Penhora do imóvel do fiador no contrato de locação


Pormarina.cordeiro- Postado em 16 abril 2012

Autores: 
DEQUIGIOVANI, Cristiane Eing

O contrato de locação diverge do contrato de fiança no que tange ao seu objeto. Estando, então, cada um em uma situação jurídica diversa, não há afronta ao princípio da igualdade, uma vez que tal diferenciação não é arbitrária.

“Os princípios tendem a tiranizar, justificar, honrar, injuriar ou esconder os hábitos. Dois homens com princípios iguais querem, verdadeiramente, atingir algo de fundamentalmente diferente, com base nestes princípios”.

Friedrich Wilhelm Nietzsche


RESUMO

A Lei nº. 8.009/90 regulamenta a instituição do bem de família, que visa preservar o imóvel da entidade familiar de execuções por dívidas. Prevê, porém, essa lei, exceções à essa proteção. Uma dessas exceções, incluída em 1990 pela Lei nº. 8.245 (Lei do Inquilinato), trata do fiador no contrato de locação. Segundo essa exceção, aquele que celebrar contrato de fiança garantindo o adimplemento do contrato de locação pelo devedor, pode ter seu bem excutido em processo de execução. Em contraponto a esse dispositivo, tem o fiador argüido em via de exceção que existe nesse dispositivo uma afronta ao princípio da isonomia por tratar diferenciadamente fiador e locador, e ainda uma agressão ao direito fundamental social à moradia. Pelo princípio da igualdade, infere-se que deva existir um tratamento igual aos iguais e desigual aos desiguais. O contrato de locação diverge do contrato de fiança no que tange ao seu objeto. Estando, então, cada um em uma situação jurídica diversa, não há afronta ao princípio, uma vez que tal diferenciação não é arbitrária. Em relação à inconstitucionalidade por agressão ao direito fundamental à moradia, verifica-se uma colisão entre direitos fundamentais, não de direitos diversos, mas de um mesmo direito fundamental, porém garantido a duas classes: locatário e fiador. Para a verificação dessa antinomia, há que se fazer uma interpretação à luz do princípio da proporcionalidade, que requer um juízo de ponderação axiológica em verificar qual das classes deve ter maior proteção pela legislação.

Palavras-chave: direito constitucional; bem de família; princípio da isonomia; direitos fundamentais; moradia; proporcionalidade; ponderação de bens.


INTRODUÇÃO

O presente estudo tem por objetivo verificar a constitucionalidade do artigo 3º, inciso VII da Lei nº. 8.009 de 29 de março de 1990, que permite a penhora do imóvel do fiador no contrato de locação.

A referida Lei regulamenta o instituto do bem de família, e visa proporcionar à entidade familiar a segurança de que seu imóvel residencial não seja excutido por força de ação executiva.

Foi a Lei nº. 8.425 de 18 de outubro de 1991 (Lei do Inquilinato) que incluiu dentre as exceções já previstas à impenhorabilidade do bem de família, a dívida decorrente de obrigação assumida na forma de fiança em contrato de locação.

Com a constitucionalização da moradia como direito fundamental pela Emenda Constitucional nº. 26 de 14 de fevereiro de 2000, surgiu o questionamento se esse dispositivo teria sido ou não recepcionado pela nova redação do artigo 6º da Constituição Federal de 1988, em virtude de uma possível afronta a direito fundamental, por violar o direito à moradia do fiador.

Outro aspecto controvertido do dispositivo reside em se verificar o atendimento ao princípio constitucional da igualdade, uma vez que não obstante haja a possibilidade da penhora do bem do fiador, este, no seu direito de regresso, não possui o mesmo benefício processual contra o devedor principal.

A justificativa para a escolha do tema se dá pelo fato de estarem envolvidos na controvérsia valores primordiais cultivados pela Constituição Federal, quais sejam, os princípios constitucionais e os direitos fundamentais. Trata-se de questão de interesse amplo e irrestrito, e que merece ser analisada de forma criteriosa.

Para tanto, iniciar-se-á o estudo fazendo-se uma abordagem, na primeira unidade, acerca dos aspectos históricos e conceituais do instituto do bem de família e da própria entidade familiar, destinatária da norma jurídica. Ainda nessa primeira unidade, far-se-á a verificação de alguns elementos da teoria geral dos contratos e sua classificação, e posterior correlação com os contratos de locação e fiança e seus aspectos específicos.

Na segunda unidade far-se-á uma breve análise dos princípios constitucionais, com ênfase ao princípio da isonomia e suas implicações. Também nessa unidade será dedicado estudo aos direitos fundamentais, de forma especial ao direito fundamental à moradia. Tratar-se-á ainda da eficácia jurídica dos direitos fundamentais sociais.

Na última unidade, após a conceituação do termo inconstitucionalidade, far-se-á uma verificação da jurisprudência produzida nos nossos tribunais versando sobre as controvérsias apresentadas. Estabelecer-se-ão também os critérios cabíveis para a interpretação constitucional, e por fim, analisar-se-á o dispositivo frente ao princípio isonômico e o direito fundamental à moradia, com base nos preceitos abordados nas unidades anteriores.


 Unidade 1

BEM DE FAMÍLIA E FIANÇA NO CONTRATO DE LOCAÇÃO

Tratando o presente trabalho sobre o bem de família, verifica-se a necessidade de uma análise histórica e conceitual de tal instituto, bem como da entidade familiar, cujo objetivo jurídico é proteger. Tratará essa unidade ainda de alguns conceitos básicos sobre contrato de locação e contrato de fiança.

1.1 CONSIDERAÇÕES SOBRE A ENTIDADE FAMILIAR

A entidade familiar teve funções e significados distintos em diferentes épocas e ordenamentos jurídicos. Relevante, portanto, verificar sua origem e evolução histórica, para um bom entendimento de seu atual conceito.

1.1.1 Origem e evolução histórica da entidade familiar

São diversas as correntes que tentam definir a forma primitiva da família. Pode ter ela surgido de uma espécie de promiscuidade, onde “homens e mulheres se inter-relacionavam entre si sem quaisquer proibições”. (GARCIA, 2003, p. 55). Dentro desse aspecto verifica-se também a teoria das uniões transitórias. “De acordo com esta teoria, marido e mulher permaneciam juntos até um período depois do nascimento do filho, assim como fazem os animais”. (GARCIA, 2003, p. 55).

É também sustentada a possibilidade de a família ter surgido de uma forma poligâmica, podendo ser sob a forma de poliandria (matriarcado) ou poliginia (patriarcado). Outra corrente defende uma monogamia originária.

A corrente mais aceita é a de uma sociedade primeiramente poligâmica, e que gradativamente progrediu para a monogamia, provavelmente de forma patriarcal, tendo em vista a própria natureza do homem.

O homem mais forte, na sociedade primitiva, apossando-se de suas mulheres e prole, formou o primeiro grupo familiar patriarcal poligâmico, tendo poderes ilimitados sobre os membros da família. Após esta posição inicial, com o crescente reconhecimento dos direitos da mulher, predominou a organização familiar sob forma monogâmica. (AZEVEDO, 1999, p. 19).

A forma que hoje conhecemos de família recebeu influência da família romana, canônica e germânica.

A família romana era constituída pelas pessoas que viviam sobre o pater familias, cujo significado era de chefe, e não de pai. O pater era o ascendente mais velho, que administrava os bens da família e controlava todos os descendentes não emancipados, sua esposa, e até mesmo as esposas de seus descendentes[1] (LUZ, 2002, p. 22). Isso ocorria porque não era o laço sanguíneo e nem o afetivo que uniam os entes familiares, mas o religioso, de culto aos antepassados. “A mulher, ao se casar, abandonava o culto do lar de seu pai e passava a cultuar os deuses e antepassados do marido, a quem passava a fazer oferendas”. (VENOSA, 2004, p. 18). Tão importante era o culto aos antepassados, que a adoção foi permitida na família romana que não possuía descendentes homens para perpetuar a religião.

A partir do Império, a autoridade do pater foi progressivamente diminuindo, havendo a perda do direito sobre a vida e a morte das pessoas sob seu poder. A autonomia dos filhos e das mulheres aumentou, e os filhos começaram a administrar parte dos bens da família. (WALD, 2004, p. 10-11).

A Igreja Cristã legislou através de cânones, que eram as normas religiosas. Tal normatização exerceu grande influência na história do direito, especialmente quanto à família. O cristianismo instituiu o casamento não apenas como um ato de vontade entre homem e mulher, mas também como um sacramento, não podendo ser dissolvido, conforme o princípio católico quod Deus conjunxit homo nos separet.[2] (WALD, 2004, p. 12).

Após a Reforma Protestante[3], houve conflito em relação à competência para a resolução dos problemas referentes ao casamento entre os tribunais civis e religiosos, conforme descrito por Arnoldo Wald (2004, p. 15):

O grande problema que surge, no fim da Idade Média e especialmente após a Reforma, é o conflito entre os tribunais civis e religiosos, inicialmente quanto a certos aspectos patrimoniais do direito de família e, em seguida, em relação aos seus efeitos pessoais.

O Concílio de Trento[4], ainda segundo o raciocínio de Arnoldo Wald (2004, p. 15), teve grande influência nos países católicos, pois serviu como reafirmação dos seus ideais, e estabeleceu a integral competência da Igreja no que se referia ao casamento. Nos países onde a reforma foi acolhida, as resoluções do Concílio não foram aplicadas, e uma legislação própria foi elaborada.

A família germânica trouxe como colaboração a família do tipo paternal, que ao invés do pater da família patriarcal romana, possuía a figura do pai (LUZ, 2002, p. 23).

