A Presunção de Paternidade na Inseminação Artificial Heteróloga


Porbarbara_montibeller- Postado em 17 abril 2012

Autores: 
SILVA, Fausto Bawden de Castro

A Presunção de Paternidade na Inseminação Artificial Heteróloga

Resumo: É objetivo do presente trabalho monográfico dissertar acerca da inseminação artificial homóloga e
heteróloga, as relações de parentesco no Código Civil, e a presunção de paternidade na inseminação
artificial heteróloga, de maneira não a esgotar o assunto, mas, de forma sucinta e clara, tudo sob o prisma
fundamental da questão, que, inclusive, dá título ao presente artigo.
Palavras-chave: Inseminação artificial. Paternidade. Presunção de Paternidade. Inseminação artificial
homóloga. Inseminação artificial heteróloga.

Sumário:
1. Reprodução assistida - 2.1 Inseminação artificial: conceito - 2.2 Tipos de inseminação artificial - 2.2.1
Inseminação artificial homóloga -2.2.2 Inseminação artificial heteróloga - 3. Presunção de paternidade:
aspectos relevantes - 4. Inseminação artificial heteróloga consentida - 4.1 Inseminação artificial heteróloga
com consentimento expresso - 4.2 Inseminação artificial heteróloga não consentida - 5. Vícios de
Consentimento - 6. Conclusão - 8. Abstract - 9. Referências - 10. Notas

1. Reprodução assistida

Antes de adentrar no âmago da questão, necessário se faz, tecer algumas palavras acerca das
ciências que referenciam a Bioética e o Biodireito. Tanto a Ciência Ética como a Ciência Experimental, seja
médica ou biológica, são equidistantes entre si, pelo conteúdo e objeto de estudo. Esta descreve fatos,
enquanto aquela, valores e normas sobre as quais se deve proceder de certa maneira.
Embora conciliá-las seja difícil, necessário se faz tal conciliação, pois da ciência experimental
frequentemente derivam vários problemas éticos, pelos mais variados motivos (sociais, religiosos,
meramente morais).
A reprodução assistida, ou inseminação não-natural, ainda encontra forte resistência nos meios
religiosos e determinados redutos sociais, os quais abominam dita forma de concepção da vida, por
considerarem verdadeira tão somente a reprodução natural. É um ponto de vista como qualquer outro, mas,
em prevendo a Lei a possibilidade deste, bem como o amparo para as consequências de dito ato, resta
somente isto de interessante ao presente trabalho, que se lastreia no que prega a Lei, sem, contudo, ignorar
aspectos sociais e culturais que circundam a questão.

2.1 Inseminação artificial: conceito

Diversas foram as etapas necessárias para se introduzir a tecnologia da inseminação artificial. Depois
de um determinado número de experiências realizadas em animais no séc. XIX, nos anos 30 foram feitas as
primeiras experiências utilizando-se seres humanos, estas na Itália (Universidade de Bari). De lá para cá, o
procedimento desenvolveu-se em proporções geométricas, alcançando níveis nunca antes imaginados, e, é
claro, devidamente tutelado hoje, pela legislação moderna.
A inseminação artificial, também denominada de procriação artificial ou reprodução medicamente
assistida, conforme ensina Marques,
[...] consiste num conjunto de técnicas com as quais é possível a reprodução humana sem
o ato sexual. Fala-se em inseminação artificial homóloga quando o material genético
pertence ao casal interessado; heteróloga, quando o material genético não provém do casal
ou de um dos componentes deste. É utilizada quando o casal possui fertilidade, mas não
consegue a fecundação por meio do ato sexual (MARQUES, Alessandro Brandão.
Questões polêmicas decorrentes da doação de gametas na inseminação artificial
heteróloga. Disponível em: HTTP://jus2.uol.com. br/doutrina/texto.asp?id=4267.Acesso em:
12 jun. 2006).
Assim, tecnicamente pode se dizer que inseminação artificial é o ato pelo qual se insere sêmen no
corpo da mulher por meio de uma transferência feita artificialmente, mediante uma seringa, por via
transabdominal, ou por via transvaginal (catéter). Dito procedimento visa superar limites encontrados em
homens e mulheres de terem filhos, por infertilidade.

2.2 Tipos de inseminação artificial

Dentre várias técnicas que se apresentam para promover a inseminação artificial, como a de se
transpor os dois gametas (óvulo e sêmen) para o interior do corpo da mulher (transferência dos gametas
para dentro das trompas), bem como a FITE (fecundação in vitro com transferência de embriões) conhecida
como “bebê de proveta”, serão utilizados para fim desta pesquisa a inseminação artificial homóloga e a
heteróloga, abaixo delineadas.

