Processo Administrativo de Constituição do Crédito Público e o Projeto de Centralização das Inscrições em Dívida Ativa


PorJeison- Postado em 26 novembro 2012

Autores: 
MUNHOZ, Fabio.

 

RESUMO. O processo administrativo de constituição dos créditos possui as mesmas garantias que o processo judicial, quais sejam, o contraditório e a ampla defesa. Ato consequente, a inscrição em dívida ativa é o ato através do qual se analisa a legalidade do processo de constituição para a cobrança judicial. No âmbito da Procuradoria-Geral Federal, tendo-se em vista representar 154 (cento e cinquenta e quatro Autarquias e Fundações Públicas Federais) e manter unidades com diferentes condições físicas e funcionais em todo o território nacional, viu-se na obrigação de criar um procedimento mais seguro para inscrever em dívida ativa os crédito constituídos pelas entidades que representa, mantendo-se tal ato em suas unidades maiores, nas capitais dos Estados.

Palavras-Chave. Procedimento de constituição do crédito público. Inscrição em dívida ativa. Projeto de centralização das inscrições. Procuradoria-Geral Federal.


 

1.    Introdução

A Constituição Federal de 1988 assegura, expressamente, aos litigantes em processo administrativo, e aos acusados em geral, o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. Por isso, é importante identificar as situações litigiosas ou circunstâncias nas quais a Administração acusa alguém.

Contudo, na prática, qualquer autuação interna realizada pelas repartições públicas brasileiras recebe o rótulo de “processo administrativo”, o que pode gerar uma confusão terminológica, com consequências jurídicas.

2.    Desenvolvimento

2.1.        Consequências jurídicas relevantes que justificam a diferenciação entre a fase litigiosa e a fase que não encerra qualquer controvérsia jurídica.

Segundo Celso Antonio Bandeira de Melo, “procedimento ou processo administrativo é uma sucessão itinerária e encadeada de atos administrativos que tendem, todos, a um resultado final e conclusivo[1]”.

Assim, apesar de entender que a denominação processos é mais adequada, o renomado autor em seu “Curso de Direito Administrativo”, prefere não diferenciar os dois termos.

Desta forma, há processos administrativos que independem da manifestação do administrado e há processos em que há tal necessidade.

Naqueles em que não há sequer notificação ao administrado, não há litigiosidade.

Como regra, o processo administrativo litigioso surge com a impugnação do administrado – recurso administrativo – contra uma decisão que nega sua pretensão.

Assim, sendo há conseqüências relevantes quando o processo administrativo é litigioso daquele que não o é, porque quando há a lide haverá necessidade de se observar os princípios constitucionais voltados aos processos, tais quais o devido processo legal e a ampla defesa.

Segundo José dos Santos Carvalho Filho, a consequência jurídica que diferencia os processos  litigiosos dos não-litigiosos é que a decisão nos primeiros podem tornar-se imutáveis, havendo portanto a coisa julgada administrativa, enquanto nos procedimentos em que não há litígio as decisões não tem tal efeito.

2.2.         Princípios Gerais aplicados aos processos administrativos

Para o renomado autor Celso Antonio Bandeira de Melo, os princípios gerais aplicáveis aos procedimentos administrativos são os seguintes: “princípio da audiência do interessado, da acessibilidade aos elementos do expediente, princípio da ampla instrução probatória, da motivação, da revisibilidade, da representação e assessoramento, da lealdade e boa-fé, da verdade material, das celeridade processual, da oficialidade, da gratuidade e do informalismo”,  sendo que os nove primeiros serão aplicados a todo e qualquer procedimento e os dois últimos apenas aos procedimentos ampliativos de direito.

Como já expressado na resposta anterior, há processos ou procedimentos em que há litigiosidade e outros em que não há tal característica.

Para Hely Lopes Meirelles, é importante fazer uma distinção entre processo administrativo propriamente dito (aquele que encerra um litígio entre a Administração e o administrado ou o servidor) e processo administrativo impropriamente dito (simples expedientes, sem qualquer controvérsia entre os interessados).