Após a miscigenação dessas e de outras culturas, a evolução da família foi inevitável. “Característica marcante dessa evolução é a privatização do conceito de família, com a valorização de cada um dos seus membros, que passaram a ter mais autonomia e mais liberdade de ação”. (SEREJO, 1999, p. 32).

Profundas alterações ocorreram no que se refere a sua finalidade, composição e papel de pais e mães. A educação passou ao estado ou instituições privadas por ele supervisionadas, a religião não mais é ministrada em casa, os ofícios não mais são passados de pai para filho, a mulher é lançada no mercado de trabalho e com isso muitas vezes os filhos são criados por terceiros. As uniões sem casamento passam a ser aceitas pela sociedade e pela legislação, e o divórcio torna-se cada vez mais comum, devido o desgaste das instituições religiosas (VENOSA, 2004, p. 20).

No Brasil, o Código Civil de 1916 trouxe uma concepção canônica da família, embasada na autoridade do marido, e com vários dispositivos discriminatórios à mulher. Muitas mudanças ocorreram ao longo do tempo, alterando o instituto, principalmente pela rápida evolução da sociedade. Em 1977, a Emenda Constitucional nº. 9, de 28 de junho introduziu o divórcio no nosso ordenamento jurídico, e que posteriormente foi regulamentada pela Lei nº. 6.515/77 (LUZ, 2002, p. 25).

Porém, foi com a Constituição Federal de 1988 que a instituição da família obteve seu maior avanço, como o reconhecimento da união estável e da família monoparental[5] como entidades familiares, e a igualdade entre homens e mulheres.

Seguindo as modificações impostas pela Constituição Federal de 1988, o Código Civil de 2002 adaptou-se à nova realidade, recepcionando as novas regras relativas à sociedade conjugal, da igualdade entre os cônjuges, do reconhecimento da união estável, da adoção e outras conquistas angariadas pela entidade familiar (WALD, 2004, p. 32).

É nesse contexto que a família evoluiu, trazendo consigo elementos fundados no direito romano e canônico, e que hoje continua evoluindo e recebendo influências de todas as formas em virtude de uma sociedade em constante mudança. Diante dessa realidade, passamos a um conceito de família, adequado ao momento fático.

1.1.2 Conceito de família

Na conceituação de Clóvis Beviláqua (1976, p. 15)

Família é o conjunto de pessoas ligadas pelo vínculo da consangüinidade, cuja eficácia se estende ora mais larga, ora mais restritamente, segundo as várias legislações. Outras vezes, porém, designam-se, por família, somente os cônjuges e a respectiva.

É no mesmo sentido que Sílvio de Salvo Venosa (2004, p. 16) ensina que o conceito de família pode ser considerado sob dois aspectos: segundo um conceito amplo, como um conjunto de pessoas unidas por vínculo jurídico de natureza familiar (parentesco), ou conforme um conceito restrito, onde a família compreende apenas o núcleo formado por pais e filhos vivendo sob o seu pátrio poder. Prevê ainda um conceito sociológico, onde a família pode ser considerada um núcleo “integrado pelas pessoas que vivem sob um mesmo teto, sob a autoridade de um titular”, e que muito lembra o patriarcalismo romano. [6]

Com a Constituição Federal de 1988 o conceito de família torna-se mais flexível, abrangendo também a família constituída pela união estável. Concebeu ainda, para efeitos dos direitos relativos à entidade familiar, a família monoparental e a formada pela adoção.

Para efeitos desse estudo, será considerada a entidade familiar no sentido estrito, seja ela legalmente constituída ou não, e consideradas as forma monoparental e de adoção.

1.1.3 Proteção Constitucional à Entidade Familiar

A Constituição Federal de 1988 prevê no seu artigo 226 que “a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.” Trata-se da tutela do “sustentáculo da estabilidade social” (SEREJO, 1999, p. 34), pois a família é o núcleo onde o indivíduo desenvolve seu caráter, onde aprende a conviver em sociedade.

Segundo Celso Ribeiro Bastos (1997, p. 490), “a nossa Constituição vela pela integridade da família na pessoa de cada um dos seus integrantes, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”.

José Sebastião de Oliveira (2002, p. 273, Apud VENOSA, 2004, p. 31) apresenta um rol de princípios constitucionais do Direito de Família na Constituição Federal:

proteção de todas as espécies de família (art. 226, caput); reconhecimento expresso de outras formas de constituição familiar ao lado do casamento, como as uniões estáveis e as famílias monoparentais (art. 226, §§ 3º e 4º); igualdade entre os cônjuges (art. 5º, caput, I, e art. 226, 5º); dissolubilidade do vínculo conjugal e do matrimônio (art. 226, § 6º); dignidade da pessoa humana e paternidade responsável (art. 226, § 5º); assistência do estado a todas as espécies de família (art. 226, § 8º); dever de a família, a sociedade e o Estado garantirem à criança e ao adolescente direitos inerentes à sua personalidade (art. 227, §§ 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 7º); igualdade entre os filhos havidos ou não do casamento, ou por adoção (art. 227, § 6º); respeito recíproco entre pais e filhos; enquanto menores é dever daqueles assisti-los, criá-los e educá-los, e destes o de ampararem os pais na velhice, carência ou enfermidade (art. 29); dever da família, sociedade e Estado, em conjunto, ampararem as pessoas idosas, velando para que tenham uma velhice digna e integrada à comunidade.

Para Sílvio de Salvo Venosa (2004, p. 24), é de suma importância a ação estatal perante a família, ressalvando, porém, que “essa intervenção deve ser sempre protetora, nunca invasiva da vida privada”.

Sobre a proteção à família, nos ensina Sílvio Rodrigues (2001, p. 8) que,

Dentro dos quadros de nossa civilização, a família constitui a base de toda a estrutura da sociedade. Nela se assentam não só as colunas econômicas, como se esteiam as raízes morais da organização social. De sorte que o Estado, na preservação de sua própria sobrevivência, tem interesse primário em proteger a família, por meio de leis que lhe assegurem o desenvolvimento estável e a intangibilidade de seus elementos institucionais.

 É também nesse sentido que outras normas, infraconstitucionais, têm sido editadas visando garantir a intangibilidade da entidade familiar. O instituto do bem de família é uma delas, seja ele voluntário ou legal, conforme veremos a seguir.

1.2 BEM DE FAMÍLIA

Tal importância tem a entidade familiar, que a legislação tem sempre criado novas formas de protegê-la diante das ingerências do mundo competitivo. O bem de família é uma delas, e será tratado nas próximas seções.

1.2.1 Origem e evolução histórica do instituto do bem de família

A instituição do bem de família, na forma jurídica em que hoje é concebida, surgiu nos Estados Unidos devido à crise econômica por que passou no início do século XX. Nos anos que antecederam a crise, os Estados Unidos viveram um período de grande movimento econômico, atraindo para o local os banqueiros europeus, interessados no giro de capital proporcionado pelos afoitos americanos. Tendo havido certo abuso de empréstimos e do nível de vida, logo a crise se instalou no país.

Centenas de bancos foram fechados, milhares de falências ocorreram e os bens dos devedores foram maciçamente penhorados pelos credores. O reflexo disso tudo foi um imenso abalo na família americana, que se desestruturou diante de tão repentina crise. Diante disso, vários foram os apelos para que se encontrassem formas de proteger a família desse infortúnio. Uma delas foi a revogação da prisão por dívidas, em 1833 (AZEVEDO, 1999, p. 27).

Foi no estado do Texas, enquanto ainda pertencente ao México, que uma lei foi promulgada, em 1839, isentando a residência do devedor da penhora[7] em ações de cobrança. [8] A esse instituto foi dado o nome de homestead, que significa “local do lar” (home = lar; stead = local).

Dizia o § 3.798 da Digest of the Laws of Texas, que regulava o instituto:

De, e após a passagem desta lei, será reservado a todo cidadão ou chefe de família, nesta República, livre e independente do poder de um mandado de fieri facias[9] ou outra execução, emitido de qualquer Corte de jurisdição competente, 50 acres de terra, ou um terreno na cidade, incluindo o bem de família dele ou dela, e melhorias que não excedam a 500 dólares, em valor, todo mobiliário e utensílios domésticos, provendo para que não excedam o valor de 200 dólares, todos os instrumentos (utensílios, ferramentas) de lavoura (providenciando para que não excedam a 50 dólares), todas as ferramentas, aparatos e livros pertencentes ao comércio ou profissão de qualquer cidadão, cinco vacas de leite, uma junta de bois para o trabalho ou um cavalo, 20 porcos e provisões para um ano; e todas as leis ou partes delas que contradigam ou se oponham aos preceitos deste ato são ineficazes perante ele. Que seja providenciado que a edição deste ato não interfira com os contratos entre as partes, feitos até agora. (Apud, AZEVEDO, 1999, p. 29)

Após a anexação do Texas aos EUA, em 1845, incluiu-se na Constituição Texana, que o “legislador deveria proteger, por intermédio de uma lei, determinada porção de terra pertencente ao chefe de uma família contra qualquer execução”. (AZEVEDO, 1999, p. 31).

A partir daí o instituto se alastrou pelo território americano, alcançando praticamente todos os estados, com as devidas adaptações e alterações do legislador local.

No Brasil, verifica-se que o instituto apareceu pela primeira vez inserido no Código Civil de 1916, constando no livro dos bens, nos artigos 70 a 73. O Código Civil de 2002 manteve o instituto, transferindo-o para o livro da família, nos artigos 1.711 a 1.722.

Em 1990, a lei federal 8.009 ampliou a proteção ao bem de família, que difere em alguns aspectos do instituto previsto no Código Civil, porém por ele foi recepcionada. Veremos suas peculiaridades na seqüência.