2.2.1 Inseminação artificial homóloga
Esta se dá, no processo de inseminação artificial, quando o sêmen é do esposo, ou seja, por motivos
vários, esse é cedido pelo esposo para, através de técnicas cirúrgicas, ser implantando no ovário da mulher
e, entrando em contanto com os óvulos, venha a gerar o embrião, para, então, desenvolver-se até o
nascimento, dentro de nove meses, comumente.
A dita inseminação geralmente acontece por problemas do homem em fecundar a mulher (pouca
quantidade de espermas - não é infertilidade; os espermas não avançam até o encontro dos óvulos, entre
outros motivos), ou mesmo por problemas apresentados pela mulher, caso em que, então, é necessária a
intervenção cirúrgica.

2.2.2 Inseminação artificial heteróloga
Esta se dá, geralmente, quando há a infertilidade do esposo (pode ser também nos casos de
infertilidade da esposa, ou incompatibilidade do sangue provocada pelo fator Rh), e a inseminação é feita
com o sêmen de outro que não ele, ou seja, a inseminação artificial será heteróloga quando o
espermatozóide ou o óvulo utilizado vier de um doador estranho ao casal: é a denominada doação de
gametas.
Veloso citando Guilherme de Oliveira, diz que esse fez
[...] interessante observação ao destacar que a tecnologia ocidental encontrou na
inseminação heteróloga um meio de resolver o problema da esterilidade do marido sem
ofender a tradição da fidelidade judaico-cristã e respeitar a intimidade da família conjugal
moderna (VELOSO, Zeno. Direito brasileiro da filiação e paternidade. São Paulo: Malheiros,
1997-152).
A inseminação heteróloga pressupõe, então, a doação de gametas. Tal prática comporta três aspectos
essenciais:
a) licitude;
b) gratuidade;
c) anonimato de doadores e receptores.
A gratuidade vem intimamente associada à licitude, pois aquela é requisito-mor para esta, sem a qual a
doação estará eivada de ilicitude, visto que não pode haver lucro ou intuito comercial em ditas doações.
Realmente, como bem colocam Oliveira e Borges Júnior,
[...] a venda de gametas geraria um comércio imoral, calcado na dor das pessoas que não
podem ter filhos e certamente representaria outro obstáculo ao tratamento que, pela
complexidade das técnicas, normalmente apresenta altos custos (OLIVEIRA, Deborah
Ciocci Alvarez de; BORGES JÚNIOR, Edson. Reprodução assistida: até onde podemos
chegar? São Paulo: Gaia, 2000, p. 33).
Em tal sentido, a CF/88, em seu art. 199, § 4º, prega que:
Art. 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.
[...]
§ 4º - A lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoção de órgãos,
tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento, bem como
a coleta, processamento e transfusão de sangue e seus derivados, sendo vedado todo tipo
de comercialização.
Ainda assim, a Resolução nº 1.358/92 do CFM (Conselho Federal de Medicina) prevê normas éticas
aplicáveis à classe médica no que se refere à reprodução assistida, determinando a proibição comercial ou
se auferir lucro com a doação de gametas.
Por fim, é garantido o anonimato dos doadores e receptores, também regulado na respectiva resolução
acima citada. Tal medida tem por fim assegurar a inserção total da criança na família dos receptores,
evitando, assim, eventuais traumas psicológicos, constrangimento aos pais pelo doador, no futuro, e
também evitando possíveis chantagens deste para com aqueles.

