A presença do advogado no processo administrativo disciplinar


Portiagomodena- Postado em 03 junho 2019

Autores: 
Fernando Magalhães Costa

INTRODUÇÃO          

Desde a promulgação da atual Constituição da República Federativa do Brasil, o processo administrativo disciplinar passou a constituir o instrumento pelo qual a Administração Pública apura a prática de eventual falta funcional cometida pelo servidor no exercício de seu cargo público, podendo – caso comprovada a transgressão – resultar na aplicação das penalidades previstas em lei.

É bem verdade que, num passado não muito distante - antes da Constituição Federal de 1988 –, a punição do servidor público que cometia falta disciplinar poderia ocorrer de uma forma mais precária, através do instituto da denominada “verdade sabida”. Noutras palavras, antigamente, para que ocorresse a punição do servidor infrator bastava apenas que a autoridade competente para puni-lo tomasse o conhecimento pessoal da infração para aplicar-lhe, de imediato, sem prévio processo investigativo, a penalidade administrativa.

Com efeito, é importante reforçar que, hodiernamente, além de representar um instrumento da Administração Pública para a apuração de faltas disciplinares, o processo administrativo disciplinar também constitui um meio de defesa do servidor público que está sendo acusado, uma vez que a Constituição Federal em seu art. 5º, LV, estabelece como direito fundamental dos acusados em geral – em processo judicial ou administrativo – o direito ao contraditório e à ampla defesa, com todos os meios e recursos a ela inerentes.


PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR

 

1.1 - CONCEITO

Nos termos do art. 143 da Lei Federal n.º 8.112/90, toda vez que a autoridade administrativa tomar conhecimento de alguma possível irregularidade no serviço público – com base nos princípios constitucionais da legalidade e da moralidade (art.37, caput, CF) - terá o dever-poder de promover a sua imediata apuração, lançando mão dos seguintes instrumentos: sindicância ou processo administrativo disciplinar. Portanto, desde já, é importante diferenciá-los.

A sindicância, via de regra, é utilizada como uma espécie de investigação prévia dos fatos, isto é, quando ainda existem poucos elementos acerca da própria existência ou não de uma infração funcional. Nesse caso, ela é denominada de sindicância investigatória ou preparatória.

Entretanto, importante trazer à baila a pacifica a interpretação do art. 146 da Lei Federal n.º 8.112/90, no sentido de que é possível a apuração e aplicação das penalidades de advertência ou suspensão de até 30 (trinta) dias no bojo da própria da Sindicância, desde que observados os postulados constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Nessa hipótese, ela é chamada de sindicância contraditória ou acusatória. 

Já nos termos do art. 146 da Lei Federal n.º 8.112/90, o processo administrativo disciplinar é destinado à apuração de faltas funcionais mais graves (suspensão por mais de 30 dias, demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade, ou destituição de cargo em comissão) em que está inicialmente caracterizada a existência de um fato e sua respectiva autoria, passível de apuração nos termos do artigo 143 a 182 da Lei Federal n.º 8.112/90.

Neste contexto, já é possível observar que sempre que houver a possibilidade de punição ao servidor, também deverá lhe ser oportunizado o direito ao contraditório e à ampla defesa, razão pela qual a presença do advogado é inegavelmente indispensável tanto na sindicância contraditória/acusatória como no processo administrativo disciplinar.

1.2 - FASES

Nos termos do art. 151 da Lei n.º 8.112/90, o processo administrativo disciplinar se desenvolve nas seguintes fases: a) instauração; b) inquérito e c) julgamento.

O processo administrativo disciplinar é inaugurado através de uma Portaria instaurada pela autoridade competente prevista em lei. Daqui já é possível constatar algumas consequências importantes para a atuação do advogado do servidor acusado.

Em primeiro lugar porque, a partir da instauração do processo administrativo disciplinar, surge a necessidade de intimação do servidor acusado para que o mesmo tome ciência dos fatos que lhe estão sendo imputados e, caso deseje, procure a assistência de um advogado para patrocinar a sua defesa técnica.

Consequentemente porque, nos termos do §2º do art.142 da Lei n.º 8.112/90, a contagem do prazo para a Administração Pública apurar e punir o servidor faltoso é interrompida/reiniciada justamente quando o processo administrativo disciplinar é instaurado, por meio de sua Portaria inaugural. Assim, considerando que o instituto da prescrição administrativa trata-se de uma matéria de cunho eminentemente técnico, indispensável é a presença do advogado para analisar e detectar eventual extinção do direito de punir da Administração Pública em face do servidor acusado.

Outrossim, convém destacar que é a partir da instauração do processo disciplinar que é estruturada ou convocada a chamada Comissão Processante – responsável pelos trabalhos de apuração dos fatos imputados ao servidor público acusado. A propósito, o art.149 da Lei Federal n.º 8.112/90 determina que o processo disciplinar será conduzido por comissão formada por 3 (três) servidores estáveis, designados pela autoridade competente que indicará, dentre eles, o seu presidente, que deverá ser ocupante de cargo efetivo superior ou de mesmo nível, ou ter nível de escolaridade igual ou superior ao do indiciado.

Já no que tange à fase do chamado inquérito administrativo, ter-se-ão as etapas da instrução, defesa e a elaboração de relatório.

Na etapa da instrução, será realizada a colheita de provas, tais como: a análise de documentos, oitiva de testemunhas, requisição de perícias. Importante destacar que o Superior Tribunal de Justiça, em julgado de 22/05/2013, Rel. Min. Eliana Calmon, MS 16.146-DF, 1ª Seção, definiu que é possível utilizar em processo administrativo disciplinar, na condição de prova emprestada, a interceptação telefônica produzida em ação penal, desde que devidamente autorizada pelo juízo criminal e com a observância das diretrizes da Lei Federal n.º 9296/1996.