1.2.2 Bem de Família no Código Civil de 2002

O artigo 1.712 do Código Civil define Bem de Família:

Art. 1.712. O bem de família consistirá em prédio residencial urbano ou rural, com suas pertenças e acessórios, destinando-se em ambos os casos a domicílio familiar, e poderá abranger valores mobiliários, cuja renda será aplicada na conservação do imóvel e no sustento da família.

Não é requisito para sua criação que já fosse, anteriormente, habitado pela família. Também não pode ser constituído apenas de um terreno, uma vez que a lei especifica “prédio” (PEREIRA C., 2006b, p. 560).

Determina o artigo 1.711 do mesmo ordenamento que

Art. 1.711. Podem os cônjuges, ou a entidade familiar, mediante escritura pública ou testamento[10], destinar parte de seu patrimônio para instituir bem de família, desde que não ultrapasse um terço do patrimônio líquido existente ao tempo da instituição.

O parágrafo único do referido artigo confere ainda legitimidade a terceiro para constituição do bem de família.

Parágrafo único. O terceiro poderá igualmente instituir bem de família por testamento ou doação, dependendo a eficácia do ato da aceitação expressa de ambos os cônjuges beneficiados ou da entidade familiar beneficiada.

É indispensável para a constituição do bem de família que seja feita escritura pública, dando publicidade ao ato, e produzindo efeitos erga omnes.[11]

O bem de família constituído nos moldes do Código Civil torna-se inalienável[12], podendo ser vendido apenas com o consentimento dos interessados e de seus representantes legais, ouvido o Ministério Público.

Art. 1.711. O prédio e os valores imobiliários, constituídos como bem de família, não podem ter destino diverso do previsto no art. 1.712 ou serem alienados sem o consentimento dos interessados e seus representantes legais, ouvido o Ministério Público.

Quanto à sua impenhorabilidade, será oponível quando se tratarem de dívidas posteriores à sua constituição, exceto as que se tratarem de tributos incidentes sobre o próprio imóvel.

Art. 1.715. O bem de família é isento de execução por dívidas posteriores à sua instituição, salvo as que provierem de tributos relativos ao prédio, ou de despesas de condomínio.

O bem de família disposto no Código Civil, também chamado de voluntário, apesar de seu nobre intuito protetivo, não alcançou seus objetivos com grandes perspectivas, pois com a exigência de requisitos formais para sua constituição, afasta a entidade familiar geralmente avessa à burocracia e formalidades legais. É esse aspecto que a lei 8.009/90, a ser tratada na próxima seção, veio recepcionar.

1.2.3 Bem de Família na Lei 8.009 de 29 de março de 1990

O bem de família definido na Lei 8.009/90, segundo seu artigo 1º, é o “imóvel residencial próprio do casal ou da entidade familiar”. O artigo 5º define residência como “um único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para moradia permanente”.

Nessa modalidade de bem de família, “o instituidor é o próprio Estado, que impõe o bem de família, por norma de ordem pública, em defesa da célula familiar”. (AZEVEDO, 2005, p. 215).

Segundo Caio Mario Pereira (2006b, p. 564), “não há necessidade de estar registrado no registro de imóveis a indicação de se tratar de bem de família para que o devedor possa invocar a proteção da referida lei. O fim social da lei é proteger a vida familiar”.

O art. 1º da lei 8.009/90 define que

Art. 1º. O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.

Não obstante a lei contenha a expressão “nele residam”, a jurisprudência tem aceitado a impenhorabilidade quando o único bem imóvel da entidade familiar esteja alugada e a família subsista desse provento:

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA - PENHORA SOBRE BEM DE FAMÍLIA - IMPENHORABILIDADE REJEITADA, HAJA VISTA RECAIR SOBRE A NUA-PROPRIEDADE - IMPROCEDÊNCIA - DESNECESSIDADE DE RESIDIR O DEVEDOR NO IMÓVEL - MOTIVOS JUSTIFICÁVEIS - REFORMA DA INTERLOCUTÓRIA - RECURSO PROVIDO. O bem de família não pode receber ônus de penhora, sob a alegação de que a mesma recai sobre o nu-proprietário, mesmo que resguarde os direitos do usufrutuário vitalício. A impenhorabilidade de imóvel de família deve ser estendida àqueles casos em que o proprietário não resida no bem, comprovando a inexistência de outro, assim como justificáveis sejam os motivos que o levem a residir em outro local. (Agravo de instrumento nº. 2005.013965-0, Julgado em 20/07/2006, Relator: Des. Edson Ubaldo).

Além do imóvel do devedor, o parágrafo único do artigo 1º, prevê que a impenhorabilidade se estenderá aos bens que guarnecem sua residência:

Parágrafo único. A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados.

Essa forma de bem de família, também chamada de legal, não exige as formalidades previstas no código civil, apenas apresentando algumas exceções à sua aplicabilidade, como as previstas no artigo 3º:

 Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:

 I - em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias;

II - pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato;

III -- pelo credor de pensão alimentícia;

IV - para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar;

V - para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar;

VI - por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens.

VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação. (Incluído pela Lei nº 8.245, de 18/10/91)

Para que seja o credor beneficiado pela impenhorabilidade, não deverá agir com má-fé, transferindo sua residência para imóvel mais valioso:

Art. 4º Não se beneficiará do disposto nesta lei aquele que, sabendo-se insolvente, adquire de má-fé imóvel mais valioso para transferir a residência familiar, desfazendo-se ou não da moradia antiga.

O parágrafo segundo desse mesmo artigo determina também que em relação ao imóvel rural, a proteção se limita à sede da moradia:

§ 2º Quando a residência familiar constituir-se em imóvel rural, a impenhorabilidade restringir-se-á à sede de moradia, com os respectivos bens móveis, e, nos casos do art. 5º, inciso XXVI, da Constituição, à área limitada como pequena propriedade rural.

O intuito protetivo da lei nº. 8.009/90 pouco diverge do disposto no Código Civil, porém sua amplitude é inegavelmente maior. Nesse estudo, será levado a efeito o conceito e as características pertinentes ao instituto regulamentado na lei ordinária.

1.3 CONTRATO DE FIANÇA E CONTRATO DE LOCAÇÃO

Antes de adentrarmos ao estudo dos contratos de locação e de fiança propriamente ditos, urge estudar alguns elementos da teoria geral dos contratos relevantes presente trabalho.

1.3.1 Elementos da teoria geral dos contratos

O contrato é uma “convenção surgida do encontro de duas ou mais vontades, que se obrigam entre si, no sentido de dar, fazer ou não fazer alguma coisa”. (RIZZARDO, 2002, p. 5). Para Sílvio Rodrigues (RODRIGUES, 2002b, p. 10), é “o acordo de duas ou mais vontades, em vista de produzir efeitos jurídicos”. Ainda, na definição de Whashington de Barros Monteiro (2003, p. 5), é o “acordo de vontades que tem por fim criar, modificar ou extinguir um direito”.

São condições para a validade de um contrato a capacidade das partes, que seu objeto seja lícito, e que exista a manifestação consensual da vontade.

O artigo 1º do Código Civil determina que “toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil”, mesmo que não possa exercê-los pessoalmente (RODRIGUES, 2002a, p. 40). A capacidade geral para atos da vida civil difere da capacidade contratual, pois “nem sempre para certos contratos o agente tem capacidade”. A essa capacidade específica denomina-se legitimação. (VENOSA, 2003a, p. 436).

O objeto do contrato[13] deve ser lícito. Para Arnaldo Rizzardo (2002, p. 10), é lícito o objeto que “seja conforme a moral, a ordem pública e os bons costumes”. Necessário também que o objeto seja possível, ou seja, que “gire tem torno de uma operação realizável”. (RIZZARDO, 2002, p. 10).

O consentimento, nos contratos, trata-se da manifestação do próprio núcleo da natureza contratual: o acordo de vontades.

A formação do contrato é regida por alguns princípios orientadores, que não obstante haja divergência doutrinal, elencaremos os principais:

a)                                           Autonomia da vontade: sendo o contrato considerado um “acordo de vontades livre e soberanas, insuscetível de modificações trazidas por qualquer outra força que não derive das partes envolvidas” (RIZZARDO, 2002, p. 12), é assegurado aos contratantes a menor intervenção estatal possível. Para Sílvio Rodrigues (2002b, p. 15), trata-se da “prerrogativa conferida aos indivíduos de criarem relações na órbita do direito, desde que se submetam às regras impostas pela lei e que seus fins coincidam com o interesse geral, ou não o contradigam”.

b)                                          Liberdade contratual: decorrente da autonomia da vontade, visa assegurar “ampla liberdade às pessoas para estipular as cláusulas que lhe interessam”. (RIZZARDO, 2002, p. 13). Segundo Silvio de Salvo Venosa (2003a, p. 376), a liberdade contratual “permite que as partes se valham dos modelos contratuais constantes do ordenamento jurídico (contratos típicos), ou criem uma modalidade de contrato de acordo com suas necessidades (contratos atípicos)”.

c)                                           Supremacia da ordem pública: independente da autonomia de vontade e da ampla liberdade contratual concedida aos contratantes, “há restrições impostas por leis de interesse social, impedindo as estipulações contrárias à moral, à ordem pública e aos bons costumes”. (RIZZARDO, 2002, p. 14).

d)                                          Obrigatoriedade dos contratos: através da máxima pacta sunt servanda, o acordo de vontades faz lei entre as partes. A única exceção feita à obrigatoriedade, é o caso fortuito ou força maior, que se caracterizam por fatos que não possam ser evitados pelo devedor e que não provenham de culpa (RIZZARDO, 2002, p. 19).

e)                                           A boa-fé: pelo princípio da boa-fé, as partes são obrigadas a manifestarem-se dentro dos “interesses que as levaram a se aproximarem, de forma clara e autêntica, sem o uso de subterfúgios ou intenções outras que não as expressas no instrumento formalizado”. (RIZZARDO, 2002, p. 23). Para Sílvio de Salvo Venosa (2003a, p. 378), esse princípio também é dirigido à interpretação dos contratos, estabelecendo que seja dever das partes “agir de forma correta antes, durante e depois do contrato”.

