Processo eletrônico no novo CPC: é preciso virtualizar o virtual


Pormarina.cordeiro- Postado em 27 abril 2012

Autores: 
PEREIRA, Sebastião Tavares

O processo digital vem prestando imensos benefícios para o avanço tecnológico no âmbito judicial. Suas limitações também começam a se tornar evidentes. O novo CPC deve abrir os caminhos para a implantação de um efetivo processo virtual.

Resumo

Este artigo está escrito para juristas. Não para tecnólogos. O novo CPC vai nascer velho ou vai abrir-se para a realidade de um novo processo?  Antever minimamente o futuro é o que um legislador deve fazer. O futuro aponta para um processo sem papel, mas não meramente digital.  O novo CPC deve incorporar essa noção e lançar as bases para o novo processo: o processo virtual.  Sem macular os princípios jurídicos processuais e materiais, o processo virtual deve ser acionado para concretizar, da maneira mais efetiva possível, as garantias e direitos individuais. As diretrizes do novo CPC devem contemplar a virtualidade nos sistemas processuais, perseguir a padronização sistêmica, promover a integração do sistema processual com o mundo (extraoperabilidade), fomentar a geração de bases confiáveis de informação, balizar o acionamento da publicidade no processo virtual, determinar a prevalência do jurídico sobre o tecnológico (dupla instrumentalidade ou sub-instrumentalidade da tecnologia), determinar a datificação (alimentação) pertinente do sistema processual, fomentar a geração de editor de peça processual virtual e garantir a propriedade do sistema processual ao Estado brasileiro, proibindo sua produção sob qualquer modalidade de licença elaborada por terceiros.

Palavras-chave: Processo virtual. Virtualização. Digitalização.  Extraoperabilidade. Base confiável.   Editor de peça processual virtual.


Sumário: Introdução. 1. Virtualização e digitalização: as categorias e os conceitos operacionais que norteiam esta exposição. 1.1. Necessidade de conceitos operacionais. 1.2. Gazzaniga, o cérebro e a virtualidade. 1.3. O significado de virtual em outras fontes. 1.4. Tentativa de síntese. 2. O juiz e a virtualização: máquinas triviais e não triviais. 3. A lei 11.419, a ênfase para a digitalização e o esmaecimento da virtualização. 3.1. Muita digitalização. Zero de virtualização.3.2. O parágrafo único desafiador.4. O sistema processual eletrônico atual, suas peças digitais e suas limitações. Revisando e exemplificando.4.1. Papel, bits, bytes e informação.4.2. As peças monolíticas dos autos em papel continuam nos autos eletrônicos. E toda a lógica do sistema processual orienta-se por elas.4.3. O juiz e o gerente: a fraqueza e o poder.4.4. Virtualizar é introduzir inteligência no sistema processual.5. Tamanho de uma peça processual: função de muitas variáveis.5.1. Variáveis e elementos de uma petição inicial.5.2. Variáveis subjetivas.5.3. Variáveis objetivo-contextuais.5.4. Variáveis tecnológicas.5.5. Variáveis de conteúdo.5.6. Variáveis estrutural-textuais.6. Manejando as variáveis de uma peça processual: o editor de peça processual virtual.7. Bases confiáveis: não volatilidade e persistência.8. Bases confiáveis, não voláteis e persistentes, e a teoria sistêmica de Niklas Luhmann.Considerações finais.Referências bibliográficas.

 

Introdução

“ [...] la perfección no es um estado intrínseco de aspiración del sistema. Por el contrario, la perfección es una disposición improbable  [...] “. [1]

Este artigo está escrito para juristas [2]. Não para tecnólogos. Jurídico-sociologicamente, baseia-se na teoria sistêmica de Niklas Luhmann [3]. Tecnologicamente, baliza-se pelas últimas tendências das engenharias de sistemas e de software. Sua história [4] teve início no final de 2010, provocada pelas discussões sobre o tamanho das peças processuais digitais.

Não há, aqui, um ataque a tudo que já se fez, no Brasil, para impulsionar o uso da tecnologia no processo. Interpretações nesse sentido, se possíveis, dever-se-ão à inabilidade do autor para expor claramente as ideias. Os pioneiros da informatização das salas de audiência serão sempre credores de respeito e admiração. A lei 11.419/2006 foi, é e será um marco nessa história. Ela deu o empuxo irresistível para quebrar a inércia e pôr em movimento inquestionável o barco do processo eletrônico. Corresponde à “primeira lei de Newton” da física processual. A disposição dos gestores judiciais para tornar realidade as determinações legais é inegável.  Isso tudo é patente. 

O que há, aqui, é uma tentativa de demonstração de que se chegou ao ponto de colocar o barco em nova rota. Nesse ponto de emergência, as bases mesmas de pensamento devem transformar-se: trata-se da passagem do processo regido pelas leis da digitalização para um processo novo, baseado nas leis da virtualização.

Ilustr. 1– O processo do novo CPC: processo eletrônico virtual

O CPC vai nascer velho ou vai abrir-se para a realidade de um processo eletrônico inovador, baseado na virtualização?

Antever minimamente o futuro é o que um  legislador deve fazer. Olhar ao redor e enxergar as realidades para as quais legisla é indispensável. O processo eletrônico do futuro – que se quer seja o processo único num horizonte de poucos anos - deve basear-se em características daquilo que se denomina mundo virtual, um espaço novo, com traços próprios.  O novo CPC deveria incorporar essa noção.

Vive-se, ainda, o processo tradicional (papel) e, parcialmente, o processo eletrônico digital, desenhado pela lei 11.419/2006.  O novo CPC deveria abrir caminho para um novo processo, re-concebido segundo as possibilidades da virtualização. Esse passo adiante pode ser dado sem macular princípios jurídicos, processuais ou materiais[5].

Para Robert Alexy, princípios são comandos de otimização. A virtualização do  processo, posta como princípio técnico-estratégico norteador da evolução do sistema processual, permitirá a realização otimizada dos princípios jurídicos processuais e materiais. A busca da concretização otimizada do princípio da duração razoável do processo é um bom exemplo para justificar o avanço para um processo eletrônico baseado na virtualização e não apenas na digitalização.

Por que a virtualização é o caminho único para acelerar o sistema processual? É o que se pretende demonstrar neste artigo, entre outras coisas.

Após esta breve introdução, estabelecem-se conceitos operacionais de digitalização e virtualização (item 1). O item 2 reforça, com Foerster, a visão wieneriana da existência do não automatizável. A lei 11.419/2006, com sua visão digital, é analisada no item 3.  Segue-se uma demonstração de que virtualizar é introduzir inteligência no sistema (item 4) e evidenciam-se as limitações do atual sistema processual – o digital. Uma demonstração do desmonte de uma peça processual, o primeiro passo para avançar para sua virtualização, é feita no item 5. A demonstração da necessidade e importância da adoção de um editor de peças virtuais (item 6) é seguida de dois itens que introduzem o conceito de bases confiáveis, não voláteis e persistentes, como condição para a virtualização em níveis adequados (itens 7 e 8). Nas considerações finais, são esboçadas sugestões para o legislador do novo CPC, para que estabeleça as bases do novo processo – o processo do novo CPC.


1. Virtualização e digitalização: as categorias e os conceitos operacionais que norteiam esta exposição

1.1. Necessidade de conceitos operacionais 

Embora sejam fenômenos distintos, não há oposição entre virtualizar e digitalizar.  Não se trata de termos que designem operações mutuamente exclusivas.

IIlustr. 2– Digitalização: levando informação para o computador

A digitalização é uma exigência do mundo das tecnologias da informação e da comunicação. Máquinas, ao menos os atuais computadores, só podem tratar informações que estejam digitalizadas. A digitalização é condição necessária para usar os meios eletrônicos de armazenamento, processamento e transmissão de informação.  Como se vê na figura ao lado, o caminho do papel para o computador é a digitalização. 

A digitalização, portanto, é um mero fenômeno de representação pelo qual se transporta algo de um meio físico não eletrônico – uma mídia como o papel – para outro, eletrônico, lançando mão da simbologia (codificação) e da forma de registro adequadas. A digitalização é condição de existência da informação num meio eletrônico.  Por isso o processo eletrônico não pode ser feito sem digitalização e por isso a lei 11.419/2006 obrigatoriamente passa pelo fenômeno.

A virtualização, na acepção com que é tomada neste artigo, situa-se um passo adiante, como será amplamente explicado. Ela exprime o uso da informação digitalizada.

Como se vê, carece-se de conceito para essa categoria.

Sem resvalar para discussões estéreis, que infelizmente o termo virtual[6] enseja fecundamente, deve-se construir uma noção que, ao menos, funcione como um quase-conceito operacional suficiente para a exposição do pensamento.

1.2. Gazzaniga, o cérebro e a virtualidade

Em obra de 2011, um expoente da neurociência mundial, Michael Gazzaniga, traz uma síntese intrigante dos últimos avanços em torno do entendimento do sistema cerebral humano. Fortemente baseado em experimentos científicos das últimas décadas, Gazzaniga fornece elementos relevantes para a construção da noção de virtual necessária neste trabalho.

A acepção de virtual que se busca incorpora as noções mencionadas pelo neurocientista quando fala do “intérprete”, um módulo processual da rede cerebral, situado no hemisfério esquerdo do cérebro, que recebe as informações de inumeráveis módulos cerebrais especializados, dedicados e que atuam em paralelo e independentemente. O intérprete recebe essas informações e as consolida numa “história” que faz sentido para a consciência.

Ilustr. 3– Gazzaniga: postado no hemisfério cerebral esquerdo, o intérpretetransforma as entradas numa história que faça  sentido para a consciência.

