Resolução TSE nº 22.610/2007 - Análise sob o aspecto constitucional


Pormarina.cordeiro- Postado em 21 maio 2012

Autores: 
SOUSA, Marllon

SUMÁRIO:INTRODUÇÃO .A ATUAÇÃO DA JUSTIÇA ELEITORAL .O PODER REGULAMENTAR DO TSE VERSUS A COMPTÊNCIA LEGISLATIVA EM MATÉRIA ELEITORAL.O PODER REGULAMENTAR DO TSE E A FIGURA DO LEGISLADOR NEGATIVO.A LINHA DE PENSAMENTO ADOTADA NOS JULGAMENTOS DOS TRE´´s QUANTO À CONSTITUCIONALIDADE DA RESOLUÇÃO TSE Nº 22.610/2007.CONCLUSÃO .REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


1 – INTRODUÇÃO

A Carta de 1988 é caracterizada, dentre outros fatores, pela organização das funções estatais, ou poderes, como preferem alguns [01]. Dentro desta divisão temos a Função Judiciária. Tal função ou poder é subdividido em diversos órgãos, cuja competência primária ou originária vem prevista no Texto Maior. Adiante.

Quanto à divisão e distribuição de competências da Justiça Eleitoral, a Constituição previu o seu substrato básico a partir do art. 117. Dentre os vários órgãos desta justiça especializada é encontrado o Tribunal Superior Eleitoral que exerce as funções de instituição máxima em se tratando de matéria eleitoral.

Como não poderia deixar de ser, a Constituição não desce às minúcias a respeito de todas as matérias atinentes ao mister da Justiça Eleitoral, devendo a legislação infraconstitucional disciplinar a respeito. E assim o fez o Código Eleitoral (Lei nº 4737/65).

Dentro dos deveres da Justiça Eleitoral, pode-se afirmar, com a mais completa convicção, que a sua principal atribuição é cuidar do processo eleitoral [02]. Este compreende diversas fases, delimitadas, em seu início, pela formação do colégio eleitoral, através do alistamento, e, a final, pela diplomação dos eleitos. Chega-se a esta conclusão a partir de uma análise tópica do Código Eleitoral que, após disciplinar a divisão e competência dos órgãos componentes da Justiça Eleitoral, passa a estabelecer as normas do alistamento e do processo eleitoral em sentido restrito, culminando com a diplomação dos eleitos. Mas lembre-se, desde já, que existem exceções a esta regra a serem abordadas em momento oportuno.

 

Seguindo na análise do codex, mais especificamente, no art. 23 encontra-se a distribuição de competência do Tribunal Superior Eleitoral, onde são especificadas as mais diversas matérias cujas atribuições são privativas ao órgão de cúpula da Justiça Eleitoral conhecer e decidir.

Numa leitura inicial do texto do art. 23 do Código Eleitoral é extraída, no inciso IX, a atribuição regulamentar do Tribunal Superior, onde este, através das instruções que entender necessárias, dotará de eficácia e eficiência a legislação eleitoral. Já no inciso XVIII do mesmo artigo 23, o Código atribui ao Tribunal Superior Eleitoral "tomar quaisquer outras providências que julgar convenientes à execução da legislação eleitoral". Esta seria a atribuição regulamentadora suplementar da Justiça Eleitoral.

A partir de tais considerações iniciais, podemos extrair a competência regulamentora do Tribunal Superior Eleitoral em se tratando de matéria administrativa e legislativa, neste último caso, não podendo extrapolar os comandos contidos no diploma legal emanado do poder competente, nos termos do art. 22, I, da Constituição de 1988, qual seja o Congresso Nacional.

Todavia, o Egrégio Tribunal Superior, ao exercer sua função regulamentar, tem extrapolado os limites impostos pela Constituição e pela Legislação ordinária, invadindo e, por via de conseqüência, usurpando competência alheia para legislar em matéria eleitoral, atribuída privativamente ao Congresso Nacional, conforme preceitua o já citado art. 22 da Carta Maior.

