A remuneração indireta dos serviços gratuitos na internet


Pormathiasfoletto- Postado em 24 setembro 2012

 

 

A promoção da informação causada pelo próprio desenvolvimento dos sistemas digitais, em especial a INTERNET e suas REDES SOCIAIS, contribuiu sobremaneira ao acesso à Justiça de pessoas de todas as classes sociais.

A título de exemplo, o Brasil é o país do mundo com maior número de processos contra o Google, bem como o primeiro processo digital contra o Facebook é brasileiro.

Contudo, a falta de regulação no Direito Digital, traz consigo problemas diversos, dentre eles uma melhor estruturação e fundamentação de teses e decisões jurídicas sobre a temática.

Com o fito de preencher essa lacuna, o Direito abraçou o Código de Defesa do Consumidor como o ordenamento capaz de sustentar as condenações provocadas por danos causados aos usuários dos serviços de internet, muitas vezes gratuitos.

O CDC, como é conhecido o Código Consumerista, em seu art. 3º, §2º, dispõe:

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

(...)

§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.

Grifos de agora

Então, como caracterizar a atividade fornecida por meio digital como serviço, quando não são remunerados pelos usuários?

Hoje, temos uma gama de serviços postos a disposição dos usuários de forma gratuita, como por exemplo, esse Artigo que você está lendo.

Além disso, tem-se o Orkut, Facebook, Linkedin, serviços de e-mail, hospedagem de blogs, hospedagem de sites, dentre outros que poderiam ser listados. De onde vem o pagamento de todo esse numeroso complexo de serviços disponíveis “gratuitamente” na teia digital?

Com arrimo na melhor doutrina, tem-se que o conceito de remuneração decorre do recebimento de alguma vantagem, não essencialmente pecuniária, e, portanto, pode ocorrer indiretamente.

A remuneração indireta na internet é um meio de contraprestação na qual o fornecedor de serviços digitais percebe vantagens diversas das de cunho pecuniário, seja através da projeção da marca ou recebimento de verbas de terceiros através da publicidade inserida nos espaços disponibilizados gratuitamente aos usuários.

São exemplos de remuneração indireta: a venda dos dados cadastrais dos usuários a empresas, anúncios dos mais variados (conhecidos como banners ou pop-up), emissão de propaganda através do correio eletrônico, entre outras práticas consagradas.

Desta feita, por óbvio, a maioria dos serviços disponibilizados de forma “gratuita” na internet são, a bem da verdade, remunerados indiretamente. Não à toa, empresas como Google e Facebook estão entre as mais valiosas do mundo.

Exatamente nesse aspecto que se vislumbra a ocorrência da remuneração indireta, haja vista que quanto maior o número de usuários e acessos, mais patrocinadores e empresas buscarão investir no Empreendimento Digital.

Em decisão liminar proferida na 11ª Vara Cível da Comarca de João Pessoa (PB), o MM. Juiz Rodrigo Marques Silva Lima, no processo nº 200.2011.039.206-1, no qual a contenda dirigia-se ao Google, assevera, com clareza de argumentos:

" Com efeito, independentemente do caráter gratuito do fornecimento do serviço de manutenção de blog ou e-mail pelo réu, forçoso é reconhecer que a utilização de tais instrumentos na vida moderna ensejou uma umbilical vinculação com conteúdos pessoais, privados, particulares, íntimos e até profissionais, de modo que o cerceamento abrupto do serviço, embora gratuito, não admite a detenção de informações e conteúdos individuais do cliente.

Saliente-se que a gratuidade do serviço não descaracteriza a relação de consumo, mormente diante da existência de lucro indireto por parte da exploração da internet."