3. Presunção da paternidade: aspectos relevantes

Tem-se, no presente tópico, a raiz do trabalho ora proposta, o qual, inclusive, figura no título do
trabalho em comento: a possibilidade da negação da paternidade, por parte do marido, de filho advindo de
fecundação heteróloga na esposa daquele. É um tema deveras delicado, celeumático, e que exige bastante
reflexão e atenção dos que estão envolvidoss na resolução de dita argumentação negatória, quando
proposta.
No atual Diploma Civil foram inseridos três dispositivos no art. 1.597 no que se refere à presunção de
paternidade de filhos nascidos por reprodução assistida, sendo que interessa ao trabalho ora proposto o
último deles. Dispõe este artigo que se presumem concebidos na constância do casamento os filhos:
[...]
III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;
IV - havidos a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de
concepção artificial homóloga.
V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização
do marido.
Pois bem. O que se pode afirmar, de antemão, é que a legislação pátria ainda não se manifestou
acerca da possibilidade de se negar a paternidade em casos de filho havido de inseminação heteróloga,
ação esta proposta pelo pai/esposo, levando-se a supor que a qualquer momento poderá dito pai
socioafetivo vir a contestar tal filiação. Entretanto, não é assim que vem entendendo a jurisprudência.
Outrossim, seria justo sujeitar o filho às indecisões paternas? Este motivo, dentre outros, vem levando
os Tribunais pátrios a decidirem, tomando por base os casos de adoção, vindo a, inclusive, estabelecer um
status jurídico para os filhos concebidos de tal reprodução assistida, para que tenham esses as mesmas
garantias dos filhos ditos naturais, principalmente no plano sucessório.
Como se sabe, a presunção de paternidade não tem caráter juris et de jure ou absoluta, mas juris
tantum ou relativa, no que concerne ao pai, o qual pode contestá-la, produzindo prova no sentido contrário
da suposta filiação a ele imputada, sendo que tal ação negatória de paternidade é personalíssima, sendo
privativa do marido, pois só ele tem legitimidade ativa para propô-la, nos termos exatos do art. 1.601, caput,
do Código Civil.
Ainda assim, tal contestação não pode ser feita ao bel prazer do marido, devendo ele, para tanto,
mover a competente ação judicial, fazendo prova de uma das previsões legais elencadas em lei - arts.
1.599, 1.600, 1.602 e 1.597, V, in fine - quais sejam:
a) que houve adultério, visto que se achava fisicamente impossibilitado de coabitar com a
mulher nos primeiros 121 dias ou mais dos 300 que precederam ao nascimento do filho. P.
ex., porque se encontrava: separado judicialmente, não tendo convivido um só dia sob o
teto conjugal, hotel ou em casa de terceiro, daí a impossibilidade de ter havido qualquer
relação sexual entre eles; ou longe de sua mulher, servindo nas forças armadas, em época
de guerra;
b) que não havia possibilidade de inseminação artificial homóloga, nem de fertilização in
vitro, visto que não doou sêmen para isso (CC, art. 1.597, III e IV), ou heteróloga, já que
não havia dado autorização ou que ela se dera por vício de consentimento (CC, art. 1.597,
V);
c) que se encontrava acometido de doença grave, que impedia as relações sexuais, por ter
ocasionado impotência coeundi absoluta ou que acarretou impotência generandi absoluta
(CC, art. 1.599).
Com a entrada em vigor do atual Diploma Civil, não se fala mais em prazo para se contestar a
paternidade, pelo fato de que a dicção do art. 1.601 do referido diploma tornou tal ação não passível de
prescrição. Entretanto, nos casos de fecundação heteróloga, um cuidado maior deve ser tomando ao
arrepio do que foi agora dito, como se verá.
A paternidade jurídica, como se pode claramente notar, é uma imposição presumida da lei, conforme
art. 1.597 e incisos, do Código Civil, não sendo relevante o fato de o marido ser ou não o responsável pela
gestação, descartando-se, então, a verdade real para atender à necessidade de estabilização social e de
proteção ao direito à filiação. Outrossim, fica garantido o direito de se propor a ação de negação de
paternidade, em caso de suspeita de que o filho não seja do pai (suposto, no caso da ação). Mas, nos
casos de inseminação artificial consentida a problemática toma outros contornos.