Neste trabalho, não se buscará uma exposição exaustiva sobre a disfunção do poder regulamentar utilizado pelo Tribunal Superior Eleitoral. O objetivo deste artigo é tão-somente analisar a malfadada Resolução TSE nº 22.610/2006. Tal texto foi introduzido no ordenamento jurídico visando disciplinar a competência, legitimação e processamento da denominada "Ação Declaratória de Perda de Mandato Eletivo", a ser proposta em virtude da chamada infidelidade partidária.

Posto isto, nos tópicos que se seguem será abordada qual a justiça competente para julgar tal ação, uma vez que a competência da Justiça Eleitoral exaure-se na diplomação dos eleitos. Outra questão, a saber, é se a competência normativa da Justiça Eleitoral lhe permite editar normas gerais, abstratas e heterônomos ou, apenas, regulamentar as leis existentes. Será apreciada, também, de quem é a competência para legislar sobre tal questão.

Por fim, feitas todas análises acima descritas, colacionar-se-ão os entendimentos de alguns dos Tribunais Regionais Eleitorais pátrios sobre a constitucionalidade da Referida resolução, bem como será emitido parecer a respeito da constitucionalidade do texto em análise.


2- A ATUAÇÃO DA JUSTIÇA ELEITORAL

A Justiça Eleitoral, dentro da divisão da Função Judiciária, é tida como ente especializado com competência delimitada pelo Texto Constitucional e minuciosamente regrada no Código Eleitoral e demais diplomas normativos especiais que digam respeito à matéria. Como se trata de órgão de atuação especial é de bom tom ressaltar onde começa e onde termina o trabalho da Justiça Eleitoral.

Não obstante diversas vozes ecoantes dentro dos próprios tribunais regionais eleitorais no sentido de ser a Justiça Eleitoral uma "justiça eminentemente administrativa" discordamos veementemente por motivos simples e básicos: a uma, a Justiça Eleitoral é parcela da Função Judiciária, com campo de atuação delimitado pelo próprio Texto Constitucional de 1988; a duas, pelo fato de que, na visão moderna de separação de poderes [03], não existe a figura de exclusividade de exercício de funções, mas tão-somente a preponderância de uma função sobre as demais, e assim o é tanto no Legislativo (que também pode julgar), do Executivo (que pode legislar através de medida provisória) e o Judiciário (que pratica atos típicos de administrador na organização interna de seu serviço). Endossando tal pensamento, segue o relato de Ilustre Constitucionalista:

Passada esta questão inicial, cumpre delimitar o âmbito de atuação da Justiça Eleitoral para que, desde já, possamos vislumbrar a audácia da famigerada Res. TSE. 22.610/2006.

Os estudiosos do Direito Eleitoral, de um modo geral, delimitam a atuação da Justiça Eleitoral seguindo um "trilho lógico", ou seja, o processo eleitoral, em sentido amplo, tem um início bem definido e um fim específico. Com isto, conforme palavras de Marcos Ramayana [04], podemos dizer que a Justiça Eleitoral começa sua atuação através da tutela da formação do colégio eleitoral, cujo ato inicial é o alistamento, segue à preparação das eleições, realizando-as, mas lembrando que seu mister só se finda com a diplomação dos eleitos.

Mediante tal alegação não queremos dizer em absoluto que o dever da Justiça Eleitoral finda com a diplomação dos eleitos. Isso porque a regra geral comporta duas exceções: uma prevista na Constituição e outra no código eleitoral, quais sejam, a AIME (ação de impugnação ao mandato eletivo, art. 14 §§10 e 11 da CF/88) e o recurso contra a diplomação (art. 262 do Código Eleitoral). As demais ações constitucionais, uma vez utilizadas em matéria eleitoral, necessariamente estarão abarcadas dentro desse interregno entre o alistamento eleitoral e a diplomação dos eleitos.

Feitas tais considerações, passemos à análise da Res. TSE 22.610/07 no que tange ao momento de atuação da Justiça Eleitoral.

