Reprodução assistida post mortem e seus aspectos sucessórios


Porbarbara_montibeller- Postado em 17 maio 2012

Autores: 
COCO, Bruna Amarijo.

Resumo: O advento das técnicas de reprodução assistida trouxe, além de um inegável avanço tecnológico no campo das ciências humanas, uma série de questionamentos e discussões jurídicas e éticas acerca de suas conseqüências no campo social. Em matéria sucessória, questiona-se a possibilidade jurídica do embrião implantado após a morte do pai, dispor de direitos hereditários. Por um lado, o Código Civil de 2002, em matéria de Direito de Família, admite a presunção de paternidade decorrente da inseminação artificial. Por outro, em matéria de Direito Sucessório, há total omissão do legislador no sentido de atribuir herança a alguém que no momento da morte do pai, não possuía legitimação sucessória segundo a dogmática clássica, surgindo, assim, uma lacuna que necessita ser colmatada.

Palavras – chave: Reprodução assistida. Filiação. Direito sucessório. Bioética. Inseminação artificial.

Sumário: Introdução. 1. A filiação e seus efeitos jurídicos. 1.1. Princípio da Igualdade Jurídica entre os Filhos. 1.2. Espécies de Filiação: civil e socioafetiva. 2. Reprodução Assistida: Conceito e legislação. 2.1. A reprodução assistida homóloga e heteróloga no Código Civil de 2002: seus aspectos jurídicos.  3. Inseminação Artificial Homóloga post mortem.  3.1.  Aspectos bioéticos e jurídicos decorrentes da reprodução assistida post mortem. 3.2. Aspectos sucessórios frente à inseminação post mortem. 3.3. Da necessidade de delimitação do conceito jurídico de concepção.  4.  O caso “Affair Parpalaix” e o Direito Comparado.  5.  Considerações Finais.  6. Referências.


INTRODUÇÃO

Diante de inúmeros avanços nos campos da medicina e da biotecnologia, as disciplinas jurídicas cada vez mais necessitam de modificações e, no caso em questão, de regulamentação. Isto porque é notável que o Direito dificilmente acompanhe as constantes mudanças das relações sociais, tornando cristalina a necessidade de se extirpar esse descompasso entre os avanços tecnológicos e a legislação civil, já que esta não oferece parâmetros para uma justa solução dos problemas daí emergidos.

No que tange às relações de parentesco e, conseqüentemente, à questão sucessória, tema bastante polêmico se dá no campo das técnicas de reprodução assistida. Estas, de finalidade indiscutível, viabilizam o propósito de procriação e a efetivação do planejamento familiar, ditame constitucional consagrado no artigo 226, parágrafo 7º, para muitos casais que, devido a problemas de infertilidade, não conseguem atingir de maneira natural o desejo de ter filhos.[1]

Temática intrincada diz respeito à questão da criopreservação de embriões para uma utilização futura. Nesse caso, possibilita-se a fecundação mesmo após a morte do doador. Esta técnica, sem dúvida, repercute juridicamente, visto que gera um manancial de questionamentos acerca da possibilidade de se atribuir direitos de filiação e sucessórios ao inseminado artificialmente. Trata-se, portanto, de celeuma gerada pela referida inseminação artificial post mortem, tema este a ser discutido em suas diversas nuances no presente artigo.

O Código Civil de 2002 (CC) foi sucinto ao tratar das técnicas de reprodução assistida e suas implicações jurídicas. Ateve-se somente ao disposto no artigo 1.597, no qual há uma presunção de paternidade, nos casos ali descritos em que o marido ou, por extensão, o companheiro consente nesta forma de reprodução em sua esposa ou companheira.[2] Entretanto, é óbvio que o arcabouço de discussões sobre o tema é extremamente amplo, perpassando inclusive por questões bioéticas, religiosas, filosóficas e morais. O direito brasileiro não oferece uma solução jurídica adequada, pois ainda hoje não há legislação específica sobre o tema, apesar de, tramitarem diversos Projetos de Lei que disciplinam e regulamentam os efeitos das técnicas de reprodução assistida, diferentemente de outros ordenamentos que ou proíbem a utilização do embrião post mortem ou fixam limites precisos para tal implantação.[3]

Para que haja uma melhor compreensão do tema proposto por este artigo, mister se faz, num primeiro momento, analisar a questão jurídica da filiação e seus desdobramentos, tendo como pano de fundo  o princípio da igualdade entre os filhos e as diversas espécies de filiação. A partir desse ponto, cabe a conceituação da reprodução medicamente assistida, demonstrando suas diferentes técnicas e a regulamentação legislativa concernente ao tema. Num terceiro momento, será dado enfoque à inseminação artificial homóloga, posto que esta, quando realizada post mortem, gera uma série de questionamentos sobre sua validade e eficácia no mundo jurídico, trazendo à baila questão tormentosa quando do enfrentamento das questões sucessórias.

A título de ilustração, ressalta-se a importância da análise do caso “Affair Parpallaix”, como marco inicial das discussões acerca do tema proposto, abordando, inclusive, os posicionamentos acerca da inseminação post mortem em diversos países, e suas repercussões jurídicas nos campos do Direito de família e das Sucessões. E mais, há a necessidade de se rever o conceito jurídico de concepção, diante dos avanços das ciências biomédicas, desde o Código de 1916 até os dias atuais. Será que o conceito de concepção não se alterou profundamente nas últimas décadas? O que o Direito considera como concepção?

Em razão da deficiência legislativa e dos diferentes posicionamentos acerca do tema, este trabalho apresentará a doutrina, os posicionamentos éticos estabelecidos pelo Conselho Federal de Medicina, os projetos de lei e o direito comparado como base para as considerações que serão expostas.


1. A FILIAÇÃO E SEUS ASPECTOS JURÍDICOS

Decerto que os conceitos jurídicos de filiação e de família passaram por intensa mutação em decorrência da dinâmica das relações sociais e das intervenções tecnológicas no campo das ciências, restando cristalino a desbiologização da filiação e a concepção de uma paternidade socioafetiva.

A acepção jurídica de entidade familiar compreendida pelo Código Civil de 1916 era de cunho patriarcal, contemplando-se a “família-instituição” diretamente ligada ao casamento, refletindo fielmente o meio social que regulava. Desta feita, o Código de 1916, a exemplo do modelo romano, definia o casamento como única forma legítima de constituição familiar e, por conseqüência desta premissa, considerava os filhos havidos fora do casamento como ilegítimos. O pátrio poder, neste caso, era considerado direito subjetivo e exclusivo do homem, cabendo a ele a condução do destino de sua família, não restando à mulher qualquer ingerência sobre seu núcleo familiar. Assim, a garantia da estrutura familiar se dava pela observância tanto da necessidade de se estabelecer um casamento indissolúvel como no modelo de legitimidade dos filhos, pautado na expressa proibição de reconhecimento dos concebidos extramatrimoniais e na presunção pater is est.

Inegável que a Constituição Federal de 1988, ao estabelecer o Princípio da Igualdade entre os filhos, provocou uma intensa modificação no Direito de Família, no que tange ao estabelecimento de filiação. Assim sendo, acabou por cristalizar no ordenamento jurídico uma alteração de valores nas relações familiares, que influenciou na determinação de uma nova paternidade, pautada, não só no critério biológico como também, no critério afetivo. Neste cenário, não é mais permitida qualquer discriminação que outrora vigorava, denotando uma igualdade de direitos e deveres a todos os filhos, independentemente da forma de estabelecimento da filiação.

Reflexo do movimento constitucionalista de 1988, o novo Código Civil de 2002, especialmente no que tange o estabelecimento de filiação, trouxe, em seu bojo, a presunção de paternidade dos filhos havidos por meio de técnica de reprodução assistida, constituindo uma inovação em face ao direito anterior que, naturalmente, não contemplou tais situações.