4. Inseminação artificial heteróloga consentida
Por via normal, o casal deverá decidir se deseja ter filhos, e, caso ocorra a opção ou a necessidade de
inseminação artificial heteróloga, determina a lei que esta ocorra com a prévia autorização do marido, art.
1.597, V, do Código Civil.
Não estabelece a Lei Civil se o consentimento deve ser expresso (por escrito) ou tácito (verbal). A
omissão legislativa traz dúvidas e insegurança. Como deve proceder a esposa para se assegurar de que
está praticando um ato com a devida segurança jurídica? Basta a autorização tácita, ou é necessária a
autorização expressa?
Como a Lei Civil não exige a autorização expressa, resta claro que basta a autorização tácita ou verbal
do marido, pois se fosse exigida a autorização expressa deveria isto constar textualmente da parte final do
inciso V do artigo 1.597 do Código Civil.
A presunção decorrente da autorização tácita ou verbal é relativa ou juris tantum, a qual admite prova
em contrário e, portanto, autoriza o ajuizamento da ação negatória de paternidade pelo marido, a qualquer
momento. Situação que traz intranqüilidade e insegurança familiar, pois a qualquer momento poderá ser
proposta ação negatória de paternidade alegando simplesmente que não deu o consentimento para a
inseminação heteróloga.
A questão depende de imediata regulamentação por lei, a fim de se estabelecer a forma e
consequências do consentimento do marido para a inseminação artificial heteróloga.
O Projeto de Lei nº 6.960/2002, pretendendo alterar o art. 1.601, propõe a seguinte redação:
O direito de contestar a relação de filiação é imprescritível e cabe, privativamente, às
seguintes pessoas:
I - ao filho;
II - àqueles declarados como pai ou mãe no registro de nascimento;
III - ao pai e à mãe biológicos;
IV - a quem demonstrar legítimo herdeiro.
§1º Contestada a filiação, os herdeiros do impugnante têm direito de prosseguir na ação.
§ 2º A relação de filiação oriunda da adoção não poderá ser contestada.
§ 3º O marido não pode contestar a filiação que resultou de inseminação artificial por ele
consentida; também não pode contestar a filiação, salvo se provar erro, dolo ou coação, se
declarou no registro que era seu o filho que teve com a mulher;
§ 4º a recusa injustificada à realização das provas médico-legais acarreta a presunção da
existência da relação de filiação.
Ante a omissão legislativa, em caso de consentimento verbal ou tácito do marido para inseminação
artificial heteróloga de sua esposa, será possível a tramitação da ação negatória de paternidade, por se
tratar de presunção da paternidade relativa ou juris tantum.

4.1 Inseminação artificial heteróloga com consentimento expresso

Uma outra situação pode surgir quando a esposa procede à inseminação artificial heteróloga, mediante
o consentimento prévio, expresso ou escrito do marido.
Sendo a autorização expressa ou por escrito, não há de se cogitar, no futuro, que o marido entre com
uma negatória de paternidade, pois o consentimento é irretratável, determinando, por conseguinte a filiação.
O marido que consinta na inseminação heteróloga não poderá negar a paternidade do filho, pois, conforme
ensina Leite (1995, p. 371), “a anuência do mesmo é prova irrefutável de que deseja o filho, e, portanto, não
mais milita em seu favor tal recurso”.
Segundo Diniz:
A paternidade então, apesar de não ter componente genético, terá fundamento moral,
privilediando-se a relação socioafetiva. Seria torpe, imoral, injusta e antijurídica a permissão
para o marido que, consciente e voluntariamente, tendo consentido com a inseminação
artificial com esperma de terceiro, negasse, posteriormente, a paternidade (DINIZ, Maria
Helena. Curso de direito civil brasileiro. Direito de família, 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2006,
p. 450-451).
E continua lecionando:
Por isso, há quem ache, como Holleaux, que tal anuência só será revogável até o momento
da inseminação; feita esta, não poderá desconhecer a paternidade do filho de sua esposa.
Deveras, como admitir o veneire contra factum proprium, se indica ato contraditório com o
comportamento anterior, contrário à boa fé, pois ninguém pode alegar, em juízo, a própria
malícia? Como bem pondera Zeno Veloso: “Seria injurídico, injusto, além de imoral e torpe,
que o marido pudesse desdizer-se e, por sua vontade, ao seu arbítrio, desfazer um vínculo
tão significativo, para o qual aderiu consciente e voluntariamente” (DINIZ, Maria Helena.
Curso de direito civil brasileiro. Direito de Família, 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 450-
451).
No mesmo sentido, Cunha Pereira em nota ao art. 1.597, V, do Código Civil: “4.A autorização prévia do
marido (inciso V) para a inseminação heteróloga não é propriamente uma presunção. Trata-se de um
“reconhecimento” e consentimento” (CUNHA PEREIRA, Rodrigo. Direito de família e o novo Código Civil. 4. ed.
Belo Horizonte: Del Rey, 2005).
E mais adiante, em nota ao artigo 1.601 do Código Civil (2003:105): “2.Há flagrante contradição com o
artigo 1.597, V, o qual estabelece a possibilidade de paternidade socioafetiva, através da presunção de
paternidade por inseminação heteróloga” CUNHA PEREIRA, Rodrigo. Direito de família e o novo Código
Civil. 4. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2005).
Pelo Enunciado nº 104 do Conselho de Justiça Federal (aprovado nas Jornadas de Direito Civil de
2002), foi definido que:
No âmbito das técnicas de reprodução assistida envolvendo o emprego de material
fecundante de terceiros, o pressuposto fático da relação sexual é substituído pela vontade
(ou eventualmente pelo risco da situação jurídica matrimonial) juridicamente qualificada,
gerando presunção absoluta ou relativa de paternidade no que tange ao marido da mãe da
criança concebida, dependendo da manifestação expressa (ou implícita) de vontade no
curso do casamento.
Pelo enunciado nº 258 do Conselho da Justiça Federal, aprovado na III Jornada de Direito Civil:
Não cabe a ação prevista no artigo 1.601 do Código Civil se a filiação tiver origem em
procriação assistida heteróloga, autorizada pelo marido nos termos do inciso V do artigo
1.579, cuja paternidade configura presunção absoluta.
Na mesma linha de pensamento, alguns autores como Guilherme C. Nogueira da Gama, entendem
que “o art. 1.597, V, gera presunção juris et de jure, assim, não será possível admitir, juridicamente, a
impugnação da paternidade para aquele que anuiu no projeto de reprodução assistida heteróloga,
observando-se o princípio da paternidade responsável (CF, art. 226, § 7º)” (DINIZ, Maria Helena. Curso de
direito civil brasileiro. Direito de família. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 445.
Não seria justo manter a esposa que tomou todas as precauções devidas, obtendo o devido
consentimento expresso de seu marido para a inseminação artificial heteróloga, em situação de risco, ou
seja, risco de a qualquer momento ter de responder a uma ação negatória de paternidade por parte de seu
marido.
Se a lei estabeleceu a presunção relativa através do simples consentimento do marido, em havendo o
consentimento expresso a presunção ganha contorno de presunção absoluta, pois o ato passa a ser
verdadeiro reconhecimento e consentimento.
Nessa hipótese, entendo que ocorrerá a presunção juris et de jure, ou absoluta da paternidade, e não
será possível ao marido ingressar com a ação negatória de paternidade.