O Supremo Tribunal Federal, em 27 de março de 2007, ao julgar Mandados de Segurança impetrados pelo PPS (Partido Popular Socialista), DEM (Democratas) e PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira) [05], definiu que o mandato parlamentar de deputados e vereadores pertencem à agremiação pela qual foram eleitos. A eventual troca de partido político durante a legislatura por parte do parlamentar, excetuadas as hipóteses relevantes configuradoras de justa causa para a desfiliação, caracterizaria ato de infidelidade partidária do mandatário, sendo apto ao interessado argüir tal fato perante o Judiciário na busca da vaga no parlamento. Mas de quem seria a competência para o julgamento de tal medida? Da Justiça Comum Estadual ou Federal? Ou da Justiça Eleitoral?

O art. 2º da Res. TSE 22.610/07 traz em seu texto os seguintes dizeres:

"O Tribunal Superior Eleitoral é competente para processar e julgar pedido relativo a mandato federal; nos demais casos, é competente o tribunal eleitoral do respectivo estado." [06]

Foi dito em linhas anteriores que o papel da justiça eleitoral termina com a diplomação dos eleitos, salvo recurso contra diplomação e a AIME. A Justiça Eleitoral deve fiscalizar o andamento do processo eleitoral assegurando a sua lisura, moralidade e, por via de conseqüência, a garantia de um processo democrático na escolha dos mandatários dos detentores da soberania dentro de um Estado Democrático de Direito. Findo este dever, cabe à Justiça Eleitoral reiniciar os preparativos para o pleito vindouro com as mesmas cautelas anteriormente relatadas para novas futuras eleições e assim sucessivamente.

Atribuir à Justiça Eleitoral o julgamento de uma demanda que envolva uma pessoa jurídica de direito privado e um detentor de cargo político nem de longe esbarra do dever da Justiça Eleitoral. Como fundamentar o que seja fidelidade partidária? Como analisar em processo eleitoral a justa causa para a desfiliação? Como analisar as questões de disciplina e fidelidade partidárias se a agremiação tem seu estatuto registrado no Cartório de Registro das Pessoas Jurídicas, órgão diretamente subordinado ao juízo da justiça comum? Por fim, como perquirir na Justiça Eleitoral sobre questões "internas corporis"?

Quaisquer respostas possíveis às indagações acima propostas esbarram no argumento adstrição de atuação da Justiça Eleitoral, a final, com a diplomação dos eleitos. Qualquer outra exceção a tal regra somente terá guarida pelo nosso ordenamento constitucional piramidal se fundada em norma constitucional ou infraconstitucional com status de Lei Complementar, conforme art. 121, caput, da CF/88.

Como a Res. TSE 22.610/06 não é norma constitucional muito menos norma com status de Lei Complementar, somos da posição de que a mesma jamais poderia ter ampliado a competência dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Tribunal Superior Eleitoral.


3 – PODER REGULAMENTAR DA JUSTIÇA ELEITORAL

No início deste estudo tratamos, preliminarmente, da questão da competência regulamentar da Eleitoral. Neste tópico, a meta será confrontar a competência legislativa em matéria eleitoral frente ao poder regulamentar ou normativo concedido à Justiça Eleitoral, mais especificamente ao Tribunal Superior Eleitoral.

Numa leitura simples do art. 22, I, da Constituição da 1988, extrai-se que a competência para legislar sobre Direito Eleitoral, Direito Processual, Direito Penal, dentre outros, é privativa da União. Assim, interpretando tal mandamento chegamos à conclusão de ser atribuição exclusiva do Congresso Nacional, através das diversas espécies normativas primárias de sua alçada, previstas no art. 59 do Texto Maior, disciplinar as matérias reitoras do Direito Eleitoral, tanto em âmbito material quanto processual.

A Lei Federal 4.737/65 (Código Eleitoral) é o diploma normativo básico do Direito Eleitoral. Antes de qualquer coisa, ressaltamos que tal codex foi recepcionado pela atual ordem constitucional vigente com "status" de lei complementar, após interpretar-se o art. 121 da Constituição Federal. Ressaltamos, ainda, a existência de outras leis eleitorais de suma importância no trato do Direito Eleitoral, como a Lei Federal nº 9.504/97 (lei das eleições), Lei Federal nº 9.096/95 ("Lei dos Partidos Políticos") e a Lei Complementar nº 64/90 (Lei das inelegibilidades).