 Segundo o neurocientista, é exatamente esse módulo que faz o homem se sentir como uma unidade, como um  self.  Diz ele: “Isso é o que o nosso cérebro faz o tempo todo. Toma entradas (inputs) de outras áreas de nosso cérebro e do ambiente e as sintetiza numa história.”[7]

 Mais adiante, continua:

Assim, este processo interpretativo que nós temos no cérebro esquerdo  pega todas as entradas, junta-as numa história que faça sentido e a põe prá fora. Como vimos, entretanto, as saídas do hemisfério esquerdo são boas apenas em consonância com a qualidade das informações que recebe. [8]

Depois, no mesmo capítulo, encontram-se as seguintes informações adicionais muito relevantes:

O intérprete recebe os resultados da computação de uma multiplicidade de módulos. Ele não recebe a informação de que existe uma multiplicidade de módulos. Ele não recebe a informação de como os módulos trabalham.  [...] O intérprete é um módulo que explica eventos pelas informações que ele efetivamente recebe.  [...]  Assim, talvez, para o nosso processo de interpretação, a realidade é virtual. Depende dos indícios sensoriais que estão aqui e agora.[9] [sem grifo no original]

Nos trechos transcritos está a essência da conotação de virtual aplicada neste trabalho, conforme se explica melhor nos próximos itens. 

Um analista de sistemas enxerga imediatamente, na descrição de Gazzaniga,  a vetusta concepção sistêmica “entrada-processamento-saída” dos sistemas abertos (Bertalanffy), o que não é impreciso. Mas a análise deve aprofundar-se[10]. Chame-se a atenção para:

a) a ideia de “processo” amplamente distribuído e especializado, em rede;

b) a “inteligência” e a “consciência”[11] do “processo”, que sabe com o que está trabalhando;

c) a profunda dependência do “processo” em relação à informação que recebe;

d) o sentido teleológico do “processo”, ou seja, a produção para um destinatário, o que supõe a já mencionada ciência (conhecimento ou consciência) do que chega e também das expectativas em relação à saída; 

e) o desmonte do todo em elementos (inputs), ou a construção de um todo  (outputs) partindo de elementos (montagem a partir dos inputs), via um “processo” que incorpora um padrão, um montador; a seleção simplificadora para o ganho em complexidade[12]  e

f) uma visão de algo (resultado) que, naquela forma, não existe (ilusão? virtual?): “uma história que faça sentido para a consciência”. 

Tudo isso está consolidado na ideia de virtual aqui adotada. 

1.3. O significado de virtual em outras fontes

Buscando-se a definição de virtual em outras fontes, é possível encontrar significações, entre muitas outras aqui não mencionadas, que incorporam, de alguma maneira, as  noções relevantes realçadas nas transcrições de Gazzaniga:

1) “Realidade virtual, simulação de um ambiente real por meio de imagens...”, onde se encontra a ideia de simulação que, por sua vez, incorpora uma ação, o ato de simular, e um processo escondido, não aparente, que trabalha entradas e gera um resultado.[13]

2) “Que é feito ou simulado através de meios electrónicos”, onde  retornam  as ideias de fazer e simular e  acrescenta-se o meio eletrônico.[14]

3) No Aurélio, encontra-se o seguinte: ”Inform. Que resulta de, ou constitui uma emulação, por programas de computador, de determinado objeto físico ou equipamento, de um dispositivo ou recurso, ou de certos efeitos ou comportamentos seus.”[15] Simulação transforma-se em emulação, um troca de palavras importante pois simulação tem uma carga pejorativa associada.

1.4. Tentativa de síntese

Pode-se dizer, então,  que  virtual  é o que parece ser e de fato é, mas de outra forma. A forma, tanto das entradas quanto das saídas, deve ser distinguida do conteúdo, que é organizado finalisticamente da maneira esperada pela consciência ( numa história que faça sentido para a consciência).

Essa criação da história é determinada pelos conteúdos (a organização é diretamente orientada pelos conteúdos, pelas entradas). Não há criação de entradas e sim o tratamento fiel delas para gerar um todo coerente para o destinatário, num processo que caracteriza a virtualização. O que o destinatário vê é virtual porque ele não vê as entradas na “forma” em que chegaram ao processo. O destinatário vê o resultado, as entradas já organizadas/tratadas pelo processo virtualizador. 

A criação da “história” pelo intérprete (processo ou algoritmo “virtualizador”) supõe amplo conhecimento dos conteúdos (a organização baseia-se nos significados do input para o destinatário) e também do resultado (uma história que faça sentido para o destinatário). O intérprete conhece os elementos com que trabalha, nas duas pontas: entradas e saídas. Essa é a ideia fundamental do processo de virtualização.  Se não houvesse esse duplo conhecimento, não se poderia chegar à organização da história coerente segundo as expectativas da consciência.

A ideia de virtual, portanto, traz essa noção de “parece mas não é”, porque, de fato, é de outro jeito, um jeito “inadequado” para o destinatário. Pensando em petição processual, por exemplo, vê-se-a como se deseja que ela seja, mas, de fato, ela é diferente na forma. Há uma mágica (processo) no caminho que permite ver o que não é daquela forma. O “processo mágico” tem domínio pleno do que efetivamente é, conteúdo este que é representado com fidelidade, sob outra forma. O segredo e o poder estão na “mágica” da transformação (no processo interpretativo), que sabe como é e como deve ser ou aparecer.

Ilustr. 4– Desdigitalização:

 recuperando o que foi digitalizado.

Pense-se, agora, no sistema do processo eletrônico que se conhece. Essas características são encontradas em seus módulos de processamento, em seus programas? Num nível elementaríssimo, muito elementar mesmo, sim.  Explique-se.

Quando um arquivo digital de uma imagem de um extrato bancário é mostrado para o juiz, num monitor, há um pouco dessa mágica. Mas apenas o absolutamente necessário. Para o computador e seu programa, a imagem é apenas um amontoado de bits (zeros e uns na memória). 

O programa utilizado limita-se a desfazer o caminho da digitalização, num processo que poderia ser chamado de desdigitalização ou de virtualização primária. Reconstitui-se a imagem do documento original num monitor. Retorna-se ao ponto em que o olho humano possa entrar em ação. E só.

A virtualização envolve o humano, numa ponta do processo, como o destinatário. Enquanto a digitalização é feita para a máquina, a virtualização é feita para o homem. Há uma inversão de sentido do processo. A virtualização é menos física e mais perceptiva, um fenômeno de consciência que só se concretiza, utilitária e finalmente, no humano ou com o humano. Sem o elemento humano como destinatário, não faz sentido falar de virtualidade. Mas pode haver digitalização. Para os conceitos operacionais aqui terçados, os níveis de inteligência envolvidos na digitalização costumam ser primários, quando comparados com os níveis de inteligência que podem estar envolvidos em processos de virtualização.

Isso porque a virtualização pode transcender a simples operação de saída do nível de digitalização – operação de desdigitalização -  avançando para o que ocorre além do olho, já no âmbito cerebral. Naquele nível elementar de que se falou acima (virtualização primária), ela é feita para dar ao olho o acesso a informações que estejam em formato incompatível com suas possibilidades sensoriais. A virtualização, entretanto, pode ir muito além, absorvendo processos de que o cérebro se ocupa após receber a informação visual. Advogados, juízes, assistentes estão sobrecarregados com operações que o sistema processual pode executar com mais rapidez, segurança e confiabilidade. Pode-se aliviar, tirar a sobrecarga, do intérprete.

Ilustr. 5– Virtualização: fazendo osistema processual executar tarefas do intérprete. Alívio para os operadores.

Na memória do computador, ou no monitor, o número 38, presente numa imagem escaneada ou mesmo num documento eletrônico,  não diz nada para o programa do computador. Continua sendo um amontoado de bits que, no máximo, orienta a transformação “memória ->monitor” ou permite alguma edição manualmente comandada.  O processo cerebral associado, entretanto, após a leitura, pode “interpretar” como sendo um revólver (“ele matou com um 38”).   A imagem de  “3 + 8”, para o computador, é apenas um amontoado maior de bits. Para o intérprete cerebral, entretanto, pode ser levado à consciência como 11. Principalmente se após os dois algarismos aparecer o sinal de =.

 O processo, no âmbito cerebral, é claramente constrangido pelas entradas e pelo contexto. Ou seja, as entradas, naquele contexto, deflagram um processo específico.

Vê-se que, falar de virtualização envolve falar de “processo”, de inteligência, de conhecimento, de consciência. O sistema eletrônico de processamento de ação judicial – SEPAJ - precisa dar esse passo adiante e absorver, após o processo de virtualização primária, outros processos de virtualização que, na atualidade, ocorrem apenas nos cérebros de advogados, procuradores,  assistentes e juízes.  É preciso ir além do “ 3 + 8” e mostrar, logo, o 11.  A viabilização desse “passo adiante” supõe algumas coisas. A primeira delas é a própria digitalização da informação em formato compatível para o uso posterior por processos automáticos (datificação pertinente)[16].  Algumas outras são abordadas adiante, neste artigo. E isso pode ser feito gradualmente, desde que se ponha o desenvolvimento e a evolução dos SEPAJs sob o norte da virtualização.

 

2. O juiz e a virtualização: máquinas triviais e não triviais

A Lei 11.419/2006 trouxe o processo digital. O CPC deveria avançar para o processo virtual. A virtualização significa o alívio para os operadores jurídicos, entre os quais se encontra o magistrado.  Esse alívio suporia a eliminação do juiz do processo? O objetivo seria alcançar um processo sem juiz, conforme o sonho acalentado pela informática jurídica na década de 70?

A resposta categórica é não[17].  Norbert Wiener já reconhecera isso na década de 50.

Heinz Von Foerster, na obra Observing Systems[18], mencionada por Niklas Luhmann, diferencia máquinas triviais e não triviais. Nessa denominação, máquina é tomada “ [...] en sentido cibernético. Se trata de fórmulas matemáticas, cálculos,  reglas de transformación y no forzosamente de un artefacto eletrônico o mecânico.”[19]  Máquina é um algoritmo.

Nas máquinas triviais, um conjunto de inputs gera, sempre, os outputs correspondentes. O estado interior e momentâneo da máquina só muito raramente interfere nesse caminho de transformação (em geral, por defeito).  E os eventuais desvios podem ser rapidamente detectados pelos especialistas.