Os contratos, conforme a natureza e a maneira com que se aperfeiçoam, são classificados em diferentes espécies, descritas a seguir.

1.3.1.1 Classificação dos contratos

Silvio Rodrigues (2002b, p. 27) ensina que

A classificação é um procedimento lógico, por meio do qual, estabelecido um ângulo de observação, o analista encara um fenômeno determinado, agrupando suas várias espécies conforme se aproximem ou se afastem uma das outras. Sua finalidade é acentuar as semelhanças e dessemelhanças entre as múltiplas espécies, de maneira a facilitar a inteligência do problema em estudo.

Para Sílvio de Salvo Venosa (2003a, p. 390), a classificação dos contratos “serve para posicionar corretamente o negócio jurídico no âmbito do exame de seu adimplemento e inadimplemento, questão crucial para o jurista”.

A doutrina elege formas de classificações as mais diversas, porém vamos nos ater às espécies relevantes ao presente estudo.

a)                         Contratos Unilaterais e Bilaterais: São contratos bilaterais aqueles “que, no momento de sua feitura, atribuem obrigações a ambas as partes, ou para todas as partes intervenientes”. (VENOSA, 2003a, p. 392). Contratos unilaterais, por sua vez, geram obrigação a apenas uma das partes. Alguns contratos são unilaterais ou bilaterais por natureza, outros o são por convenção das partes.

b)                         Contratos Gratuitos e Onerosos: Contratos gratuitos são aqueles em que “somente uma das partes sofre um sacrifício patrimonial, enquanto a outra apenas obtém um benefício”. (RODRIGUES, 2002b, p. 31). Já no contrato oneroso, “ambos os contratantes têm direitos e deveres, vantagens e obrigações; a carta contratual está repartida entre eles, embora nem sempre em igual nível”. (VENOSA, 2003a, p. 402).

c)                         Contratos Comutativos e Aleatórios: Sílvio de Salvo Venosa (2003a, p. 403) define como contrato comutativo aquele em que as partes sabem, desde o acordo, qual a prestação cominada; e contrato aleatório aquele em que “ao menos o conteúdo da prestação de uma das partes é desconhecido quando elaboração da avença”.

d)                        Contratos Típicos (nominados) e Atípicos (inominados): São contratos típicos aqueles aos quais a “lei dá denominação própria e submete a regras que pormenoriza”. Nos contratos atípicos, “a determinação formal é dada pelas partes”. (RODRIGUES, 2002b, p. 36). O Código Civil imprime a legalidade dessas espécie de contrato estabelecendo no artigo 425 que “é lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas neste Código”.

e)                         Contratos Consensuais e Reais: Contratos consensuais são “aqueles que se ultimam pelo mero consentimento das partes, sem necessidade de qualquer outro complemento”. Os contratos reais “dependem, para seu aperfeiçoamento, da entrega da coisa, feita por um contratante ao outro”. (RODRIGUES, 2002b, p. 35).

f)                          Contratos pessoais e impessoais: nos contratos impessoais independe a pessoa que o irá executar, desde que haja o adimplemento da obrigação. Já nos contratos pessoais (intuitu personae[14]), somente o contraente possui capacidade para a realização da obrigação. (VENOSA, 2003a, p. 419)

Feitas as considerações necessárias ao entendimento das características e espécies de contratos previstas ou permitidas pelo nosso ordenamento jurídico, far-se-á uma breve verificação das principais características de dois tipos de contratos específicos: a locação e a fiança.

1.3.2 Do contrato de locação

Conforme Sílvio de Salvo Venosa (2006, p. 5), “a locação de coisas sé dá quando uma pessoa (o locador) se obriga a entregar o uso e gozo de uma coisa durante certo tempo a outra (o locatário), o qual por sua vez se obriga a pagar um preço”. Esse negócio jurídico aperfeiçoa-se através do contrato de locação.

O contrato de locação de imóveis é um contrato bilateral, oneroso, comutativo, típico, consensual, principal e pessoal, e que tem por objeto a locação de um imóvel mediante prestação de alugueres.

No conceito de Clóvis Beviláqua (Apud Rocha, 2002, p. 197),

Locação é o contrato pelo qual uma das partes, denominada locador, mediante remuneração que a outra parte, denominada locatário, paga, se compromete a fornecer-lhe, durante certo lapso de tempo, ou o uso e gozo de uma coisa infungível (locação de coisa), ou a prestação de um serviço (locação de serviço), ou a execução de algum trabalho determinado (empreitada).

O Código Civil trata da locação de coisas, porém a locação de imóveis urbanos é regulada pela lei nº. 8.245 de 18 de outubro de 1991.

Para a incidência da lei 8.245/91, é necessário que o imóvel seja urbano, servindo como critério para essa verificação a destinação que é dada ao imóvel (VENOSA, 2006, p. 6). Um imóvel pode até mesmo estar localizado em região rural, porém se a destinação será de moradia ou de estabelecimento de comércio, será tido como urbano, e reger-se-á a locação pelas regras da lei especial. No entanto, um imóvel, mesmo que localizado em região urbana, se destinado às práticas agrícolas, a locação obedecerá ao estabelecido no Código Civil quanto à locação de coisas.

A lei estabelece vários direitos e deveres, tanto do locador quanto do locatário, que, porém não importam ao presente estudo. Apenas dois nos são relevantes: o dever do locatário de pagar pontualmente os alugueres, e o direito do locador de exigir garantias para esse pagamento.

“O aluguel é a remuneração ajustada como contraprestação pela cessão do uso e gozo do imóvel, por prazo temporário. [...] Pagar o aluguel com pontualidade significa quitar a dívida no tempo e lugar devidos”. (ROCHA, 2002, p. 210).

As garantias que podem ser exigidas pelo locador estão previstas no artigo 37 da lei 8.245/91, e são a caução, a fiança e o seguro de fiança locatícia. A lei veda, porém, a cumulação das modalidades em um único contrato.

“O termo “garantia” advém do francês garantie, que significa proteger, assegurar. De maneira que toda garantia será uma proteção, que se concede ao credor, aumentando a possibilidade de receber aquilo que lhe é devido”. (DINIZ, 2001, p. 149).

A caução é a garantia real[15] do adimplemento através do patrimônio do devedor, e poderá ser de bens móveis, imóveis, dinheiro ou até mesmo títulos e ações (VENOSA, 2006, p. 167)

O seguro de fiança locatícia “tem por finalidade garantir o segurado dos prejuízos que venha a sofrer, em decorrência do inadimplemento do contrato de locação pelo garantido”, onde o segurado beneficiário é o locador e o garantido é o locatário. (PACHECO, 2000, p. 310)

A fiança é a garantia utilizada com maior freqüência no contrato de locação, e suas características serão verificadas na próxima seção.

1.3.3 Do contrato de Fiança

O contrato de fiança é um contrato unilateral, gratuito, comutativo, típico, consensual, acessório e pessoal, e que tem por objeto garantir o adimplemento da obrigação assumida em outro contrato, dito principal. Segundo o artigo 818 do código Civil, “pelo contrato de fiança, uma pessoa garante satisfazer ao credor uma obrigação assumida pelo devedor, caso este não a cumpra”.

Segundo Sílvio Rodrigues (2002b, p. 355), a fiança, como elemento de garantia,

[...] vem aumentar as possibilidades, com que conta o credor, de receber a dívida. Pois, se o devedor não resgatar o débito e seu patrimônio for escasso para assegurar a execução, pode o credor voltar-se contra o fiador, reclamar-lhe o pagamento e excutir seus bens, para assim se cobrar.

A fiança está limitada ao valor da obrigação principal (VENOSA, 2003b, p. 424), e conforme o art. 822 do Código Civil compreende todos os seus acessórios, inclusive as despesas judiciais.

Determina ainda o Código Civil, que possui o fiador o direito, ao ser demandado em ação judicial, a exigir até a contestação da lide, que sejam primeiro executados os bens do devedor. Trata-se do benefício de ordem. Utilizando-se de tal benefício, o fiador deverá nomear bens do devedor suficientes para a solução do débito.[16] O artigo 828 do Código Civil determina ainda que somente não poderá fazer uso de tal benefício se o renunciou expressamente, se se obrigou como principal devedor, ou devedor solidário e se o devedor for insolvente ou falido. O benefício de ordem “se funda na idéia de que a obrigação do fiador é subsidiária, pois que não passa de uma garantia da dívida principal”. (RODRIGUES, 2002b, p. 358).

Caso o fiador venha a liquidar a dívida do contrato principal, possui direito de sub-rogação. No conceito de Sílvio de Salvo Venosa (2003b, p.431), “sub-rogação significa substituição de uma coisa por outra, ou de uma pessoa por outra”. Conforme determinado no artigo 831 do Código Civil, “o fiador que pagar integralmente a dívida fica sub-rogado nos direitos do credor”. Isso quer dizer que o fiador tem o direito de mover ação regressiva contra o devedor para reaver o que pagou, acrescido, inclusive, das dívidas acessórias.

Além de previsão legal juntamente aos dispositivos pertinentes à fiança, a sub-rogação é também disciplinada nos artigos 346 a 351 do Código Civil.

O artigo 349 do Código Civil determina que “a sub-rogação transfere ao novo credor todos os direitos, ações, privilégios e garantias do primitivo, em relação à dívida, contra o devedor principal e os fiadores”.

