]  Apud SCHREIBER, Anderson. Novos Paradigmas da Responsabilidade Civil: Da Erosão dos Filtros da Reparação à Diluição dos Danos. 2ª Edição, São Paulo : Atlas, 2009, p. 224. Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka destaca: “... é interessante notar que o desenvolvimento atual dos seguros privados e sociais tem sido apreciado com grande aceitação nos regimes contemporâneos de responsabilidade objetiva, mormente na Itália” (HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Responsabilidade Pressuposta. Belo Horizonte : Del Rey, 2005, p. 289-290). Sobre o tema, afirma Eugênio Facchini Neto que “... a tendência manifesta da teoria da responsabilidade civil é no sentido de ampliar, cada vez mais, a sua abrangência, a fim de possibilitar que todo e qualquer dano possa ser reparado. Para que isso aconteça, é necessário afastar-se, progressivamente, do princípio da culpa. Isso ocorreu, avançando-se em direção a um modelo misto, onde, ao lado da culpa, há espaço para uma responsabilidade civil objetiva, fundada no risco ou na ideia de garantia. Nas últimas décadas, porém, percebe-se que esse modelo misto tornou-se mais complexo, com o surgimento de um terceiro modelo de responsabilidade, não individual, mas coletiva, fundada na ideia de solidariedade. (...) Nesse sistema, o Estado absorveria todos os riscos e os redistribuiria por todo o corpo social, através de um imposto. Assim, o prejuízo de um seria suportado, afinal, por todos” (FACCHINI NETO, Eugênio. Da Responsabilidade Civil no Novo Código. In O Novo Código Civil e a Constituição. SARLET, Ingo Wolfgang (organizador). 2ª Edição. Porto Alegre : Livraria do Advogado Ed., 2006, p. 181-182).

[161]  SCHREIBER, Anderson. Novos Paradigmas da Responsabilidade Civil: Da Erosão dos Filtros da Reparação à Diluição dos Danos. 2ª Edição, São Paulo : Atlas, 2009, p. 222.

[162]  “Como o causador do dano passa a ser mero responsável nominal, a responsabilidade civil deixa de exercer uma sua importante função, a de prevenção de danos, pela natural diligência a que obrigaria as pessoas, quando agissem sabendo que teriam de suportar os prejuízos eventualmente causados. Se quem tem de pagar é a companhia seguradora, as pessoas serão menos cuidadosas, com o que se multiplicarão os acidentes” (NORONHA, Fernando. Direito das Obrigações. São Paulo : Saraiva, 2003, p. 547). Registre-se, porém, pela consistência, o pensamento de Anderson Schreiber, como segue, in verbis: “A crítica pode, com alguma medida, ser superada. Em primeiro lugar, o ônus da reparação é apenas aparentemente transferido à seguradora, uma vez que o custo global das indenizações pagas reflete-se, invariável e continuamente, sobre o preço dos seguros. (...) O inteiro ramo negocial de seguros desenvolveu e já emprega instrumentos de estímulo à conduta cuidadosa, que são absolutamente compatíveis com a instituição dos seguros privados obrigatórios...” (SCHREIBER, Anderson. Novos Paradigmas da Responsabilidade Civil: Da Erosão dos Filtros da Reparação à Diluição dos Danos. 2ª Edição, São Paulo : Atlas, 2009, p. 234). Sergio Cavalieri Filho, tratando da responsabilidade do transportador, argumenta: “Tal como se fez para cobrir os riscos do acidente do trabalho, onde se adotou a teoria do risco integral, deveria ser também criado um seguro social, do qual participariam os empresários do transporte, os passageiros e o próprio Poder Público concedente do serviço – Município, Estado ou União –, através do qual se constituiria um fundo para indenizar as vítimas de fatos externos ao transporte” (CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 6ª Edição, 3ª Tiragem, São Paulo : Malheiros Editores, 2006, p. 331). Cumpre apontar como hipóteses de aplicação do sistema securitário no Brasil os casos relativos a acidentes de trabalho (CF, artigo 7º, inciso XXVIII) e acidentes automobilísticos (Lei n. 6.194/74, que regula o seguro de danos pessoais causados por veículos automotores de vias terrestres - DPVAT). Não se olvide, também, expressa previsão legal a respeito do assunto no Código Civil brasileiro em vigor, que, em seu artigo 787, caput, dispõe: “No seguro de responsabilidade civil, o segurador garante o pagamento de perdas e danos devidos pelo segurado a terceiro”.