1.1.PRINCÍPIO DA IGUALDADE ENTRE OS FILHOS

Consagrada constitucionalmente a igualdade entre os filhos, nos termos do art. 227, § 6º da Constituição Federal: “os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”, não há como admitir que legislação infraconstitucional limite qualquer direito do filho concebido artificialmente, ainda que após a morte de seu genitor. Percebe-se que, o próprio Código Civil de 2002 não traz limitação expressa à possibilidade de concessão de direitos sucessórios aos concebidos artificialmente. Se por um lado, o CC/02 no Direito de Família atribui a presunção de filiação ao concebido post mortem, por outro, no Direito das Sucessões, não há uma proibição e sim, há uma omissão, uma lacuna que necessita ser suprida.

Corroborando este entendimento, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em seu art. 20, estabelece que “os filhos, havidos ou não da relação do casamento ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”. Nesta linha acrescenta Maria Claudia Crespo Brauner (2009, p.30) “o reconhecimento do estado de filiação é direito igualmente do filho natural, do adotado e daquele concebido com o uso de técnica de reprodução assistida.”

É neste ponto que surge o impasse: para o Direito de Família, não restará dúvidas que será considerado filho – e assim será atestado no Registro Civil – aquele ser nascido com vida, resultante de inseminação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido; se é considerado filho, como negar-lhe a herança, diante, “in casu”, da inocorrência da prescrição dos direitos hereditários?

Imagine-se um casal que já possua um filho e tenha desejado a paternidade e a maternidade mais uma vez, recorrendo, contudo, à concepção em laboratório com o material genético de ambos por conta de dificuldades de conceber por métodos naturais, com autorização prévia, expressa e por escrito de ambos e, marcado o procedimento para o implante do embrião no útero da mulher, o marido vem a falecer na semana anterior. Imagine-se, ainda, que a mulher tome a decisão de prosseguir com a fecundação artificial, nascendo o segundo filho do casal um ano e meio após a morte do marido. Neste caso, seria justo e equitativo que a herança do pai morto seja somente deferida ao filho primogênito ou repartida entre esse e a cônjuge sobrevivente que atende os requisitos legais da concorrência? Não haveria “in casu” ofensa ao princípio da igualdade jurídica entre filhos? “Por um acaso, se o mesmo casal ao invés de recorrer à procriação assistida tivesse recorrido à adoção, o filho adotado “post mortem”, ou seja, quando o adotante vem a falecer no curso do processo judicial de adoção, caso que a mesma “terá força retroativa à data do óbito” (CC/02, art. 1.628) perderia o direito à herança?

À luz da proteção integral e do melhor interesse da criança, não haveria como se negar de maneira ampla e irrestrita todos os efeitos decorrentes da filiação, inclusive os sucessórios. A questão, entretanto, se desloca para outro ponto: o de se estabelecer limites temporais ao implante de embriões excedentários, principalmente em nome da segurança jurídica.

1.2. ESPÉCIES DE FILIAÇÃO: BIOLÓGICA E CIVIL OU SOCIOAFETIVA

Para que se possa definir o direito à filiação, deve-se ter em mente que, atualmente, tanto a lei, como a doutrina e a jurisprudência consagram, além da filiação biológica e jurídica, a filiação civil ou socioafetiva. É justamente nessa ótica que o caráter biológico da  filiação cede espaço também à afetividade, estendendo-se, dessa forma, o direito de igualdade à filiação adotiva, à “adoção à brasileira”, aos filhos de criação e àqueles gerados por meio de técnicas de reprodução assistida, por força da proibição a qualquer tipo de discriminação ou diferenciação no que toca à prole.

A filiação jurídica, portanto, pode ser biológica, tendo como origem a consangüinidade, estabelecida pelos laços de sangue entre pais e filhos. Já a filiação socioafetiva é compreendida como aquela relação jurídica de afeto, sem que haja um vínculo biológico, com ou sem sentença judicial, partindo da mera opção dos pais em criarem o filho, perfazendo-se numa construção afetiva permanente, na convivência e na responsabilidade de criação daquela criança.

A esse respeito, a seguinte lição de Mário Aguiar Moura (1987 p. 32-33):

A paternidade em si não é um fato da natureza, mas um fato cultural. Embora a coabitação sexual de que possa resultar a gravidez seja fonte de responsabilidade civil, a paternidade, enquanto tal, só nasce de decisão espontânea. Tanto no registro histórico, como no tendencial, a paternidade reside antes no serviço e no amor que na procriação.

Na reprodução medicamente assistida heteróloga, consideram-se pai/ mãe jurídicos aqueles indivíduos que não forneceram o material genético, mas consentiram expressamente na realização da fecundação utilizando material do parceiro e de terceiro doador, ou para que fosse possível a procriação do casal. É de se observar, que o próprio Código Civil de 2002, em seu art. 1.593 ampliou, diante das constantes mudanças sociais e científicas, outras possibilidades ao constatar de forma genérica a constituição de parentesco por outra origem, incluindo assim, o reconhecimento da filiação em razão da posse do estado de filho.[4]

Partindo dessas premissas, é de se considerar que a atribuição da filiação ao concebido por meio de qualquer das técnicas artificiais de reprodução, deve ser observado tanto do aspecto biológico quanto do socioafetivo. Porquanto, aquele pai socioafetivo, seja o marido ou companheiro da mãe desejou junto com esta, que a criança fosse gerada por meio das técnicas de reprodução assistida, independente da forma, utilizando-se seu material genético ou não, se comprometendo a prover-lhe todas as condições necessárias para um desenvolvimento saudável, consagrando o disposto no art. 227 da Constituição Federal.[5]

A afetividade, portanto, surge como mais um critério determinante da filiação juntamente com o caráter biológico, devendo haver, no caso concreto, uma ponderação, cabendo ao juiz decidir com base no princípio do melhor interesse da criança.


2. REPRODUÇÃO ASSISTIDA: CONCEITO E LEGISLAÇÃO

Neste momento, como forma de esclarecimento para que o assunto seja de melhor compreensão surge a necessidade de se conceituar a reprodução medicamente assistida e suas diferentes técnicas.

A reprodução humana assistida é a intervenção do homem no processo natural de procriação, cujo objetivo é a possibilidade de pessoas com determinados problemas de esterilidade e infertilidade, satisfazerem o desejo de maternidade ou paternidade, viabilizando assim, o planejamento familiar. Podem se submeter a uma das técnicas de reprodução, toda mulher capaz, nos termos da lei, cujo consentimento tenha sido livre e expresso. Além disso, se casada, ou vivendo em união estável, a aceitação expressa do cônjuge é requisito imprescindível.

As principais técnicas de reprodução assistida são: a fertilização in vivo, na qual se tem tanto a inseminação artificial, homóloga como a heteróloga e a fertilização in vitro.

Segundo Maria Helena Diniz (2001, p. 548):

Ter–se–á inseminação artificial quando o casal não puder procriar, por haver obstáculo à ascensão dos elementos fertilizantes pelo ato sexual, como esterilidade, deficiência na ejaculação, má-formação congênita, pseudo– hermafroditismo, escassez de espermatozóides, obstrução do colo uterino, doença hereditária etc. Será homóloga se o sêmen inoculado na mulher for do próprio marido ou companheiro, e heteróloga se o material fecundante for de terceiro, que é o doador.

A fecundação in vivo, pode se dá de duas formas, quais sejam, a inseminação artificial homóloga e a inseminação artificial heteróloga. Na primeira, ocorre a fusão do óvulo da esposa ou companheira com o espermatozóide do seu marido ou companheiro, respectivamente. Na segunda, não são utilizados óvulos e/ou espermatozóides do casal, mas fornecidos por terceiros.

A fecundação in vitro, muitas vezes denominada “Bebê de Proveta”, se dá quando o material genético do casal é colhido e manipulado em laboratório, ou seja, de forma extra – uterina, sendo que após a fecundação, o embrião é implantado no útero materno.

