A RECEPTIVIDADE DO DIREITO ECONÔMICO PELO BACHAREL EM DIREITO: ESTUDO DE CASOS


Porjulianapr- Postado em 26 março 2012

Autores: 
Ricardo Antônio Lucas Camargo

A RECEPTIVIDADE DO DIREITO ECONÔMICO PELO BACHAREL EM DIREITO: ESTUDO DE CASOS

 

Ricardo Antônio Lucas Camargo

 

Doutor em Direito Econômico pela Universidade Federal de Minas Gerais

Membro da Fundação Brasileira de Direito Econômico

 

 

A experiência de ministrar aulas em cursos de especialização mostra-se extremamente rica, no que diz respeito à identificação dos pontos que se mostram mais difíceis na compreensão das novas disciplinas pelo aluno já formado. Com efeito, em relação ao Direito Econômico, cuja introdução nos currículos do País é relativamente recente – a congregação da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, primeira no Brasil a adotar a disciplina graças aos esforços do Professor Washington Peluso Albino de Souza, veio a aprovar a sua inclusão no currículo em 1966 -, sendo que poucas escolas o oferecem, apesar da consagração nominal no artigo 24, I, da Constituição Federal de 5 de outubro de 1988, como um dos ramos acerca dos quais podem os Estados e o Distrito Federal legislar concorrentemente com a União. Tomaremos em consideração cursos oferecidos no ano de 2004 pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – especialização em Regulação -, pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – especialização em Direito Tributário – e pela Fundação Universidade de Passo Fundo – também especialização em Direito Tributário -.

Tendo em consideração que a maior parte dos participantes destes cursos não teve a oportunidade de se deparar com a disciplina no curso de graduação, de um modo geral, os conceitos que são trazidos a eles muitas vezes soam como novidade, apesar de dizerem respeito a dados com os quais vivem no cotidiano, como a perda do poder aquisitivo dos salários, o congelamento de preços e aluguéis, as privatizações e tantas outras medidas que vêm a comparecer na vida do País, afetando a situações jurídicas estabelecidas.

De logo, adiantemos que, de um modo geral, os participantes dos cursos apresentam um desempenho satisfatório, sendo de se notar em especial a diferença de posturas na Capital e no Interior: nos dois cursos realizados na Capital, os alunos, normalmente, mostram-se mais questionadores das posições que são trazidas pelo Professor, diversamente do que ocorre no Interior, onde os alunos tendem a fazer as perguntas mais a título de esclarecimento do que de questionamento. Não estamos dizendo que uma postura é boa e a outra não é: apenas estamos assinalando a diferença entre os que, na Capital, enfrentando os problemas próprios da cidade grande, trazem dados da própria experiência profissional que auxiliam a visualização concreta dos temas que são tratados em sala de aula, e os que, no Interior, acostumados com a realidade dos problemas do campo, com um universo de situações menos variável, buscam o aclaramento dos dados que são trazidos à balha. Muitas vezes, aparecem dentre os trabalhos de avaliação monografias dignas de publicação, com boas contribuições. Entretanto, vamos procurar discutir aqui tanto as preferências temáticas quanto os erros de fundo mais freqüentes, para o fim de verificar, antes e acima de tudo, o que deve chamar a atenção do Professor de Direito Econômico quando se depare com a tarefa de introduzir tais conceitos dentre os que não tiveram a oportunidade de estudar a disciplina na Graduação, seja pelo não oferecimento, seja pelo fato de em algumas delas o oferecimento ser em caráter facultativo – caso da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em que a cadeira é regida com maestria pela Professora Luíza Helena Moll -.

Quanto aos institutos, há uma preferência massiva pela repartição, notadamente pelo tratamento dos salários e dos juros, o primeiro, pela contínua discussão acerca da existência ou não de perda da substância da retribuição pelo trabalho, o segundo, em virtude da freqüência com que, num contexto econômico recessivo, ocorrem desequilíbrios entre os que solicitam financiamento e as instituições financeiras. Aliás, quando se vem a tratar os efeitos da política econômica sobre os salários tem-se, em primeira mão, a refutação do dogma segundo o qual estas questões estariam forradas ao exame do Judiciário pelo seu caráter estritamente político, sem qualquer relevância jurídica, estabelecido por aqueles que consideram a relação entre economia e direito algo ofensivo à ordem natural das coisas, algo de “espúria origem marxista”, olvidando as contribuições ofertadas por autores como Rudolf Stammler, Böhm-Bawerk, Georges Ripert, Richard Posner e tantos outros que não mereceriam a pecha. E, no que tange aos juros, a afirmação da existência do poder econômico privado se mostra até de mais fácil exemplificação, inclusive pela profusão de Súmulas a respeito da matéria, tanto do Supremo Tribunal Federal – Súmulas 121, 596 e 648 – quanto do Superior Tribunal de Justiça – Súmulas 93 e 176 -.