A lei supracitada, dentre outros temas, organiza o Tribunal Superior Eleitoral e esmiúça sua competência. Esta vem prevista de forma detalhada no art. 23 do Código Eleitoral. Em termos de importância ao nosso estudo, salta aos olhos os inciso IX, do art. 23, CE.

Seu texto é o seguinte:

"Art. 23 Compete, ainda, privativamente, ao Tribunal Superior Eleitoral:

. .. IX – expedir instruções que julgar convenientes à execução deste Código;"

A partir de tais dizeres, extraímos o fundamento de validade do poder regulamentar do Tribunal Superior Eleitoral. Porém, é preciso atentar que a determinação contida na citação retro diz respeito ao poder de regulamentar o Código Eleitoral. Assim, tal norma dá margem a uma interpretação literal e a outra sistemática, a qual nos parece a mais adequada. Pela lógica literal, o TSE teria seu poder regulamentar adstrito ao Código Eleitoral, não podendo afastar-se das normas nele expressamente previstas. Por sua vez, uma interpretação sistêmica e mais atualizada inclina-nos a entender que o Poder Regulamentar do Tribunal Superior Eleitoral não está adstrito ao Código Eleitoral. Dele apenas é retirado seu substrato de validade como normal geral que é. O poder regulamentar extraído do Código Eleitoral estende-se a toda e qualquer lei eleitoral. Repisando: TODA E QUALQUER LEI ELEITORAL.

Feitas estas considerações, vem a indagação: Qual diploma normativo é regulamentado pela Res. TSE 22.610/07? O Código Eleitoral? Em qual dispositivo? Seria a Lei dos Partidos Políticos? Ou a Lei das Eleições?

Ao nosso ver, a resposta a todas estas indagações é negativa. Não conseguimos vislumbrar na Res. TSE. 22.610/07 qualquer resquício regulamentar de legislação preexistente. Existe sim em tal diploma, se assim possamos chamá-lo, verdadeiro caráter autônomo. Explico melhor.

A malfadada Resolução aumentou a competência da Justiça Eleitoral através de procedimento estranho ao devido processo legislativo constitucional. Isso ao arrepio da Constituição. Lembramos ao leitor, não raras as vezes, que o Supremo Tribunal Federal, guardião maior da Constituição, julgou que a competência de Tribunal Superior somente pode ser alterada através de norma formal e materialmente adequada ao devido processo legislativo [07].

Além disso, como se não bastasse a inovação da competência da Justiça Eleitoral por meio de Resolução sem Lei, o TSE literalmente criou uma nova ação com processo e rito próprios, como bem se observa pela leitura dos art’s 3º a 10 da Res. TSE 22.610/07.

Posto isto, vemos a patente crise de regulamentação causada pelo TSE ao editar uma resolução veementemente inconstitucional.


4 – O PODER REGULAMENTAR DO TSE E O MITO DO LEGISLADOR NEGATIVO

Já na Grécia Antiga, Aristóteles foi o precursor da Separação de poderes, na famosa obra intitulada "A Política" [08]. Mais tarde, tal pensamento ganhou força nas palavras de John Locke, havendo, porém, sido o debate restrito à dicotomia em ter legislativo e judiciário. Somente mais tarde, com Montesquieu, em seu magnífico trabalho "Do Espírito das Leis" [09] foi, pela primeira vez, tratada a tripartição dos poderes estatais entre Legislativo, Administrativo e Judiciário.

Lembramos que nesse primeiro momento de estudo as funções eram estanques, sem pontos de convergência. Todavia, com as novas concepções advindas do pós Segunda Guerra Mundial, culminado com os fenômenos do Pós-positivismo Jurídico e do Neoconstitucionalismo a tripartição de poderes passou a ser reinterpretada de modo que as funções a serem desempenhadas pelos poderes Legislativos, Executivo e Judiciário tornaram-se funções preponderantes e não exclusivas.

Considerando, então, a evolução do pensamento jurídico, conforme acima explicitado, podemos citar o exemplo do Legislativo, ao qual foi atribuída a função preponderante de editar diplomas normativos, heterônomos e abstratos a fim de estruturar o ordenamento jurídico estatal. Como função atípica deste Poder cite-se a atribuição para processar e julgar o Presidente da República em caso da ocorrência, em tese, de crime de responsabilidade (art’s. 51, I e 52, I, ambos da CF/88).

