A reforma política brasileira


Pormarina.cordeiro- Postado em 25 maio 2012

Autores: 
ESPADA, Cinthia Maria da Fonseca
FRANSCISCO, Elaine Cristina
BRANDT, Lúcia Helena
FERNANDES, Paulo Cezar

Sumário: 1. Introdução. 2. Presidencialismo X Parlamentarismo. 3. Sistema Eleitoral. 4. Rigidez Constitucional e Separação de Poderes. 5. Conclusões


1. Introdução

A democracia brasileira, em sua crise atual, é o objeto do presente trabalho. O desafio proposto, desempenhado com simplicidade, culmina com propostas de alteração dos arranjos democráticos atuais, priorizando a simplicidade, a inclusão social e o equilíbrio.

O desafio é, a partir de nosso modelo de democracia, promover ajustes, iniciar a realização de uma ponderação que nos ajude na identificação dos arranjos mais adequados para viabilizar a nossa democracia.

Longe de destituir as instituições do mérito que possuem, por deliberada opção intelectual, faz-se o movimento inverso neste trabalho. Assim, o presente trabalho busca apresentar como resultado uma proposta concisa e inovadora, fundada, sobretudo, na realidade e na responsabilidade.

As dificuldades enfrentadas na elaboração do presente, certamente, não foram poucas.

A primeira foi superar o ranço de julgar o próprio caráter das doutrinas democráticas [01], pois como bem realça LÉON DUGUIT, esse é um erro muito vulgar e merecedor de cautela.

A segunda, reconhecer a relevância do tema. Superar a esmagadora constatação de que é muito difícil mudar o sistema posto, segundo CAFFÉ ALVES (2002, p. 99-100):

Mesmos estes "valores da comunidade" são uma construção ideológica providenciada, consciente ou inconscientemente, pelas forças hegemônicas dessa comunidade, mediante os mais variados instrumentos de propaganda, de divulgação de idéias e de formação de opinião pública.

Os membros da comunidade, neste caso, têm a impressão de que estão governando a si mesmos, auto governando, embora o façam segundo as idéias e valores de uma parcela hegemônica da comunidade.

(...) a sociedade é fragmentada em inúmeros interesses, muitos deles poderosos economicamente e que, por isso, podem se fazer representar mais do que outros na máquina político-burocrática do Estado. Põe-se aqui a questão primordial: até que ponto, num sistema como o nosso, marcado por diferenças e abismos sociais profundos, onde existem capitais imensos e de altas influências social e política na distribuição das riquezas produzidas, pode haver autêntica representação política na condução dos negócios públicos?

 

O referido autor, acreditando, por exemplo, na supremacia do interesse econômico, acaba por subordinar, por completo, a "vida política" aos interesses que denomina imensos, globais, segmentados e privatísticos.

Levando tal premissa a esse extremo, chegar-se-ia à infeliz conclusão de que é impossível alterar o sistema posto. Logo, irrelevante seu questionamento, porquanto o resultado evidente dessa concepção seria a desnecessidade de reflexão.

O presente trabalho busca superar tal dificuldade. Escolheu-se questionar e opinar, corajosamente, até concluir quais seriam as alternativas mais eficientes para aperfeiçoamento da democracia brasileira.

Contudo, eis que nova dificuldade veio nos assombrar: a globalização. Caso a razão esteja com certos defensores da idéia que governantes e governados não vislumbram a possibilidade de grandes mudanças, em razão da pressão externa, vinda de países poderosos e de grandes empresas que controlam grande parte da economia mundial, de que adiantaria nosso labor?

Expressão desse pensamento são os dizeres de CAFFÉ ALVES (2002: 101):

"Somente as grandes forças da mobilização democrática das comunidades serão capazes de impor obstáculos às aspirações dos grandes complexos econômico-financeiros e dos Estados a estes associados. (...) a democracia não deve ter apenas como objetivo a luta, no nível político, contra os desmandos centralizadores, contra o autoritarismo ou as ditaduras. Ela não tem apenas uma dimensão política. Seu escopo é também, e principalmente, a luta no âmbito econômico, buscando neutralizar as forças perversas e diuturnas dos mercados, através da universalização ética da ação participativa e crítica de todos, no processo permanentemente e continuado de decisão social das coisas públicas. Não basta, portanto, o retorno cíclico, em nível político, de quatro em quatro anos, para depositar de maneira solitária e ineficaz o voto nas urnas da democracia burguesa. É preciso atuar diariamente, visto que as forças do capital e do mercado são eficazes diariamente." [02]

Esses fatores políticos e econômicos não podem ser desconsiderados na nossa análise, já que o processo da globalização dos mercados e a internacionalização do sistema financeiro têm, na lição de José Eduardo Faria [03], relativizado a capacidade dos governos de gerir livremente seus instrumentos de política monetária, fiscal, trabalhista e previdenciária e comprometido oexercício, pelo Governo, de suas funções alocativas, corretivas e distributivas. Esses fatos, na constatação desse Autor, comprometem a efetividade das Constituições-dirigentes.