Desta feita, conclui-se que aplicam-se os princípios constitucionais de natureza processual aos processos administrativos nas circunstâncias em que os mesmos tornam-se litigiosos e essa característica ocorre a partir do momento em que há a resposta do administrado.

Para Celso Antonio Bandeira de Mello, o princípio da verdade material consiste em que “a Administração, ao invés de ficar restrita ao que as partes demonstrem no procedimento, deve buscar aquilo que é realmente a verdade, com prescindência do que os interessados hajam alegado e provado”.  

Ora, segundo tal princípio, no processo administrativo não se deve ficar restrito a verdade formal, ou seja, aquela apresentada apenas através dos fatos e provas trazidos aos autos, mas se deve buscar a real verdade a fim de balizar seu julgamento, o que o difere, por exemplo, do processo civil, mas o aproxima do processo penal.

Importante julgamento do STJ é citado e trata da ineficiência da confissão e da revelia no procedimento administrativo, pois tais institutos contrariam a busca da verdade material que, como foi dito, é um dois princípios norteadores do referido processo.

 [...] A par da circunstância de ter apresentado os esclarecimentos antes mesmo da decisão administrativa proferida pelo PROCON–PR (fls. 74⁄75), ainda assim a ora recorrente foi multada e inscrita no cadastro de proteção ao consumidor. Ocorre que, consoante esclareceu a autoridade coatora, a ora recorrente juntou serodiamente um documento essencial à solução da controvérsia, o que gerou a decretação, por analogia, dos efeitos da revelia e a cominação das referidas penalidades administrativas (fls. 107⁄108). Por mais que o aludido documento, consubstanciado em um termo de acordo entre consumidora e fornecedora (fls. 156⁄157), representasse um fato extintivo do direito da autora, não mereceu a devida consideração. A despeito do fenômeno da preclusão administrativa não ter recebido o devido tratamento legislativo, a teor do que ensinam Adilson Abreu Dallari e Sérgio Ferraz (Processo Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 42-43), nada obstaria que o PROCON considerasse que a pretensão da consumidora foi substancialmente satisfeita com o acordo por ela proposto à fornecedora. Ignorar, no âmbito do processo administrativo, a força normativa do princípio da razoabilidade, enquanto mecanismo viabilizador do controle dos atos administrativos, significa incorrer, a rigor, em afronta ao próprio princípio da legalidade. Os atos supostamente praticados pela fornecedora, apontados como justificadores da medida infligida pelo PROCON-PR, em verdade, não possuem a virtude de embasar as sanções, pois foram precedidos de um acordo extremamente favorável à consumidora. Não bastasse a invocação do princípio da razoabilidade, poderia ainda ser invocado o princípio da verdade material como forma de dirimir a pretensão mandamental e refutar a equivocada premissa da juntada intempestiva do termo de acordo.

Por força do princípio da verdade material, plenamente aplicável no âmbito do processo administrativo enquanto garantia da indisponibilidade do interesse público, conforme ensina Adilson Abreu Dallari e Sérgio Ferraz, “mesmo no silêncio da lei, e até mesmo contra alguma esdrúxula disposição nesse sentido, nem há que se falar em confissão e revelia, como ocorre no Processo judicial. Nem mesmo a confissão do acusado põe fim ao processo; sempre será necessário verificar, pelo menos, sua verossimilhança, pois o que interessa, em última análise, é a verdade, pura e completa” (Ob. cit., p. 87). Recurso ordinário provido 

Assim sendo, como se verifica claramente pelo julgado transcrito, o procedimento administrativo valoriza a busca da verdade material muito mais que os elementos fáticos e probatórios dos autos.

Segundo José dos Santos Carvalho Filho, “é o princípio da verdade material que autoriza o administrador a perseguir a verdade real, ou seja, aquela que resulta efetivamente dos fatos que a constituíram.