[163]  Código Civil, artigo 927, caput: “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.

[164]  Código Civil, artigo 944, caput: “A indenização mede-se pela extensão do dano”. Não sem razão o Enunciado n. 46 da I Jornada de Direito Civil (2002) ficou assim vazado: “A possibilidade de redução do montante da indenização em face do grau de culpa do agente, estabelecida no parágrafo único do art. 944 do novo Código Civil, deve ser interpretada restritivamente, por representar uma exceção ao princípio da reparação integral do dano, não se aplicando às hipóteses de responsabilidade objetiva”. Posteriormente, esse texto foi alterado pelo Enunciado 380 da IV Jornada de Direito Civil (2006), quando se suprimiu a expressão “não se aplicando às hipóteses de responsabilidade objetiva”. Nessa mesma jornada, veio à tona, também, o Enunciado n. 379, que dispõe: “O art. 944, caput, do Código Civil não afasta a possibilidade de se reconhecer a função punitiva ou pedagógica da responsabilidade civil”.

[165]  TARTUCE, Flávio. Direito Civil. Vol. 2: Direito das Obrigações e Responsabilidade Civil. 4ª Edição. São Paulo : Método, 2009, p. 303.

[166]  HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Responsabilidade Pressuposta. Belo Horizonte : Del Rey, 2005, p. 2.

[167]  Segundo José Jairo Gomes, “o instituto da responsabilidade é substancialmente dinâmico, sofrendo acentuada influência social e humana. Pode ser comparado a um porto, no qual diversos segmentos do Direito se ancoram, daí resultando variegados tipos de responsabilidade, a exemplo da civil, penal, comercial, trabalhista, tributária, política e eleitoral. Dada essa multifária atuação, tal instituto tem evoluído e se transformado ao longo da história para se adaptar aos novos modelos sociais e às novas necessidades impostas pela cambiante realidade cultural. A seu favor, pode-se dizer que ele sempre correspondeu às exigências que dele se fizeram nos diversos setores do sistema jurídico. Atualmente, tem alargado ainda mais suas fronteiras, de forma a pouco e pouco ir se desprendendo dos seus matizes subjetivos originais rumo à objetivização” (GOMES, José Jairo. Responsabilidade Civil e Eticidade. Belo Horizonte : Del Rey, 2005, p. 220).

[168]  Sobre esse particular histórico, são pertinentes os escólios de Roberto Senise Lisboa, in verbis: “... a responsabilidade objetiva é uma velha teoria cuja existência antecede o surgimento da teoria da responsabilidade subjetiva. No direito primitivo, a força e a vingança à luz da justiça retributiva eram o seu fundamento. Em nada se assemelha essa velha teoria à responsabilidade objetiva atualmente prevista nas legislações específicas e no Código de Defesa do Consumidor, exceção feita ao fato de não se discutir a existência ou inexistência de culpa ou dolo do responsável. A atual teoria da responsabilidade objetiva substitui a orientação primitiva da retaliação e do individualismo formal pela justiça distributiva e pela solidariedade social. Pode-se afirmar que a velha teoria da responsabilidade objetiva encontra-se devidamente adaptada à realidade social, viabilizando a efetiva percepção da reparação do dano em favor da vítima...” (LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade Civil nas Relações de Consumo. 2ª Edição. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 25).

[169]  Essa linha evolutiva é parcialmente inspirada no didático quadro esquemático proposto por Flávio Tartuce, conforme: TARTUCE, Flávio. Direito Civil. Vol. 2: Direito das Obrigações e Responsabilidade Civil. 4ª Edição. São Paulo : Método, 2009, p. 340.

[170]  HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Responsabilidade Pressuposta. Belo Horizonte : Del Rey, 2005, p. 295-296 e 352.