Todavia, se a globalização tiver tal poder, de que adiantaria alterar o sistema? E a velha pergunta novamente nos perturba: por que discutir isto se não podemos mudar?

Não obstante, os debates individuais e as posturas pareceram se alinhar em reconhecer que a própria crise brasileira pode ser vista como algo interessante: na crise, o País fica como um navio sem rumo, sem comandante.

Para José Eduardo FARIA (2003), vivemos num cenário em que as obrigações públicas tentem a ser reduzidas ao conceito geral de "mercadoria", porquanto convertidas em "negócios privados". Mas, na realidade, esses são indícios do esvaziamento dos valores públicos e do "rebaixamento" qualitativo da cidadania, acompanhado da perda de referências éticas e morais e da destruição dos laços de referência [04].

A globalização realmente influencia a nossa sociedade. Entretanto, seus efeitos podem ser minimizados. Acredita-se, portanto, na possibilidade de mudança.

Essa mudança, sem dúvida, começaria com pela solução da necessidade de melhorarmos a qualidade e o acesso à educação, em seu sentido mais amplo, pela distribuição das informações com mais critério. Como cidadãos do mundo, primeiramente, devemos ter capacidade de "ler" o mundo.

Também consoante JOSÉ EDUARDO FARIA (2003:11):

Ao propiciar o advento do tempo real, a revolução das técnicas e tecnologias da informação "diminuiu" o mundo, tornando-o mais interdependente ao romper as limitações da distância e do seu tempo na organização e na interação sociais. Com isso, se por um lado ela permitiu à comunicação converter-se em favor da expansão da consciência dos atores individuais e coletivos e de diferenciação e variedade de sistemas e mercados sob a forma de redes, favorecendo a multiplicação de contatos e informações, por outro não propiciou a expansão do que Habermas chama de um mundo intersubjetivamente compartilhado. [05]

Num outro trecho, referido autor reforça seu pensamento:

(...) a comunicação global em tempo real tende, igualmente, a desestimular a reflexão: a esvaziar iniciativa de líderes políticos e autoridades governamentais, que são naturalmente lentas e pausadas por dependerem de inúmeras consultas e negociações locais para serem levadas à frente; a enfraquecer a capacidade organizativa, agregadora e condutora das agremiações partidárias, peças fundamentais do sistema representativo incumbidas de canalizar demandas, mobilizar esforços, articular interesses, construir coalizões e expressar a diferenciação social; solapar, como conseqüência, a mediação por elas promovida entre o Estado e os cidadãos; e, por fim, a precipitar a tomada de decisões sem a devida avaliação de suas conseqüências e sem a devida apreciação de seu próprio desfecho (p. 12).

Estas ponderações trazem outra variável - a eficácia dos sistemas democráticos tradicionais frente à velocidade da tecnologia da informação [06]. Este é um assunto complexo e relevante. Suscita questionamentos que vão além do horizonte deste trabalho, cuja singeleza não admite reflexão tão ampla, porquanto o enfrentamento desta questão em poucas linhas acabaria por deformá-la.

Sendo assim, muito embora não se possa deixar de considerar o poder de influência exercido pelos grandes grupos econômicos e pela mídia, é preciso ter em conta que as sociedades contemporâneas são organizadas por meio de suas instituições, públicas e privadas. Portanto, é disciplinando-as, por meio de normas jurídicas dotadas de sanção, que podemos ao menos sonhar em obter resultados positivos.

Por conseguinte, vencidos, em termos rasos, as dificuldades do manejo do tema, passa-se a refletir a respeito de pontos essenciais que podem, de alguma maneira, produzir algum efeito no funcionamento e na eficiência de nossas principais instituições políticas, quais sejam, o Poder Executivo e Poder Legislativo, pois, conforme nos ensina Montesquieu não devemos aceitar o fatalismo, já que o homem pode, adotando certas medidas influir para que a forma de Governo evolua. Esses pontos essenciais serão: o Presidencialismo x Parlamentarismo, o Sistema Eleitoral, a Rigidez Constitucional e a Separação de Poderes.