Grifos de agora

A jurisprudência nacional evolui a cada dia para salvaguardar discrepâncias, tendo como tendência nos julgados relacionados ao Direito Digital, o enfoque consumerista, verbi gratia:

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INTERNET. ORKUT. CRIAÇÃO DE PERFIL FALSO. CONTEÚDO OFENSIVO DE USUÁRIO. DENÚNCIA DE ABUSO COMPROVADA. MANUTENÇÃO DA PÁGINA. ATO ILÍCITO CONFIGURADO. DEFEITO DO SERVIÇO. DANOS MORAIS IN RE IPSA. MAJORAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. - APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - Aplicável ao caso o Código de Defesa do Consumidor, embora a relação estabelecida entre a autora e o réu não ocorra mediante remuneração direta, ou seja, o pagamento por aquela pelo serviço disponibilizado por este. Ocorre que o conceito de remuneração, para fins de aplicação do art. 3º, § 2º, do CDC, permite interpretação mais ampla, em favor do consumidor, para abranger a remuneração indireta, como acontece na espécie, em que o requerido não recebe valores da autora, mas de terceiros, que utilizam os mais variados serviços prestados, como por exemplo, anúncios no Google, soluções empresariais na internet, dentre outros. Precedentes do STJ e do TJRS. - RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO PRVEDOR DE SITE DE RELACIONAMENTOS POR OFENSAS IMPUTADAS A USUÁRIO - Há responsabilidade objetiva da empresa bastando que exista, para caracterizá-la, a relação de causalidade entre o dano experimentado pela vítima e o ato do agente, surgindo o dever de indenizar, independentemente de culpa ou dolo. O fornecedor de produtos e serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados por defeitos relativos aos produtos e prestação de serviços que disponibiliza no mercado de consumo. A empresa responde por danos morais in re ipsa quando disponibiliza serviço defeituoso no mercado de consumo. Caso em que restou evidenciado o defeito do serviço, em razão da criação de perfil falso da autora contendo imagens e textos ofensivos a sua pessoa, que repercutiram negativamente no âmbito de trabalho e familiar. Comprovado nos autos que a usuária lesada denunciou o abuso à empresa demandada que não tomou qualquer providência para fazer cessar as ofensas, como a exclusão da página do perfil falso referido. - DANOS MORAIS - CONFIGURAÇÃO E QUANTUM INDENIZATÓRIO - Inexistente dúvida quanto à configuração do dano moral, pois constou no site de relacionamentos perfil falso da autora com mensagens e textos ofensivos à sua reputação. Logo, trata-se de dano moral in re ipsa, porquanto despicienda a comprovação do prejuízo psicológico, uma vez que evidente o abalo psicológico decorrente da conduta lesiva ora examinada. O valor a ser arbitrado a título de indenização por danos morais deve refletir sobre o patrimônio da ofensora, a fim de que sinta, efetivamente, a resposta da ordem jurídica ao resultado lesivo produzido, sem, contudo, conferir enriquecimento ilícito ao ofendido. Majoração do quantum fixado na sentença. APELO DESPROVIDO. RECURSO ADESIVO PROVIDO. (Apelação Cível Nº 70040602773, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Leonel Pires Ohlweiler, Julgado em 25/05/2011)

Grifos de agora

Em linhas gerais, sem a ambição de esgotar a temática, conclui-se que a remuneração indireta é aquela no qual o fornecedor de serviços digitais percebe vantagens diversas das de cunho pecuniário.

Neste diapasão, não obstante exista entendimento no sentido de excluir do conceito de consumidor aquele que toma serviços gratuitos, o usuário de internet estará resguardado pelo Código de Defesa do Consumidor por equiparação quando houver má prestação do fornecedor, com escopo no art. 14 do diploma telado.

Assim sendo, a busca pelos direitos dos consumidores (usuários) não deve ser minorada pelo aspecto “gratuito” do serviço fornecido, ao inverso, a estrutura de mega empresas das corporações digitais hodiernas devem ser rememoradas no momento da definição quantitativa de possíveis indenizações.

 

BIBLIOGRAFIA

 

1. LEONARDI, Marcel. Responsabilidade civil dos provedores de serviços de Internet. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2005.

2. http://www.sescsp.org.br/sesc/revistas_sesc/pb/artigo.cfm?Edicao_Id=421&.... Acesso em 17 de julho de 2012.