Programa universidade para todos: um breve ensaio sobre a ampliação do acesso à educação por meio da iniciativa privada


Portiagomodena- Postado em 29 abril 2019

Autores: 
» Horígenes Fontes Soares Neto

RESUMO: A marginalização socioeconômica, étnico-racial e sexual de indivíduos sempre foi ponto marcante na estrutura do Brasil, em clara afronta à isonomia e dignidade humanas. Com o passar dos anos, o cenário político e democrático do país se modificou, exigindo do poder público a implementação de condições para a superação de discriminações e preconceitos, bem como reafirmação da igualdade. Sob este enfoque nasceram as ações afirmativas de inclusão no ensino superior, dentre elas o presente estudo abordará o crescimento no acesso ao Programa Universidade para Todos (PROUNI) a partir de sua implementação, como ampliação do acesso ao ensino superior por meio da iniciativa privada, desenvolvendo-se a abordagem sob o método hipotético-dedutivo, pesquisa bibliográfica, análise de dados secundários, estruturados sob uma abordagem qualitativa.

 

Palavras-chave: PROUNI. Inclusão. Iniciativa privada.

 

ABSTRACT: The socioeconomic, ethnic-racial and sexual marginalization of individuals has always been a striking feature of Brazil's structure, a clear affront to human dignity and human dignity. Over the years, the political and democratic scenario of the country has changed, requiring the government to implement conditions for overcoming discrimination and prejudice, as well as reaffirmation of equality. Under this approach, the affirmative actions of inclusion in higher education were born, among them the present study will address the growth in access to the University for All Program (PROUNI) from its implementation, as an extension of access to higher education through private initiative, developing the approach through the hypothetical-deductive method, the bibliographic research and the secondaries data, in a qualitative approach. 

 

		Keywords: PROUNI.Inclusion. Private initiative. 

 

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Resultados e discussões. 3. Considerações finais. 4. Referências.


 

 

1. INTRODUÇÃO

 

O arcabouço histórico de concepção do Estado brasileiro demonstra que a formação da sociedade hodierna se deu no seio dos mais variados contornos de desigualdade, em que sob o esqueleto de colônia, a subjugação de índios, negros e a marginalização de pobres desembocaram no Brasil berço de diferenças étnico-raciais, socioeconômicas e sexuais expressivas, concausas também de uma educação ineficiente fornecida pelo poder público (HASS; LINHARES, 2012).

 

A despeito disto, a nova ordem jurídica mundial, estruturada pelo espírito da sociedade pós Segunda Guerra Mundial, passou a inadmitir, por meio da Declaração Universal de Direitos do Homem, em 1948, a existência de discriminações gratuitas, reformulando e incentivando os ideais de igualdade, liberdade e fraternidade propulsores do Estado Moderno (PIOVESAN, 2005).

 

Neste sentido, com as evoluções nos contextos legislativo e constitucional internacionais, a percepção estatal brasileira dirigiu-se, nas últimas décadas, à garantia da isonomia entre os sujeitos, percebida sob dois prismas: um formal, expressado, por exemplo, pela inafiançabilidade da prática do racismo, e outro material, garantido, exemplificativamente, pela implementação das políticas públicas de ações afirmativas para ingresso de fatias sociais marginalizadas no ensino superior, contempladas em primeiro momento nas universidades cariocas (DOMINGUES, 2005).

 

Segundo Gonçalves (2014), estas políticas de ações afirmativas nada mais são que medidas promotoras da diversidade e da inclusão de grupos historicamente excluídos e que viabilizaram a inserção no meio acadêmico de pessoas que por razão de raça, condição social ou renda aí dificilmente estariam, fomentando-se, assim, a qualificação profissional (GONÇALVES, 2014), como tem feito o Programa Universidade para Todos – PROUNI, enfoque desta análise.