2. Presidencialismo e Parlamentarismo

A democracia brasileira é interessante.

Levantando a história política nacional, constata-se que o Parlamentarismo foi mais extenso em número de anos, mas o Presidencialismo é "venerado" pelo povo, como se aqueles dias não houvessem existido [07].

Como bem sintetiza BONAVIDES (...): "O constitucionalismo brasileiro do século XX é tão caracterizadamente republicano quanto o do século XIX, que já examinamos, fora imperial" (p. 72).

De fato, a substancial diferença entre o eleito sistema Presidencialista parece apontar para a maior nitidez da separação de poderes [08].

No parlamentarismo, o chefe de governo pode ser forçado a renunciar por um voto legislativo de desconfiança.

No presidencialismo, por outro lado, existe a possibilidade de impeachment e, não bastasse, pode-se presumir que um péssimo presidente dificilmente terá chances de ser reeleito.

Parece, portanto, que o presidencialismo está mais em consonância com a democracia, porquanto os presidentes são eleitos pelo voto popular, por um período determinado constitucionalmente.

Interessante é que nos dois sistemas pode existir corrupção, problema crônico em nossa democracia.

Todavia, o problema da democracia brasileira não está relacionado com a escolha entre presidencialismo e parlamentarismo. Entende-se de maior relevância o sistema de representação do legislativo.

Alguns críticos alegam que, no presidencialismo, muitos chefes são politicamente fracos e se utilizam com muita freqüência de medidas provisórias para governarem.

Isto, no entanto, não é exatamente um problema do presidencialismo, mas sim um problema de governabilidade, que recai, mais uma vez, no sistema de representação.


3. O Sistema Eleitoral Brasileiro

A doutrina indica que o sistema eleitoral brasileiro conduz a uma democracia partidária, ainda que conte com mecanismos de participação direta do povo, como o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular. É semi-direta - representativa partidária, devido à eleição proporcional dos representantes. Admite o voto de legenda e vincula a participação dos parlamentares eleitos a partir da inscrição partidária válida (TORRECILLAS RAMOS, 2003).

Ora, parece esse o ponto: é incoerente a mistura do sistema proporcional com o majoritário.

Proporcionalmente, vê-se que a democracia brasileira já é mais majoritária do que proporcional. Assim, melhor optar-se pelo afastamento do sistema misto, hoje presente, para acolher o sistema majoritário em sua completude.

3.1. O sistema Representativo [09]

A Constituição Federal de 1988 prevê o sistema proporcional para a Câmara Federal de representação popular. Por outro lado, o sistema majoritário para o Senado, que representa os Estados-Membros.

O presidente, aliás, também é eleito segundo o sistema majoritário.

3.1.1. Proporcional

Para analisar, é preciso conhecer. Por isso, sinteticamente passa-se a demonstrar o mecanismo de funcionamento desse sistema e o porquê dele pressupor partidos.

No sistema proporcional, dividem-se os votos expressos pelo número de mandatos, para se obter o quociente eleitoral.

Após, divide-se o número de votos recebidos pelo partido, expresso pela soma dos candidatos, ou destes mais os da legenda (sem indicação de candidatos), pelo quociente.

Tem-se o número de mandatos conquistados.

Deve haver uma correspondência entre os votos dos candidatos, ou do partido, e o número de mandatos no parlamento. Existindo sobras, critérios devem ser estabelecidos para distribuí-las.

A representação proporcional reflete, na assembléia, o seu eleitorado e "todas as tendências". Possibilita a substituição do sufrágio de homens por um sufrágio de idéias. Há, teoricamente, a escolha de um projeto ou programa pela sociedade. O eleitor vota no partido de sua preferência e não numa maioria da qual deve sair o governo. (MIRANDA: 1995).

Consoante FERREIRA FILHO, os partidos políticos são essenciais a esse modelo de democracia para a formação política do povo. Oferecem opções a serem escolhidas pelo eleitorado e os "homens adequados" com capacidade para executá-las. Referido autor arremata: "apresentam novas idéias e novos programas para a escolha popular". Pois bem. Vê-se, de pronto, que no sistema brasileiro existem as distorções.

Sustenta TORRECILLAS RAMOS que (2003:44-45):

"Em primeiro lugar, o mandato que deveria ser partidário não o é e pertence ao candidato eleito. Há uma mistura entre uma característica do sistema proporcional com outra do sistema majoritário: elege-se pelo primeiro e detém o mandato pelo segundo, como pessoal.