4.2 Inseminação artificial heteróloga não consentida

Uma outra situação merece ser avaliada, quando ocorrer a inseminação artificial heteróloga, sem o
consentimento ou mesmo sem o conhecimento do marido. Então, como ficaria tal questão? À falta de
autorização do marido, expressa ou não, estaria a esposa praticando unilateralmente um ato que pode não
corresponder à vontade do marido, atentando inclusive contra a moral e honra do marido, pois não podendo
ou não querendo ter filhos, ver-se-ia obrigado a tal situação, sendo forçado a aceitar como filho, um filho
gerado por vontade exclusiva de sua esposa, sem sua anuência ou participação.
Toda decisão relativa à filiação deve ser tomada pelo casal como decisão conjunta, e não de forma
isolada de um ou outro cônjuge, cabendo, aí sim, a devida ação negatória de paternidade, a qual,
certamente, obterá sucesso, visto que o marido não pode ser coagido legalmente a ser pai de uma criança
contra sua vontade e sem ter autorizado quando do ato da inseminação.
Como visto, melhor seria que o legislador tivesse exigido a autorização expressa do marido para a
inseminação artificial heteróloga de sua esposa, o que sem sombra de dúvidas iria evitar conflitos e
demandas judiciais, o que certamente ira ocorrer.

5. Vícios de consentimento

Como visto anteriormente o marido que consentiu de forma expressa com a inseminação artificial
heteróloga de sua esposa não poderá intentar a ação negatória de paternidade.
Todavia, pode ocorrer que o consentimento expresso do marido tenha sido obtido mediante vício do
consentimento, como erro, dolo ou coação, que representam defeito no negócio jurídico, tornando-o
passível de anulação.
Adverte Maria Helena Diniz que uma vez declarada a vontade de reconhecer, o ato passa a ser
irretratável ou irrevogável, inclusive se feito em testamento (CC, art. 1.610), por implicar uma confissão de
paternidade ou maternidade (RT, 371:96), apesar de poder vir a ser anulado se inquinado de vício de
vontade como erro, coação (AJ, 97:145) ou se não observar certas formalidades legais (DINIZ, Maria Helena.
Curso de direito civil brasileiro. Direito de família. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 466-467).
Nesses casos, deverá o marido demonstrar que, apesar de ter consentido de forma expressa com a
inseminação, o consentimento se deu de forma viciada, e deverá ele descrever qual o vício que recaiu
sobre o ato e como o mesmo foi praticado, postulando a sua anulação, através da ação anulatória de ato
jurídico.