Há ainda o caso em que a mulher, por não poder sustentar uma gravidez em seu corpo, utiliza a técnica da “mãe de substituição”, valendo-se de um útero emprestado para que nele ocorra a implantação do embrião e a conseqüente gestação. Cumpre salientar que segundo expressa recomendação do Conselho Federal de Medicina a doadora do útero deve pertencer à família da doadora genética, parentesco até o segundo grau, devendo – se os demais casos serem sujeitos a aprovação deste.[6]

2.1 A REPRODUÇÃO ASSISTIDA HOMÓLOGA E HETERÓLOGA NO CÓDIGO CIVIL DE 2002: SEUS ASPECTOS JURÍDICOS

Feitas essas considerações acerca dos tipos de reprodução assistida, parte-se para a análise da produção legislativa referente ao tema.

O Código Civil de 1916, somente estabelecia em seu artigo 338, a presunção da concepção na constância do casamento nos casos de filhos nascidos 180 dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal, em seu inciso I e dos filhos havidos dentro dos 300 dias subseqüentes à dissolução da sociedade conjugal por morte, desquite ou anulação, no inciso II. Decerto que à época da elaboração do Código, era inimaginável ao legislador antever a possibilidade de procriação artificial, tendo somente legislado as possibilidades de presunção de paternidade dispostas neste artigo supra.

Já o Código Civil de 2002, em relação à paternidade, incluiu no rol da presunção legal de parentesco, as hipóteses ligadas à reprodução assistida.  Neste diapasão, cumpre a ressalva de Silvio Rodrigues (2006, p.340) no sentido de que “inova o legislador, e muito nos incisos III, IV e V apresentados, porém, irresponsável, e muito, por não ter regulamentado esta matéria no Código Civil, tornando-se esses incisos órfãos e desamparados.”. Ainda sobre a falta de regulamentação legislativa, assevera Venosa (2005, p. 256), que “O Código Civil de 2002 se mostra omisso, pois, não autoriza nem regulamenta a reprodução assistida, mas apenas constata lacunosamente a existência da problemática e procura dar solução ao aspecto da paternidade”.

É certo que o novo diploma, apenas constata as formas de inseminação artificial com o objetivo de adequar a legislação pátria às inovações científicas cada vez mais crescentes, procurando dar uma solução ao aspecto da paternidade. Porém, é inegável que o faz de forma incompleta, pois não regula a matéria, vez que é necessário ao operador do direito posicionar-se quanto à atribuição da paternidade, e seus efeitos, por via da inseminação artificial, nessas hipóteses admitidas pelo Código, dando um norte à jurisprudência e a uma conseqüente complementação legislativa.

Dispõe o inciso III, do CC/02, sobre a presunção de reconhecimento da filiação aos concebidos por meio da inseminação artificial homóloga. Neste caso, não há intensas discussões, visto que o material genético utilizado provém do próprio casal, consubstanciando assim, um projeto parental anterior. O referido inciso não dispõe limite temporal para que este material genético seja utilizado, antevendo, inclusive, a possibilidade de utilização daquele mesmo com a ocorrência da morte do genitor. Decerto que a questão, neste ponto, se mostra conflituosa, merecendo destaque no presente artigo, o que será analisado em um tópico posterior.

Quanto ao inciso IV, revela, mesmo que de forma precária, a questão do excedente embrionário. Neste caso, estabelece a regra de que será presumida concebida na constância do casamento criança que se desenvolveu a partir de embrião excedentário, ainda que este nascimento ocorra em data posterior ao término dos 300 dias subseqüentes à dissolução da sociedade conjugal. Segundo Caio Mário da Silva Pereira apud Eduardo de Oliveira Leite (2009, pp. 28-29), “deve prevalecer o entendimento de que têm legitimação para suceder, em virtude de já estarem efetivamente concebidas ao tempo do óbito do de cujus (permitindo, por isso a incidência da regra do art.1.798 do CC)” [7]

Já o inciso V trata da inseminação artificial heteróloga, quando há doação de material genético de terceiros, diante da impossibilidade de se utilizar os gametas do marido ou da esposa numa eventual reprodução assistida. Neste caso, a paternidade estabelecida se constitui desde o momento da concepção, visto que o genitor manifestou o consentimento no bojo do desenvolvimento do projeto parental, não cabendo assim, a possibilidade de impugnação da paternidade. Decerto que nesta técnica, o critério utilizado para fixar a filiação não é o biológico, posto que o ascendente não contribuiu com o material genético. O que se considera é a vontade manifestada juntamente com o convívio conjugal e o sucesso da técnica de procriação assistida, formando um elemento fundamental para o estabelecimento da paternidade, tornando-a certa e insuscetível de impugnação pelo marido. Ensina o civilista Paulo Luiz Netto Lobo (2007, p.52)

Ocorre tal modalidade de inseminação quando é utilizado sêmen de outro homem, normalmente doador anônimo, e não o do marido, para a fecundação do óvulo da mulher. A lei não exige que o marido seja estéril ou, por qualquer razão física ou psíquica, não possa procriar. A única exigência é que tenha o marido previamente autorizado a utilização de sêmen estranho ao seu. A lei não exige que haja autorização escrita, apenas que seja prévia, razão por que pode ser verbal e comprovada em juízo como tal.

Dada a carência de regulamentação legislativa, diversos Projetos de Lei surgiram com o fito de regularem questão tão controvertida. Tem-se como exemplo o Projeto de lei nº 90/99, apresentado pelo Senador Lúcio Alcântara, que tramita a dez anos no Congresso, e tem por fim regular a procriação medicamente assistida. Tal projeto de Lei, dentre outros posicionamentos, somente possibilita a utilização da Procriação Medicamente Assistida aos cônjuges ou ao homem e a mulher que convivam em união estável, além de subordinar essa utilização ao consentimento livre e esclarecido para ambos os beneficiários da técnica. Ponto importante, e que merece destaque por ser expressamente relativo ao tema proposto é o artigo do referido projeto de lei que trata dos casos de falecimento do doador ou do depositante do sêmen. Nesse caso, indica o projeto que deverá haver o descarte de gametas, ressalvada a hipótese em que o doador ou depositante tenha autorizado, em testamento, a utilização póstuma pela esposa ou companheira.

O que se tem hoje, como base para uma regulamentação da matéria é a Resolução 1358/92 do Conselho Federal de Medicina, que, embora sem força de lei, estabelece as normas éticas para a utilização das técnicas de reprodução assistida, considerando, além de outros, a necessidade de harmonizar o uso destas com os princípios da ética, demonstrando assim que há quase 20 anos, a medicina possui interpretações próprias relativas ao tema. Além dessa Resolução, há em nosso ordenamento, a Lei de Biossegurança, nº 11.105/2005 que regulamenta os incisos II, IV e V do § 1º do art. 225 da Constituição Federal, estabelecendo normas de segurança e mecanismos de fiscalização das atividades que envolvam a pesquisa com células-tronco.[8

 

3. INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL HOMÓLOGA POST MORTEM

O Código Civil de 2002, em seu artigo 1597, incisos III e IV faz referência a técnica de reprodução assistida homóloga. Através do inciso III, verifica-se a possibilidade de fecundação ainda que falecido o marido, enquanto no inciso IV há a possibilidade de embriões excedentes, que outrora foram utilizados em uma inseminação artificial homóloga, não serem descartados, sendo mantidos em processo de criopreservação. Isto possibilita que estes embriões sejam utilizados após a morte do doador, havendo assim, a fecundação da mulher. É a chamada inseminação artificial post mortem. Cumpre a análise do art. 1597 e suas implicações jurídicas.