Em segundo lugar, os partidos devem estabelecer normas de fidelidade e disciplina, conforme o par. 1 º do artigo 17 da Constituição de 1998, mas não impedem que um candidato eleito por um partido transfira-se a outro, ou decida contra as diretrizes de seu programa. Mais uma vez fica demonstrado que o candidato elege-se pela força do partido. Conforme exemplificamos, com apenas 275 votos um candidato elege-se por um partido, enquanto outro, com 127.938 votos, não consegue um mandato. Após a eleição, com os votos do partido, vem traí-lo, decidindo contra as diretrizes do mesmo ou abandonando-o e não perde o cargo; elege-se pelo sistema proporcional e mantém-se pelo sistema majoritário. Além disso, é uma incoerência com o sistema, um desrespeito aos eleitores.

Ainda cumpre esclarecer que se esse candidato, eleito com 275 votos, transferir-se para o partido daquele não eleito com 127.938, continuará com o mandato, executando um programa e dentro de uma ideologia para a qual não foi eleito. Há uma ilegitimidade, porque neste outro partido quem obteve 127.938 votos populares, não representa os eleitores de seu partido, nem o povo, no sentido amplo, em quanto o outro, com 275 votos, o faz, como se o voto, no sistema proporcional adotado, fosse pessoal. Não há, portanto, o respeito pleno a este sistema e nem a legitimidade do voto pessoal de um sistema majoritário."

Por conseguinte, esse é o ponto a ser alterado.

3.1.2. Majoritário

LIPJHART define o sistema de representação majoritário da seguinte forma:

"Cada membro é eleito em um único distrito, segundo o método da maioria simples, que na Grã-Bretanha é chamado de sistema "first past de post": vence o candidato com mais de 50 por cento dos votos ou, caso não houver maioria, com a maior minoria" (p. 32).

Levando-se em consideração os itens pontuados por DAHL (2001,211) [10], depreende-se que o melhor sistema para o Brasil seria o majoritário, em sua plenitude.

Seguindo-se essa idéia, as casas do legislativo com sistema de representação proporcional deveriam sofrer reforma, porquanto o sistema majoritário uninominal seria o aplicado para eleger deputados, federais e estaduais [11]. Tal sistema também seria aplicável ao legislativo municipal, embora com alterações.

A proposta é a realização de uma modificação singela no sistema, mas que possibilite relevantes repercussões. Caso os distritos sejam adequadamente re-desenhados, com dimensões diminutas, os grandes blocos que dominam o poder político do país serão golpeados, por certo. Os votos dos eleitores, de norte a sul do país, terão o mesmo valor.

A atual determinação de um número de oito e o máximo de setenta deputados, para cada unidade da Federação, causa uma distorção enorme. O país é composto por unidades federativas com características essencialmente diversas. Assim, muitas delas, com pequena população, têm direito a oito deputados, enquanto outras unidades bastante populosas têm direito a setenta. São Paulo, por exemplo, com mais de 34 milhões de habitantes, tem direito a setenta deputados. O Estado de Roraima, com cerca de 240 mil, tem direito a oito. Portanto, um voto em Roraima vale mais de quinze vezes o mesmo voto em São Paulo.

TORRECILLAS RAMOS (2003:44-45), ao comparar o sistema brasileiro com o norte americano, pontua, com propriedade:

"É diferente do que ocorre nos Estados Unidos da América do Norte, onde há proporcionalidade, com o mínimo de um representante em sete Estados e delegado no Distrito Federal. Aliás, possui um total de 435 deputados para uma população de 265 milhões de habitantes e o Brasil, comparando, tem 513 deputados para uma população de 165 milhões de habitantes, com oito deputados para o Distrito Federal. Esses números podem ter sofrido alterações, de acordo com as datas, mas não alteram o significado de exposição".

A maioria do povo brasileiro seria "realmente" representada.

Com a nossa proposta, os senadores deverão continuar a representar os Estados Federados, nos moldes já existentes, mas com a seguinte peculiaridade: apenas um representante para cada Estado [12].

Esse sistema de eleições majoritário se adapta à nossa realidade, pois vivemos em uma sociedade relativamente homogênea. Temos, no Brasil, uma só língua, o povo é constituído por uma maioria de pobres, e as diferentes raças e credos não têm muita importância.