A fiança, para que tenha validade jurídica, deverá ter a outorga do cônjuge, conforme determinado pelo artigo 1.647, III do Código Civil:

Art. 1.647. Ressalvado o disposto no art. 1.648[17], nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta:

(...)

III – prestar fiança ou aval;

Dessa forma, vislumbra-se mais uma vez o intuito protetivo à entidade familiar, evitando a dilapidação do patrimônio por apenas um dos integrantes da família.

Nessa unidade estabelecemos alguns conceitos que servirão como as primeiras premissas para análise na terceira unidade. As segundas premissas, oriundas do direito constitucional, serão apreciadas na unidade que segue.

 

Unidade 2

PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E DIREITOS FUNDAMENTAIS

A Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 5 de outubro de 1988, estabelece princípios e direitos fundamentais. Para Paulo Bonavides, tanto os princípios quanto os direitos fundamentais, “são o oxigênio das Constituições”. (BONAVIDES, 2000, p. 340 e 359).

Antes de iniciarmos os estudos sobre os princípios constitucionais, cabe uma distinção entre princípios e regras. A doutrina tem definido que os princípios e as regras são espécies do gênero norma. José Joaquim Gomes Canotilho (2002, p. 1146), estabeleceu alguns critérios para essa distinção:

a)                                        Grau de abstração: os princípios possuem elevado grau de abstração, enquanto que as regras possuem abstração reduzida;

b)                                        Grau de determinabilidade: são os princípios vagos na aplicação ao caso concreto; as regras são passives de aplicação direta;

c)                                        Caráter de fundamentalidade: os princípios possuem natureza estruturante entre as fontes do direito;

d)                                       Proximidade da idéia do direito: os princípios servem de padrão vinculante, e as regras possuem caráter vinculativo funcional;

 

e)                                        Natureza normogenética: servem os princípios como fundamentos para as regras.

Para Robert Alexy (1993, p. 86, Apud MIRANDA J., 2003, p. 433),

Os princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes; são mandados de optimização que podem ser cumpridos em diferentes graus. As regras são normas que só podem ser cumpridas ou não. Se uma regra é válida, então tem de fazer-se exactamente o que ela exige, nem mais nem menos.

É dentro dessa perspectiva que nessa unidade trataremos de alguns aspectos pertinentes aos princípios constitucionais e direitos fundamentais.

2.1 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

Servem de mandamentos para o legislador constitucional e infraconstitucional, que deve segui-los como postulados basilares para a edificação do ordenamento jurídico. Paulo Bonavides (2000, p. 265) fala de sua função:

Fazem eles a congruência, o equilíbrio e a essencialidade de um sistema jurídico legítimo. Postos no ápice da pirâmide normativa, elevam-se, portanto, ao grau de normas das normas, de fontes das fontes. São qualitativamente a viga-mestra do sistema, o esteio da legitimidade constitucional, o penhor da constitucionalidade das regras de uma Constituição.

Os princípios possuem função hermenêutica, orientando a ação dos Poderes do Estado (Legislativo, Executivo e Judiciário), e função integrativa, preenchendo as lacunas das normas. Possuem também função limitativa, atuando “no sentido de impedir a produção de normas jurídicas que visem reduzir a sua eficácia”. (CARVALHO, 2003, 249).

O papel desempenhado pelos princípios no ordenamento jurídico é de suma importância, “é graças aos princípios que os sistemas constitucionais granjeiam a unidade de sentido e auferem a valoração de sua ordem normativa”. (BONAVIDES, 2000, p. 259).

Para Walber de Moura Agra (2006, p. 74),

Os princípios funcionam como elemento de conexão entre a realidade social e o Texto Constitucional, impedindo a proliferação de aparentes lacunas[18] ou de antinomias[19], evitando que o choque entre a realidade fática e a realidade jurídica prejudique a eficácia das normas.

Embora a Constituição Federal tenha enumerado expressa ou tacitamente seus princípios nos artigos 1º ao 5º, muitos outros podem ser extraídos na leitura da carta, de forma implícita, mas com a mesma validade normativa. [20] Nessa unidade será analisado o princípio da igualdade.

2.1.2 Princípio da Igualdade

O princípio da igualdade foi adotado pela Constituição Federal de 1988, com o intuito de garantir que os iguais sejam tratados de forma igual, e os desiguais de forma desigual, na medida de sua desigualdade.

Alexandre de Moraes (2002, p. 65) ensina que o princípio da igualdade opera em dois planos distintos:

De uma parte, frente ao legislador ou ao próprio executivo, na edição, respectivamente, de leis, atos normativos e medidas provisórias, impedindo que possam criar tratamentos abusivamente diferenciados a pessoas que encontram-se em situações idênticas. Em outro plano, na obrigatoriedade ao intérprete, basicamente, a autoridade pública, de aplicar a lei e atos normativos de maneira igualitária, sem estabelecimento de diferenciações e razão de sexo, religião, convicções filosóficas ou políticas, raça, classe social.

José Afonso da Silva (2001, p. 217) utiliza-se da expressão “princípio da igualdade jurisdicional”, ao conceber uma dupla afetação do princípio perante o juiz:

O princípio da igualdade jurisdicional ou perante o juiz apresenta-se, portanto, sob dois prismas: (1) como interdição ao juiz de fazer distinção entre situações iguais, ao aplicar a lei; (2) como interdição ao legislador de editar leis que possibilitem tratamento desigual a situações iguais ou tratamento igual a situações desiguais por parte da Justiça.

Nas palavras de José Joaquim Gomes Canotilho (2002, p. 426), “o princípio da igualdade dirige-se ao próprio legislador, vinculando-o à criação de um direito igual para todos os cidadãos”. [21]

Para Jorge Miranda (1993, p. 213),

O sentido primário do princípio é negativo: consiste na vedação de privilégios e de discriminações. “Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever...”.

A doutrina classifica a isonomia em dois conceitos distintos: igualdade formal e igualdade material.

A igualdade material ou “substancial postula o tratamento uniforme de todos os homens. Não se trata, como se vê, de um tratamento igual perante o direito, mas de uma igualdade real e efetiva perante os bens da vida” (BASTOS, 1997, p. 179).

Já a igualdade formal “consiste no direito de todo cidadão não ser desigualado pela lei senão em consonância com os critérios albergados ou ao menos não vedados pelo ordenamento constitucional” (BASTOS, 1997, p. 180).

Essa distinção se torna importante para o entendimento de que

[...] é errôneo supor que a regra constitucional da isonomia impeça que se estabeleçam desigualdades jurídicas entre os sujeitos de direito. Isto porque o fenômeno da criação legislativa importa inevitavelmente em classificar pessoas, bens e valores, segundo toda sorte de critérios fáticos. (CASTRO, 2003, p. 380),

Para Celso Antônio Bandeira de Mello (2002, p. 38), ocorre uma agressão à igualdade quando “o fator diferencial adotado para qualificar os atingidos pela regra não guarda relação de pertinência lógica com a inclusão ou exclusão do benefício deferido ou com a inserção ou arrendamento do gravame imposto”.

Temos então, que a afronta ao princípio da igualdade não é oponível quando a diferenciação feita é em relação a aspectos correlatos à norma, e que justificam sua desigualdade. Melhor análise de como se dará essa afronta será feita em momento oportuno, em relação ao dispositivo a ser verificado.

2.2 DIREITOS FUNDAMENTAIS

Em um primeiro momento, importante diferenciar direitos do homem de direitos fundamentais. Nas palavras de José Joaquim Gomes Canotilho (2002, p. 393), “Direitos do homem são direitos válidos para todos os povos e em todos os tempos (...); Direitos fundamentais são os direitos do homem, jurídico-institucionalmente garantidos e limitados espaço-temporalmente”.

Ingo Wolfang Sarlet (2004b, p. 89) conceitua direitos fundamentais:

Direitos fundamentais são, portanto, todas aquelas posições jurídicas concernentes às pessoas, que, do ponto de vista do direito constitucional positivo, foram, por seu conteúdo e importância (fundamentalidade em sentido material), integradas ao texto da Constituição e, portanto, retiradas da esfera da disponibilidade dos poderes constituídos (fundamentalidade formal), bem como as que, pro seu conteúdo e significado, possam lhes ser equiparados, agregando-se à Constituição material, tendo, ou não, assento na Constituição formal (aqui considerada a abertura material do catálogo).

O título II da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 arrola, de forma não taxativa, os direitos e garantias fundamentais. Desta forma, o conceito de direitos fundamentais deve ser analisado através de sua fundamentalidade aberta, onde a interpretação se dá através do Art. 5º. § 2º, que determina que os direitos e garantias expressos na Constituição Federal não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados.

Segundo Alexandre de Moraes (2003, p. 21), “a constitucionalização dos direitos humanos fundamentais não significou mera enunciação formal de princípios, mas a plena positivação de direitos, a partir dos quais qualquer indivíduo poderá exigir sua tutela perante o Poder Judiciário para a concretização da democracia”.

Essa positivação dos direitos fundamentais, conforme nos ensina J. J. Gomes Canotilho (2002, p.377),

significa a incorporação na ordem jurídica positiva dos direitos considerados “naturais” e “inalienáveis” do indivíduo. Não basta uma qualquer positivação. É necessário assinalar-lhes a dimensão de Fundamental Rights colocados no lugar cimeiro das fontes de direito: as normas constitucionais. Sem esta positivação jurídica, os <<direitos do homem são esperanças, aspirações, idéias, impulsos, ou, até, por vezes, mera retórica política>>, mas não direitos protegidos sob a forma de normas (regras e princípios) de direito constitucional.

São os direitos fundamentais a exteriorização do princípio da dignidade da pessoa humana, uma vez que “estes constituem exigências, concretizações e desdobramentos” de tal princípio (SARLET, 2004a, p. 123).