Uma máquina não trivial caracteriza-se pela impossibilidade de se saber, com certeza, os outputs que determinados inputs vão gerar. O estado momentâneo da máquina interfere diretamente na produção dos outputs esperados. Pode haver até a não produção.  “Las máquinas no triviales tienen, así, integrado un circuito por el cual se refieren a si mismas (autorreferencia)”[20].

Pode-se tomar como axioma que o Direito é um sistema autopoiético[21]. O mesmo pode ser dito do subsistema processual, funcionalmente diferenciado para os fins de aplicação da lei. São sistemas de sentido, ou sociais, no linguajar luhmanniano, equiparáveis a máquinas não triviais.  Não são sistemas técnicos, como é o caso da ferramenta processual chamada sistema eletrônico de processamento de ação judicial (SEPAJ).

 

Como ferramenta tecnológica para tramitar a ação, o SEPAJ pode ser equiparado ao que Foerster chamou de máquina trivial. Assim, um SEPAJ, como máquina trivial, programada, é completamente previsível. Na verdade, representa um conjunto de funções de determinadas variáveis.

No processo, os humanos (advogados, assistentes, juízes, testemunhas, peritos, partes) são os responsáveis pela introdução da não trivialidade. A cargo deles se encontra a avaliação autorreferencial, ou seja, em momentos muito especiais,  a eles incumbe fazer a medição das condições internas efetivas para fazer o próximo giro do sistema.  Também lhes incumbe a inovação das regras de transformação. Por isso que, quando se fala em máxima automação dos sistemas de processamento de ação, não se está cogitando da eliminação do juiz, como já realçado.  

É preciso entender, no entanto, que, no curso do processo, e até o momento anterior às decisões (seja de quem for, inclusive do advogado quando decide a estratégia a adotar), há uma imensidão de operações triviais das quais, hoje, incumbem-se esses mesmos operadores. Elas podem ser entregues à execução otimizada por programas/módulos (máquinas triviais) incorporados ao SEPAJ. Para isso, os algoritmos devem receber as condições para simular o que poderia ser chamado de pseudo-autorreferência, via metadados.  Na verdade, introduzem-se as condições para que o sistema “conheça” os inputs e possa promover laços operacionais característicos da automação que, embora limitados e circunscritos a aspectos parciais, aliviam sobremaneira os operadores.

Quanto mais o SEPAJ absorver as operações triviais (automatizar-se), mais eficiente se tornará no auxílio aos operadores que têm o ônus de promover os giros não triviais.

A virtualização está nesse caminho. A máquina trivial, representada pelo sistema processual, pode ser ampliada, em suas funções, para ajudar com operações que se situam depois do contato visual e que, hoje, sobrecarregam os cérebros dos operadores.


3. A lei 11.419, a ênfase para a digitalização e o esmaecimento da virtualização

3.1. Muita digitalização. Zero de virtualização.

A lei 11.419/2006 – a lei do processo eletrônico – não contém o termo virtual.

Ela apresenta, entretanto: 9 ocorrências da palavra digital/ais; 5  da palavra digitalização; 3 da palavra digitalmente, 5 da palavra digitalizados/as e 1 da palavra digitalizando,  num total de 22 ocorrências de palavra com raiz “digital”.

As palavras apresentam-se espalhadas ao longo do texto, em diferentes dispositivos – artigos, parágrafos etc. Encontram-se na lei: “arquivos digitais”, “assinatura digital”, “certificado digital”, “assinado digitalmente”, “digitalizando-se o documento físico”, “equipamentos de digitalização”, “documentos digitalizados e juntados”, “processo de digitalização”, “documentos cuja digitalização seja tecnicamente inviável”, “digitalização de autos”, “mídia não digital”, “digitalmente”, “armazenados de modo integralmente digital em arquivo eletrônico” e “cópia digital de título executivo”.

Numa lei de 20 artigos, isso dá uma média superior a um aparecimento por artigo.  Ou seja, o Brasil dispõe de um processo eletrônico fundado na digitalização, como não poderia deixar de ser.  O que se está propondo é um avanço para um processo eletrônico que incorpore, de maneira robusta, a virtualização, porque esta é condição necessária, indispensável, para acelerar o processo decisório, exatamente o calcanhar-de-aquiles do processo eletrônico atual.

A ênfase legal para o fenômeno da digitalização escamoteou a importância de se ir além e de se prestigiar a introdução, no sistema processual, das possibilidades que somente a virtualização pode trazer.  Na verdade, conscientemente ou inconscientemente, fez-se um movimento de fuga da complexidade, o que compromete inteiramente o futuro do processo eletrônico. Como diz Niklas Luhmann,

Desde el punto de vista formal el concepto de complejidad se define, entonces, mediante los términos de elemento y relación. El problema de la complejidad queda, así, caracterizado como aumento cuantitativo de los elementos: al aumentar el número de elementos que deben permanecer unidos en el sistema, aumenta en proporción geométrica el número de las posibles relaciones, y esto conduce, entonces, a que el sistema se vea obligado a seleccionar la manera en que debe relacionar dichos elementos.”[22]

Parece fato inquestionável, hoje, que a mera digitalização das peças e demais elementos dos autos processuais – como tem ocorrido no Brasil -  não é condição suficiente para se alcançar um processo eletrônico com as características necessárias para colocar a tecnologia de forma otimizada a serviço de uma melhor prestação jurisdicional, qualitativa e quantitativamente falando.  É condição necessária, mas não suficiente. Muita esperança tem sido posta no processo eletrônico marcado apenas pela digitalização. Entretanto, tais expectativas somente serão atendidas pelo próximo processo, o processo virtual.

3.2. O parágrafo único desafiador

Há um dispositivo na lei 11.419/2006, na verdade um comando expresso, que tem sido esquecido pela maioria dos SEPAJs atuais. A impossibilidade de dar cumprimento a esse comando legal é, talvez, a expressão mais contundente da impotência do processo eletrônico digital existente no Brasil hoje.  Nessa norma, o legislador determinou que se fizesse o que é impossível fazer num processo desenhado e desenvolvido segundo os ditames da mesma lei. Mais parece um titubeio legislativo. Ou um devaneio.

Esse comando da lei 11.419/2006 só será atendido se o novo CPC der o passo avante. No âmbito de um novo processo, que permitirá o desenho de um sistema processual com as características expostas neste artigo, o legislador de 2006 será finalmente atendido.

Não se trata apenas de atender àquela determinação. O que o caso evidencia é que, num processo com nova concepção, abrir-se-ão caminhos para que o sistema processual efetivamente incorpore os meios de tirar a sobrecarga atual de trabalho dos operadores.

Diz o parágrafo único do artigo 14 da lei 11.419/2006: “Os sistemas devem buscar identificar os casos de ocorrência de prevenção, litispendência e coisa julgada.”

Qual sistema eletrônico de processamento de ação judicial, hoje, está apto a “buscar identificar” a ocorrência dos fenômenos jurídicos indicados?  O atendimento a esse comando legal supõe um imenso conhecimento do sistema a respeito de vários elementos dos autos processuais. E, pior, de distintos autos processuais. A disciplina legal em torno desses institutos demonstra a riqueza de informação necessária para se articular um algoritmo que possa, ao menos, sugerir a possibilidade de ocorrência de uma das situações processuais aventadas.  “Ah, pode-se ao menos informar que os dois processos têm as mesmas partes.” Será? Talvez até nesse nível elementar (partes) pode ser duvidoso, para alguns sistemas, expedir uma afirmação.

E não se diga que não se avançou porque há a necessidade de todos os processos estarem sob a forma eletrônica. Da maneira como estão sendo concebidos os SEPAJs, jamais será possível atender a esse comando legislativo. Pense-se, por exemplo, apenas nos detalhes para caracterização da coisa julgada.  


4. O sistema processual eletrônico atual, suas peças digitais e suas limitações. Revisando e exemplificando.

No título do artigo, fala-se em virtualizar o virtual. Na verdade, poder-se-ia, no máximo, dizer virtualizar o digital. A provocação do título serve para realçar a diferença entre as duas ideias e marcar bem a distinção entre elas, às vezes utilizadas como sinônimas. 

4.1. Papel, bits, bytes e informação

Se dígito é tomado com o sentido de bit (a menor quantidade de informação que um computador trata), então digitalizar tem o sentido de representar em bits. Embora o computador trabalhe com bits (é comum dizer-se que tudo é zeros e uns na memória do computador), pode-se dizer que é apenas num patamar mais elevado, de agrupamento de bits (os bytes), que os conteúdos começam a fazer algum sentido para os computadores e para os humanos. A letra A, por exemplo, é um conjunto organizado de bits e, em geral, ocupa um byte (oito bits) na memória. Entre o registro na memória e o que se vê na tela, entra um programa de computador que transforma os bits do byte num conjunto maior de bits que, representados no monitor, representam uma figura que os humanos conseguem “ler” (recuperar visualmente).   Essa “mágica” transformadora – que sabe, pela quantidade e disposição dos bits nos bytes (inputs), como transformá-los em um outro conjunto de bits que, exposto numa tela, torna-o um símbolo legível por humanos (forma conveniente para o destinatário) - é a essência a realçar do processo de virtualização. Vê-se o que, de fato, é de outra forma.

É preciso levar essa mágica para um outro patamar no âmbito do processo eletrônico[23]. Ampliar essa mágica é implantar inteligência no sistema processual para que o sistema não apenas transforme bits em bytes, mas aprenda a lidar com conjuntos de bytes e possa, manipulando-os, auxiliar os humanos de uma forma mais efetiva.

A digitalização, já se viu, é um processo de representação feito num sentido. Por exemplo: do papel (imagem visual) para o disco magnético (registro físico-tecnológico). A virtualização também é um processo de representação, pode-se dizer, mas feito no sentido oposto. A digitalização vai no sentido dos bits, a virtualização, como aqui proposta, é um fenômeno que parte dos bits e, de maneira inteligente, chega a modelos de representação e a processos de tratamento da informação acessíveis e confortáveis para os humanos. O destinatário é o homem, a máquina não trivial do processo (Foerster).