Chegamos à conclusão de que vivemos em uma sociedade relativamente homogênea, quando analisamos os ensinamentos de LIPJHART. Segundo esse autor, as sociedades pluralistas (heterogêneas) são "sociedades intensamente compartimentadas quanto a diferenças religiosas, ideológicas, lingüísticas, culturais, étnicas ou raciais..." (p. 52).

Destarte, considerando-se que o número de vinte e sete partidos registrados na Justiça Eleitoral é excessivamente elevado, acredita-se que a sua diminuição, a ser trazida pelo sistema de representação majoritário, não é prejudicial para nossa sociedade exatamente pelo fato de que não temos grandes divisões lingüísticas, religiosas, étnicas e culturais. Pelo contrário, a adoção do sistema de representação majoritário parece ser necessário à redução do excessivo número de partidos com representação no Congresso Nacional.

Ademais, democracias de consenso bem sucedidas são raras. Nesse sentido se posiciona DAHL:

"Sem dúvida, democracias consociacionais bem sucedidas são raras, porque as condições que ajudam a torná-las viáveis são raras (em Democracy in Plural Societies, Lipjhart descreve nove dessas condições favoráveis). A conveniência da solução consociacional para sociedades divididas tem sido contestada com essas fundamentações: (1) em muitos países culturalmente divididos, as condições favoráveis (e talvez necessárias) são frágeis demais ou não existem; (2) os arranjos consociacionais reduzem intensamente o importante papel da oposição no governo democrático. ..; (3) alguns críticos preocupam-se com a possibilidade de vetos mútuos e com a necessidade de consenso que levassem a exagerado impasse" (p. 214-215).

Pior ainda é a mistura entre presidencialismo e sistema de representação proporcional. Conforme nos assevera o próprio LIPJHART, não funciona, porquanto o presidente é colocado em uma posição política frágil e, sem poderes efetivos para governar, é obrigado a se utilizar de medidas provisórias. Por conseguinte, há necessidade de governabilidade.

Por fim, devemos observar que não defendemos um sistema de representação majoritário puro, pois entendemos ser importante a manutenção da constituição rígida e da revisão judicial, em face da nossa cultura.

Em alguns países, como esclarece JOSÉ AFONSO DA SILVA (2003), é possível a revogação do mandato por certo número de votos dos eleitores. É o caso do recall, nos EUA [13].

Os constituintes, quando da elaboração da Constituição de 1988, recusaram incluir a destituição de mandatos em certos casos, conforme várias propostas apresentadas. Mesmo porque isto seria incoerente, no caso do sistema brasileiro.

O sistema de recall, possibilitando que, pelo voto, o candidato eleito seja destituído do mandato, há de privilegiar a iniciativa do processo a partir das "instituições sociais", como enuncia CAFFÉ ALVES (2002, p. 101):

Essa democracia participativa deve realizar-se mediante redes organizadas de representações, onde as instituições culturais, produtivas, religiosas, profissionais, de vizinhança, de lazer, etc. (sic), tenham vínculos diretos ou indiretos com o poder político, propugnando pelas administrações transparentes e alijando a influência absoluta dos partidos políticos e dos grupos econômicos.

Neste contexto, temas inerentes à reforma política, como a fidelidade partidária, devem ser sopesados [14].

3.3. A Federação à brasileira

Consoante Lijphart, existe "uma grande variedade de definições de federalismo na literatura existente sobre o assunto, porém há um amplo acordo sobre sua característica mais básica: uma divisão de poder garantida entre governo central e governos locais" (2003, p. 214).

Por conseguinte, a existência do Estado Federal pressupõe a descentralização político-administrativa do exercício do poder, e, por conseguinte, a autonomia dos Estados componentes da Federação.

A existência de uma Constituição é importante para essa autonomia, porquanto, como ensina Lijphart ao citar Elazar, " ‘o primeiro teste da existência do federalismo é o desejo ou a vontade de ser federalista por parte dos sistemas políticos envolvidos. A adoção e a manutenção de uma constituição federal é (...) o primeiro e mais importante meio de expressar essa vontade’ " (2003, p. 216).

Ao contrário dos Estados Unidos, que nasceram da junção de Estados independentes, a federação brasileira nasceu da divisão do todo. Conseqüência disto é a menor intensidade da divisão de poder entre os membros da Federação. Assim podemos dizer que os nossos Estados, Municípios e o Distrito Federal são politicamente mais fracos que outros Estados pertencentes a outras federações, como, por exemplo, a dos Estados Unidos.