Washington de Barros Monteiro (2007, p. 307) assevera que:

A fecundação ou inseminação homóloga é realizada com sêmen originário do marido. Neste caso, o óvulo e o sêmen pertencem à mulher e ao homem, respectivamente, pressupondo – se, in casu, o consentimento de ambos. A fecundação ou inseminação artificial post mortem é realizada com embrião ou sêmen conservado, após a morte do doador, por meio de técnicas especiais.

No referido artigo, no que concerne a atribuição da paternidade, a solução é relativamente simples, visto que, será pai o doador do sêmen (marido) ainda que falecido, por conta da sua identificação genética com o embrião, assim como por ter declarado seu consentimento á época da colheita. Com o fito de delimitar e regular o uso da técnica da inseminação artificial homóloga, no caso post mortem, estabelece o Conselho Federal de Medicina, através da Resolução 1352/98:

No momento da criopreservação, os cônjuges ou companheiros devem expressar sua vontade, por escrito, quanto ao destino que será dado aos pré – embriões criopreservados, em caso de divórcio, doenças graves ou de falecimento de um deles ou de ambos, e quando desejam doá – los.

Por sua vez, outra ressalva de suma importância, foi feita por meio do Enunciado 106 do Conselho da Justiça Federal, visando balizar a interpretação do inciso III do art. 1.597, com o seguinte teor[9]

ENUNCIADO 106 – Para que seja presumida a paternidade do marido falecido, é obrigatório que a mulher, ao se submeter a uma das técnicas de reprodução assistida com o material genético do falecido, esteja na condição de viúva, sendo obrigatório, ainda, que haja autorização escrita do marido para que se utilize eu material genético após a morte.

Portanto, além da imprescindível autorização escrita do marido ou companheiro falecido, a mulher deverá estar na condição de viúva para que possa ser inseminada artificialmente, gerando um filho do de cujus. Tem razão de ser, determinada exigência, a partir do momento que afasta, enquanto mantida a condição de viúva, a presunção da paternidade do segundo marido. Código Civil, art. 1.598 (2002, p.436):

Art. 1.598. Salvo prova em contrário, se, antes de decorrido o prazo previsto no inciso II do art. 1.523, a mulher contrair novas núpcias e lhe nascer algum filho, este se presume do primeiro marido, se nascido dentro dos trezentos dias a contar da data do falecimento deste e, do segundo, se o nascimento ocorrer após esse período e já decorrido o prazo a que se refere o inciso I do art. 1597.

Assim, segundo Mônica Aguiar (2009, p. 117):

Apesar de restar na legislação a atribuição da paternidade do inseminado ao de cujus, saber se a vontade de procriar deve ser protegida para além da morte, é  tema que divide os doutrinadores em duas correntes básicas. De um lado, os que defendem essa proteção, ao argumento de ser convergente do direito da criança à existência. De outro, os que sustentam a impossibilidade dessa técnica, como forma de assegurar o direito do filho a uma estrutura familiar formada por ambos os pais.

Para os que sustentam a impossibilidade da inseminação post mortem, os cônjuges ou conviventes formam uma única parte no contrato de conservação e implante de embriões, muito embora, existam duas vontades convergentes para a realização de um único fim. As declarações de vontade devem ser expressas, e cada uma somente tem relevância jurídica quando unidas, formando uma única manifestação de vontade. Assim, para esta corrente, a morte funciona como causa revogadora da permissão dada pelo doador, para que ocorra a inseminação. Segundo João Vaz Rodrigues (2001, p. 25), “a morte opera, ipso facto, como revogação desse consentimento, pois, quando da fecundação, ele deve ser reiterado”. Portanto, prudente, para esta corrente, seria a supressão do inciso III do art. 1.597 do CC. Além disso, caso já tenha havido a fecundação, a idéia de que a morte opera como revogação do consentimento resulta no não reconhecimento da filiação, restando o concebido apenas filho do cônjuge sobrevivente.

A justificativa para determinado posicionamento, é a fuga a bilateralidade que caracteriza o projeto parental, e a conseqüente orfandade resultante da determinada técnica. Ressalta João Álvaro Dias (1996, p.40):

[...] os prejuízos – de ordem inclusive psicológica – para a criança, de ser concebida quando já é órfã de um dos pais, situação que não pode ser justificada com as mesmas razões lançadas para as hipóteses em que, por vicissitudes impossíveis de serem afastadas pela vontade, a criança nasce sem um dos genitores.

Doutrina ainda, sobre a impossibilidade da utilização da inseminação artificial post mortem, Eduardo de Oliveira Leite (1995, p. 154-155) “a inseminação post mortem não se justifica porque não há mais o casal, e poderia acarretar perturbações psicológicas graves em relação à criança e à mãe, concluindo quanto ao desaconselhamento de tal prática”.

Embasando tal ponto de vista, o Enunciado nº 127 do Conselho Federal de Justiça propõe uma alteração no inciso III, do artigo 1.597, do CC, com a supressão da expressão “mesmo que falecido o marido”, para constar apenas havidos por fecundação artificial homóloga. A justificativa para determinada alteração recai nos princípios da paternidade responsável e da dignidade da pessoa humana, visto que, segundo entendimento do Conselho é inaceitável o nascimento de uma criança já sem pai.

Se mostra insuficiente tal posicionamento, posto que a ocorrência da família monoparental é prevista constitucionalmente em seu artigo 226, § 4º. Além do que, deve – se consagrar o Princípio Constitucional do Planejamento Familiar (Artigo 226, § 7º), que é livre e de autonomia do casal, não podendo o legislador ferir tal ditame constitucional, tolhendo tal direito. [10] O direito à reprodução é reconhecido como direito fundamental, embora não seja absoluto, porém, dentro da perspectiva do planejamento familiar conforme ressalta Guilherme Calmon (2003, p.22) “a liberdade de planejamento familiar é conseqüência do direito à liberdade prevista no artigo 5º, caput, e inciso II, da Carta Magna”. É, portanto, inadmissível que a decisão de ter um filho tenha sido manifestada inicialmente e, devido à ocorrência de determinada situação imprevista, como, p. ex., uma morte inesperada, possa, determinado projeto parental, não ser concretizado após o óbito do cônjuge ou companheiro. Apesar de o planejamento familiar iniciar-se em vida, pelos partícipes, não há dúvidas que seus efeitos podem ser produzidos após a morte.

Conforme reportado anteriormente, sublinhe-se que se há a possibilidade de adoção póstuma no ordenamento jurídico, quando o adotante vier a falecer no curso do processo de adoção, não há razão de ser para que se proíba a inseminação artificial homóloga post mortem. É ainda, forçoso assinalar que o nascimento de uma criança sem pai, nos processos de inseminação artificial, gerará os mesmos problemas psicológicos, se estes porventura vierem a existir, que nos casos em que um dos pais vem a falecer antes do nascimento da criança, por ocorrência de determinados fatos imprevistos. [11]

3.1. ASPECTOS BIOÉTICOS DECORRENTES DA REPRODUÇÃO ASSISTIDA POST MORTEM

De um modo geral as ciências, sobretudo a medicina, interferem de alguma forma na vida das pessoas. Em decorrência dessa interferência, os preceitos da ética tornaram-se imprescindíveis para uma regulamentação e delimitação das práticas empregadas neste contexto, impondo assim, o surgimento da Bioética.

Segundo a Encyclopedia of Bioethics, em 1995: “a bioética é o estudo sistemático das dimensões morais das ciências da vida e do cuidado da saúde, utilizando uma variedade de metodologias éticas num contexto multidisciplinar”. Segundo o Novo Dicionário Aurélio, a bioética seria o estudo dos problemas éticos suscitados pelas pesquisas biológicas e por suas aplicações por pesquisadores, médicos entre outros. Vale ressaltar os quatro princípios que norteiam os caminhos percorridos pela Bioética, sendo critérios gerais que balizam os preceitos éticos e valorativos referentes às ações humanas na área biomédica.

1.                  Princípio da não – maleficência: exige que as pesquisas biomédicas e comportamentais não determinem danos aos seres humanos, intencionalmente.