 

Sabe-se, conforme aponta Vieira (2016), que fora significativo o crescimento no acesso ao ensino superior de jovens pobres, negros e pardos, quase que dobrando os números entre os anos de 2005 e 2015, de acordo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – incentivado pela concessão de bolsas de estudos e oferta de vantagens às empresas privadas de educação acadêmica.

 

Por tal quadro de aumento na ascensão de estudantes à educação universitária e o processo de empoderamento concedido à fatia da população econômica, racial e socialmente afastada, torna-se importante observar o incremento no número de usuários das políticas de ações afirmativas no âmbito do ensino superior, em especial pela melhoria nas condições socioeconômicas de seus beneficiários.

 

2. RESULTADOS E DISCUSSÕES 

 

Ultrapassando-se barreiras históricas, desde uma Administração totalitária até a reestruturação política nacional, reiteradamente se debate a necessidade de reduzir os descompassos existentes entre as parcelas populacionais brasileiras (SOUZA, 2009).

 

Neste sentido, com a Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB), em 1988, inspirada na democracia e na observância do mínimo existencial ao povo, nasce para o contexto social um novo modelo de Estado, agora pautado na igualdade e na supremacia da dignidade humana, estampando-se, já no preâmbulo da Carta Constitucional, a necessidade de atenção aos preceitos norteadores do ordenamento jurídico (BRASIL, 1988).

 

Sabe-se, no entanto, que a busca pela isonomia não deve se esgotar nas formalidades do texto legal, sob pena de tornar-se mera folha de papel, mas, para além, expressar-se materialmente, com aplicabilidade prática e eficácia no mundo físico (PIOVESAN, 2008).

 

Diante disto, recebendo o compromisso de garantia dos direitos fundamentais, mormente os sociais e individuais, bem assim o combate aos preconceitos gratuitos – repisados nos artigos 1º e 3º da Lei Magna –, a administração pública assumiu a obrigação de implementar prestações que pudessem assegurar às faixas populacionais socialmente excluídas meios suficientes para a inclusão, efetivando o bem-estar e a plenitude do desenvolvimento humano, formas de isonomia material (ANHAIA, 2013).

 

Neste passo, como direito social expressado no artigo 6º, e mais pormenorizado no artigo 205, ambos da Constituição Federal de 1988, inseriu-se a educação, sem a qual não se concebem condições de existência e exercício de dignidade.

 

O contexto educacional brasileiro sempre demonstrou disparidade entre as populações mais e menos afortunadas, de sorte que somente alcançava formação qualificada aquele que detinha condições financeiras suficientes para arcar com uma educação básica em instituições privadas, o que permitia, a posteriori, ingresso nas melhores instituições públicas do país, relegando-se a quem parcas condições financeiras possuía uma educação de base insuficiente e, sequer, acesso ao nível superior (RODOVALHO; SIMÃO, 2014).

 

Por assim ser, mesmo que tímida e lentamente, as políticas públicas de ações afirmativas passaram a ter lugar de destaque no cenário nacional, voltando seu olhar, essencialmente, para a educação superior, em prol de corrigir falhas históricas e significativas no setor, particularmente as de natureza socioeconômica e étnico-racial.

 

Segundo apontam Haas e Linhares (2012), por serem políticas públicas que concretizam o direito à igualdade material, as ações afirmativas visam reduzir as desigualdades sociais, possibilitando o acesso à educação e ao trabalho, direitos individuais alcançados pela atuação positiva estatal prestada a sujeitos socialmente segregados, em combate à pobreza e à marginalização.

 

Se de um lado, apesar disso, o poder público esvazia o financiamento estatal com suas desonerações de folhas de pagamento das empresas, deduções fiscais integrais em imposto de renda pessoa física e jurídica para saúde e educação, e subfinancia o erário com congelamentos de gastos e desvinculações de receitas, como o fez a Emenda Constitucional 95/2016, sucateando as universidades públicas e o acesso a elas, de outro incentiva que a população de baixa renda possa acessar a educação no âmbito do privado, outorgando um direito básico em vis transversa.