4.2. As peças monolíticas dos autos em papel continuam nos autos eletrônicos. E toda a lógica do sistema processual orienta-se por elas.

Nos sistemas processuais eletrônicos brasileiros atuais, apesar de ter sido mudada a mídia – do papel para o disco rígido –, continua-se a trabalhar com peças (falando-se só delas, mas isso vale para o todo!) que não são virtuais. São peças digitais, mas não virtuais[24].  O suporte físico agora não é mais o papel. É um disco magnético.  O registro da peça processual, que no papel se fazia com letras e possibilitava a leitura direta pelos sentidos (olho humano), passou a ser feito com bits, cada um representando um minúsculo ponto de uma imagem, espacialmente localizado num plano. Dali, do disco rígido, somente um programa de computador pode remontar as “letras” para que o humano analise a informação registrada. Ou seja, toda recuperação de informação é necessariamente mediada[25]. Ocorre, no caso, uma desdigitalização.

O legislador distinguiu documento eletrônico de documento digitalizado (artigo 11 da lei 11.419/2006, por exemplo). No documento eletrônico, que também é digital, eleva-se um pouco o nível de conhecimento a respeito do que está digitalizado. Há programas que permitem, em arquivos nesse formato, mexer nas letras, mudar a forma, enfim, “editar”. Chega-se ao nível dos bytes ou dos caracteres.

Entretanto, as peças monolíticas, duras, permanentes, inteiras, continuam nos autos.  Mesmo num arquivo em formato “.pdf”, apesar da imposição de um formato de codificação,  trabalha-se com a “imagem do documento”, não com seus conteúdos. Aliás, o formato foi adotado principalmente para evitar a alteração dos conteúdos.

 -Quero ver a petição inicial, o despacho tal, a sentença, o acórdão!

Sem problemas. Vai-se ao sistema, o arquivo digital é desdigitalizado e ganha forma, num monitor, para leitura pelo humano curioso. Ou é baixado para ulterior impressão.

Tudo se transforma, entretanto, se o curioso pretender ir um pouquinho além da virtualização primária:

-Quero ver a fundamentação do terceiro pedido! Ou a cláusula 2ª da CCT de 2010!

 Claro, poder-se-á ver. Mas para isso deverá ser buscada a petição ou o texto da CCT. E, a partir daí, olho (até quando os olhos vão agüentar?) e setinhas levarão o interessado a extrair a informação da imagem exibida. Às vezes, depois de um bom incômodo. Os milhões despendidos em sistemas processuais, até agora, não nos levaram a esse patamar elementar de atendimento às curiosidades dos interessados: advogados, juízes, assistentes.

Isso porque as peças são produzidas e juntadas como algo insosso, sólido e indecifrável pelo programa processual. No máximo, os programas conseguem recompor os pontos ou bits, num monitor ou numa impressora, para refazer a imagem das letras no papel. Sabe-se, também, que, num arquivo ‘escaneado”, se o registro da imagem das letras é confiável, é possível recuperar as letras e gerar um arquivo editável (documento eletrônico). É o processo de reconhecimento ótico de caracteres (OCR), também conhecido como digitalização do conteúdo literal da imagem.

Em relação a todas essas imagens presentes nos autos processuais eletrônicos atuais, o máximo que o sistema processual “sabe” é que existe um arquivo digital, que deve ser aberto e exibido por determinado software capaz de ler cada ponto da imagem e exibir num monitor. Qualquer conteúdo informacional contido naquela imagem continua a ser extraído pelo usuário, visualmente, não mais a partir do papel (embora sejam muitos os que ainda imprimam antes de usar), mas a partir da imagem exposta num monitor.  As coisas não mudam muito quando se fala de um documento eletrônico, produzido por um editor de texto do mercado.

Vai-se do bit ao olho do advogado, do assistente ou do juiz.

4.3. O juiz e o gerente: a fraqueza e o poder.

Tome-se o exemplo das imagens “escaneadas” e juntadas aos autos. Podem ser as imagens de envelopes de pagamento de um processo trabalhista.  Quando o advogado baixa as imagens (ou o juiz as examina no monitor), não está lidando com arquivos virtuais. Trata-se, na verdade, de arquivos digitais. 

A situação é completamente diferente na empresa onde está o sistema que gerou aqueles envelopes. O gerente pode pedir ao sistema, de uma forma muito simples (comando SQL, por exemplo), que liste os envelopes do empregado tal, dos meses em que houve o pagamento de horas extraordinárias além de 40. E que apresente um total. Depois ele pode pedir que mostre o envelope do mês em que houve maior excesso de horas. E o sistema exibe o envelope no monitor. Ele monta, na hora, este envelope. No linguajar de Gazzaniga, os elementos da entrada (dados que estão nos discos do sistema de folha de pagamento) são montados segundo o formato que o destinatário espera.

O que faz o juiz quando quer saber isso num processo?

Das três, uma: chama o assistente, envia os autos para o contador ou, então, usa olhos, caneta, calculadora e produz a informação! Com bravura...

Volte-se ao advogado que foi até o sistema processual, zanzou prá lá e prá cá, escolheu uma imagem de um envelope de pagamento e baixou.

Esqueça-se o arquivo baixado e pense-se nas páginas do sistema processual pelas quais o advogado transitou. Essas sim são virtuais. Elas não existem. Como o envelope de pagamento do gerente, elas são montadas para o usuário, na hora em que são buscadas. Provavelmente, um minuto depois, o navegador as montará diferentes, para o mesmo usuário ou para os outros milhões que, naquele momento, estão acessando o site.

Um navegador é exatamente isso. Um programa que “monta uma imagem de página” toda vez que é demandada. E a exibe no monitor. Se houver o acesso de um milhão de pessoas, simultaneamente, um milhão de vezes a página será “montada”, virtualmente (aquele processo inteligente que atua a partir das entradas, conhecendo-as, e preocupado com o que espera o destinatário momentâneo), para exibição nas telas dos usuários. A página é aquele ser existente por meio das tecnologias da informação e da comunicação. E que “é montada” (ocorre a mágica), não apenas exibida.  

4.4. Virtualizar é introduzir inteligência no sistema processual

 O que está por trás dessa transitoriedade de existência das páginas, dessa montagem para exibição, pode parecer trivial, mas não é. Ela supõe muito mais que o mero exibir de “pontos numa tela de monitor”, como já se viu nos tópicos anteriores.  Ela exige um nível superior, mais refinado, de conhecimento do sistema a respeito daquilo que ele está manipulando.  A imagem exibida não é apenas a projeção de um conjunto simples, ponto a ponto, univocamente, de bits existentes num disco rígido, num monitor (caso típico da exibição de uma imagem digital). 

Ilustr. 6– Editor de peça virtual: quero ver só o E! O que existe em K? Esconda M e F!

Numa construção virtual, o sistema, segundo sua estrutura operacional (seus algoritmos), “monta a história”, considerando os conteúdos a serem exibidos, os mecanismos de tratamento, a formatação a que devem ser submetidos etc. Para os fins deste trabalho, lembre-se, algo que distingue digital de virtual é a introdução de algum nível adicional de conhecimento sistêmico (consciência) a respeito dos conteúdos representados pelos bits e bytes de um arquivo digital, antes da exibição ao usuário. Alguns chamariam esse conhecimento de meta-informação.

 O sistema passa a ser ciente e potencial manipulador/processador de “informações/dados” contidos nos documentos que armazena. E pode ser programado para tratar tais informações da maneira que se entender necessário. 

Se a ideia é levada às peças processuais, percebe-se logo que a questão do tamanho se esboroa.  Não haverá peças processuais. Elas serão montadas no momento da construção, ou da consulta, com o tamanho que precisarem ter, de maneira inteligente e com o nível desejado (e programado) de “ciência” a respeito dos conteúdos.

As peças poderão ter “visões” adequadas e convenientes para quem as está acessando: juiz, advogado, partes (foco no destinatário, o que não significa que um não possa ver a visão do outro!).  Ver-se-á o que se desejar ver, no momento em que precisar ver, e, inclusive e se for o caso, nos limites do que for permitido ver (questão da publicidade!).

Por isso, é preciso virtualizar o digital. É necessário que o novo CPC preveja, expressamente, a possibilidade da virtualização das peças processuais e do processo como um todo (autos virtuais). Estar-se-á dando, assim, um passo fundamental para se avançar com o processo virtual para patamares em que a tecnologia será utilizada de maneira nobre e eficaz para auxiliar os operadores jurídicos: advogados, procuradores, assistentes e, claro,  notadamente o juiz, no momento de decidir.  

5. Tamanho de uma peça processual: função de muitas variáveis

Originalmente, este artigo partia da questão do tamanho das peças processuais para refletir sobre a virtualização. Fazia uma análise das razões pelas quais as peças processuais têm se tornado cada vez maiores, passava pelas variáveis que se articulavam para gerar esse aumento de tamanho e, ao final, desembocava num desmonte analítico-cartesiano de uma peça-tipo para exibir os elementos sobre os quais a tecnologia poderia trabalhar, desde que se adotasse a virtualização. Esse exercício continua válido.

Lembre-se, seguindo na direção apontada pelo neurofisiologista Gazzaniga, que a “história” montada para a consciência parte de elementos de entrada. O processo transformador (intérprete) conhece esses elementos e as expectativas do destinatário (consciência) e gera uma saída que faça sentido para ele.

5.1. Variáveis e elementos de uma petição inicial

Faz-se, nos próximos subitens deste item 4, um exercício rápido, mas útil, para se pensar na virtualização de uma peça processual específica: a petição inicial. A partir dele, é possível pensar em espancar as peças digitais monolíticas do processo, substituindo-as por peças virtuais, inteligentes.