6. Conclusão

O Código Civil de 1916 adotou o sistema de presunção de paternidade onde era considerado pai quem
era casado com aquela que gerou o filho. Nesse sistema, que visava preservar a estabilidade da família, a
presunção era a regra que se sobrepunha à situação fática, ou seja não importava quem era o real pai da
criança.
O sistema legislativo impedia que se questionasse prole adulterina em face de mulher casada, pois
considerava que pater is este quem nuptiae demonstrant.
O marido dispunha de prazos exíguos para mover a ação negatória de paternidade, o que sem sombra
de dúvidas lhe causava enormes prejuízos, muitas das vezes irreversíveis, pois superados os prazos legais
para propositura da ação, não mais podia ele contestar a paternidade.
O sistema de presunção de paternidade com prazo exíguo para a ação negatória de paternidade
causou inúmeras situações indesejáveis, impondo uma relação fictícia de filiação, somente porque a lei não
autorizava o ajuizamento da ação negatória de paternidade após transcorrido o prazo específico. Era a
presunção se sobrepondo à situação fática.
A situação se complicou, à medida que surgiram os exames laboratoriais que permitiram obter a
certeza da paternidade, o que sem sombra de dúvidas, causou ainda mais insatisfação da sociedade, pois
agora o marido passou a ter certeza de que não era o pai daquele filho, mas nada podia fazer.
As lides forenses foram se avolumando, pois se discutia se a lei poderia se sobrepor à paternidade
real.
O atual Código Civil em seu artigo 1.601 dispõe que cabe ao marido o direito de contestar a
paternidade dos filhos nascidos de sua mulher, sendo tal ação imprescritível.
Todavia, ao tempo que se privilegiou a paternidade real, o novo Código Civil também trilhou novos
caminhos, ao privilegiar a paternidade socioafetiva, que nada mais é do que o estabelecimento de uma
situação fática de vinculo de paternidade, o qual se sobrepõe à verdade real da paternidade.
Surgiram ainda com o novo Código Civil os filhos havidos por fertilização assistida, através da
inseminação artificial homóloga ou inseminação artificial heteróloga, o que foi previsto nos incisos III, IV e V
do artigo 1.597.
Ante a falta de regulamentação especifica desta nova modalidade de geração de prole, muitas dúvidas
surgirão, e a matéria merece imediata regulamentação.
Como ficará a situação do marido ante o filho havido de inseminação artificial heteróloga de sua
esposa? Pode ele propor ação negatória de paternidade?
A resposta é sim. O artigo 1.601 do Código Civil estabelece como imprescritível a ação negatória de
paternidade por parte do marido, desta forma a qualquer momento poderá ele mover a ação negatória de
paternidade.
Todavia, tendo o marido consentido expressamente com a inseminação artificial heteróloga de sua
esposa não poderá ajuizar a ação negatória de paternidade, pois praticou ele ato jurídico incompatível com
a ação negatória de paternidade.
A presunção da paternidade prevista no artigo 1.597, V, do Código Civil, em havendo consentimento
expresso, passa a ser juris et de júri ou absoluta, não sendo possível o ajuizamento da ação negatória de
paternidade.
Nessa hipótese, e tendo a autorização sido emitida mediante algum vício do consentimento, poderá o
marido se valer da ação de anulação de ato jurídico, postulando a declaração de nulidade de seu
consentimento e consequentemente da paternidade que lhe é atribuída, alegando erro, dolo ou coação.
Esta dissertação não abrange a hipótese de inseminação artificial realizada por casais que vivem em
união estável, e também a hipótese de ocorrência de inseminação artificial após a morte do marido ou
companheiro, que tenha depositado sêmen em Banco de Sêmen, quando em vida, ante a especificidade
destes casos os quais devem ser discutidos em trabalhos direcionados.
A dissertação sobre o tema ora proposto certamente não ficará adstrita a estas modestas linhas, visto
se tratar de questão celeumática e, sobretudo, bastante subjetiva na maioria dos casos onde, com a
absoluta certeza do que agora está sendo dito, cada caso é um caso, servindo um de mero parâmetro para
o outro, pois o afeto, o amor e a afeição são individuais e personalíssimos de cada indivíduo, e deste para
com o próximo.

8. Abstract

This monograph discusses homologous and heterologous artificial insemination, Kinship within the
framework of the Civil Code, and the presumption of paternity in cases of heterologous artificial insemination.
The article, as the title suggests, addresses the fundamental inssues in a concise and clear manner. Key
words: Artificial insemination. Paternity. Presumption of paternity. Insemination artificial homologous.
Insemination artificial heterologous.

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