Como bem pondera BONAVIDES (2003, p. 73), "Tocante à Federação, o sistema logo manifestou na aplicação as suas fraquezas, as suas imperfeições, os seus erros, distanciando-se, por completo, do original americano, de que fora cópia servil".

O modelo de Estado Federativo "tende a ser usado em dois tipos de países: os relativamente grandes e as sociedades plurais" (2003, p. 222).

O Brasil não é uma sociedade plural, como mencionado anteriormente, o que não afeta a escolha pelo federalismo, em razão do tamanho de seu território que, diga-se, é imenso.

Poderiam, no entanto, ser melhor distribuídas, para os integrantes da Federação brasileira, as receitas arrecadas, por meio de tributos, pela União, assim como algumas competências legislativas poderiam ser transferidas aos Estados, Municípios e Distrito Federal.

 

4. Separação de Poderes e Rigidez Constitucional

Como nos ensina Montesquieu, em uma federação ocorre dupla Divisão de Poderes: uma entre Executivo, o Legislativo e o Judiciário: e outra entre o governo central e os estados-membros.

Neste tópico, nos preocuparemos com o primeiro tipo de separação, qual seja, entre o Poder Executivo, o Legislativo e Judiciário.

Segundo a moderna concepção da teoria separação dos poderes, proposta por Karl Loewenstein, a definição da política (policy decision) compete ao Poder Legislativo, a execução da política (policy execution), ao Executivo, e o controle da política (policy control), ao Poder Judiciário.

Muito embora a concepção da teoria da separação dos poderes tenha sofrido mudanças, seu desafio ainda continua sendo o de consiguir atingir o seu objetivo maior, qual seja, a limitação do poder. Para isso, é preciso que existam instrumentos para que um Poder freie o Poder.

Nesse passo, para que não exista desequilíbrio entre os Poderes, não se pode admitir que um Poder interfira, de forma negativa, no exercício das funções do outro. Muito embora, a própria Constituição, preveja instrumentos de controle de um Poder em relação ao outro, ela não permite que o exercício dos três poderes se dê de forma desequilibrada.

Por conseguinte, para que a separação dos poderes seja assegurada é necessário que se proíba que uma mesma pessoa ocupe um cargo no Poder Executivo e no Poder Legislativo ou Poder Judiciário, ao mesmo tempo.

Não se pode admitir, também, que o Poder Executivo exerça coesão sobre o Poder Legislativo. Nesse ponto, a nossa proposta de diminuir o número de partidos e, por conseqüência, fortalecê-los a ponto de se assegurar a governabilidade, certamente influenciará o sistema político, de forma positiva, para amenizar a referida coesão.

Sempre com vistas a evitar a concentração do Poder na esfera executiva, outra preocupação da separação dos poderes é controlar os poderes, denominados por Lijphart, como reativo (poder de veto) e pró-ativo (editar medidas provisórias). O primeiro não nos apresenta problemas, já que o veto pode ser derrubado pelo Poder Legislativo.

 

Já o segundo, o uso excessivo das medidas provisórias, como já se defendeu anteriormente, por ser fruto de governos fracos, pode ser solucionado também com o fortalecimento da governabilidade, resultado da diminuição do número de partidos e o seu fortalecimento. Também não podemos deixar de considerar as novas regras aplicáveis às medidas provisórias, que limitam a sua utilização.

Neste ponto, é preciso lembrar da necessidade de profissionalização da administração pública, por meio da diminuição dos cargos em comissão e das funções de confiança, o que poderia, certamente, fortalecer a nossa democracia, já que o seu provimento ficaria livre dos humores da política.

Muito embora defendamos o sistema majoritário, não o adotamos em sua forma pura, pois optamos por adotar a rigidez constitucional.

Para garantir essa rigidez e em nome da separação dos poderes, manteremos o controle da constitucionalidade fora do âmbito executivo e legislativo.

No entanto, propomos que um Tribunal Constitucional especial, seja criado, para exercer, apenas, o controle da constitucionalidade.

Aqui, pedimos vênia para invocar a lição de Cezar Saldanha Souza Junior, que se referindo à grande polêmica Kelsen-Schmitt, nos ensina que a defesa da constituição requer uma instância independente e superior à da legislação – e, com maior razão- à da governação e à da administração (as quais dependem do Parlamento para a fixação do endereço político de suas ações), bem como à instância da própria jurisdição ordinária (que se expressa, basicamente, pela aplicação da legislação formal (p. 138).