Tome-se uma petição inicial ideal, elaborada com um editor de texto comum. Considerá-la contextualmente e desmontá-la lógico-cartesianamente demonstra que: a)  uma imensidão de variáveis está em jogo e  contribui para um tamanho maior e b) a tecnologia pode ajudar, atuando sobre muitas dessas variáveis, para, entre outras coisas, “reduzir o tamanho”. 

 

Algumas variáveis interessam para a virtualização. Outras não. Veja-se: o estilo pessoal do redator, a facilidade do famoso copia-cola trazido pelo computador, a facilidade de remendar a peça até o último momento (quem lembra do tempo do carbono? Os recém-formados, ao ouvirem carbono, pensam no efeito estufa! Os antigos ainda lembram do efeito “apaga em cascata, folha a folha!”), a facilidade de acesso e consulta à doutrina e à jurisprudência,  a qualidade do cliente e suas exigências, o “faturamento” (puxa, você cobrou isso para escrever uma folhinha?), a quantidade de pedidos, a quantidade de teses a serem expostas ou analisadas na peça, a quantidade de partes e testemunhas, a qualidade da tese – pacificada ou inovadora – o nível em que a peça está chegando ao processo, e por aí vai. 

Num esforço de organização, que nem de longe pretende ser exaustivo ou adequado,  é possível agrupá-las em ao menos 5 categorias:

a) Subjetivas;

b) Objetivo-contextuais;

c) Tecnológicas;

d) De conteúdo e

e) Estruturais-textuais.

5.2. Variáveis subjetivas

Envolvem qualidades pessoais do redator. Exemplificativamente:  (i) estilo,  (ii) facilidade para expor objetivamente fatos e direito, (iii) nível de conhecimento da língua e dos direitos material e processual e (iv) familiaridade com os novos recursos tecnológicos. A tecnologia só mediatamente pode ajudar no aperfeiçoamento dessas variáveis.

Programas sérios e bem montados para a difusão intensa da cultura tecnológica – que ensinem a tecnologia, desmistifiquem, desmontem medos e “provem” as vantagens de sua utilização – precisam ser parte integrante do esforço de evolução para o processo virtual.

5.3. Variáveis objetivo-contextuais

Não estão ligadas aos redatores, mas ao seu entorno: (i) exigências do cliente, cada vez mais esclarecido e informado; (ii)  necessidade de “produzir para faturar”; (iii) a obrigação de “cumprir metas” e, apesar de tudo, manter a qualidade e as possibilidades processuais (não é só no âmbito judicial que as metas têm sido estabelecidas); (iv) os desencontros judiciais a respeito das teses jurídicas; (v)  os mecanismos de orientação constitucional somente agora estabelecidos com maior rigor; (vi)  a mobilidade constitucional, uma característica do neoconstitucionalismo calcado em princípios tomados como pautas sempre abertas; (vii) as exigências legal-formais para as diferentes peças processuais;  (viii) os rigores em relação à análise da forma, levando todos a pensar em errar pela abundância e (ix) os novos direitos, que chegam em gerações (Bobbio) e desafiam a capacidade de trato das questões e de julgamento em tempo razoável.

Esses são alguns exemplos de como o mundo circundante se reflete (projeta-se e condiciona) no trabalho do produtor da peça jurídica. Todas essas variáveis  tornam mais complexa a operação do direito e obrigam os agentes a utilizar a tecnologia, da forma mais eficaz possível, para superar os desafios. Num mundo de crescente complexidade, a tecnologia pode e deve ser acionada, de forma criativa, para otimizar as condições de trato dessa complexidade. 

Em vários dos exemplos, a virtualização poderá postar-se ao lado do produtor da peça para o auxiliar: melhoria da qualidade sem perda de produtividade, atendimento facilitado das formas etc.

5.4. Variáveis tecnológicas

Ditas tecnológicas porque oriundas da chegada e da incorporação, na vida do direito e do processo,  das tecnologias da informação e da comunicação.

Pode-se destacar: (i) as facilidades trazidas pela tecnologia, no sentido da busca de informação doutrinal e jurisprudencial; (ii) as facilidades de edição de texto, com o famoso copia-cola, encontram-se entre as campeãs da proliferação das peças longas; (iii) as facilidades para incluir coisas nos textos já prontos, que permite responder à inarredável tendência para “aperfeiçoar” a peça (é humano e generalizado!); (iv) o acesso aos mais  variados argumentos encontráveis na internet para acrescentar ao discurso; (v) os mecanismos de busca, as listas de discussão e o amadurecimento das soluções a muitas mãos e cabeças e  (vi) as redes sociais. 

A tecnologia abriu caminhos para a geração do caos em termos de peça processual. Viu-se, acima, que há muita coisa trabalhando na direção da maior quantidade dos litígios. Nos processos daí oriundos, há uma vastíssima cesta de razões, de todas as origens,  para pedir e para contestar.

Nada é demais. Nem suficiente. Sempre cabe mais um argumento. À mão ou à máquina de escrever, ficar-se-ia nas primeiras páginas, após um esforço seletivo do que pudesse constituir o melhor argumento. Com internet, mecanismos de busca, decisões à vontade para consultar, conhecer e prever possíveis caminhos do processo (juízes, composições de turma etc), a abundância jamais é alcançada. Não há ponto de saturação.

Somente com  tecnologia bem usada, com ampla “virtualização” do processo (com ênfase para as peças), pode-se responder a essa exacerbação das possibilidades do jogo processual promovida pela tecnologia.  Tecnologia contra tecnologia.

5.5. Variáveis de conteúdo

Parece axiomático que a complexificação da vida social ampliou, de forma exponencial, a possibilidade de litígios. Não houve apenas um crescimento do número de litígios. Os litígios se qualificaram. Também eles ganharam complexidade. Quantidade de partes, testemunhas, pedidos, preliminares, prejudiciais.  Causas de pedir, razões de defesa. 

As dificuldades de acesso à justiça matavam no nascedouro um torvelinho de demandas. Os novos procedimentos amplificaram o acesso. Trouxeram a facilidade para demandar. A afirmação das minorias e o reconhecimento de inumeráveis direitos, quase sempre ensejadores de grande controvérsia no âmbito moral, vieram contribuir para tornar mais amplas, complexas e extensas as demandas e seus fundamentos.

A tecnologia está na base desse incremento. Usá-la criativamente para responder a esse incremento é um dever. 

5.6. Variáveis estrutural-textuais

Este é o grupo mais sensível  e responsivo à virtualização. A  virtualização funda-se, em boa medida, no tratamento de algumas dessas variáveis. Os elementos estrutural-textuais podem ser:

a) textos fático-expositivos;

b) textos argumentativo-doutrinários;

c) textos argumentativo-jurisprudenciais (ementas, trechos de acórdãos);

d) textos auto-argumentativos e

e) textos extrínseco-formais. 

As possibilidades de reuso desses textos são evidentes. E o conhecimento dos elementos pelo sistema processual abre inumeráveis caminhos para a evolução do apoio sistêmico aos operadores.

A exposição dos fatos deverá ser feita pelo redator. Num primeiro momento, parece não haver espaço, neste ponto, para reuso de textos. Isso não é exato. Há milhões de ações percorrendo os canais judiciais onde os fatos são exatamente os mesmos. O mesmo raciocínio aplica-se para os textos auto-argumentativos, embora de forma mais restrita. O Sepaj deve, também, saber a relação desses fatos com os demais elementos da peça.   

A utilização de suporte doutrinário, que ocupa boa parte das peças processuais, pode e deve submeter-se às possibilidades da virtualização efetiva do processo.

Os apoios jurisprudenciais poluem, permita-se a expressão, a imensa maioria  das peças processuais. Um mesmo texto – uma ementa ou trecho de acórdão – replica-se aos milhões pelas peças. Após o primeiro contato – quando o texto perde a condição de acontecimento informacional – tais textos passam a ser meros ocupantes de espaços em discos e em monitores.

Finalmente, há os textos extrínseco-formais. Eles se espalham aos milhões, nos processos, dos despachos às sentenças. Um alvará não precisa ter vida monolítico-digital, precisa ter vida virtual. Um mandado de busca e apreensão de certo bem vale-se de uma descrição que também deve ser a adotada no leilão e na carta de adjudicação e na decisão que julgar eventuais embargos.  Numa petição inicial, que foi escolhida para essa análise, os textos extrínseco-formais se estendem do vocativo ao requerimento. Os próprios pedidos podem e devem ser enquadrados nessa categoria. Eles são elementos fundamentais da “história montada” e o sistema deve ter firme e bem definido conhecimento desses elementos e suas relações nos autos. Eles serão o grande fio condutor da construção sistêmico-estrutural autopoiética[26].

Enfim, há imenso espaço, aqui, para se utilizar a tecnologia e caminhar, de forma consistente, para a virtualização efetiva das peças processuais. Pode ser exuberante o resultado do desmonte virtual das peças, com a introdução de visões próprias, segundo o interessado na leitura. Os chamados “hiperlinks” podem ser acionados de uma maneira eficaz, no âmbito do sistema processual, para permitir que o usuário, em vez de ler a peça, navegue na peça. É possível criar “visões da peça”, com ou sem jurisprudência, com ou sem doutrina, só auto-argumentos, só fatos, tudo sobre o pedido “x”, enfim, o que se desejar.


6. Manejando as variáveis de uma peça processual: o editor de peça processual virtual

No esboço do artigo original, lançaram-se as seguintes ideias: “- A edição como parte fundamental do processo virtual; - Da ‘edição de texto’ – genérica -  para a ‘edição de peça processual’ – específica e - O editor como parte integrante do sistema do processo eletrônico, especializado e simples.” Essas ideias merecem as explicações que se seguem.

Tendo-se em conta a proposta de virtualização efetiva das peças processuais – e do processo como um todo – torna-se evidente que a produção dessas peças pode e deve ser efetuada por editores próprios, preparados para a geração de tal documento virtual, não meramente digital.  A edição especializada passa a ser, sem dúvida, parte indispensável de um sistema processual. 