2.                  Princípio da justiça ou da isonomia: impõe que riscos e benefícios sejam exatamente iguais para todos os submetidos às pesquisas científicas, mormente na área médica.

3.                  Princípio da beneficência: este princípio significa fazer o bem (bonnum facere). Baseado nele, todas as pesquisas e avanços tecnológicos em todas as áreas biomédicas, em prol do ser humano, deverão ser utilizadas em benefício do homem, nunca contra ele. Prevê maximizar os benefícios, minimizando ao máximo os prejuízos.

4.                  Princípio da autonomia: este princípio requer que a pessoa submetida a tratamentos ou pesquisas e que faça uso de avanços tecnológicos tenha a liberdade de optar, segundo seus próprios valores ou convicções religiosas.

É a denominada autonomia da vontade. Em virtude da ocorrência desse princípio surgiu a prática hospitalar, que é exigida juridicamente, qual seja, o consentimento livre, esclarecido e informado (por escrito), sem o qual o profissional de saúde não fica autorizado a utilizar qualquer procedimento no paciente. Além disso, cabe ao profissional o dever de explicitar ao paciente a real possibilidade de sucesso da técnica a ser aplicada.

É nesta seara que surge o biodireito, como forma de regular e dirimir difíceis e polêmicas questões ético – jurídicas surgidas a partir do rápido avanço tecnológico. A interferência das técnicas biomédicas na vida dos homens é cada vez mais crescente, e por outro lado, a falta de regulamentação jurídica sobre estas, acaba gerando certa insegurança nas relações sociais. Por isso, o direito deve intervir como um instrumento de harmonização entre os interesses da sociedade e os avanços científicos, promovendo, portanto, a segurança jurídica e a tão almejada paz social. Coadunando a idéia sobre a importância do biodireito, aduz Rita Bonelli (2009, pp. 244-245):

É nesse cenário que atua a bioética e o biodireito, balizando as condutas humanas à luz da ética e de princípios fundamentais, harmonizando o progresso científico com a valorização e preservação da vida e contribuindo para a construção de um novo tipo de responsabilidade jurídica

É certo que a velocidade dos avanços científicos em todas as áreas das ciências, sobretudo no campo da reprodução genética, contrasta com a dificuldade do Direito em acompanhar tal processo. E é justamente neste contexto que devem ser calcados tais avanços, em princípios que não deverão ser violados.

Conforme Maria Helena Diniz (2000 p.58-59):

O grande nó relacionado com a questão da manipulação da vida humana não está na utilização em si de novas tecnologias ainda não assimiladas moralmente pela sociedade, mas no seu controle. E esse controle deve ocorre em patamar diferente ao dos planos científicos e tecnológicos: o controle é ético. É prudente lembrar que a ética sobrevive sem a ciência e a técnica; sua existência não depende delas. A ciência e a tecnologia, no entanto, não podem prescindir da ética, sob pena de, unilateralmente, se transformarem em armas desastrosas para o futuro da humanidade, nas mãos de ditadores ou de minorias poderosas mal intencionadas.

Entre os inúmeros avanços da ciência, há de se destacar a reprodução assistida, ao passo que desta decorrem inúmeras implicações, sejam jurídicas ou éticas, impondo a Bioética uma preocupação relevante sobre o tema. Observa-se que os princípios supracitados, são amplamente utilizados, na busca de uma correta utilização dessas técnicas, como se pode inferir da utilização do princípio da autonomia, constante no requisito do consentimento informado, como explicitado na determinação do Conselho Federal de Medicina em sua Resolução 1.358/92 ao afirmar a obrigatoriedade do consentimento explícito dos pacientes inférteis e doadores numa eventual reprodução medicamente assistida. Resta claro, que ninguém poderá ser compelido a se submeter a uma das técnicas de reprodução assistida, sob pena de ferir não só um princípio corolário da Bioética, como uma ordem legal.  

Doutrina Eduardo de Oliveira Leite (1995, p. 142) “o consentimento livre e inequívoco, sem ambigüidades, é algo extremamente necessário, tendo em vista o princípio da inviolabilidade do corpo”. Tal consentimento será realizado através de um documento escrito, o qual deverá ser assinado antes de iniciado o tratamento, sendo assim também no caso da inseminação artificial post mortem em que o cônjuge, doador do sêmen a ser utilizado, deverá declarar expressamente sua concordância com uma futura utilização, neste caso, mesmo após a sua morte. Assim, infere-se que a falta do consentimento importa em sanção, visto a ocorrência da violação da liberdade individual.

Quanto ao princípio da justiça, salienta-se que no emprego de qualquer das técnicas de reprodução assistida, devem ser preservados os interesses das pessoas envolvidas, sobretudo da criança a ser gerada. É neste ponto que surgem tantos conflitos no caso da utilização da técnica de reprodução após a morte do genitor, visto que se questiona a condição da criança a ser gerada no que toca aos aspectos psicológicos deste novo ser, e de sua condição frente à questão da filiação e dos efeitos sucessórios decorrentes.

3.2. ASPECTOS SUCESSÓRIOS FRENTE À INSEMINAÇÃO POST MORTEM

Com a superveniência da morte, o acervo hereditário do de cujus passa a necessitar de titularidade, momento em que impera no ordenamento jurídico brasileiro o princípio da saisine, que indica a necessidade da imediata transmissão das obrigações e direitos do falecido, impedindo assim que as relações jurídicas restem sem titularidade, ainda que momentânea. Desta forma, abre-se a sucessão, convocando – se os herdeiros legítimos e testamentários, de acordo com a ordem prevista em lei, para que sucedam o de cujus desde que tenham legitimação sucessória. É neste panorama que se questiona a posição do inseminado artificialmente procriado depois de morte do autor da herança: Seriam eles detentores de direitos sucessórios?

De plano, restaria certo que seriam detentores de tal direito, visto se tratar de um direito fundamental previsto constitucionalmente e inerente a qualquer ser humano. Porém, a segunda vista, cumpre analisar a situação dos demais herdeiros diante da insegurança jurídica desencadeada, já que permaneceriam na incerteza, enquanto houvesse embriões do de cujus, de eventuais alterações na partilha dos bens, contrariando, desta forma, o princípio de segurança que rege as relações jurídicas.

Ressalvadas posições em contrário, mormente se mostre aceita a presunção de paternidade no Código Civil, a questão sucessória se mostra conflituosa visto que há diferentes posicionamentos acerca da possibilidade ou não de atribuir efeitos sucessórios aos inseminados post mortem.

Preceitua o art. 1.798 do Código Civil a legitimidade para suceder dos já nascidos ou concebidos no momento da abertura da sucessão. O referido artigo, em tese, excluiria da participação na sucessão, o nascido através de inseminação artificial após a morte do autor da herança, posto que nesse caso, não teria havido prévia concepção daquele. Isto porque, resta expressamente assinalado, dentro do Direito das Sucessões que, o herdeiro deve existir, de fato, ao tempo da morte do de cujus, ou, pelo menos, deve estar concebido ao tempo da abertura da sucessão para que possa ser reconhecido como nascituro e, conseqüentemente herdeiro.

O Direito de Família prevê em seu art. 1.597 o reconhecimento da filiação nos casos de inseminação artificial homóloga, ainda que falecido o marido. Porém, no campo do Direito das Sucessões a miríade se torna mais tormentosa, visto que a omissão legislativa é latente no que tange aos aspectos sucessórios. Nesta seara de discussões, a doutrina pátria subdivide-se basicamente em duas correntes. Para Giselda Hironaka (2008, p. 289):

Tanto podem ser herdeiros legítimos, testamentários, ou mesmo legatários os indivíduos que já tivessem nascido quando do momento do exato falecimento do de cujus, bem assim todos os que já estivessem concebidos no mesmo momento.