E continua, “no processo administrativo, porém, o próprio administrador vai à busca de documentos, comparece a locais, inspeciona bens, colhe depoimentos e, a final, adota realmente todas as providências que possam conduzi-lo a uma conclusão baseada na verdade material ou real. É o exato sentido do princípio da verdade material”.

Assim sendo, conclui-se que no processo administrativo, a verdade real dos fatos está acima dos efeitos da confissão ou da revelia.

2.3.        Procedimento de inscrição em dívida ativa dos créditos públicos

Através do procedimento administrativo de inscrição em dívida ativa, analisa-se a legalidade e legitimidade da constituição dos créditos através de processos administrativos próprios.

No âmbito da Procuradoria-Geral Federal, órgão vinculado à Advocacia-Geral da União e que representa atualmente judicial e extrajudicialmente 154 (cento e cinquenta e quatro) Autarquias e Fundações Públicas Federais, tal ato deve ser obrigatoriamente praticado por Procuradores Federais (ver lei 10480).

Além desses, a PGF possui os seguintes órgãos de execução ditos centralizados:

a)    Procuradorias-Regionais Federais, nas capitais de Estados que sejam sede de Tribunais-Regionais Federais;

b)    Procuradorias Federais, nas capitais dos demais Estados da federação.

c)    Procuradorias-Seccionais Federais, nas localidades que tenhas varas federais e que tenham maior população e importância e

d)    Escritórios de Representação, na localidades em que há representações mas não sejam Seccionais.

Em suas unidades centralizadas, a atividade de inscrição em divida ativa é inerente aos serviços de cobrança e recuperação. Ou seja, desde suas unidades maiores e mais bem equipadas, as PRFs,  até as menores, como os Escritórios de representação, todas as suas unidades possuem tais serviços com essa atribuição.

Ocorre que diversos desses órgãos menores não possuem estrutura física e/ou funcional adequadas para realizar tais demandas.

Por tal motivo, a Procuradoria-Geral Federal, através de sua Coordenação-Geral de Cobrança e Recuperação de Créditos (CGCOB) criou o projeto de centralização das inscrições em dívida nas unidades situadas nas capitais dos Estados.

3.    Projeto de centralização das inscrições em dívida ativa

O projeto piloto foi lançado na unidade da PGF em Minas Gerais, a Procuradoria-Federal (PF) que fica na capital e que responde por todo o Estado. Levou-se em conta para esta escolha o tamanho do Estado, com diversas unidades interiorizadas, bem como pela grande capacidade e competência do colegas que respondem pelo núcleo de cobrança da PF.

As conclusões deste trabalho estão contidas num relatório apresentado  Coordenação-Geral, das quais as mais relevantes passo a descrever:

A centralização dos créditos do IBAMA, INMETRO, ANAC e ANATEL tem sido, do ponto de vista técnico-jurídico, até o momento, extremamente satisfatória.

A PF/MG possui um núcleo de procuradores especializado em inscrição e ajuizamento, que vem desempenhando as suas funções com precisão e acuidade técnica. Possuímos, também, uma excelente equipe de servidores que executa, com responsabilidade e dedicação, as atividades que lhes são atribuídas.

O projeto ora em curso tem permitido à PF/MG padronizar as análises de inscrições, sobretudo quanto às questões de prescrição, decadência, reponsabilidade patrimonial etc, evitando-se, assim, o indesejado tratamento desigual de devedores que se encontram em situações semelhantes.

O know how do procedimento (que se inicia com o recebimento do processo administrativo, passa pela distribuição via SICAU, controle de prazo prescricional, análise do procurador, inscrição propriamente dita, ajuizamento, registros nos sistemas próprios e termina com a devolução do processo para a entidade de origem) tem-se consolidado de maneira contínua e consistente.

