A REFORMA DA PREVIDÊNCIA E O PLANO DE GOVERNO


Porjulianapr- Postado em 26 março 2012

Autores: 
Carlos Henrique de Magalhães Marques

 

A REFORMA DA PREVIDÊNCIA E O PLANO DE GOVERNO

 

Carlos Henrique de Magalhães Marques

 

Advogado em Belo Horizonte/MG

Presidente da Fundação Bras. de Direito Econômico

carlosh@mmarques.com

 

 

A proposta de reforma que foi apresentada à sociedade carece de uma análise à vista do plano de governo1anunciado ao eleitorado brasileiro pelo então candidato Luiz Inácio Lula da Silva, a fim de que se possa formular, a respeito, um juízo de valor crítico, mais legítimo e consistente.

Lá está consignado, claramente, que a reforma da previdência social seria articulada a partir de 02 pilares básicos: I) sistema previdenciário básico universal, público, compulsório, para todos os trabalhadores brasileiros, do setor público e privado; II) sistema de planos complementares de aposentadorias, com ou sem fins lucrativos, de caráter facultativo e sustentado por empregados e empregadores, em complementação.

Sobre a questão da “reforma da previdência social”, o plano de governo revela vários pontos interessantes.

Antes, porém, de abordá-los, convém observar que a simples referência feita à “sistema” revela que não se cogitava da unificação da previdência social, pública e privada, nos moldes agora anunciados, admitindo-se, ao contrário, a existência de um conjunto ordenado de órgãos e entidades responsáveis pela previdência social, básica e complementar, pública ou privada.

Os principais pontos assinalados na proposta de governo são os seguintes: a) tranqüilidade relativa quanto aos direitos que poderão usufruir após o término de uma longa dedicação de vida laboral; b) benefícios claramente estipulados com o valor do piso e do teto de benefícios de aposentadoria claramente definidos na negociação de um contrato coletivo do setor público, no qual os assuntos trabalhistas e previdenciários devem ser objeto de ampla e democrática negociação; c) gestão democrática, a cargo de um órgão quadripartite, incluindo representantes do Estado, dos trabalhadores da ativa, dos aposentados e dos empresários; d) planos complementares de aposentadorias, com ou sem fins lucrativos; a previdência complementar, que pode ser exercida através de fundos de pensão, patrocinados por empresas ou instituídos por sindicatos (conforme a Lei Complementar 109), voltada para aqueles trabalhadores que querem renda adicional além da garantida pelos regimes básicos, deve ser entendida também como poderoso instrumento de fortalecimento do mercado interno futuro e fonte de poupança de longo prazo para o desenvolvimento do país; e) discussão mais racional quanto à eventual redução da alíquota de contribuição. O peso da contribuição dos empregadores (20% sobre a folha de pagamento) é um elemento de redução de competitividade dos produtos brasileiros (pois poucos países adotam alíquotas tão altas) e, ao mesmo tempo, é um incentivo à falta de registro formal do trabalhador ou ao registro com salários mais baixos do que os praticados.

Todavia, a “reforma da previdência” cuja aprovação está sendo cobrada junto ao Congresso Nacional, está orientada, fundamentalmente, para a adoção de medidas mais eficazes objetivando a aceleração dos processos judiciais pendentes na Procuradoria do Instituto, para a redução de vencimentos e proventos pagos aos magistrados, procuradores, militares e à alguns outros funcionários, no âmbito do Estado com a conseqüente equalização dos valores das aposentadorias concedidas ao setor privado, pelo INSS, bem como com a taxação dos inativos. Com essas medidas o Governo acredita que conseguirá eliminar o “déficit” da previdência social do país.

Paradoxalmente, enquanto a proposta de corte e de redução dos vencimentos e proventos está sendo discutida, os jornais noticiam que “os investimentos em “previdência aberta” podem saltar 40% no ano de 2003, em relação aos R$31,6 bilhões de 2002 ! Note-se que de 1994 a 2002 os Fundos de Aposentadoria e Pensão, abertos e fechados, contabilizaram investimentos que totalizam R$199,8 bilhões.2A todo instante deparamos com notícias de que “Entidades de Previdência Privada Estrangeiras” estão interessadíssimas no mercado brasileiro de previdência complementar.