Em seguida, vem o consumo, talvez pelo mercado de trabalho amplo gerado para os advogados pelo Código de Defesa do Consumidor, embora o enfoque, em regra, se mostre mais privatístico, tendo em vista a renitência ainda muito marcante na doutrina brasileira em tratar a relação de consumo como espécie do gênero relação contratual.

Poucos trabalhos são apresentados voltando-se à produção ou ao planejamento ou à circulação, apesar de estes serem os temas mais freqüentes na doutrina pátria, sem dúvida, pela não visualização do contato imediato dos temas com a realidade vivida pelos profissionais que realizam estes cursos.

Outros temas, por se mostrarem muito melindrosos, são ausentes das monografias, como é o caso da política econômica referente ao solo rural, especialmente onde se verificam os conflitos com o MST.

Poderia não ultrapassar o óbvio a observação segundo a qual a escolha dos temas encontra, normalmente, ligação com a atividade profissional dos autores das monografias. Entretanto, é um dado que explica o porquê de nos cursos realizados no Interior serem raros os estudos sobre a tutela jurídica da concorrência, tema da preferência dos autores da maior parte dos estudos monográficos em sede de Direito Econômico.

No que tange às regras identificadas por Washington Peluso Albino de Souza, parece gozar da preferência dos partícipes destes cursos a do equilíbrio, pela mais fácil visualização da balança como símbolo da Justiça.

Segue-se a da indexação, à vista da convivência com a realidade inflacionária no dia-a-dia, buscando-se sempre a garantia da substância do crédito – problema que mais se agrava, como o sabem todos os que militam no foro, no momento de se proceder à execução -.

Logo após, vem a regra da liberdade de ação, por conta das questões que envolve com a responsabilidade do Estado, tema que a doutrina brasileira explora amiúde, por conta da vilanização do Poder Público decorrente tanto das tensões entre este e o poder econômico privado como de um histórico de abusos desde a época da Colônia.

As regras da subsidiariedade, da equivalência, da primazia da realidade social, da recompensa e do interesse social são objeto de exame por parte daqueles que pretendem expor suas convicções axiológicas acerca dos temas com que lida a disciplina (diminuição ou aumento do tamanho do Estado, problema da revolta dos fatos contra a lei etc.). Certamente, o tratamento midiático destes temas – e, muitas vezes, o tratamento ofertado a eles nos trabalhos examinados é o enfoque dado pelos meios de comunicação – contribui para o despertar do interesse de alguns dentre os participantes destes cursos.

Quanto às regras da flexibilidade, da razão, da irreversibilidade, da precaução, da utilidade pública e da oportunidade, não há trabalhos sobre elas, talvez por conta da ausência da visualização do contato imediato com a realidade pessoal e profissional dos alunos. O fato constitui um alerta para o Professor, no sentido de procurar, ao máximo, tomar conhecimento de tais realidades, a fim de demonstrar que todas as regras de Direito Econômico, ao cabo, teriam ligação com elas, despertando, assim, o maior interesse do aluno, com a necessária habilidade para não atingir as convicções axiológicas que ele tenha acerca de qualquer dos temas trazidos ao debate, permitindo que a consolidação ou a revisão de pontos de vista decorra naturalmente das pesquisas que sejam levadas a cabo.

É freqüente verificar a dificuldade de compreensão da terminologia da disciplina – tanto na Capital como no Interior –, ao ponto de se verificarem situações em que a regra do equilíbrio vem a ser confundida com o equilíbrio econômico-financeiro a que se referem os administrativistas quando estudam o contrato de concessão – quando, no que diz respeito especificamente à regra do equilíbrio, por vezes, o próprio conceito de equilíbrio econômico-financeiro pode vir a sofrer mitigações, quando a pretensão à revisão das tarifas conduza a impossibilitar a acessibilidade do serviço à população, de tal sorte que se imponha, mesmo, a encampação do serviço, para que não seja comprometida a própria continuidade -, o bem de consumo vem a ser confundido com o bem consumível do Direito Civil – confusão que, desde a intensificação do mercado de bens de consumo durável, não mais se pode admitir -.