Por sua vez, o Poder Judiciário foi incumbido da função de julgar a pretensões que lhe são dirigidas, aplicando as leis constantes do ordenamento jurídico aos casos postos, prestando a tutela jurídica adequada a que detenha uma posição jurídica de vantagem, bem como também, ainda o dever de ser o guardião da observância da Constituição e das demais normas infraconstitucionais.

Como função atípica e secundária, foi conferido a Poder Judiciário o poder regulamentar ou normativo. Através dessa atribuição, há a necessidade de se editar diplomas infralegais para possibilitar a concreta fruição de direitos. Citem-se como exemplos as Resoluções do Tribunal Superior Eleitoral, nº 22.717/08 e nº 22.718/08 sobre registro de candidatura e propaganda político-partidária para as eleições de 2008, respectivamente. Tais resoluções vêm a regulamentar o texto contido na Lei nº 9.504/97 a fim de possibilitar o concreto exercício da capacidade eleitoral passiva, bem como a livre propagação dos ideais partidários e dos candidatos, nos termos previstos no ordenamento.

Lembramos que tal função regulamentar e atípica não se confunde com a função típica e primária do chamado "legislador negativo". Explicamos melhor. O ordenamento jurídico pátrio adota a estrutura piramidal ou escalonada das normas, segundo a qual no ápice do sistema encontramos uma norma fundamental. Tal esquema segue, não "ipsis literis", mas com grande proximidade o modelo proposto por Hans Kelsen [10]. Assim, nosso ordenamento jurídico tem a Constituição Federal como vértice máximo do sistema normativo, do qual todas as normas retiram seu substrato de validade. Aqui temos o princípio constitucional lapidar da supremacia da constituição [11].

Com isto temos que qualquer norma presente no ordenamento jurídico destoante da constituição federal deve passar pelo crivo do controle de constitucionalidade das normas a ser feito, incidentalmente ou diretamente, via difusa ou concentrada. Neste último caso, verificada a incompatibilidade da norma com a Constituição, bem como não seja possível aplicar-se a técnica da declaração de inconstitucionalidade com ou sem redução de texto, o Supremo Tribunal Federal, guardião da Carta Magna, expurgará a norma maculada do ordenamento jurídico. Em tal julgamento o Poder Judiciário exerce a figura do chamado "legislador negativo", pois a partir da decisão final, em controle concentrado de constitucionalidade, a norma eivada de vício formal ou material é retirada definitivamente do ordenamento jurídico, como se nunca tivesse existido.

Feita a elucidação sobre a função regulamentar atípica exercida pelo Judiciário e, também, explicitado o mister do "legislador negativo", cumpre analisar onde se encaixa, se é que se encaixa em algum lugar, a Resolução TSE nº 22.610/07.

Pois bem. A Resolução em xeque regulamenta alguma lei? Ela foi editada como resposta a um julgamento advindo em controle abstrato de constitucionalidade para retirar uma norma inconstitucional do ordenamento jurídico? Há alguma norma constitucional ou legal que referende o argumento do Tribunal Superior Eleitoral sobre a força vinculante de suas resoluções?

Ao nosso ver a resposta para todas as indagações é negativa, pois a Resolução TSE nº 22.610/07 não tem qualquer amparo legal, configurando-se diploma dotado de normatividade e abstratividade próprios de lei, elaborada ao arrepio do devido processo legislativo constitucional. Tal resolução foi elaborada mediante usurpação do mister legislativo, atribuído, no caso, ao Congresso Nacional. Por fim, a alegação que ser a resolução constitucional por haver regulamentado a decisão do Supremo Tribunal Federal, no julgamento proferido ao 27 de março do ano de 2007, chega a ser simplória, haja vista não se poder regulamentar uma decisão judicial. O regulamento é um ato acessório de lei. E esta é somente pode ser elaborada pelo poder competente no uso de sua função essencial, ou seja, a atribuição para regulamentar a questão é do Congresso Nacional. Somente depois de exaurida a competência legislativa poderia o Tribunal Superior Eleitoral falar em poder regulamentar, nos termos do art. 23, IX, do Código Eleitoral.