Como se pode ver, não se está diante de um negócio falido, como tem sido anunciado!

A história da previdência social no nosso país, muito a propósito, tem sido marcada pela indevida apropriação pela União, Estados e Municípios das contribuições sociais desviando os recursos correspondentes para outras finalidades. Comenta-se, inclusive, que a capital federal, Brasília, teria sido, em grande parte, construída com recursos da previdência social. O país tem sido surpreendido, freqüentemente, com a notícia de fraudes na concessão de benefícios, que alcançam milhares de dólares; a “máfia” dos hospitais e das “entidades pilantrópicas” apropria-se dos recursos arrecadados pelo INSS da forma a mais inescrupulosa, o mesmo ocorrendo com a “máfia” da fiscalização que prossegue agindo impunemente, comercializando CNDs, extorquindo as empresas e lavrando autos de infração indevidos, com multas e penalidades absurdas para aquelas que não se submetem às suas “investidas”. Os fundos de pensão têm sido forçados, pelo Ministério da Fazenda e Banco Central, a “investirem” seus recursos financeiros, inclusive, em “moedas e títulos podres”, sem nenhuma liquidez no mercado de capitais e a Fazenda Pública, federal, estadual e municipal não repassa para os cofres da Previdência Social as contribuições sociais arrecadadas. Empresas Públicas têm sido criadas, aplicações patrimoniais das quais não se tem sequer um cadastro patrimonial confiável, gastos inúteis e descontrolados, burocratização dos serviços. A imprensa tem noticiado, sempre com destaque, esses “fatos”.

Ora, não há empresa ou instituição, pública ou privada, que resista e sobreviva à uma situação dessa !

Não adianta mitigar a finalidade da previdência social!

Prevenidos os abusos, a previdência social só terá cumprido sua finalidade na medida que puder proporcionar à população brasileira a garantia de aposentadoria com proventos integrais, equivalentes ao montante total efetivamente percebido no momento da aposentadoria, sem qualquer exclusão, ou inclusão! O mesmo critério precisaria ser adotado com relação às pensões! Este, aliás, deveria ser o grande objetivo da reforma que urge ser realizada. Isto não é impossível de ser concretizado, mas, para que se obtenha sucesso será indispensável que o projeto de reforma contenha, dentre outros pontos relevantes, a previsão de levantamento, contabilização e recuperação de todas essas “perdas”, de revisão dos critérios que estabelecem o “salário de contribuição”, bem como sejam reavaliadas as contribuições sociais impostas ao universo de contribuintes, atentando-se para a realidade econômica do país e para a capacidade contributiva de cada setor, empresa e trabalhador. O modelo “tailor-made”, de eficácia comprovada no campo da previdência social complementar, merece ser explorado, dentre outros, tanto para o setor público, quanto para o privado.

É preciso, sobretudo, coragem para se enfrentar os verdadeiros problemas que impedem a plena consecução de uma reforma previdenciária verdadeiramente justa e eficaz.

Infelizmente, porém, esses aspectos não foram objeto de cogitação pelo projeto de reforma apresentado pelo Governo Federal ao Congresso Nacional. Não há nele uma proposta sequer que sinalize na direção de que haverá uma profunda e indispensável reforma administrativa ou de que será instituído um programa para o levantamento e ulterior recuperação desses recursos subtraídos aos cofres do INSS, em decorrência, em grande parte, da incúria do próprio Governo! Fala-se apenas nos “marajás do serviço público” e na “cultura de sonegação do contribuinte”.

A população brasileira esperava que lhe fossem reveladas, com maior clareza, as distorções existentes na previdência social do Brasil e que fosse apresentado um projeto de reforma mais consistente!

Sabe-se que a “reforma da previdência social” no Brasil não é missão fácil de ser equacionada, porém, dificilmente será ela realizada a contento se prosseguir da forma como está sendo conduzida, técnica e politicamente pelo Governo.

A proposta apresentada é um arremedo de reforma que limita-se apenas à busca de um efêmero e pontual equilíbrio orçamentário! Isto não resolve o problema!

[2]GAZETA MERCANTIL – RELATÓRIO PREVIDÊNCIA PRIVADA – 06/06/2003 – pág.1