5. Conclusão

Léon Duguit afirma que:

"O século XIX viveu de duas idéias políticas: supôs que tudo se salvava afirmando o princípio de que todo poder emana do povo, e criando um parlamento diretamente eleito pelo povo; supôs também que, proclamando a república como a forma necessária de democracia, estabelecia a liberdade em bases indestrutíveis. A história contemporânea mostra, à sociedade o erro desses dois princípios, e que, se há uma forma de governo contra o arbítrio, no qual importa tomar sérias garantias, é justamente o governo do povo, porque é ele que tem mais tendências a julgar-se onipotente. Criaram-se parlamentos por eleição contra o despotismo dos reis; deve afirmar-se agora o direito intangível do indivíduo contra o despotismo dos parlamentos." (p. 31-32)

Esse texto evidencia a importância, para a democracia, dos direitos dos indivíduos "contra o despotismo dos parlamentos", porquanto nenhuma forma de arbítrio do governo é aceitável. Se a humanidade já superou o "despotismo dos reis", deve também lutar contra o "despotismo dos parlamentos".

A separação de poderes, nesse contexto, é de suma importância. Todavia, a fim de que essa separação não fique comprometida, torna-se necessário que o Poder Executivo possa governar sem a necessidade de recurso exagerado às Medidas Provisórias.

Com o escopo de atingir essa governabilidade, há necessidade de mudança, porquanto a junção entre o presidencialismo e sistema de representação proporcional não tem se mostrado eficiente neste aspecto. Diante disto, a escolha do sistema de representação majoritário afigura-se essencial para que se possa atingir um grau maior de governabilidade, impedindo, assim, que seja colocada em risco a separação de poderes.

Consoante mencionado anteriormente, a escolha entre presidencialismo e parlamentarismo é de somenos importância, porquanto não trará mudanças substanciais em pontos estratégicos, como a diminuição do número de partidos existentes em nosso País e o aumento de governabilidade do Poder Executivo. Ademais, o presidencialismo também deve ser mantido por se encontrar culturalmente muito enraizado no Brasil, como revela o plebiscito realizado alguns anos atrás, bem como em razão de não ser ele o responsável pela alegada concentração de poder nas mãos do executivo, como demonstrado em linhas atrás.

Por fim, afigura-se importante a manutenção da rigidez Constitucional e do sistema de revisão judicial, não apenas por razões culturais, mas também em face da idéia de que esses institutos ajudam a garantir a manutenção dos direitos assegurados constitucionalmente para impedir o "despotismo dos parlamentos".


BIBLIOGRAFIA

BONAVIDES, Paulo, e Paes de Andrade. História Constitucional do Brasil. 3. ed., São Paulo: Paz e Terra, 1991.

CITTADINO, Gisele. Pluralismo, Direito e Justiça Distributiva: Elementos da Filosofia Constitucional Contemporânea. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, 3ª edição.

DAHL, Robert A. Sobre a Democracia. Tradução de Beatriz Sidou. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2001.

DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 16. ed., São Paulo: Saraiva, 1991.

DUGUIT, Léon. Fundamentos do Direito. Tradução e notas de Ricardo Rodrigues Gama. Campinas: LNZ Editora, 2003.

HORTA, Raul Machado. Regime Político e a doutrina das formas de governo. RF 176.

LIJPHART, Arend. Modelos de Democracia: Desempenho e Padrões de Governo em 36 Países. Tradução de Roberto Franco. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

MONTESQUIEU, Charles de Secondat. O Espírito das Leis: as formas de governo, a federação e divisão de poderesTradução de Pedro Vieira Mota, 8ª ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2004.

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SIQUEIRA CASTRO, Carlos Roberto de. O Congresso e as delegações legislativas. Rio de Janeiro: Forense, 1986.

SOUZA JUNIOR, Cezar Saldanha Souza. O Tribunal Constitucional como Poder: Uma Nova Teoria da Divisão dos Poderes. São Paulo: Memória Jurídica, 2002.


Notas

01 Convencionou-se chamar democráticas todas as doutrinas que têm, como sua origem, o poder político na vontade coletiva da sociedade, submetida a esse poder, dando legitimidade ao poder instituído pela coletividade que a rege.