 

5 – A LINHA DE PENSAMENTO ADOTADA NOS TRE´´s A RESPEITO DA CONSTITUCIONALIDADE DA RESLUÇÃO 22.610/07

Ao contrário do entendimento esposado neste trabalho, os Tribunais Regionais Eleitorais vêm sistematicamente, de maneira difusa, afastando as alegações de inconstitucionalidade formal e material da Resolução TSE nº 22.610/07, conforme julgados colacionados abaixo do TRE-AL, TRE-RJ e TRE-SE, respectivamente:

ACÓRDÃO 4917 MACEIÓ - AL 11/03/2008 Relator(a) ANA FLORINDA MENDONÇA DA SILVA DANTAS Relator(a) designado(a) Publicação - DOE - Diário Oficial do Estado, Data 13/03/2008, Página 54/56 – Ementa:PEDIDO DE DECRETAÇÃO DE PERDA DE CARGO ELETIVO. DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA. REPRESENTANTE ELEITO PARA O EXERCÍCIO DO MANDATO DE VEREADOR. TROCA DE LEGENDA OPERADA APÓS 27.03.2007 (CONSULTA Nº 1398/TSE). PRELIMINARES DE INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA, IMPOSSIBILIDADE DE FORMAÇÃO DE LITISCONSÓRCIO PASSIVO E INCONSTITUCIONALIDADE DA RESOLUÇÃO TSE Nº 22.610 REJEITADAS. DEMOCRATAS. NOVA DENOMINAÇÃO DO PFL. GRAVE DISCRIMINAÇÃO PESSOAL. AUSÊNCIA DE DIREITO SUBJETIVO DE SER ESCOLHIDO EM FUTURA CONVENÇÃO PARTIDÁRIA. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. SUPLÊNCIA DA COLIGAÇÃO. ASSUNÇÃO DO MANDATO PELA ORDEM DE SUPLÊNCIA DA COLIGAÇÃO. PEDIDO JULGADO PROCEDENTE EM PARTE. DECISÃO UNÂNIME.

ACÓRDÃO 34.593 CACHOEIRAS DE MACACU - RJ 03/07/2008 Relator(a) MARCIO ANDRE MENDES COSTA Relator(a) designado(a) Publicação

DOERJ - Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro, Volume III, Tomo II, Data 09/07/2008, Página 04

Ementa

ELEIÇÕES 2004. MANDATO ELETIVO. VEREADOR. QUESTÃO DE ORDEM. CONSTITUCIONALIDADE. LEGITIMIDADE. DIRETÓRIO MUNICIPAL. DIVERGÊNCIAS POLÍTICAS. JUSTA CAUSA. AUSÊNCIA. DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA IMOTIVADA.

- Pedido que visa à perda de mandato eletivo em razão de desfiliação partidária sem justa causa.

- Não acolhida a questão de ordem suscitada, diante da presunção de constitucionalidade da Resolução TSE nº 22.610/07. Refutada a preliminar de inconstitucionalidade da Resolução TSE nº 22.610/07, vez que tal ato normativo se deu em observância às decisões do Supremo Tribunal Federal que foram no sentido de ser possível a perda de cargo eletivo em razão de desfiliação sem justa causa.

 

- Legitimidade dos diretórios municipais de partidos políticos para pleitear, perante os Tribunais Regionais Eleitorais, a decretação de perda de mandato por infidelidade. Precedente do Tribunal Superior Eleitoral.

- Existência de divergências políticas no âmbito do órgão partidário a nível municipal. Não configurada qualquer das hipóteses de justa causa que justifiquem a mudança do vínculo partidário (artigo 1º, § 1º, da Resolução TSE nº 22.610/07).