Acrescenta ainda, na mesma obra, que:

Na condição de pessoas concebidas estão duas classes médico – legais: o feto, fase que vai da concepção até o início do desalojar do ser do aparelho reprodutor feminino, e o feto nascente, período que se situa entre o início da expulsão fetal e o momento em que se estabelece a vida autônoma.

Portanto, parte da doutrina entende que o embrião jamais poderia herdar, visto que no momento da abertura da sucessão, não era ao menos concebido, não possuindo, portanto capacidade sucessória, corroborando assim, a idéia proposta a partir da leitura do referido artigo 1.798 CC. Doutrina Eduardo de Oliveira Leite (2003, p.110):

[...] Quanto à criança concebida por inseminação post mortem, ou seja, criança gerada depois do falecimento dos progenitores biológicos, pela utilização do sêmen congelado, é situação anômala, quer no plano do estabelecimento da filiação, quer no do direito das sucessões [...]

Cumpre observar a posição de Maria Helena Diniz (2000, p.91), lecionando:

É preciso evitar tais práticas, pois a criança, embora possa ser filha genética, por exemplo, do marido de sua mãe, será, juridicamente, extramatrimonial, pois não terá pai, nem poderá ser registrada como filha matrimonial em nome do doador, já que nasceu depois de 300 dias da cessação do vínculo conjugal em razão da morte de um dos consortes. E, além disso, o morto não mais exerce direitos, nem deveres a cumprir. Não há como aplicar a presunção de paternidade, uma vez que o matrimônio se extingue com a morte, nem conferir direitos sucessórios ao que nascer por técnica conceptiva post mortem, pois não estava gerado por ocasião da morte de seu pai genético [...]. Por isso, necessário será que se proíba legalmente a reprodução assistida post mortem, e, se, porventura, houver permissão legal, dever – se – a prescrever quais serão os direitos do filho, inclusive sucessórios.

O posicionamento da Igreja Católica, quanto ao tema é de absoluta negativa, seja qual for a situação. Mesmo que haja consentimento prévio e expresso do marido para que seu material genético seja utilizado numa futura inseminação artificial, a Igreja não admite qualquer possibilidade de permissão, baseando sua posição conforme o ensinamento de que a comunidade da vida é automaticamente dissolvida com a ocorrência da morte de um dos cônjuges.

Além disso, outro argumento sustentado pelos que não admitem efeitos sucessórios, diz respeito à permissividade contida no Código Civil quando da utilização da inseminação artificial mesmo após a morte do marido gerando assim, uma evidente insegurança jurídica aos herdeiros legitimados à época da abertura da sucessão, haja vista que a qualquer momento poderá surgir um novo herdeiro advindo da utilização de embriões criopreservados. Preleciona Guilherme Calmon (2003, p. 1000) que:

 [...] no estágio atual da matéria no direito brasileiro, não há como se admitir, mesmo com vontade expressa deixada em vida pelo falecido, o acesso da ex-esposa ou ex-companheira às técnicas de reprodução assistida homóloga, diante do princípio da igualdade em direito entre os filhos [...].

Tal ponto de vista não encontra guarida, visto que não se pode excluir das repercussões jurídicas no âmbito do direito de família e no direito das sucessões, aquele que foi concebido mediante a utilização da inseminação artificial ainda que falecido o genitor, sob o fundamento de que tal situação excluiria ou ao menos prejudicaria o direito de outros herdeiros já existentes no momento da abertura da sucessão. Tem-se como exemplo para ilustrar este posicionamento, a possibilidade de advir filho não – reconhecido de um falecido que tenha deixado como herdeiros somente cônjuge e ascendentes.

Nesse caso, com o surgimento de novo herdeiro pleiteando seu reconhecimento como filho, além de receber seu quinhão do referido patrimônio do de cujus, por meio da ação de investigação de paternidade e, conseqüente ação de petição de herança, julgada esta procedente, restariam os ascendentes excluídos da sucessão, enquanto o cônjuge, a depender do regime de bens poderia ou não concorrer com o descendente reconhecido por via judicial. Observa-se, portanto, que o surgimento de filho não reconhecido iria modificar de forma substancial o plano sucessório, concluindo a partir de tal constatação que a segurança presente no processo sucessório nem sempre é absoluta.

Isto posto, uma opção que encontra guarida em lei, para que esse filho concebido post mortem adquira parte da herança do de cujus, seria valer-se da ação de investigação de paternidade cumulada com a ação de petição de herança. Segundo o art. 1.824 do Novo Codex: “O herdeiro pode, em ação de petição de herança, demandar o reconhecimento de seu direito sucessório, para obter a restituição da herança, ou de parte dela, contra quem, na qualidade de herdeiro, ou mesmo sem título, a possua”. Nesse caso, por mais que a ação de investigação de paternidade seja imprescritível, a ação de petição de herança tem prazo prescricional de 10 anos, já que o Novo Código não lhe fixou outro prazo, aplicando-se assim o art. 205 do CC. Portanto, resta explicitado que havendo manifestação expressa do pai, e venha a ser concebida criança após a morte deste, esta só poderá pleitear direitos sucessórios no prazo de 10 anos, a contar da abertura da sucessão.[12]

Além desta possibilidade de incidência de efeitos sucessórios, o próprio Código Civil prevê a possibilidade, ao estabelecer em seu art. 1799, inciso I: “Na sucessão testamentária podem ainda ser chamados a suceder: I- os filhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde que vivas estas ao abrir-se a sucessão”. Neste caso, como o testador não pode indicar sua própria prole eventual por não estar vivo, obviamente, no momento da abertura da sucessão, uma opção seria realizar o testamento por via reflexa, indicando a prole eventual da doadora do óvulo conferindo assim, parte de sua herança por via testamentária ao concebido post mortem.[13].

O que se verifica no tocante a sucessão legítima, é que há certamente a possibilidade de reconhecimento de direitos sucessórios ao concebido post mortem, visto que, a regra contida no art. 1.798 reconhece legitimação sucessória apenas às “pessoas nascidas ou concebidas no momento da abertura da sucessão”. Ora, se o filho nascido, portanto, a partir de inseminação artificial após a morte do pai reputa-se concebido na constância do casamento, segundo regra contida no art. 1.597, III, assim, restará preenchido o requisito necessário para sua legitimação sucessória, equiparado assim, àquele que por processo natural de procriação apenas não tivesse nascido ainda no momento da abertura da sucessão. Como justificar, nesse caso, a exclusão de seus direitos sucessórios? Além disso, cabe a ressalva de que, deve – se ter em vista a regra constitucional contida no Art. 226, § 6º da Constituição Federal, a qual estabelece a absoluta igualdade de direitos entre os filhos. Assim, não se justifica a exclusão do plano sucessório dos filhos resultantes de inseminação artificial homóloga.

É necessária a interpretação do sistema jurídico, afim de que se possa compreender a dimensão jurídica do tema. Analisando o art. 226 da Constituição Federal, percebe-se que o legislador ao tratar da família, como base da sociedade que é, não fez qualquer referência ao tipo de família que o Estado dedica especial proteção. Declara expressamente a inclusão da família monoparental, juntamente com aquela formada pelo casamento ou pela união estável, como entidade familiar, o que, nessa condição não se justifica a intenção de afastar da tutela do Estado família formada a partir da realização de inseminação artificial post mortem. Assim, não se pode negar que uma pessoa sozinha tenha a possibilidade de efetivar um projeto parental que atenda em todos os requisitos o melhor interesse da criança, pois, o planejamento familiar é livre e fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, nos termos do art. 226, § 7º da Carta Magna. É o que se infere da Lei nº 9.263/96 em seu art. 1º, caput “O planejamento familiar é direito de todo cidadão”.[14]

Desta forma, num sistema jurídico que permite o pluralismo das entidades familiares, além de reconhecer a plena liberdade do planejamento familiar, não se pode admitir norma restritiva à inseminação artificial post mortem. Ao passo que, ao se reconhecer efeitos pessoais ao concepturo (relação de filiação), não se justifica o plurido de afastar os sucessórios decorrentes. Essa idéia corrobora um entendimento reminiscente do antigo Código Civil, que oferecia tratamento diferenciado aos filhos, conforme sua origem. Garantindo a lei o vínculo, não se justifica a privação do concebido post mortem de ter legitimação para suceder o de cujus.