Daí falar-se em avançar da ideia de edição de texto para a edição de peça processual.

O PJe-JT, recentemente implantado na vara do trabalho da cidade de Navegantes, em Santa Catarina, já incorpora um editor de textos para a produção das peças processuais no âmbito do próprio sistema. Esse editor ainda trabalha muito próximo da noção de uma edição de texto comum. Mas ele abre a porta para evoluir e chegar à concepção de edição especializada de peça processual. Os tecnólogos, entendendo a essência da atividade processual, poderão avançar essa ferramenta para torná-la um facilitador do trabalho dos operadores jurídicos na produção de efetivas peças virtuais.

Ao contrário do que se pode pensar à primeira vista, isso não significa apenas empacotar ou formatar a peça, um termo que, pela carga de restrição que porta, cria uma imensa e imediata resistência dos operadores. Ao contrário, um editor de peça virtual vai garantir ao advogado, com grande liberdade e simplicidade, manter a aparência da edição comum, com a produção efetiva de uma peça virtual apta a permitir que o sistema processual deixe de ser um mero estoquista de imagens para postar-se como efetivo auxiliar dos operadores. Sob a aparência da continuidade, promove-se consistente mudança.

A ideia da formatação das peças via empacotamento – que todos lerão, pensa-se, como “encaixotar as coisas da peça” – tende a manter as considerações na superficialidade e, sob a promessa de uma imposição de ordem e local para colocar as coisas, oferece quase nada em troca. 

As tecnologias estão prontas para que se possam concretizar as ideias deste trabalho. É necessário, apenas, que o legislador determine que se faça. E que os juristas parem de resistir.  Dos recursos de comunicação às técnicas de desenvolvimento de sistemas, tudo está disponível.

O editor de peças processuais virtuais, se bem concebido, além de manter o elo com a cultura visual e de trabalho existente, não será visto como um engessador, mas como um apoiador da geração da peça. Presume-se ser muito melhor trabalhar com um editor especializado do que com um genérico.

Combinado com um trabalho especializado de engenharia do conhecimento e de software, o editor de peças processuais virtuais transformar-se-á numa imensa janela pela qual o sistema processual evoluirá em inteligência e poderá assumir papeis de apoio a todos os operadores jurídicos, notadamente  juízes e advogados. Neste artigo, porque voltado aos juristas, deixou-se de mencionar os meios tecnológicos e suas potencialidades. Eles estão disponíveis, muito evoluídos, nos dois âmbitos – hardware e software – com possibilidades plenas de tornar realidade as ideias aqui ventiladas.

7. Bases confiáveis: não volatilidade e persistência.

A existência de bases confiáveis, não voláteis e persistentes, acessáveis por linkamento e outras tecnologias, é um corolário da virtualização. O exame dos elementos das peças processuais demonstra isso. E a pretensão de virtualizar o processo em termos mais amplos reforça essa necessidade.  O legislador deve contemplá-las para autorizar sua formação e seu uso.

A virtualização das peças processuais (que permitirá caminhar para a virtualização máxima dos autos, como um todo) e a adoção de tecnologias como a do linkamento, não significam, como pensam alguns, escancarar o processo ao mundo, destruir suas fronteiras, tirar do sistema processual aquilo que faz dele um sistema: os limites, que ele mesmo controla, do que é processo e do que não é processo, do que está no âmbito processual e do que está no entorno do processo. A ferramenta sistêmica, o SEPAJ, em sua concepção, deve estar a serviço do processo e intimamente vinculada a ele, às suas necessidades e à sua preservação.

Sistema é diferença entre ele mesmo e o ambiente[27]. A complexidade fica fora.  O que é internalizado, entra no sistema segundo suas regras e para o âmbito de suas operações (acoplamento estrutural - informação).  Se externo, há de ser estável, no sentido de, em laços de verificação posteriores, alcançar-se a reprodução da operação nos moldes efetuados ao tempo em que o ato processual seletivo e determinante da operação subseqüente ocorreu (autopoiese). 

Portanto, ao falar-se em hipertexto, não se deve pensar na abertura do processo para o mundo externo, incontroladamente e sem memória. O presente do processo deve ser compatível com cada “presente” vivido no passado dele. A possibilidade de reconstituição do caminho feito pelos participantes, no âmbito do processo, até certo momento, deve ser condição da validade processual.  Rápido parênteses: para os que  lembrarem, neste ponto, do processo oral, é importante informar que, no caso, trabalha-se com o suposto do compartilhamento dos fundamentos e com a persistência do decidido, daí dizer-se que a oralidade é condicionada pela imediatidade.  Sem imediação não é possível o processo oral e, no caso, abre-se expressamente mão da “reconstituição de caminhos” – enlaçamento estrutural - nos moldes mencionados acima.  Fecha parênteses.

 

Retomando a questão de fundo, portanto, vê-se a necessidade de se falar em bases confiáveis.  Base confiável de informação, não volátil e persistente, é aquela fonte que, virtualmente, apenas virtualmente, passará a fazer parte do processo. Os requisitos da não volatilidade e da persistência parecem ser evidentes, uma vez que se quer que os conteúdos dessas bases de dados, na exata forma em que entraram na consideração dos agentes processuais e instrumentalizaram operações no caminho processual – determinaram a evolução estrutural-autopoiética do processo -, se perpetuem no tempo e na forma.  A ideia de não volatilidade acentua a necessidade de imutabilidade da informação. Ao juntar-se a ideia de persistência, realça-se o aspecto temporal.

O instantâneo (a fotografia) tomado da base de dados para promover, internamente, a operação processual e o respectivo acoplamento estrutural, deve manter-se intacto, exatamente como se tivesse sido internalizado em termos “reais”, como se tivesse sido juntado aos autos do processo virtual. 

Todo conjunto de informação, acessável via hiperlink, por exemplo,  com os requisitos da não volatilidade e da persistência, pode ser tomado como base confiável para fins de incorporação virtual. Os meios de certificação dessa confiabilidade devem ser estabelecidos.

É importante – muito importante mesmo – registrar que os requisitos da persistência e não volatilidade não significam “imobilidade”. Numa base de entendimentos doutrinários, por exemplo, os geradores de informação  terão plenas condições de se movimentarem, em seus entendimentos a respeito de qualquer matéria. Bastará criar o novo entendimento, registrar na base e, daí em diante, adotar esse novo entendimento.  A persistência tem a ver com a possibilidade de, a qualquer tempo, poder-se “reconstituir” o momento processual em que a informação entrou (orientou o acoplamento estrutural), exatamente na forma em que foi levada em consideração. Ou seja, tudo que foi produzido com base numa situação ultrapassada de entendimento, deve poder ser reconstituído com aquela situação.  A “montagem” de uma sentença, por exemplo, deve ser possível no futuro, exatamente como foi montada na ocasião de sua prolação.

Inúmeras dessas bases confiáveis já existem. Outras podem ser rapidamente transformadas nelas.  Todas as bases jurisprudenciais, os diários eletrônicos, as bases legislativas, os bancos de dados de convenções coletivas, dados de cartórios eletrônicos, bases da previdência social, bases bancárias, da receita federal, e assim por diante. Inúmeras delas são estabelecidas, legalmente, como não voláteis e persistentes.  Os próprios autos processuais mantidos pelos tribunais são, ou podem ser, bases confiáveis.

Além das bases confiáveis institucionais, poder-se-ia pensar em bases confiáveis privadas, desde que estabelecidos os parâmetros para seu estabelecimento. Os arquivos de fonte de dados (AFDs) dos pontos eletrônicos, por exemplo, poderiam ser depositados em bases especiais, privadamente mantidas, para acesso pelos sistemas processuais. Enfim, os limites dessa ideia são difíceis de estabelecer.

O próprio sistema processual pode ir constituindo suas bases confiáveis, as quais não serão necessariamente internas. No âmbito dele, podem ser criados espaços privados para alimentação pelos usuários[28], para seu exclusivo uso. Certa categoria de conteúdo, uma vez entregue, podem tornar-se inalterável e ser acessada exclusivamente no sentido baseàprocesso. 

Em esquema semelhante, os magistrados podem transplantar para o sistema processual suas bases de informação, exatamente como costumam fazer nos seus esquemas normais de trabalho.  É possível, inclusive, estabelecer bases em rede,  para o compartilhamento da base de conhecimento entre os magistrados. Naturalmente, no caso, com as restrições de segurança que forem julgadas adequadas, inclusive para criar a disposição de compartilhamento junto à magistratura.

Mecanismos de pesquisa bem estabelecidos podem acessar tais bases confiáveis, utilizando com plenitude o princípio da ubiqüidade.  A ideia de instantaneidade deve ser, no caso, interpretada como “imediatidade” – o ausente torna-se presente com a mediação tecnológica – e como instantâneo, momentâneo, fixado no tempo para perpetuar-se na “foto do momento”.

A confiabilidade de bases não voláteis e persistentes alivia o processo da necessidade de internalizar fisicamente a informação. O âmbito do processo, virtualmente construído, espraia-se pelos limites do “utilizado”, o que garante a autonomia processual apesar da virtualidade da internalização do dado.  A persistência permite que se considere a alimentação virtual como válida para considerar os trechos de informação de outras bases como integrantes da própria base do sistema processual. 

O requisito sistêmico da autoreferenciabilidade fica atendido pela virtualidade dos lindes. Uma visão inteiramente pertinente para um efetivo processo virtual.

E, finalmente, tem-se de considerar que a internalização virtual da informação dar-se-á segundo as regras do sistema processual – autonomia sistêmica[29] -, com as garantias da ampla defesa e do contraditório. Tais requisitos, do devido processo legal, serão condições a serem garantidas pelo próprio sistema processual.