A centralização está otimizando a utilização dos recursos humanos e logísticos, sobretudo em relação aos créditos do IBAMA e do INMETRO, uma vez que essas entidades estão dialogando apenas com um único órgão, localizado na mesma cidade, o que agiliza e desonera sobremaneira o fluxo de informações e documentos.

Com tais conclusões, a CGCOB expandiu o projeto para outras unidades da PGF. Atualmente, demonstrando o grande êxito que o projeto teve, a maioria das unidades Estaduais já adotaram essa nova sistemática. São elas[2]:

1ª Região

 

Acre 

INSCRIÇÃO CENTRALIZADA 

Amapá

INSCRIÇÃO CENTRALIZADA

Roraima

INSCRIÇÃO CENTRALIZADA

Tocantins

INSCRIÇÃO CENTRALIZADA

Amazonas

INSCRIÇÃO CENTRALIZADA

Mato Grosso

INSCRIÇÃO CENTRALIZADA

Goiás

INSCRIÇÃO CENTRALIZADA

Maranhão

INSCRIÇÃO CENTRALIZADA

Rondônia

INSCRIÇÃO CENTRALIZADA

Minas Gerais

INSCRIÇÃO CENTRALIZADA (Apenas faltam as IES)

Piauí

INSCRIÇÃO CENTRALIZADA

Distrito Federal

INSCRIÇÃO CENTRALIZADA

Pará

HÁ INTERESSE (Ocorre parcialmente na prática )

Bahia

HÁ INTERESSE (Ocorre parcialmente na prática - IBAMA).

   

2ª Região

 

Rio de Janeiro

INSCRIÇÃO NÃO CENTRALIZADA

Espírito Santo

INSCRIÇÃO CENTRALIZADA

   

3ª Região

 

São Paulo

INSCRIÇÃO NÃO CENTRALIZADA

Mato Grosso do Sul

INSCRIÇÃO NÃO CENTRALIZADA

   

4ª Região

 

Rio Grande do Sul

INSCRIÇÃO NÃO CENTRALIZADA

Santa Catarina

INSCRIÇÃO NÃO CENTRALIZADA (há interesse das PSF de Criciuma e Blumenau)

Paraná

INSCRIÇÃO PARCIALMENTE CENTRALIZADA (falta apenas INMETRO e INSS)

   

5ª Região

 

Pernambuco

INSCRIÇÃO CENTRALIZADA EM PARTE (Exceção PSF Petrolina)

Rio Grande do Norte

INSCRIÇÃO CENTRALIZADA

Sergipe

INSCRIÇÃO CENTRALIZADA

Alagoas

INSCRIÇÃO CENTRALIZADA EM PARTE (IBAMA E ANATEL)

Ceará

INSCRIÇÃO NÃO CENTRALIZADA (em discussão)

Paraíba

INSCRIÇÃO CENTRALIZADA EM PARTE (ER Souza, alguns municípios da PSF Campina Grande)

   

TOTAL

15 ESTADOS COM A DÍVIDA CENTRALIZADA (contando Minas)

 

06 ESTADOS COM INSCRIÇÃO CENTRALIZADA EM PARTE

 

06 ESTADOS SEM INSCRIÇÃO CENTRALIZADA

4.    Conclusão

A centralização das inscrições em dívida ativa dos créditos das Autarquias e Fundações Públicas Federais representa um grande avanço institucional, além de trazer mais segurança e a melhoria na gestão dos créditos públicos.

Possibilitado também o gerenciamento da cobrança judicial nas unidades do interior, os procuradores federais lotados nestas unidades terão mais tempo hábil para desempenhar suas funções e cumprir com seu mister de exercer um serviço público de qualidade na consecução das políticas públicas. Com isso, ganha a PGF, ganha a sociedade brasileira.

Referências

1. MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de direito administrativo. 22. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2007.

Notas:

[1] Curso de Direito Administrativo. Celso Antonio Bandeira de Melo.

[2] Informativo da PGF, nov.2012.

 

Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.40749&seo=1