Segundo classificação de José Joaquim Gomes Canotilho (2002, p. 407-410), os direitos fundamentais podem exercer função de defesa, de prestação social, de proteção contra terceiros e de não-discriminação.

Na função de defesa, determinam normas negativas ao Estado, impedindo-o de agir no âmbito do indivíduo de forma a afetar sua liberdade. Como função de prestação social, deferem ao particular o direito de obter do poder público a satisfação de suas necessidades mínimas. Possuem a função de proteção contra terceiros, nos casos em que exista a violação de direitos fundamentais em relações entre indivíduos (CANOTILHO, 2002, p. 407-410). A função de não-discriminação, por fim, visa “assegurar que o Estado trate os seus cidadãos como cidadãos fundamentalmente iguais” (ORRÚ, 1998, Apud CANOTILHO, 2002, p. 409).

Destaca-se hodiernamente na doutrina a dimensionalidade dos direitos fundamentais, separando-os em três dimensões ou gerações.

2.2.1 Gerações de Direitos Fundamentais

São direitos de primeira geração aqueles provenientes dos direitos civis e políticos (direito à vida, direito à liberdade, direito à propriedade, direito à igualdade). São, na concepção de Paulo Bonavides (2000, p. 517), “direitos de resistência ou de oposição ao Estado”.

Os direitos de segunda geração são aqueles que garantem ao mesmo indivíduo a prestação do Estado para proporcionar-lhe os meios adequados para uma existência digna. Serão tratados com maior relevância na próxima seção.

Os direitos de terceira dimensão, também chamados de direitos de fraternidade ou de solidariedade, possuem titularidade difusa, onde não é possível determinar-se o sujeito do direito. São de aplicação transindividual. Segundo Paulo Bonavides (2000, p. 523), “tem por destinatário o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta”.

Paulo Bonavides (2000, P. 524) identifica ainda direitos de quarta geração, que seriam os direitos à democracia, informação e pluralismo, e que advém da universalidade e da globalização vivenciada pelo mundo moderno. Em suas palavras, os direitos de quarta geração “compendiam o futuro da cidadania e o porvir da liberdade de todos os povos” (2000, p. 526). Tais direitos também foram aspirados por Norberto Bobbio, que os remeteu às pesquisas biológicas, principalmente às manipulações genéticas (BOBBIO, 2004, p.25).

Norberto Bobbio (2004, p. 79) faz também “previsões" de uma quinta geração de direito:

“Olhando para o futuro, já podemos entrever a extensão da esfera do direito à vida das gerações futuras, cuja sobrevivência é ameaçada pelo crescimento desmensurado de armas cada vez mais destrutivas, assim como a novos sujeitos, como os animais, que a moralidade comum sempre considerou apenas como objetos, ou no máximo, como sujeitos passivos, sem direitos.”

A evolução da sociedade é um processo em constante mudança, onde a cada dia o homem procura formas diferentes de cultivar sua existência, seja criando novas tecnologias, seja reinventando sua existência, em busca da adequação às suas inesgotáveis necessidades. É fato que o direito deva acompanhar essas transformações. Mas os direitos fundamentais, pela sua natureza aberta, trarão sempre as vitais necessidades do homem à tona, para que delas se busque a melhor solução.

2.2.2 Os direitos sociais

Os direitos fundamentais de caráter social estão previstos na Constituição Federal, no capítulo II, e tratam dos direitos relativos às prestações sociais positivas devidas pelo Estado. Para Vicente de Paulo Barretto (2003, p. 111), “os direitos sociais, como direitos nascidos, precisamente, em virtude e como resposta à desigualdade social e econômica da sociedade liberal, constituem-se como núcleo normativo central do estado democrático de direito”.

José Afonso da Silva (2001, p. 285) define direitos sociais como

prestações positivas proporcionadas pelo Estado direita ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem à realizar a igualização de situações sociais desiguais.

Segundo Norberto Bobbio (2004, p. 87),

Enquanto que os direitos de liberdade nascem contra o superpoder do Estado - e, portanto, com o objetivo de limitar o poder -, os direitos sociais exigem, para sua realização prática, ou seja, para a passagem da declaração puramente verbal à sua proteção efetiva, precisamente o contrário, isto é, a ampliação dos poderes do Estado.

Para Ingo Wolfgang Sarlet (2004b. p. 215), “os direitos fundamentais sociais em nossa Constituição não formam um grupo homogêneo”. Ele os divide entre os de posição jurídica tipicamente prestacional (saúde, educação, moradia, assistência social, etc.) e os direitos de defesa (direitos dos trabalhadores, sindicais, etc.). (SARLET, 2004b, p. 187).

No âmbito da função defensiva, os direitos sociais atuam na proteção do indivíduo “contra ingerências por parte dos poderes públicos e entidades privadas”. (SARLET, 2004b, p. 187). Como direitos a prestações, “objetivam assegurar, mediante a compensação de desigualdades sociais, o exercício de uma liberdade e igualdade real e efetiva, que pressupõem um comportamento ativo do Estado”. (SARLET, 2004b, p. 214).

Um dos direitos fundamentais sociais que ensejam uma atividade prestacional do estado é a moradia.

2.2.2.1 Direito fundamental social à Moradia

Incluída no rol de direitos fundamentais sociais pela Emenda Constitucional 26 de 14 de fevereiro de 2000, a moradia figura no artigo 6º na Constituição Federal de 1988 juntamente com a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, e a assistência aos desamparados.

Independente dessa recente inclusão como direito fundamental, defende-se que a moradia já constaria implicitamente nos direitos sociais, uma vez que o artigo 7. º em seu inciso IV determina que ao trabalhador deva ser garantido salário que seja capaz de atender suas necessidades vitais básicas, dentre elas a moradia (SOUZA, 2004, p. 123).

Segundo José Afonso da Silva (2001, p. 313),

O direito à moradia significa ocupar um lugar como residência; ocupar uma casa, apartamento etc., para nele habitar. No “morar” encontramos a idéia básica da habitualidade no permanecer ocupando uma edificação, o que sobressai com sua correlação com o residir e o habitar, com a mesma conotação de permanecer ocupando um lugar permanentemente. O direito à moradia não é necessariamente direito à casa própria. Quer-se que se garanta a todos um teto onde se abrigue com a família de modo permanente, segundo a própria etimologia do verbo morar, do latim “morari”, que significava demorar, ficar.

O direito fundamental social à moradia, como direito de cunho prestacional, visa proporcionar a igualdade material, por meio de tarefas estatais:

Os direitos sociais a prestações, ao contrário dos direitos de defesa, não se dirigem à proteção da liberdade e igualdade abstrata, mas, sim, como já assinalado alhures, encontram-se intimamente vinculados às tarefas de melhoria, distribuição e redistribuição dos recursos existentes, bem como à criação de bens essenciais não disponíveis para todos os que deles necessitem. (SARLET, 2004b, p. 280)

As prestações devidas pelo Estado ao cidadão podem ser classificadas em jurídicas ou fáticas (SARLET, 2004b, p. 203), no sentido em que as primeiras tratam do dever estatal de produção de normas voltadas à concretização dos direitos fundamentais, e as segundas, conforme Luiz Fernando Calil de Freitas (2007, p. 74), correspondem os próprios direitos sociais.

Destaca-se ainda um dever de proteção, com dupla vinculação dos poderes públicos:

[...] no sentido negativo, a vinculação se dá em termos de vedar toda e qualquer atuação dos poderes constituídos que importe afronta aos direitos fundamentais, sob pena de inconstitucionalidade por ação; no sentido positivo, a vinculação obriga os poderes constituídos a realizarem tarefas de concretização e efetivação dos diretos fundamentais, sob pena de inconstitucionalidade por omissão. (FREITAS, 2007, p. 45)

Outro aspecto relevante no que tange ao direito fundamental à moradia é o fato de sua positivação no nosso ordenamento jurídico não lhe prescrever as formas de sua efetivação, deixando a cargo do legislador ordinário. Essa técnica legislativa é chamada de norma constitucional de “cunho programático”.[22] É nesse sentido que faremos a verificação de sua eficácia jurídica.

2.2.2.2 A aplicabilidade dos Direitos Fundamentais Sociais

O Art. 5º, § 1º da Constituição Federal de 1988 dispõe que “As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”.

No sentido de aplicabilidade da norma, Ingo Wolfgang Sarlet (2004b, p. 229) define eficácia jurídica como “a possibilidade (no sentido de aptidão) de a norma vigente (juridicamente existente) ser aplicada aos casos concretos e de – na medida de sua aplicabilidade – gerar efeitos jurídicos”. Difere-se, porém, do sentido de eficácia social, onde se busca a efetividade da norma, que segundo Luís Roberto Barroso (2006, p. 83), “representa a materialização, no mundo dos fatos, dos preceitos legais e simboliza a aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social”.

No que tange, porém, ao direito fundamental social à moradia (muito embora sobre os direitos fundamentais sociais incida o princípio da aplicabilidade imediata), a análise deverá ser feita de forma diferenciada, uma vez que tal direito possui cunho programático.

Para Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins (2004, p. 421),

O que deve ser entendido pelo dispositivo ora comentado é que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata tanto quanto possível. É dizer, o dispositivo quis eliminar a dúvida que paira sobre aquela área penumbrosa que normalmente se forma em torno de muitos dos dispositivos constitucionais.

Para Ingo Wolfgang Sarlet, (2004b, p. 289-293), a eficácia jurídica dessas normas está no sentido de servirem para verificação da inconstitucionalidade ou da recepção de normas infraconstitucionais pela Constituição Federal, e também por gerarem imposições que vinculam o legislador a concretizar os programas, tarefas, fins e ordens, dentro de seus limites. Possuem ainda eficácia no sentido de servirem como parâmetro para a interpretação, integração e aplicação das normas jurídicas. Geram também direitos subjetivos, exigindo do Estado a abstenção de atuar de forma incompatível. Por fim, servem para impedir o retrocesso social, evitando que uma conquista social seja extinta.