8. Bases confiáveis, não voláteis e persistentes, e a teoria sistêmica de Niklas Luhmann

Resumindo e complementando o tópico anterior, que é bastante extenso, para colocá-lo sob fundamentos  sistêmicos luhmannianos, podem-se destacar, em relação às bases confiáveis externas,  não voláteis e persistentes, os  aspectos adiante.  Adota-se o linguajar do jussociólogo alemão e, por isso, entendeu-se relevante apartar esse enquadramento teórico do item anterior.

confiabilidade da base aliviará o sistema processual e seus operadores de muito esforço de validação da informação[30] de que necessitam[31].   A confiabilidade pode aludir apenas à qualidade da informação e à sua fidedignidade. Bases apenas confiáveis são muito úteis, mas exigem  a internalização física da informação. O sistema não pode adotar apenas o fenômeno sistêmico do acoplamento estrutural[32]. O linkamento e outros mecanismos de troca/incorporação de informação poderão ser acionados para trazer aos autos virtuais a informação.  Em outro momento, adotou-se o termo extraoperabilidade[33] para descrever essa internalização efetiva (não virtual) e realçar a conexão do sistema processual com os demais sistemas do mundo.  Nesse caso, o sistema processual pode “alimentar-se” e manter a clausura de operação[34]. Há um trânsito efetivo do dado a processar (o sistema apropria-se dele, duplica-o, tornando um atributo sistêmico) mas não de estruturas operativas, no linguajar  luhmanniano. A extraoperabilidade supõe, portanto, uma operação única.

não volatilidade e a persistência, por seu lado, dizem respeito à conservação do dado ou informação em sua fonte externa – um requisito indispensável para o sistema processual internalizá-los apenas virtualmente.  Tem a ver com história, registro (ou “log” dos técnicos) e envolve a possibilidade de reconstituição operativo-estrutural (autopoiese). Na virtualidade, é possível espancar-se o tempo e pensar em ordem, sequência de instantâneos concomitantemente presentes[35].  Como, segundo Luhmann,  não existe propriamente o presente – é o ponto cego do tempo[36]  -, é como se tudo, do passado,  acontecesse simultaneamente. A ordem é apenas um atributo do fato, dado pelo observador.  Assim, num ambiente virtual com bases confiáveis, não voláteis e persistentes, pode-se trabalhar  a classificação dos fatos, sem o tempo, para separar tudo apenas em “o que é” e  “o que não é”. Tudo o que já foi, é e está à disposição.  Valendo-se de bases apenas confiáveis, sem os requisitos da não volatilidade e da persistência, ao contrário, o sistema processual deve internalizar  efetivamente dado/informação para atribuir as qualidades da não volatilidade e da persistência. Nesse caso, o dado/informação torna-se propriedade (atributo) do objeto processual (o processo) e fixa-se no ambiente deste, destituindo-se das características intrínsecas temporais. Há uma internalização real e não virtual. 

não volatilidade e a persistência, se existentes no nível estrutural-operativo de uma base confiável externa,  permitem pensar-se até mesmo na interpenetração[37].  O fechamento operacional expõe-se também à virtualidade. As fronteiras do sistema virtualizam-se nos dois âmbitos – da informação e da operação -   e mobilizam-se para envolver os dados/informações, onde estão, com submissão a operações estruturais de  sistemas externos mantenedores dessas bases. Não se evita apenas o fenômeno de internalização, de replicação,  do dado ou da informação no interior do sistema processual. As fronteiras sistêmicas ampliam-se para além do dado e da informação, virtualmente, para abranger também a incorporação das estruturas operacionais alienígenas em sua própria malha estrutural-operativa (interpenetração).  Há um alívio sistêmico no plano operacional também.

Portanto, não somente a informação é envolvida. Operações externas também podem integrar-se para ajudar a compor a estrutura operacional do sistema processual, daí a interpenetração. A clausura de operação concretiza-se, a partir dessa possibilidade, pela seleção da operação a ser integrada na estrutura operativa do sistema processual, não mais por ser o sistema processual o único detentor do espectro de possibilidades operacionais.

Considerações finais

O novo CPC não pode nascer velho. E deve assumir o papel de grande sistematizador do processo virtual no Brasil. Um processo em que as máquinas farão tudo o que podem fazer melhor que o homem. E aos homens estará reservado o trabalho que só eles podem e devem fazer no processo, notadamente o “julgar”.

O processo digital vem prestando imensos benefícios para o avanço tecnológico no âmbito judicial. Suas limitações também começam a se tornar evidentes. O novo CPC, pela natural perspectiva de futuro por trás de uma legislação dessa natureza, deve abrir os caminhos para a implantação de um efetivo processo virtual, conforme a acepção de virtual adotada neste artigo: um processo novo, com forte incorporação de automação em todas as tarefas que possam ser entregues, no linguajar de Foerster, às máquinas triviais. 

O processo digital exibirá, cada vez mais, sua incapacidade para produzir os resultados esperados de aceleração dos prazos e de otimização da qualidade da prestação jurisdicional. Sua concepção sistêmica aponta para esse resultado. Portanto, o avanço para um processo virtual é uma imposição do tempo sobre o legislador.

Se este, ao elaborar a mais relevante lei do país atinente ao processo, passar ao largo dessa questão, negando-se a enfrentar o problema do novo processo – que será obrigatoriamente virtual, o processo eletrônico do novo CPC – estará cometendo, permite-se pensar, um erro  histórico. A cidadania clama por uma Justiça célere e de qualidade. Somente um processo virtual é capaz de responder a esse reclamo constitucional do brasileiro.

Os detalhes poderão ser remetidos para legislação esparsa. Entretanto, o grande arcabouço, as grandes diretrizes, terão de ser postas pelo novo diploma processual. O  novo CPC pode e deve ao menos:

(i) Determinar que se caminhe na direção da virtualidade e se abandone a mera digitalização; os desdobramentos desse comando são incontáveis, chegando até à facilitação e aceleração do ato decisório (auxiliando efetivamente o juiz);

(ii) Estabelecer a padronização sistêmica, em níveis que só a virtualização pode permitir – o que não significa sistemas iguais, os técnicos sabem disso; 

(iii) Exigir e autorizar a integração sistêmica plena do ou dos SEPAJs com os demais sistemas do mundo (extraoperabilidade);

(iv) Determinar e autorizar o estabelecimento e a utilização de bases de dados confiáveis; com isso, entre outras coisas, abrindo espaço para o uso amplo, mas seguro e controlado, do linkamento e outras tecnologias, nos sistemas processuais, nos níveis de informação e operação;

(v) Zelar pelo acionamento da publicidade somente até os limites necessários para a garantia da fidedignidade do processo (evitar os julgamentos secretos); a virtualização facilitará enormemente esse ajuste;

(vi) Determinar a submissão da tecnologia ao jurídico e não o inverso (princípio da dupla instrumentalidade ou da   subinstrumentalidade da tecnologia);

(vii) Determinar que a alimentação do sistema processual se faça em consonância com os ditames da virtualidade e de modo que abram caminhos para a otimização do sistema processual (datificação pertinente);

(viii) Determinar a adoção de peças processuais virtuais e abrir caminho para  investimentos públicos no desenvolvimento de ferramenta de edição especializada de peças processuais (editor de peça processual virtual), de propriedade do Estado e de distribuição gratuita, para uso acoplado aos sistemas processuais ou não;  a determinação deverá ser feita no nível de generalidade e abstração compatível com o teor da lei, mas com redação que abranja o que já agora se mostra adequado para o processo e

(ix) Determinar que o sistema processual, independentemente das ferramentas tecnológicas adotadas, seja de propriedade do Estado brasileiro – que dele poderá dispor da maneira que os interesses nacionais exigirem - e não esteja sujeito a licenças de quaisquer ordens, formatadas por terceiros.


Referências bibliográficas

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Notas

[1] LUHMANN, Niklas. Introducción a la teoría de sistemas. Lecciones publicadas por Javier Torres Nafarrate. México:Universidad Iberoamericana, 1996. p. 135.

[2] O título do artigo é uma provocação. Melhor seria dizer “virtualizar o digital”.  Pelo porquê dado na nota de rodapé n. 5, informa-se que o título original proposto para este artigo era: “Peça processual no processo eletrônico: elementos para uma teoria geral do processo eletrônico. Desmistificando a questão do tamanho das peças processuais. Virtualizando o virtual.”

[3] O marco teórico do autor, em termos jurídico-sociológicos, é o pensamento sistêmico de Niklas Luhmann, assim denominado porque representa uma aplicação da visão sistêmica em geral para o caso particular dos sistemas sociais. As linhas teóricas do jussociólogo alemão foram tomadas, notadamente, das seguintes obras: LUHMANN, Niklas. Introducción a la teoria de sistemas, referida em nota anterior. LUHMANN, Niklas. El derecho de la sociedad. (Das recht der gesellschaft).  Formatação eletrônica. Versão 5.0, de 131003. Disponível em: http://forodelderecho.blogcindario.com/2008/04/00432-el-derecho-de-la-so.... Acesso em: 10 nov. 2011. LUHMANN, Niklas. Legitimação pelo procedimento. Trad. de Maria da Conceição Corte-Real. Brasília:UnB, 1980. 210p. LUHMANN, Niklas. Sistemi sociali. Fondamenti di una teoria generale. Tradução para o italiano de Alberto Febbrajo e Reinhard Schmidt. Introdução à edição italiana de Alberto Febbrajo. Bologna:Società editrice il Mulino,  1990. 761p. LUHMANN, Niklas. Sociologia do direito II. Trad. de Gustavo Bayer. Rio de Janeiro:Edições Tempo Brasileiro, 1985. 212p.  

[4] No quarto trimestre de 2010, exacerbou-se, na mídia e nas listas especializadas de discussão sobre e-justiça, um debate a respeito do tamanho das peças processuais eletrônicas. Isso induziu o início da produção deste artigo pelo autor. Em fevereiro de 2011, alguns tópicos estavam bem desenvolvidos e outros apenas esquematizados. O artigo foi, então, aberto para dois outros estudiosos do processo eletrônico (um magistrado e um técnico), com a intenção de terminá-lo a três.  Apesar da tentativa de estabelecimento de uma metodologia para colaboração a distância, o trabalho a três não aconteceu por razões diversas. Haja vista as circunstâncias atuais atinentes ao esforço legislativo para produção de um novo CPC, entende-se oportuno publicá-lo com os ajustes e complementações naturais, principalmente trazendo para primeiro plano o que, na época, estava posto como ideia de fundo: a questão da virtualização.