Também se mostra comum a confusão entre Direito Econômico – ciência do dever ser – e economia – ciência do ser -, como que a inconscientemente negar o caráter jurídico das questões de que se ocupa o ramo do Direito em questão. Recordemos que os enunciados de proposições normativas dizem respeito à imputação de conseqüências a fatos descritos como relevantes para o emissor da norma. Destarte, para o economista, não interessam os efeitos das medidas de política econômica sobre as relações jurídicas, mas sim se elas atingem, efetivamente, a finalidade econômica a que se voltam. Para o jurista, contudo, o debate se coloca na possibilidade jurídica da adoção desta ou daquela medida, bem como na própria conformidade dos fins e dos meios à ordem jurídica. Claro que, por vezes, na perquirição da solução jurídica adequada, a ciência econômica servirá como fonte auxiliar, sobretudo na identificação dos efeitos danosos ou não da medida. E aqui emerge uma outra questão importante, muitas vezes negligenciada, que toca aos fatos que se devam comprovar no âmbito dos litígios em que a questão de fundo seja típica de Direito Econômico.

A confusão com o Direito Administrativo já começa a ser menos freqüente do que era no correr do século XX, mas ainda aparece, justamente pela contínua repetição da proposição segundo a qual a política econômica constituiria terreno reservado ao Poder Executivo e à respectiva burocracia, olvidando-se a realidade do exercício de medidas de política econômica praticadas no âmbito privado, como no caso das empresas que entregam produtos para as concessionárias procederem à respectiva distribuição, impondo a estas condições inclusive quanto à qualificação do pessoal a ser contratado.

Às vezes, a discussão do tema jurídico fica prejudicada por conta dos posicionamentos político-partidários acerca das medidas de política econômica em si mesmas, como é o caso de se defender ou atacar, pura e simplesmente, por exemplo, a estrutura agrária, sem se adentrarem os conceitos jurídicos que se põem em causa, ou de se discutir incentivos a determinadas atividades pelas justificativas econômicas que tragam os seus instituidores ao invés de se colocar a discussão no leito dos balizamentos para a concessão dos incentivos. Isto decorre, sem sombra de dúvida, da dificuldade de compreensão, por parte do Bacharel formado de acordo com a visão do Código Napoleão, do conceito de ideologia constitucionalmente adotada, que não se confunde com nenhum dos “ismos” que informam a atuação dos partidos políticos. Não cabe ao juseconomista o debate em torno de a medida ser “boa” ou “má”, mas sim de estar ou não juridicamente autorizada. Torna-se irrelevante ser “pró” ou “contra” medidas como privatizações, tabelamentos, congelamentos, fixações de quantitativos de salários. O que interessa, efetivamente, é, no caso das privatizações, verificar se estariam presentes, para que o Estado mantivesse o controle da empresa ou da atividade, os pressupostos constitucionais, ou se seria setor em que o Estado não poderia atuar ou em que ele não poderia deixar de estar presente ou se seria setor em que seria facultada a sua presença. Também se deve verificar se não estaria havendo o estabelecimento de condições privilegiadas em prol de um ou alguns dentre os pretendentes à aquisição do ativo estatal ou do direito de prestar o serviço, se o preço não seria inferior ao que recomporia, efetivamente, o patrimônio público.

Afora deficiências que possam ser debitadas ao docente, o fato é que o tipo de erros com que nos deparamos revela hábitos mentais arraigados que contribuem para dificultar a compreensão da terminologia adotada pelos juseconomistas.

O que se constata, assim, neste primeiro exame, é a necessidade inequívoca de se mostrar a ligação dos temas próprios do Direito Econômico ao quotidiano e à realidade pessoal do Bacharel, tendo em vista o imediatismo das preocupações deste, em regra. Se é verdade que o Bacharel advogado é o operador que estabelece a ligação entre a abstração da norma e a vida concreta, também é mister trabalhar o fato de que, por vezes, a rotinização prejudica a compreensão dos dados com os quais toma contato e, por isto mesmo, o desafio do Professor está no aproveitamento da vivência do aluno, a fim de que possa romper os grilhões que o fazem tomar as sombras projetadas na caverna pelas pessoas que se encontram do lado de fora, tomando aqui de empréstimo a alegoria de Platão no livro VII da República.