ACÓRDÃO 155/2008 ARACAJU - SE 20/05/2008 Relator(a) JOSÉ ALVES NETO Relator(a) designado(a) Publicação

DJ - Diário de justiça, Data 04/06/2008, Página 20

Ementa :RESOLUÇÃO-TSE nº 22.610/2007. PRELIMINAR. ALEGAÇÃO DE INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ELEITORAL. REJEITADA. COMPETÊNCIA ATRIBUÍDA EXPRESSAMENTE PELA RESOLUÇÃO-TSE Nº 22.610/2007 AO TSE E AOS TRE´´S. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM PARA DECRETAÇÃO DE PERDA DE MANDATO ELETIVO EM CASOS OUTROS, APÓS A DIPLOMAÇÃO, QUE NÃO ENVOLVEM DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA. MÉRITO. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. ART. 330 DO CPC. PREJUDICIAL. INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE. REJEIÇÃO. RESOLUÇÃO QUE SE COADUNA COM OS PRINCÍPOIS E REGRAS CONSTITUCIONAIS. QUESTÃO PRINCIPAL. MANDATÁRIO ELEITO PARA O CARGO DE VEREADOR PELO PT DO B. DESFILIAÇÃO E REFILIAÇÃO AO MESMO PARTIDO EM EXÍGUO LAPSO TEMPORAL DE 23 DIAS. NÃO CONFIGURAÇÃO DE MIGRAÇÃO PARTIDÁRIA. NÃO OFENSIVIDADE AOS POSTULADOS DA DEMOCRACIA REPRESENTATIVA E DA REPRESENTATIVIDADE PARTIDÁRIA. VAGA QUE SE CONSERVA NA TITULARIDADE DO PARTIDO. INOCORRÊNCIA NA HIPÓTESE DE INFIDELIDADE PARTIDÁRIA. NÃO INCIDÊNCIA DA CONDENAÇÃO DISPOSTA NO ART. 10 DA RESOLUÇÃO. IMPROCEDÊNCIA DO PLEITO MINISTERIAL.


6 – CONCLUSÃO

Ultrapassada a fase introdutória e expositiva do presente trabalho cumpre-nos, neste momento expor a conclusão à qual chegamos. Pois bem.

Restou claro e demonstrado nos capítulos que sucederam a este desfecho o âmbito de delimitação de atuação da Justiça Eleitoral, qual seja, inicia-se com a formação do colégio eleitoral, através do alistamento, findando com a diplomação dos eleitos. As únicas duas exceções a tais limites estão expressamente prevista no texto da Constituição nos art’s 14, §§ 10 e 11 (Ação de Impugnação ao Mandato Eletivo) e 121, § 4º, III, in fine, art. 262, Código Eleitoral (recurso contra a diplomação).

Noutro giro, foi comprovado que o poder regulamentar do Tribunal Superior Eleitoral, atribuído pelo Código Eleitoral, não torna aquele órgão auto-suficiente em relação ao Poder Legislativo, não lhe sendo autorizado legislar autonomamente, mas tão-somente para regulamentar as matérias que lhe sejam afetas, após a competente edição de norma elaborada de acordo com o devido processo legislativo constitucional, conforme determinação dos art’ s 59 a 59 da Constituição Federal.

Cristalino, ainda, o fato de não ser competência da Justiça Eleitoral para definir sobre a perda de mandato parlamentar em virtude de infidelidade partidária por se tratar de questão eminentemente "interna corporis", sendo tal competência da Justiça Comum (Federal ou Estudual), mérito ao qual o presente artigo não se imiscui.

Adiante. Ao editar a Resolução 22.610/07 o Tribunal Superior Eleitoral invadiu a esfera de atribuição privativa do Poder Legislativo, conforme interpretação dos art’s 2º e 22, I, da Constituição de 1988, pois a competência para legislar sobre direito eleitoral e processual é da União, a ser exercida no caso pelo Congresso Nacional.

Lembramos, ainda, o fato de ser lícito ao Judiciário atuar como o chamado "legislador negativo", mas tal fato somente quando julgar em tese a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo fazendo o uso da denominada técnica de interpretação conforme a Constituição, com ou sem a redução de texto.

Feitas todas estas considerações, a vertente que este autor adota é da total e completa inconstitucionalidade da Resolução TSE nº 22.610/07, devido ao vício formal (objetivo – por não atender ao procedimento estabelecido na CF/88, bem como subjetivo – por não ter o TSE a legitimidade deflagradora do processo legislativo na presente hipótese), bem como material (posto ter havido a invasão de matéria legislativa privativa da União, nos termos do art. 22, I, CF/88).