 

Neste sentir, de uma das posturas de diligência adotadas pelo Estado na formulação de atos que permitissem o ingresso nas academias de estudantes de nível médio notadamente excluídos, aponta-se o Programa Universidade para Todos (PROUNI) – programa de concessão de bolsas de estudo parciais ou integrais a sujeitos de baixa renda em instituições privadas de ensino acadêmico, instituído pela Lei nº 11.096/2005.

 

Aduzem Fachinetto, Neves e Raizer (2007) que a referida medida de caráter afirmativo, ordenada pela Constituição Federal, intentou combater e minimizar os entraves para a democratização.

 

Apesar das inúmeras discussões em torno das ações afirmativas, torna-se factível que a inserção destes programas, com especial atenção ao PROUNI, trouxe não só maior acesso ao ensino superior, o que tem exigido da administração pública a criação de mecanismos para manutenção do aluno no ambiente acadêmico, mas efetiva qualificação dos discentes para a vida profissional sem diferenciações de aprendizado entre os que gozaram ou não das políticas estatais. (MELGUIZO; WAINER, 2017)

 

Deve-se dizer que com a amplitude das ações afirmativas estudantes das mais variadas regiões do país passaram a integrar a educação superior, totalizando, somente em concessões de bolsas de estudo do PROUNI, o número acumulado de 2.474.435 no ano de 2018 (PROUNI, 2018), contabilizadas desde a criação do programa, cujo aporte maior de concessões está na região sudeste, com 1.178.979 bolsas integrais e parciais concedidas.

 

Diante da demanda incipiente de formação acadêmica, frise-se a qualificação para o exercício profissional, diversas instituições privadas foram criadas e/ou aderiram a este programa de incentivo estudantil governamental, oportunizando o acesso populacional amplificado à graduação (CAPELATO et al., 2016). Tal questão se reforça pela análise do crescimento significativo não só nas concessões de bolsas, mas também na oferta destas. No ano de implementação da referida política afirmativa, 2005, foram ofertadas 112.275 bolsas, já no último ano de estudo apresentado, 2018, o volume de oferta de bolsas alcançou 417.276 (PROUNI, 2018), mais que triplicando no período analisado.

 

Sendo assim, de perspectiva estatística se o observa o aumento desta política de acesso ao ensino superior ao longo dos anos, indicando a oportunidade ampliada de educação aos indivíduos de baixa renda, por meio da iniciativa privada.

 

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Pelo que se expôs neste singelo ensaio, em especial pelos dados estatísticos aqui propostos, o sistema de acesso à educação no Brasil tem avançado ao longo dos anos, sobretudo pela inserção das políticas afirmativas para ingresso no ensino superior, com destaque para o PROUNI.

 

Este cenário, fortemente conduzido pela iniciativa privada, já que no âmbito público o que de fato se observa é um esvaziamento nos serviços de primeira necessidade diretamente ofertados, dentre eles a prestação de uma educação pública e gratuita de qualidade, tem permitido que indivíduos que sequer imaginavam o fim do ensino médio, alcancem a graduação, ponto que não deve ser descartado frente ao atendimento que aí se dá a este direito social e fundamental tão significativo, descrito na Carta Política, e que de algum modo se incentiva pelo Estado.

 

Inegável, entretanto, muito ainda dever ser feito para garantir o acesso à educação superior no país, uma vez que não pode ser relegada à iniciativa privada, por meio de políticas públicas, o compromisso e o encargo estatais de atuar fortemente no setor, como preconiza a Constituição da República.

 

4. REFERÊNCIAS

 

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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOARES NETO, Horígenes Fontes. Programa universidade para todos: um breve ensaio sobre a ampliação do acesso à educação por meio da iniciativa privada. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 abr. 2019. Disponivel em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.591848&seo=1>. Acesso em: 29 abr. 2019.