[171]  HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Responsabilidade Pressuposta. Belo Horizonte : Del Rey, 2005, p. 117, 228 e 300, por exemplo.

[172]  “Na percepção deste autor, a responsabilidade pressuposta pode ser resumida nas seguintes palavras: deve-se buscar, em um primeiro plano, reparar a vítima, para depois verificar-se de quem foi a culpa, ou quem assumiu o risco. Com isso, o dano assume o papel principal no estudo da responsabilidade civil, deixando de lado a culpa. (...) É preciso visualizar novos horizontes para a responsabilidade civil, muito além da discussão de culpa (responsabilidade subjetiva) ou da existência de riscos (responsabilidade objetiva). Nesse contexto, deve-se pensar, antes de qualquer coisa e em primeiro lugar, em indenizar as vítimas, para depois verificar, em um segundo plano, quem foi o culpado ou quem assumiu os riscos de sua atividade. Essa é a essência, em nossa opinião, da responsabilidade pressuposta” (grifos no original) (TARTUCE, Flávio. Direito Civil. Vol. 2: Direito das Obrigações e Responsabilidade Civil. 4ª Edição. São Paulo : Método, 2009, p. 304 e 469).

[173]  HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Responsabilidade Pressuposta. Belo Horizonte : Del Rey, 2005, p. 351. Segundo a autora, estamos diante de um tempo “de reformular necessariamente o sistema geral de responsabilidade civil e de designar novamente o responsável, em circunstâncias que superem ou ultrapassem os já estreitos limites impostos pelos muros da culpa e da objetivação legal casuisticamente descrita pela norma” (HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Responsabilidade Pressuposta. Belo Horizonte : Del Rey, 2005, p. 357).

[174]  HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Responsabilidade Pressuposta. Belo Horizonte : Del Rey, 2005, p. 344.

[175]  HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Responsabilidade Pressuposta: Evolução de Fundamentos e de Paradigmas da Responsabilidade Civil na Contemporaneidade. In Novo Código Civil - Questões Controvertidas: Responsabilidade Civil. Série Grandes Temas de Direito Privado. Vol. 5. DELGADO, Mário Luiz; ALVES, Jones Figueirêdo (coordenadores). São Paulo : Método, 2006, p. 220-221. Cremos, todavia, que há de se pensar com mais calma antes de se aceitar uma noção generalizante de responsabilidade civil, de contornos praticamente absolutos – à semelhança da teoria do risco integral –, inclusive a ponto de desprezar, por completo, as clássicas excludentes de responsabilidade que, de sua parte, sabemos, afastam o próprio nexo causal, tal como ocorre com o fato exclusivo da vítima.

[176]  “O foco atual da responsabilidade civil, pelo que se percebe da sua evolução histórica e tendências doutrinárias, tem sido no sentido de estar centrada cada vez mais no imperativo de reparar um dano do que na censura do seu responsável. Cabe ao direito penal preocupar-se com o agente, disciplinando os casos em que deva ser criminalmente responsabilizado. Ao direito civil, contrariamente, compete inquietar-se com a vítima” (FACCHINI NETO, Eugênio. Da Responsabilidade Civil no Novo Código. In O Novo Código Civil e a Constituição. SARLET, Ingo Wolfgang (organizador). 2ª Edição. Porto Alegre : Livraria do Advogado Ed., 2006, p. 175).

[177]  Nada obstante, permanece, na doutrina, o anseio pela implementação da função punitiva da responsabilidade civil. A respeito, vale conferir: VAZ, Caroline. Funções da Responsabilidade Civil: da Reparação à Punição: os Punitive Damages no Direito Comparado e Brasileiro. Porto Alegre : Livraria do Advogado Ed., 2009.