Mais uma vez revela-se indispensável a presença do advogado do servidor acusado, a fim de que seja verificada a legalidade da prova produzida na esfera da justiça criminal e transportada para seara administrativa, oferecendo toda a defesa técnica acerca dos fatos emprestados. 

Quanto à etapa da defesa, é o momento em que o servidor acusado apresenta todos os elementos e as informações que atestam sua inocência, podendo, inclusive, contraditar testemunhas, impugnar documentos e apresentar quesitos à perícia. Por óbvio, a presença do advogado neste momento é de suma importância para que o servidor acusado exerça, em sua plenitude, as garantias fundamentais do contraditório e da ampla defesa.

Por sua vez, o chamado relatório é o documento emanado pela Comissão Processante no qual a mesma expõe as suas conclusões acerca das provas produzidas e a defesa apresentada pelo servidor acusado.

Referido relatório deve ser motivado e conclusivo, opinando pela absolvição do servidor ou a sua condenação, com indicação da punição a ser aplicada. Após isso, o relatório deverá ser encaminhado à autoridade competente que julgará o servidor, nos moldes previstos nos artigos 166 a 167 da Lei Federal n.º 8.112/90. Importante ressaltar que tal relatório não vincula a decisão a ser tomada pela autoridade julgadora.

Já na etapa do julgamento, a autoridade competente irá proferir a sua decisão absolvendo ou condenando o servidor. Importante registrar que a autoridade julgadora poderá acolher ou não as conclusões expostas no relatório da Comissão Processante, conforme dispõe o art. 168 da Lei Federal n.º 8.112/90:

“Art. 168.  O julgamento acatará o relatório da comissão, salvo quando contrário às provas dos autos.

Parágrafo único.  Quando o relatório da comissão contrariar as provas dos autos, a autoridade julgadora poderá, motivadamente, agravar a penalidade proposta, abrandá-la ou isentar o servidor de responsabilidade.”

A esse respeito, são cabíveis breves e respeitosas ponderações.

O fato é que, com a máxima e devida vênia, não se afigura razoável e proporcional interpretar o art. 168 da Lei n.º 8.112/90 no sentido de conferir à autoridade julgadora uma “discricionariedade ampla e irrestrita” para proferir a sua decisão.

Assim, em estrito arrimo ao princípio constitucional da legalidade (art. 37, caput, CF), bem como ao princípio da motivação (art.2º, caput, da Lei n.º 9784/99), deve a autoridade julgadora submeter-se a uma discricionariedade regrada.

Noutras palavras, a autoridade julgadora deve acolher o relatório produzido pela comissão processante, exceto se o mesmo contrariar a prova dos autos; nesta última hipótese, porém, a autoridade julgadora deverá demonstrar, motivadamente, as razões pelas quais não adota os trabalhos de apuração produzidos no relatório da comissão processante.

Enfim, em que pese a controvérsia acerca do tema, é indiscutível que a presença do advogado se revela fundamental para a análise de tais circunstâncias seja no bojo do processo administrativo ou até, eventualmente, em sede de controle judicial.


2. ASPECTO JURISPRUDENCIAL

A jurisprudência pátria muito se debruçou a respeito do assunto, de modo que, no ano de 2007, o Superior Tribunal de Justiça houve por bem editar o verbete sumular n.º 343, determinando como obrigatória a presença do advogado em todas as fases do processo administrativo disciplinar, in verbis:

 “É obrigatória a presença de advogado em todas as fases do processo administrativo disciplinar. “

Todavia, posteriormente, em 07 de maio de 2008, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula Vinculante n.º 05, no sentido de que a falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição, in verbis:

“A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição”.


CONCLUSÃO

Pela leitura do presente artigo, restou demonstrado que o processo administrativo disciplinar representa tanto um instrumento da Administração Pública para a apuração de irregularidades cometidas no serviço público, como também constitui um meio de defesa do servidor que está sendo acusado (art.5º, LV, CF).

 

Foram sucintamente abordadas as fases em que se desenvolve o processo administrativo disciplinar, bem como pontuadas as oportunidades nas quais a presença do advogado se revela fundamental para a preservação do direito de defesa do servidor acusado.

 

Aliás, também foi trazida à baila a figura das Comissões Processantes – responsáveis pela condução dos trabalhos de apuração dos fatos – de modo que são compostas por 3 (três) servidores estáveis que, via de regra, detêm conhecimentos técnico-jurídico, quando não são auxiliados por assessorias jurídicas vinculadas ao órgão público apurador.

 

Assim, considerando que o resultado final das apurações de um processo administrativo disciplinar pode culminar até mesmo com a demissão do servidor público, parece clara e evidente a necessidade da presença de um advogado para representar o servidor acusado e auxiliá-lo do começo ao fim em sua defesa técnica.

 

Por fim, em que pese o atual entendimento de nosso Pretório Excelso, exposado através da súmula vinculante n.º 05, não se pode olvidar que a presença do advogado no processo administrativo disciplinar é indubitavelmente a mais eficiente forma de concretização dos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório e também da preservação da dignidade humana (art.1º, III, CF) do servidor acusado, visto que, por causa disso, pode perder definitivamente seu cargo público, além de ter violada sua honra profissional.

 

 


REFERÊNCIAS

MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo. 4º ed. São Paulo, Saraiva,2014

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8112cons.htm

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9784.htm

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm

http://www.stf.jus.br/portal/ jurisprudencia/SumulaVinculante

http://www.stj.jus.br/SCON/sumulas/