É nesse sentido também que se posiciona Vicente de Paulo Barreto (2003, p. 108):

Essa a razão pela qual a parte programática do texto constitucional pode ser considerada como tendo, ao lado do seu caráter principiológico, a função de caixa de ferramentas com a qual deverá contar o intérprete para a plena realização dos objetivos últimos do sistema constitucional.

Dessa forma, não obstante o fato de o legislador constitucional ter deixado ao legislador infra-constitucional o encargo de implementar os preceitos de cunho programático, essas normas não perdem sua eficácia jurídica. Continuam a ter força jurídica, como princípios ou direitos fundamentais que são, embasadores da atividade legislativa e judiciária.

Unidade 3

DA EXCEÇÃO À IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA PREVISTA NO ARTIGO 3º, INCISO VII, DA LEI 8.009/90 E SUA (IN)CONSTITUCIONALIDADE

Muito embora a lei 8.009/90 tenha previsto que a residência da entidade familiar deverá ser protegida de quaisquer execuções, esta mesma lei abarcou exceções, as quais já foram citadas na seção 1.2.3.

Uma delas é a possibilidade da penhora do único imóvel da entidade familiar, se foi assumida obrigação de fiador diante de contrato de locação. Essa exceção foi inserida pelo artigo 82 da lei 8.245/91, a Lei do Inquilinato.

A jurisprudência tem divergido quanto à constitucionalidade de tal dispositivo. Nessa unidade traremos alguns exemplos de decisões e de posicionamentos tomados pelos ministros do STF. Também, para efeitos de entendimento neste trabalho, faremos uma breve análise do termo “inconstitucionalidade”. Ainda, antes de adentramos ao exame propriamente dito da (in)constitucionalidade do referido dispositivo, estabeleceremos alguns critérios para a interpretação da norma, embasada nos conceitos já explicitados nas duas primeiras unidades.

3.1 CONCEITO DE (IN)CONSTITUCIONALIDADE

A inconstitucionalidade, para Celso Ribeiro Bastos (1997, p. 384),

É a circunstância de uma determinada norma infringir a Constituição, quer quanto ao processo a ser seguido pela elaboração legislativa, quer pelo fato de, embora tendo a norma respeitado a forma de criação da lei, desrespeitar a Constituição quanto ao conteúdo adotado.

Norberto Bobbio (1994, p. 54), nessa mesma linha de pensamento, ensina que o poder normativo não é ilimitado, sendo-lhe atribuído limite formal e material:

 

A observação desses limites é importante, porque eles delimitam o âmbito em que a norma inferior emana legitimamente: uma norma inferior que exceda os limites materiais, isto é, que regule uma matéria diversa da que lhe foi atribuída ou de maneira diferente daquela que lhe foi prescrita, ou que exceda os limites formais, isto é, não siga o procedimento estabelecido, está sujeita a ser declarada ilegítima e a ser expulsa do sistema.

Para Alexandre de Moraes, “controlar a constitucionalidade significa verificar a adequação (compatibilidade) de uma lei ou de um ato normativo com a constituição, verificando seus requisitos formais e materiais” (2000, p. 579).

O órgão incumbido de exercer esse controle é o Poder Judiciário, seja por força da própria constituição[23], ou até mesmo pela sua precípua função de aplicar o direito[24]. Essa verificação poderá ser dar em vias de defesa ou de ação.

A via de defesa, ou de exceção, ocorre quando o interessado na declaração de inconstitucionalidade aguarda que a lei seja executada, para então defender-se, alegando a invalidade da lei no caso concreto. A declaração da inconstitucionalidade se dará, então, no curso do processo comum (BASTOS, 1997, p. 394, 404).

Jorge Miranda (2005, p. 56) define exceção como

uma iniciativa enxertada num processo já em curso, seja um meio de defesa indirecta propiciado ao réu (ou ao autor reconvinte) para obter a improcedência do pedido (ou da reconvenção), seja (ainda, de certa sorte) um instrumento ao dispor do Ministério Público.

Ainda, nas palavras de José Afonso da Silva (2001, p. 51), no controle por via de exceção, “qualquer interessado poderá suscitar a questão de inconstitucionalidade, em qualquer processo, seja de que natureza for, qualquer que seja o juízo”.

Já na via de ação, o objetivo é “expelir do ordenamento a lei ou ato normativo contrário à Constituição” (BASTOS, 1997, p. 403). Visa o “bom funcionamento da mecânica Constitucional” (BASTOS, p. 395).

Celso Ribeiro Bastos (1997, p. 395) sintetiza a diferença: “Em síntese, a via de ação tem por condão expelir do sistema a lei ou ato inconstitucionais. A via de defesa ou de exceção limita-se a subtrair alguém aos efeitos de uma lei ou ato com o mesmo vício”.

Para Paulo Bonavides (2000, p. 294),

O controle por via de exceção é de sua natureza o mais apto a prover a defesa do cidadão contra os atos normativos do Poder, porquanto em toda demanda que suscite controvérsia constitucional sobre lesão de direitos individuais estará sempre aberta uma via recursal à parte ofendida.

Distingue-se ainda a inconstitucionalidade por omissão, que segundo José Afonso da Silva (2001, p. 47), “verifica-se nos casos em que não sejam praticados atos legislativos ou administrativos requeridos para tornar plenamente aplicáveis normas constitucionais”.

A inconstitucionalidade do inciso VII, do artigo 3º. da lei nº. 8.009/90 vem sendo debatida em via de exceção, quando o fiador defende-se judicialmente, solicitando que seja desconstituída a penhora sobre seu imóvel invocando se tratar de bem de família, usando como argumentos a afronta ao princípio da isonomia e do direito fundamental à moradia. A jurisprudência tem se manifestado de forma divergente.

3.2 JURISPRUDÊNCIA

A jurisprudência estadual tem divergido quanto à constitucionalidade ou não da penhora do imóvel do locador.

A Primeira e a Segunda Câmara de Direito Civil têm decidido pela constitucionalidade do dispositivo, conforme exemplo de decisão extraída:

EMENTA: GRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE SENTENÇA. PENHORA DO IMÓVEL RESIDENCIAL DE PROPRIEDADE DO FIADOR EM CONTRATO LOCATÍCIO. POSSIBILIDADE. ALEGAÇÃO DE IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA INCABÍVEL. RECURSO PROVIDO. Não gera qualquer dúvida de interpretação a redação do artigo 3º, inciso VII, da Lei 8.009/90, ao dispor com manifesta clareza que o imóvel residencial de propriedade do fiador em contratos de locação não é afetado pela impenhorabilidade oponível aos bens de família. Exegese diversa estará contrariando frontalmente texto expresso de lei como ainda violando princípio basiliar de hermenêutica, positivado no art. 4o da Lei de Introdução do Código Civil, porquanto inversa aos fins sociais orientadores da Lei 8.009/90 e oposta às exigências do bem comum, pois, se assim não for, o mercado imobiliário locatício entrará em curto espaço de tempo em colapso, tendo em vista que muito pouco ou nada servirá a tão decantada garantia pessoal fidejussória. Ademais, o direito social constitucional de moradia (artigo 6º, da CF) há de ser interpretado como garantia de acesso à habitação, sem prejuízo da possibilidade de incidência de ônus sobre o imóvel. (Agravo de instrumento nº. 2005.023582-8, Julgado em 31/01/2006, Relator: Des. Joel Dias Figueira Júnior).

A Terceira Câmara de Direito Civil opta pela inconstitucionalidade da penhora do único imóvel do locador:

EMENTA: PELAÇÃO CÍVEL - EMBARGOS À ARREMATAÇÃO - FIANÇA EM CONTRATO DE LOCAÇÃO - CONSTRIÇÃO EM BEM DE FAMÍLIA - IMPENHORABILIDADE - EXCEÇÃO PREVISTA NO ART. 3º, VII, DA LEI N. 8.009/90 - INCONSTITUCIONALIDADE - MORADIA - DIREITO CONSTITUCIONAL. A exceção à impenhorabilidade do bem de família prevista no inciso VII, do art. 3º, da Lei n. 8.009/90, constitui afronta à norma constitucional. Sendo assim, descabe autorizar a constrição do imóvel de família pertencente ao fiador do contrato locatício.[...]Com efeito, assegurando a Constituição Federal o direito social à moradia (art. 6º), a lei que tenha como fundamento exatamente o esvaziamento desse direito, deve ser considerada inconstitucional. Ademais, a famigerada exceção à regra traz previsão desarrazoada e antiisonômica, ao reconhecer a impenhorabilidade do bem de família do locatário, mas permitir a constrição do bem de família do fiador. (Apelação Cível nº. 2006.007602-1, Julgado em 20/07/2006, Relatora: Desa. Salete Silva Sommariva).

Decisão monocrática do Ministro Carlos Velloso em recurso extraordinário foi no sentido de inconstitucionalidade da norma.

EMENTA: CONSTITUCIONAL. CIVIL. FIADOR: BEM DE FAMÍLIA: IMÓVEL RESIDENCIAL DO CASAL OU DE ENTIDADE FAMILIAR: IMPENHORABILIDADE. Lei nº 8.009/90, arts. 1º e 3º. Lei 8.245, de 1991, que acrescentou o inciso VII, ao art. 3º, ressalvando a penhora “por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação”: sua não- recepção pelo art. 6º, C.F., com a redação da EC 26/2000. Aplicabilidade do princípio isonômico e do princípio de hermenêutica: ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio: onde existe a mesma razão fundamental, prevalece a mesma regra de Direito. Recurso extraordinário conhecido e provido. (Recurso Extraordinário nº. 352.940, Julgado em 25/04/2005, Relator: Ministro Carlos Velloso).