02 Para MEZZAROBA apud GRUPPI, a concepção de hegemonia em Gramsci está vinculada à capacidade de desvendar a identidade nacional, isto é, as características típicas de um determinado grupo. Logo, hegemonia em tal concepção é empregada como sinônimo de "conhecimento, além de ação, por isso é a conquista de um novo nível de cultura, é a descoberta de coisas que não se conhecia". Ora, segundo tal premissa "o processo de hegemonia é então um processo de unificação do pensamento e da ação. [...] A hegemonia se conquista antes da conquista do poder, e é uma condição essencial da conquista do poder". (2005:09)

O efeito das referidas concepções são curiosos, posto que um determinado grupo só conquistará a supremacia sobre o outro, na medida em que conquistar a direção e o poder.

O meio para alcançar tal intento é simples, ou seja, basta que se consiga difundir, "entre todos", a sua identidade política e cultural.

03 Esses ensinamentos de José Eduardo Faria são encontrados no prefácio da Obra Pluralismo, Direito e Justiça Distributiva, da autora Gisele Cittadino.

04 O autor assim defende sua concepção: "(...) o papel do consumidor cada vez mais se sobrepõe ao de trabalhador e em que os titulares de um direito civil se transformam em meros compradores de bens e serviços produzidos e/ou prestados pela iniciativa privada, a igualdade só acaba ocorrendo no mercado – o espaço onde os homens são iguais apenas e tão-somente como proprietários de bens ou da própria força de trabalho. E como este é um momento em que o emprego se tornou escasso, por razões que discuto em outro texto (FARIA: 1999). A tão glamorizada "soberania do consumidor".(...) Isto porque, quem está desempregado, em princípio, fica sem acesso ao mercado consumidor. E, por esse motivo, não é capaz de ser dono de si, juntamente com os outros, em tudo o mais na vida política, social e cultural."(p. 10)

05 "Hoje, não está claro", diz ele, "se a ampliação da consciência (...) poderá abarcar os sistemas que se vão ampliando, ou se, ao contrário, os processos sistêmicos, depois de adquirirem vida própria, levarão à fragmentação, com uma multiplicidade de aldeias globais não relacionadas entre si" (HABERMAS, 2000: 308).

06 JOSÉ EDUARDO FARIA (2003:14): "Mas os procedimentos democráticos tradicionais, uma vez esvaziados em sentido e conteúdo, já não são mais um processo compartilhado de afirmação da vontade coletiva e de participação efetiva na constituição do poder. Quando muito, limitam-se a ratificar acordos feitos em outras arenas, inter ou transnacionais, inter ou supragovernamentais, assumindo assim a forma de ritos banalizados ou empobrecidos, de jogos de cena determinados pela conjunção entre pesquisas de mercado e técnicas de marketing e de "vídeo política" e espetáculos "midiáticos" para o imaginário das massas, convertendo o cidadão em simples telespectador, um homo videns banalizado – e, com isso, levando à substituição de seus esforços de reflexão e crítica pela dinâmica passiva dos reflexos".

07 No Brasil, o presidencialismo já está muito enraizado, tanto que, com o plebiscito realizado há anos atrás, saiu vencedor.

08 Essa separação não é tão nítida no parlamentarismo, sistema em que o chefe de governo é responsável pela legislatura juntamente com seu gabinete.

09 Segundo CAFFÉ ALVES (2002:101): "A representação não pode ser um fim e si mesma. Ela deve ser apenas um meio de garantir a efetiva participação das instituições sociais e dos homens concretos no governo das comunidades".

10 Em sendo: manter a simplicidade, não ter medo de inovar, errar em favor da inclusão, estabelecer a legitimidade e a aceitação entre todos os atores essenciais, procurar maximizar a influência do eleitor, equilibrar isto em relação ao estímulo a partidos políticos coerentes.

11 O sistema majoritário uninominal corresponde ao "first past the post", sistema eleitoral no qual o candidato mais votado vence (o segundo colocado é excluído).

12 Quanto ao Senado, o grupo sofreu um duro embate. Se de um lado parte dos membros irredutivelmente defendeu sua extinção completa, outros, mais moderados e vencedores em votação efetuada para redação final do texto, concordaram em restrições quanto ao número de representantes e a competência. E, por fim, todos ficaram "felizes" em garantir a proteção das minorias ricas e nordestinas, com a manutenção do Senado.

13 O recall nos EUA nasceu no Estado de Oregon, a revogação permite aos eleitores revocar, ou seja, chamar de volta, retomar o mandato do eleito, o que significa retirar o poder de alguém que tenha sido eleito para alguma função pública. (JOSÉ AFONSO DA SILVA, 2003:102).

14 A inserção de critérios objetivos e subjetivos pode "criar" uma maior transparência na relação entre partidos e membros e vice-versa.