3.3. DA NECESSIDADE DE DELIMITAÇÃO DO CONCEITO JURÍDICO DE CONCEPÇÃO

Diante das divergências doutrinárias acerca da atribuição de efeitos sucessórios aos concebidos artificialmente, surge a necessidade de se delimitar em que momento este novo ser adquire personalidade jurídica e, conseqüentemente proteção jurídica. É de se notar que o conceito jurídico de concepção vem sofrendo mutações ao longo do tempo, devido às inúmeras e constantes mudanças ocorridas no contexto social. A partir da ocorrência de avanços, sobretudo no campo das ciências, no que toca a procriação artificial, se torna necessário que o conceito jurídico de concepção se adapte a esta nova realidade, levando em consideração a questão da tutela jurídica dos embriões, e até mesmo do próprio material genético a ser utilizado numa das técnicas de reprodução assistida.

Para que se possa explicar a natureza jurídica do nascituro, a doutrina se divide em três correntes básicas: a teoria concepcionista, teoria da personalidade e a teoria natalista.

De acordo com a teoria concepcionista, o nascituro tem personalidade jurídica, desde a sua concepção, tendo a mesma natureza jurídica que a pessoa natural. Desta feita, o momento que marca o início da existência do nascituro é a nidação (quando o embrião se instala nas paredes do útero), ponto em que passa a ser protegido como pessoa, titular de direitos.

Para a teoria da personalidade condicional, a personalidade do nascituro é condicionada ao fato de que este nasça com vida. Deve haver o implemento desta condição para, para que o nascituro adquira personalidade. Portanto, a aquisição de certos direitos ocorreria somente sob a condição suspensiva, retroagindo ao momento da concepção, caso o não-nascido nasça com vida. Assim, apesar de ter assegurado os direitos da personalidade, só gozará dos demais direitos, como os patrimoniais a partir do momento em que nasça com vida, por ter adquirido sua capacidade plena.

A teoria natalista reflete a interpretação que se extrai do art. 2º do Código Civil. Para esta, só existe personalidade jurídica a partir do nascimento com vida. O ser não-nascido possui apenas expectativa de direito, não tendo personalidade jurídica. Se vier a nascer com vida, será titular de plenos direitos e obrigações, inclusive os patrimoniais. [15]

Entretanto, por mais que só se estabeleça a personalidade jurídica do nascituro a partir do nascimento com vida, o ordenamento jurídico reconheceu a necessidade de tutelá-lo, o que pode ser verificado quando lei lhe confere uma série de direitos no campo civil.

 Feitas estas considerações relativas à condição do nascituro como titular de direitos, faz-se necessária a análise das teorias que tentam explicar o momento em que se dá esta concepção. Cumpre a análise das teorias pró-vida e a teoria pró-escolha, afim de que se possa explicar o exato momento do início da vida, refletindo assim, na questão da manipulação de embriões e seus aspectos jurídicos.

Na teoria pró-vida, desde o momento em que há a fecundação de um óvulo por um espermatozóide, há o surgimento da vida, seja esta fecundação in vivo ou in vitro, posto que neste momento, passa a preencher todos os requisitos necessários para que seja considerado um indivíduo. Para esta teoria, ainda que o embrião não esteja localizado no ventre materno é um ser concebido e, portanto, titular de direito como qualquer outro nascituro.

Em contrapartida, para a teoria pró-escolha, ainda que não fecundados, o óvulo e o espermatozóide já são considerados seres vivos, mesmo que não sejam titulares de direitos, pois lhes falta tutela jurídica.

Se adotada a teoria pró-vida, o direito à tutela jurídica do nascituro que é concebido a partir de fertilização artificial estaria salvaguardado desde o momento em que ocorresse a fecundação. E por que não atribuir aos inseminados post mortem os mesmos direitos da personalidade? Já que estes são considerados como concebidos por força do art. 1.597, IV não há razão para que se tolham os seus direitos decorrentes da filiação, já que presumida pelo artigo supra.

 

4. ANÁLISE DO CASO “AFFAIR PARPALAIX”: O MARCO INICIAL DAS DISCUSSÕES E O DIREITO COMPARADO

Merece neste ponto, uma breve análise do caso “Affair Parpalaix”: Em 1984, na França, os jovens Corine Richard e Alain Parpalaix se apaixonaram, momento em que o varão descobriu estar com câncer nos testículos. No intuito de poder gerar um filho com a mulher amada, resolveu depositar seu material genético num banco de sêmen para que pudesse usá-lo após as sessões de quimioterapia, já que temia que a doença pudesse lhe deixar estéril. Como previsto, a doença não só o esterilizou como, alguns dias após o seu casamento, veio a fatalizá-lo. Alguns meses depois, a jovem resolveu se submeter à inseminação artificial, que foi negada pelo banco de sêmen, iniciando uma batalha judicial.

A discussão jurídica versava pela existência de um contrato de depósito que obrigava o banco de sêmen a restituir o esperma. O banco de sêmen alegava que não havia um pacto de entrega do material a outra pessoa que não fosse o doador do esperma, uma vez que o material genético de pessoa morta não era comerciável e que na França não havia legislação que autorizasse a inseminação artificial post mortem. Com o fim da batalha judicial, o tribunal francês de Créteil condenou o banco de sêmen, determinado que o material genético fosse enviado ao médico designado pela viúva. Infelizmente, devido à demora na solução do litígio, a inseminação não foi realizada, pois os espermatozóides não estavam mais próprios à fecundação.

Após este caso, diversos países começaram a discutir acerca do destino do material genético congelado, visto que foi o marco inicial das discussões acerca da inseminação artificial, em especial após a morte do doador. [16]

 O avanço científico é inegável, assim como a constatação de que no campo do direito a produção legislativa ocorre de forma mais lenta, tentando se adequar as constantes transformações. É nesse sentido que, diante da falta de regulamentação legislativa no Brasil, cumpre destacar, como forma de conhecimento e análise das possibilidades jurídicas, as diversas acepções em relação à hipótese de inseminação artificial post mortem em diferentes países, visando dirimir as controvérsias que possam surgir especialmente no campo sucessório.

A legislação estrangeira se mostra bem mais evoluída que a nossa, visto que: Alemanha e Suécia vedam a inseminação post mortem. Na França, além da proibição da inseminação post mortem, dispõe a lei que o consentimento manifestado em vida perde o efeito. Na Inglaterra, a inseminação post mortem é permitida, mas não se garante o direito à sucessão, exceto se houver documento expresso nesse sentido.

A Lei espanhola n.14/2006, no art. 9.2, veda a inseminação post mortem, mas deixa claro que, se efetuada, só restabelecerá o vínculo de filiação matrimonial se houver declaração expressa nesse sentido do marido por instrumento público, testamento ou documento com instruções prévias, para que seu material germinativo possa ser utilizado, nos 12 meses seguintes ao seu falecimento, para fecundar sua mulher, e, além disso, presume outorgado seu consentimento se esta já se submeteu a um processo de reprodução assistida, iniciado para a transferência de embrião formado antes do óbito de seu marido.

 Nos Estados Unidos, o Comitê de Ética da Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva, em 1997, deliberou que se um indivíduo determina que gametas e embriões congelados possam ser utilizados após a sua morte pela esposa (o), seria apropriado atender essa determinação. A Human Fertilisation and Embriology Authority permite o uso de gametas ou embriões após a morte, se houver consentimento prévio. O Projeto Português sobre a Utilização de Técnicas de Procriação Assistida proíbe a utilização do esperma do marido falecido ou do companheiro para inseminação de sua mulher, mesmo que tenha ocorrido o consentimento do falecido.