[178]  Flávio Tartuce, com a sagacidade que lhe é peculiar, já aponta algumas hipóteses que entende refletir a ideia da responsabilidade pressuposta. Indica, nesse sentido, por exemplo, a responsabilidade civil objetiva que recai sobre o Estado, “uma vez que as vítimas devem ser reparadas, para depois se investigar quem é o culpado”, bem assim nos julgados que têm reconhecido a imprescritibilidade da pretensão atinente a violações de direitos da personalidade, quanto a fatos danosos ocorridos já na vigência do Código Civil de 2002. Neste último caso, indaga o referido autor: “Não seria essa tendência uma regulamentação da Responsabilidade Pressuposta, eis que tende à proteção da dignidade humana e reparar a vítima, em um primeiro momento? Entendemos que sim” (TARTUCE, Flávio. Direito Civil. Vol. 2: Direito das Obrigações e Responsabilidade Civil. 4ª Edição. São Paulo : Método, 2009, p. 309 e 469).

[179]  Conforme Guilherme Calmon Nogueira da Gama, no prefácio da obra: AGUIAR, Roger Silva. Responsabilidade Civil Objetiva: Do Risco à Solidariedade. São Paulo : Atlas, 2007.

[180]  GOMES, José Jairo. Responsabilidade Civil e Eticidade. Belo Horizonte : Del Rey, 2005, p. 248.

[181]  Nessa linha, aduz Silmara Juny Chinelato: “Quanto aos direitos da personalidade, o Código Civil de 2002 nada mais fez do que prestigiar o que já estava sedimentado, embora me pareça que foi tímido e incompleto no tratamento da matéria nos arts. 11 a 21 e em outros artigos esparsos. Teve, porém, o mérito de apresentar, em certa sistematização, que poderia ser aperfeiçoada, os direitos da personalidade, tônica do Direito do último século e deste início de milênio, no qual se valoriza a pessoa humana, em seus aspectos intrínsecos, realçando-lhe a importância, e não o patrimônio. Essa valorização obedece à dignidade da pessoa humana consagrada no inciso III do art. 1º da CF” (CHINELATO, Silmara Juny. Tendências da Responsabilidade Civil no Direito Contemporâneo: Reflexos no Código de 2002. In Novo Código Civil - Questões Controvertidas: Responsabilidade Civil. Série Grandes Temas de Direito Privado. Vol. 5. DELGADO, Mário Luiz; ALVES, Jones Figueirêdo (coordenadores). São Paulo : Método, 2006, p. 585). Confira-se, também, crítica formulada por Danilo Doneda, quando assere que “o ordenamento jurídico brasileiro apresenta a base normativa necessária para proporcionar uma tutela adequada à personalidade, a partir da cláusula geral de tutela da personalidade. Para sua efetividade, porém, é importante uma atualização metodológica e cultural do direito civil, e o passo dado com o Código, apesar de importante, demonstra-se tímido. A identificação dos direitos da personalidade com os direitos subjetivos e, portanto, com uma técnica de tutela característica dos direitos patrimoniais, continua presente no espírito da nova legislação. Esta tutela, que vem à luz essencialmente nesses momentos patológicos, não enfatiza a potencial função promocional dos direitos da personalidade, ao basear a proteção da personalidade no binômio dano-reparação. Abre-se mão, portanto, de avançar no sentido de uma tutela integrada da personalidade com todo o cuidado e decisão que seriam devidos” (DONEDA, Danilo. Os Direitos da Personalidade no Código Civil. In A Parte Geral do Novo Código Civil: Estudos na Perspectiva Civil-Constitucional. TEPEDINO, Gustavo (coordenador). 2ª Edição. Rio de Janeiro : Renovar, 2003, p. 59). Fácil perceber, nessa toada, a íntima conexão existente entre a dignidade da pessoa humana e os direitos de personalidade. Antes concebida como um mero atributo formal que permitia a fixação de enlaces jurídicos, a personalidade, hodiernamente, por força da axiologia constitucional e notadamente à vista da mencionada cláusula geral de tutela e promoção da pessoa humana, agora é encarada como um valor ou mesmo como um princípio jurídico. Ou seja, de um instituto meramente formal, legitimador do entabulamento de liames juridicamente relevantes, a personalidade assumiu, agora, postura material, enquanto valor a ser ferrenhamente resguardado. A respeito, confira-se: BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Direitos de Personalidade e Dignidade: Da Responsabilidade Civil para a Responsabilidade Constitucional. In Novo Código Civil - Questões Controvertidas: Responsabilidade Civil. Série Grandes Temas de Direito Privado. Vol. 5. DELGADO, Mário Luiz; ALVES, Jones Figueirêdo (coordenadores). São Paulo : Método, 2006, p. 558.