Ressalto não ser oponente ao processamento e julgamento de ação desta natureza pela Justiça Eleitoral, desde que seja devidamente regulamentada a matéria por meio lei em sentido estrito (uma das espécies legislativas delimitadas pela Constituição Federal), e não de forma abrupta, tal como vem agindo o Tribunal Superior Eleitoral no uso, nestes casos, indevido, de suas atribuições.

A Constituição, sendo a norma máxima da nossa estrutura jurídica, não foi elaborada para ser apenas um emaranhado de dispositivos sem eficácia, reduzindo-se a um nada jurídico. Pelo contrário.

Conforme determina o art. 1º de nosso Texto Maior, a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito, onde o próprio poder Estatal deve respeitar as normas postas, bem como o devido processo legislativo, sob pena de tornarmos a Constituição um diploma semântico, mero instrumento de sufocação dos cidadãos do Estado, estendendo-se este dever de respeito às normas (entendidas por estas as regras e princípios, seguindo o pensamento pós-positivista) a todas as funções ou poderes estatais, no qual está inserido o Poder Judiciário, bem como o Tribunal Superior Eleitoral.


7 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

RAMAYANA, Marcos. Curso de Direito Eleitoral. Rio de Janeiro, Impetus, 2008;

RAMAYANA, Marcos. Resumo de Direito Eleitoral. Rio de Janeiro, Impetus, 2008;

PINTO, Djalma. Direito Eleitoral: improbidade administrativa e responsabilidade fiscal – noções gerais. - 3ª ed. – São Paulo: Atlas, 2006;

Vade Mecum Saraiva / obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a Colaboração de Antonio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes. 2 ed. Atual. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2006;

PAULO, Vicente. Controle de Constitucionalidade / Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino. 4. ed. – Rio de Janeiro, RJ: Impetus, 2006.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 10 ed. rev. ampli. e atual. – São Paulo: Ed. Método. 2006;

DE OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal. 8 ed. Editora Lúmen Iuris, Rio de Janeiro, 2007;

NOVELINO, Marcelo. Teoria da Constituição e Controle de Constitucionalidade. Salvador, Editora jus Podivm, 2008;

BARROSO, Luís Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. 2 ed. rev. Atual. 4ª tiragem. Editora Saraiva. São Paulo. 2007;

GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral, 2 ed. Rev. Atual. Ampl. Belo Horizonte, Editora Del Rey, 2008.

Código Eleitoral Anotado e Legislação Complementar, TSE, Vol. 2, 3ª edição, revista e atualizada. Brasília, 2008.


Notas

  1. Lenza, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado, pág. 221-223.
  2. Ramayana, Marcos. Direito Eleitoral, pág. 27.
  3. Lenza, Pedro. Obra Citada.
  4. Ramayana, Marcos. Obra Citada.
  5. MS. 26602/DF. Rel. Min. Eros Grau, 03 e 04/10/07; MS. 26603/DF. Rel. Min. Celso de Mello, 03 e 04/10/07; MS. 26604/DF. Rel. Min. Carmen Lúcia, 03 e 04/10/2007
  6. Código Eleitoral Anota, TSE, Vol. 2, pág 261, 3ª edição, revista e atualizada. Brasília, 2008.
  7. ADI 2797 e 2860. Rel. Min. Sepúlveda Pertence, citado por Eugênio Pacelli de Oliveira em Curso de Processo Penal, ed. Lúmen Iuris.
  8. Lenza, Pedro.
  9. Lenza, Pedro.
  10. Kelsen, Hans citado por Marcelo Novelino. Teoria da Constituição e Controle de Constitucionalidade
  11. Novelino, Marcelo. Teoria da Constituição e Controle de Constitucionalidade, p.114.

Nota de Atualização do Autor:

 

Quando do término do presente artigo, ainda não havia sido julgada definitivamente a questão da consitucionalidade da dita Resolução por parte do STF. Não obstante, a posição adotada no artigo em nada se altera após decisão da Suprema Corte a respeito do tema versado, havendo ainda o acatamento do autor à tese minoritária adotada pelo Excelentíssimo Ministro Eros Grau.