[5] PEREIRA, S. Tavares.  O processo eletrônico e o princípio da dupla instrumentalidade.   Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1937, 20 out. 2008.  Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/11824">http://jus.com.br/revista/texto/11824">http://jus.com.br/revista/texto/11824">http://jus.com.br/revista/texto/11824">http://jus.com.br/revista/texto/11824">http://jus.com.br/revista/texto/11824">http://jus.com.br/revista/texto/11824">http://jus.com.br/revista/texto/11824">http://jus.com.br/revista/texto/11824">http://jus.com.br/revista/texto/11824" http:="" jus.com.br="" revista="" texto="">http://jus.com.br/revista/texto/11824">http://jus.com.br/revista/texto/11824">http://jus.com.br/revista/texto/11824">http://jus.com.br/revista/texto/11824">http://jus.com.br/revista/texto/11824">http://jus.com.br/revista/texto/11824">http://jus.com.br/revista/texto/11824">http://jus.com.br/revista/texto/11824">http://jus.com.br/revista/texto/11824">http://jus.com.br/revista/texto/11824">http://jus.com.br/revista/texto/11824>. Acesso em: 16 mar. 2009. Neste artigo, o autor chama a atenção para o risco que a incorporação tecnológica ao processo, sem os devidos cuidados,  pode representar. E lança o princípio da dupla instrumentalidade (ou da subinstrumentalidade) da tecnologia, como baliza incontornável para a produção dos sistemas processuais eletrônicos. 

[6] O termo “virtualização” apresenta imensa ambigüidade, mesmo se se considerar apenas a área de TI. A respeito, veja-se: Virtualização esclarecida – oito diferentes modos. Disponível em:   http://www.f5networks.com.br/pdf/white-papers/virtualizacao-esclarecida-oito-diferentes-modos-wp.pdf. Acesso em: 10 nov. 2011. E esse paper não esgota o assunto. Caminhando-se para outros âmbitos, como o filosófico ou o da neurociência,  a ideia ganha contornos dramaticamente distintos.

[7] GAZZANIGA, Michael S. Who´s in charge? Free will and the science of the brain. New York:Harper Collins Publishers, 2011. p. 88.

[8] GAZZANIGA, Michael S. Who´s in charge…, p. 89.

[9] GAZZANIGA, Michael S. Who´s in charge…,  p. 94.

[10] A teoria dos sistemas abertos não conseguiu explicar a inversão da tendência à entropia, característica dos sistemas fechados. O sistema psíquico-cerebral (e o processo também) é claramente neguentrópico. Portanto, há algo mais nesse espaço, explicado pela noção de clausura de operação. Veja-se, a respeito, o texto muito elucidativo de Luhmann: LUHMANN, Niklas. El derecho de la sociedad. p. 27 e seguintes.

[11] Luhmann não concordaria com essa analogia, pois para ele a consciência (sistema psíquico) situa-se fora do sistema social. Adota-se, aí, no sentido de “estar ciente”.

[12] Ao tratar da questão da complexidade, Luhmann escreve: “Elaborado de esta manera el concepto de complejidad se vuelve, al mismo tiempo, más complejo y más realista porque ahora están tomados en cuenta el número de elementos, el número de posibles relaciones, el tipo de elemento y el tiempo específico de la relacionad de estos elementos.” [sem grifo no original ]  LUHMANN, Niklas. Introducción..., p. 139.

[13] Disponível em: http://www.dicio.com.br/virtual/. Acesso em: 10 nov. 2011.

[14] Disponível em: http://www.priberam.pt/dlpo/default.aspx?pal=virtual. Acesso em: 10 nov. 2011.

[15] Disponível em: http://www2.trt12.gov.br/aurelio/home.asp. Acesso em: 10 nov. 2011.

[16] O princípio da imaginalização mínima realça esta ideia. A imagem caminha em sentido inverso ao aqui proposto. PEREIRA, S. Tavares. Processo eletrônico, máxima automação, extraoperabilidade, imaginalização mínima e máximo apoio ao juiz: ciberprocesso.   Disponível em: HTTP://bdjur.stj.jus.br/dspace/handle/2011/35515. Acesso em: 3 abr. 2009. 

[17] Ao lançar o princípio da máxima automação, o autor escreveu: “Por trás desse princípio, estão duas noções básicas:  (i)  a ideia de que há  - e haverá sempre -, atos processuais não automatizáveis, conforme a previsão wieneriana. Mas o comando de otimização para o processo eletrônico deve ser no sentido de se alcançar, um dia, as fronteiras do ‘não automatizável’, entregando às tecnologias digitais tudo aquilo que for passível de automação (automação máxima). Precisa-se desmontar os ‘espaços sagrados’ e destravar a inventividade dos técnicos.” PEREIRA, S. Tavares. Processo eletrônico, máxima automação....

[18] FOERSTER, H. Von. Observing Systems. Seaside, Cal. 1981.  Referência de Niklas Luhmann. 

[19] LUHMANN, Niklas. Introducción…, p.  82.

[20] LUHMANN, Niklas. Introducción…, p.  82.

[21] Apesar das divergências teóricas a respeito, conforme realça Niklas Luhmann: “Para  una teoría de los sistemas sociales no se puede contar con un tal consenso, y esto sobre todo es válido para describir el sistema de derecho como un sistema social autopoiético, clausurado en su operación.”  LUHMANN, Niklas. El derecho de la sociedad. p. 31. LUHMANN, Niklas. Introducción…, p.  85: “Autopoiesis  [...] significa determinación del estado siguiente del sistema, a partir de la limitación anterior a la que llegó la operación.” 

[22] LUHMANN, Niklas. Introducción..., p. 137.  Luhmann refere-se a um sistema que tenha de dar conta, completamente, das referidas relações. Mais adiante, na mesma lição, p. 138, o jussociológico reporta que os sistemas avançam, em sua concepção estrutural, para abandonar esse conceito de complexidade simples (todos os elementos ligados a todos os outros) e  adotar o conceito de complexidade complexa (em que se estabelecem seletivamente as relações entre os elementos), ganhando em capacidade de variação. 

[23] Em outro momento, propôs-se o princípio da máxima automação, uma forma diferente de transmitir essa ideia hoje tão necessária ao sistema eletrônico de processamento de ação judicial.

[24] Pensando-se apenas  na virtualização primária ou desdigitalização, as peças são virtuais. É óbvio que não se trata de raciocinar nesse nível elementar.

[25] Nos velhos tempos da informática, quando se registravam os caracteres em cartões perfurados, muitos humanos – inclusive o autor – eram capazes de ler os furinhos do cartão e saber que caracter estava registrado na coluna.

[26] “El sistema posee un campo de estructuras delimitadas que determinan el espectro de lo posible de las operaciones del sistema  […] Las estructuras condicionan el espectro de la posibilidad en el sistema; la autopoiesis determina lo que es posible de facto en la actualidad de la operación. El patrón de las estructuras precondiciona lo que es susceptible de ser tratado; la autopoiesis determina lo que de facto ha de ser tratado.”  Luhmann, Niklas. Introducción..., p. 104. Portanto, os elementos sempre estão referidos e orientados para as estruturas.  E vice-versa.  A estrutura sistêmica deve estar preparada para  receber os pedidos – e suas relações com os demais elementos da peça – para que a estrutura do processo específico (autopoiese) se construa com amplificação dessas relações. Isso maximiza as possibilidades de o sistema auxiliar os operadores.

[27] LUHMANN, Niklas. Introducción…, p. 61 e seguintes.

[28] O PJe vai adotar ideia semelhante para resolver o problema da juntada da defesa em audiência.

[29] Linguajar de Luhmann na sua pragmática sistêmica, anterior à incorporação das noções de autopoiese à teoria. LUHMANN, Niklas. Legitimação pelo procedimento.

[30] Para Luhmann, informação é o acontecimento capaz de acionar determinada estrutura operativa.  Sob tal perspectiva, um dado pode ou não ser informação. Neste artigo, não há a preocupação de distinguir rigorosamente dado e informação. 

[31] Milhões de citações do mesmo acórdão deveriam ser conferidas, caso a caso, para consideração nas decisões. Transcrições de certa cláusula de convenção coletiva, idem. A descrição do item a leiloar, que já foi utilizada num mandado de penhora, idem.  Quantas vezes o juiz confere ”de novo” o texto que o assistente incluiu na proposta de decisão, buscando-o na base de “assuntos resolvidos” do próprio juiz?

[32] Sobre acoplamento estrutural, vejam-se especialmente as lições 5 e 11 de LUHMANN, Niklas. Introducción  a la teoría de sistemas.  

[33] PEREIRA, S. Tavares. Processo eletrônico, máxima automação....

[34] Veja-se a lição 4 de LUHMANN, Niklas. Introducción  a la teoria de sistemas.  

[35] O tempo é objeto de considerações centrais na obra luhmanniana. “ [...] El tiempo es un mero constructo del observador” e, na perspectiva deste, uma operação que se realiza de modo concreto. Por el hecho de iniciar una observación, el observador echa a andar el tiempo.” LUHMANN, Niklas. Introducción…, p. 157. “Cómo operaciones, todas las observaciones de un observador son siempre (siempre!) simultáneas  […]  todo lo que sucede, acontece simultáneamente.” Introducción…, p. 158.

[36] “Presente es, así, el fragmento en el que se empieza  a hacer posible lo pasado o lo futuro.” LUHMANN, Niklas. Introducción…, p. 163.

[37] LUHMANN, Niklas. Introducción…, pp. 42, 191, 195,196 e 203, entre outras.