5. CONCLUSÕES FINAIS

Por tudo quanto exposto, percebe-se que a questão é controversa e encontra posicionamentos diversos na doutrina. De fato, conforme explicitado, o tema é aberto por não encontrar legislação suficiente para regulá-lo. Não há autorização ou vedação explícita, apenas a simples constatação pelo Código Civil da existência da inseminação post mortem, restando ao operador do direito posicionar-se quanto aos aspectos da filiação e da conseqüente sucessão, norteando, desta forma, uma eventual complementação legislativa sobre o tema.

Em suma, há de se perceber perfeitamente que a Constituição Federal viabiliza o projeto parental, como evidenciado no art. 226,§ 7º, prevendo a livre decisão do casal no que toca ao planejamento familiar. Tem-se que o direito a procriação é um direito fundamental, sendo conseqüência direta do direito à liberdade, previsto no art. 5º, caput.

A conclusão, pois, exsurge clara a possibilidade jurídica de atribuição de efeitos sucessórios aos concebidos post mortem. Isto se deve ao fato da harmonização do art. 1.798 do CC, com a perspectiva dos princípios constitucionais da igualdade entre os filhos e da liberdade do planejamento familiar, previstos nos arts. 227,§ 6º e 226,§ 7º da Constituição Federal. Para que haja esta atribuição da paternidade e os conseqüentes efeitos sucessórios, é necessário que o cônjuge sobrevivente esteja na condição de viúva, além de que haja o consentimento prévio do casal envolvido no projeto parental.

Assim, adotadas tais medidas restam plenamente viáveis juridicamente os efeitos sucessórios da inseminação post mortem. A possibilidade do não reconhecimento dos direitos da criança concebida mediante fecundação artificial post mortem, vai contra ditames constitucionais e, sobretudo fere o desejo dos pais de efetivarem um projeto parental iniciado em vida, que por razões adversas deve ser protegido para além da morte.


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Notas

[1] Art. 226, § 7º da Constituição Federal de 1988: “Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte das instituições oficiais e privadas.”

[2] Art. 1.597 do Código Civil de 2002: “Presume-se concebidos na constância do casamento os filhos: I- nascidos 180 dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal; II- nascidos nos trezentos dias subseqüentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento; III- havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido; IV- havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes da concepção artificial homóloga; V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.”

Cumpre observar, que, o CC/02 somente se refere à presunção de paternidade na constância do casamento. Alguns doutrinadores como, por exemplo, Paulo Luiz Netto Lôbo em sua obra “Código Civil Comentado” (2003, p. 59), entendem que determinada presunção se aplica à União Estável. Por outro lado, há doutrinadores que não fazem essa extensão, a exemplo de Washington de Barros Monteiro (2008, p.298).

[3] Atualmente, alguns Projetos de Lei que discplinam o uso das técnicas de reprodução assistida, tramitam no Congresso Nacional. Tais como: o Projeto de Lei nº 2855/97, do Deputado Confúcio Moura; o Projeto nº 1.184/2003, do Senado Federal; o Projeto nº 90/99 do Senador Lúcio Alcântara.

[4]  Art. 1.593 do Código Civil de 2002: “O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consangüinidade ou outra origem”

[5] Art. 227 da Constituição Federal de 1988: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá- los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

[6] Recomendação expressa na Resolução 1.358/92 do Conselho Federal de Medicina, art. 1º, VII.

[7]  Dispõe o art. 1.798 do Código Civil de 2002: “Legitimam-se a suceder, as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão”

[8]  A Resolução nº 1.358/92, ao regulamentar normas éticas para a utilização das técnicas de reprodução assistida, considera a importância da infertilidade humana como um problema de saúde, com implicações médicas e psicológicas, e a legitimidade do anseio em superá-la. Além disso, considera que o avanço científico já permite solucionar vários casos de infertilidade humana, e que as técnicas de Reprodução Assistida têm possibilitado a procriação em diversas circunstâncias em que isto não era possível pelos procedimentos tradicionais. Tais considerações se inferem do próprio texto da Resolução.

 A Lei de Biossegurança tem o fito de regulamentar os incisos II, IV e V do § 1º do art. 225 da CF, quais sejam: II – preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético; IV – exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; V – controlar a produção, a comercialização e emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente. A Lei de Biossegurança estabelece normas relativas à pesquisa e utilização de células-tronco de embriões obtidos por fertilização in vitro e congelados há mais de três anos, e desde que esta utilização seja autorizada expressamente pelos pais.

[9]  Enunciado aprovado nas Jornadas de Direito Civil – I, II e IV, promovidas pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal.

[10] Art. 226,§ 4º da CF/88: “Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”.

[11]  A previsão da Adoção Póstuma está inserida no Art. 42, § 5º do Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8069/90: “A adoção poderá ser deferida ao adotante que, após inequívoca manifestação de vontade, vier a falecer no curso do procedimento, antes de prolatada a sentença.”

[12] Art. 205 do Código Civil de 2002: “A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor”

[13] Nesta mesma linha de pensamento, Giselda Hironaka: “é claro que o testador não poderá indicar sua própria prole eventual, uma vez que a lei exige que a pessoa indicada pelo testamento esteja viva no momento da abertura da sucessão. E ou bem está ele morto, acarretando a abertura da sucessão, ou bem está vivo nesse momento, o que demonstra a impossibilidade de beneficiar sua própria prole eventual. Mas poderia fazê-la por via reflexa. Basta que indique a doadora do óvulo, se testador,ou o doado do espermatozóide, se testadora”. (HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes e CAHALI, Francisco José. Direito das Sucessões – 3 ed. rev., atual. E ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.

[14] A Lei nº 9.263/96 regula o § 7º do art. 226 da Constituição Federal, que trata do planejamento familiar e estabelece penalidades.

[15]  Teor do Art. 2º do Código Civil de 2002: “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”.

[16] Merece destaque nesse ponto, um breve resumo sobre a concessão de liminar no Brasil para que mulher utilize o sêmen do marido já falecido. O caso ocorreu em Curitiba, e a mulher conseguiu a liminar deferindo seu pedido de utilização de sêmen do marido, vítima de câncer. Neste caso, a clínica se recusou a realizar o procedimento, visto que no tremo assinado quando da coleta não estava expressa a destinação do sêmen, conforme resolução Conselho Federal de Medicina. Foi demonstrando por meio de testemunhos de familiares, amigos e médicos que a vontade do marido era de ter um filho, objetivando concretizar seu projeto parental feito em vida. O Juiz da 13ª Vara Cível de Curitiba acolheu o pedido, entendendo que a exigida manifestação de vontade não deve ser necessariamente escrita, devendo ser inequívoca e manifestada em vida, mas sendo também admissível à vontade não expressada literalmente, mas indiscutível a partir da conduta do doador, que nesse caso, se deu quando o próprio antes de submeter-se a tratamento de doença grave, preserva seu sêmen incentivando a esposa a prosseguir no tratamento de fertilização.


Abstract: The advent of assisted reproduction techniques have brought, plus an undeniable technological advance in the field of human sciences, a framework of questions and discussions about legal and ethical consequences in the social field. In matters of inheritance, questions the legal possibility of the embryo implanted after the father’s death, have inheritance rights. One the one hand, the 2002 Civil Code, relating to family low, allows the presumption of paternity arising from artificial insemination. Second, with regard to inheritance law, there is total failure of the legislature, to allocate an inheritance to someone who at the time of his father’s death, she had no legitimate succession according to the dogmatic classical, emerging, well, a gap that needs to be addressed.

Key - words:  assisted reproduction; affiliation; inheritance law; bioethics; artificial insemination.