[182]  Constituição Federal, artigo 5º, § 2º: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.

[183]  A rigor, o artigo 12 do Código Civil expressa tal preocupação, quando reza que “pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei”.

[184]  Constituição Federal, artigo 5º, inciso XXIII: “A propriedade atenderá a sua função social”; Código Civil, artigo 421: “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”.

[185]  A respeito, confira-se a pertinente crítica lançada por Roger Silva Aguiar, verbis: “Hoje qualquer livro de doutrina, mesmo os de estirpe mediana, fala dos contratos, por exemplo, à luz dos conceitos de boa-fé objetiva e socialidade, sendo uma tônica a reinterpretação de sua teoria à luz de tais princípios. Igual movimento percebe-se no âmbito dos direitos reais (encetado, por sinal, muito antes da entrada em vigor do novo Código Civil, por efeito da Constituição Federal de 1988), em que a figura da propriedade não mais encontra lugar senão informada por sua função social. A responsabilidade civil, entretanto, com excepcionalíssimas exceções, permanece tratada pela doutrina no âmbito meramente exegético, ainda que se reconheça a abertura de seus dispositivos... (...) É de se indagar: por que esta visão – a solidariedade social – não é estendida à responsabilidade civil?... (...) com a edição do novo Codex: a família transbordou, por assim dizer, os limites da ‘legitimidade’, repelindo qualquer discriminação, por exemplo, quanto à figura do filho; o contrato passou a ser visto à luz da boa-fé e de sua função social; também a propriedade, conforme dito acima, assumiu uma dimensão absolutamente diferente daquela projetada nos Códigos oitocentistas, sendo vista hoje pela lente da função social. O homem e sua respectiva extensão – a sociedade – tornaram-se o norte da bússola colocada nas mãos dos juristas. A responsabilidade civil, entretanto, permaneceu como a última trincheira do patrimonialismo, amarrada à preservação econômica do ofensor, muitas vezes em detrimento da dignidade da pessoa humana da vítima, e cega à realidade social” (AGUIAR, Roger Silva. Responsabilidade Civil Objetiva: Do Risco à Solidariedade. São Paulo : Atlas, 2007, p. 68-72). Na mesma linha, afirma Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka que “a concepção racional – fundamentada e consistente – da responsabilidade tem como ponto de partida um atributo do agente, e não necessariamente de um projeto de estabelecimento de fins, sejam eles particulares ou sociais, como de resto acontece, por exemplo, com a propriedade e sua função social, para citar apenas um, entre outros tantos exemplos” (HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Responsabilidade Pressuposta. Belo Horizonte : Del Rey, 2005, p. 76).

[186]  BARROSO, Lucas Abreu. Novas Fronteiras da Obrigação de Indenizar e da Determinação da Responsabilidade Civil. In Novo Código Civil - Questões Controvertidas: Responsabilidade Civil. Série Grandes Temas de Direito Privado. Vol. 5. DELGADO, Mário Luiz; ALVES, Jones Figueirêdo (coordenadores). São Paulo : Método, 2006, p. 367.

[187]  VINEY, Geneviève. As Tendências Atuais do Direito da Responsabilidade Civil. In Direito Civil Contemporâneo: Novos Problemas à Luz da Legalidade Constitucional: Anais do Congresso Internacional de Direito Civil-Constitucional da Cidade do Rio de Janeiro. TEPEDINO, Gustavo (organizador). São Paulo : Atlas, 2008, p. 51.

[188]  FACHIN, Luiz Edson. A Construção do Direito Privado Contemporâneo na Experiência Crítico-Doutrinária Brasileira a Partir do Catálogo Mínimo para o Direito Civil-Constitucional no Brasil. In Direito Civil Contemporâneo: Novos Problemas à Luz da Legalidade Constitucional: Anais do Congresso Internacional de Direito Civil-Constitucional da Cidade do Rio de Janeiro. TEPEDINO, Gustavo (organizador). São Paulo : Atlas, 2008, p. 17.