Acórdão não unânime em recurso extraordinário no tribunal pleno foi palco de grande discussão em torno do tema ora apresentado. Os Ministros Eros Grau, Carlos Brito e Celso de Mello defenderam a inconstitucionalidade do dispositivo, sendo, porém vencidos pelos Ministros Nelson Jobim, Marco Aurélio, César Peluso, Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes, Ellen Gracie e Sepúlveda Pertence. Na ocasião, embora votando pela constitucionalidade, o Ministro Marco Aurélio pediu que se consignasse que, havendo questão constitucional, deveria ser ouvido o Procurador Geral da República.

EMENTA: FIADOR. Locação. Ação de despejo. Sentença de procedência. Execução. Responsabilidade solidária pelos débitos do afiançado. Penhora de seu imóvel residencial. Bem de família. Admissibilidade. Inexistência de afronta ao direito de moradia, previsto no art. 6º da CF. Constitucionalidade do art.3º, inc. VII, da Lei nº 8.009/90, com a redação da Lei nº 8.245/91. Recurso extraordinário desprovido. Votos vencidos. A penhorabilidade do bem de família do fiador do contrato de locação, objeto do art. 3º, inc. VII, da Lei nº 8.009, de 23 de março de 1990, com a redação da Lei nº 8.245, de 15 de outubro de 1991, não ofende o art. 6º da Constituição da República. (Recurso Extraordinário nº. 407.688-8, Julgado em 08/02/2006, Relator: Ministro Cézar Peluso).

Os ministros de voto vencido embasam seu posicionamento pela inconstitucionalidade da norma com base no direito fundamental social à moradia previsto no art. 6º da Constituição, e também no princípio da isonomia.

Extrai-se do acórdão as palavras do Ministro Eros Grau, referindo-se à uma possível afronta à isonomia:

Se o benefício da impenhorabilidade viesse a ser ressalvado quanto ao fiador em uma relação de locação, poderíamos chegar a uma situação absurda: o locatário que não cumprisse a obrigação de pagar aluguéis, com o fito de poupar para pagar prestações devidas em razão de aquisição de casa própria, gozaria da proteção da impenhorabilidade. Gozaria dela mesmo em caso de execução procedida pelo fiador cujo imóvel resultou penhorado por conta do inadimplemento das suas obrigações, dele, locatário.

[...]

Por fim, no que concerne ao argumento enunciado no sentido de firmar que a impenhorabilidade do bem de família causará forte impacto no mercado das locações imobiliárias, não me parece possa ser esgrimido para o efeito de afastar a incidência de preceitos constitucionais, o do artigo 6º e a isonomia. Não hão de faltar políticas públicas, adequadas à fluência desse mercado, sem comprometimento do direito social e da garantia constitucional. (Recurso Extraordinário nº. 407.688-8, Julgado em 08/02/2006, Relator: Ministro Cézar Peluso).

O ministro Carlos Britto, seguindo o voto do ministro Eros Grau, defende a indisponibilidade da moradia:

A partir dessas qualificações constitucionais, sobretudo aquela que faz da moradia uma necessidade essencial, vital básica do trabalhador e de sua família, entendo que esse direito à moradia se torna indisponível, é não-potestativo, não pode sofrer penhora por efeito de um contrato de fiação. Ele não pode, mediante um contrato de fiação, decair. (Recurso Extraordinário nº. 407.688-8, Julgado em 08/02/2006, Relator: Ministro Cézar Peluso).

Dentre os ministros que defendem a constitucionalidade da norma, verificam-se as palavras do ministro Cesar Pelluso ao refutar a teoria de que a isonomia estaria sendo ferida pela lei infraconstitucional:

Nem parece, por fim, curial invocar-se de ofício o princípio isonômico, assim porque se patenteia diversidade de situações factuais e de vocações normativas – a expropriabilidade do bem do fiador tende, posto que por via oblíqua, também a proteger o direito social de moradia, protegendo direito inerente à condição de locador, não um qualquer direito de crédito. (Recurso Extraordinário nº. 407.688-8, Julgado em 08/02/2006, Relator: Ministro Cézar Peluso).

Defende ainda que, ao contrário de atacar o direito à moradia, propicia que a mesma se torne mais acessível:

A respeito, não precisaria advertir que um dos fatores mais agudos de retração e de dificuldades de acesso do mercado de locação predial está, por parte dos candidatos a locatários, na falta absoluta, na insuficiência ou na onerosidade de garantias contratuais licitamente exigíveis pelos proprietários ou possuidores de imóveis de aluguel. Nem, tampouco, que acudir a essa distorção, facilitando celebração dos contratos e com isso realizando, num dos seus múltiplos modos de positivação e de realização histórica, o direito social de moradia, é a própria ratio legis da exceção prevista no art. 3º, inc. VII, da Lei nº 8.009, de 1990. São coisas óbvias e intuitivas.(Recurso Extraordinário nº. 407.688-8, Julgado em 08/02/2006, Relator: Ministro Cézar Peluso).

O Ministro Joaquim Barbosa fala ainda do caráter relativo dos direitos fundamentais:

Entendo, porém, que esse não deve ser o desenlace da questão. Como todos sabemos, os direitos fundamentais não têm caráter absoluto. Em determinadas situações, nada impede que um direito fundamental ceda o passo em prol da afirmação de outro, também em jogo numa relação jurídica concreta. (Recurso Extraordinário nº. 407.688-8, Julgado em 08/02/2006, Relator: Ministro Cézar Peluso).

Tanto o argumento da afronta à isonomia quanto do direito fundamental à moradia serão tratados nesse presente estudo visando a verificação da constitucionalidade do dispositivo ensejador do conflito. Antes disso, porém, cabe a verificação dos parâmetros necessários à interpretação da norma.

3.3 INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS

A hermenêutica[25] constitucional, por seu conteúdo aberto, exige uma maior interferência do poder judiciário e legislativo quando seu texto apresentar dúvidas na aplicabilidade. Muito embora se trate de Direito Constitucional, aplica-se o conteúdo da Lei de Introdução ao Código Civil, que determina que a aplicação da lei deverá atender os fins sociais a que ela se destina, e às exigências do bem comum.

Segundo Konrad Hesse (2001, p. 22), “a interpretação adequada é aquela que consegue concretizar de forma excelente, o sentido (Sinn) da proposição normativa dentro das condições reais dominantes numa determinada situação”.[26]

No mesmo sentido, Friedrich Muller (2005, p. 50) acredita que “não é possível descolar norma jurídica do caso jurídico por ela regulamentando nem o caso da norma. Ambos fornecem de modo distinto, mas complementar, os elementos necessários à decisão jurídica”.

Willis Santiago Guerra Filho (2002, p. 47) fala no direito como um sistema aberto:

Na verdade, o que parece ser mais coerente é uma concepção do direito não como um sistema fechado de proposições, representado pela idéia da codificação, ou, ao contrário, comoalgo exclusivamente judicial, voltado para a solução particular em cada caso concreto. Aquilo que mais se aproxima do ideal é um sistema aberto, reconhecidamente pontilhaod por lacunas a serem preenchidas pela decisão no caso concreto.

Uma das formas mais arraigadas na doutrina de se interpretar a norma quando a celeuma se encontra em um direito fundamental, é o princípio da proporcionalidade.

3.3.1 Princípio da Proporcionalidade

É o princípio da proporcionalidade um critério de dosimetria, uma justa medida de equilíbrio na conduta do jurista (CASTRO, 2003, 81). Tal princípio, segundo Luis Roberto Barroso e Ana Paula de Barcellos (2006, p. 332),

Trata-se de um valioso instrumento de proteção dos direitos fundamentais e do interesse público por permitir o controle da discricionariedade dos atos do Poder Público e por funcionar como a medida com que uma norma deve ser interpretada no caso concreto para a melhor realização do fim constitucional nela embutido ou decorrente do sistema.

Paulo Bonavides (2000, p. 387) atenta para a aplicabilidade do princípio da proporcionalidade na interpretação constitucional:

Com efeito, o critério da proporcionalidade é tópico, volve-se para a justiça do caso concreto ou particular, se aparenta consideravelmente com a eqüidade e é um eficaz instrumento de apoio às decisões judiciais que, após submeterem o caso a reflexos prós e contras (Abwägung), a fim de averiguar se na relação entre meios e fins não houve excessos (Übermassverbot), concretizam assim a necessidade do ato decisório de correção.

Segundo a doutrina corrente, a verificação do princípio da proporcionalidade se dá sob três dimensões: da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito.

Pela adequação, também chamada pela doutrina de idoneidade ou conformidade, exige-se que “toda restrição aos direitos fundamentais seja idônea para o atendimento de um fim constitucionalmente legítimo” (PEREIRA J., 2006, p. 324). Desta forma, há que se verificar se o fim objetivado pela restrição é legítimo perante o contexto constitucional.

A dimensão da necessidade determina que o legislador deva escolher, para o atingimento dos fins desejados, o meio menos oneroso. A doutrina também denomina esse critério de princípio da exigibilidade, indispensabilidade, da menor ingerência possível, da intervenção mínima. Ou seja, a restrição ao direito fundamental somente será admitida se não houver outra forma de se resolver o problema em questão. Para Jorge Miranda (1993, p. 218), “a necessidade supõe a existência de um bem juridicamente protegido e de uma circunstância que imponha intervenção ou decisão; equivale a exigibilidade desta intervenção ou decisão”.

Segundo o critério da proporcionalidade em sentido estrito, deve-se fazer uma análise comparativa entre a restrição do direito fundamental e a realização do fim objetivado. Em outras palavras, é verificar se a concretização da norma compensa a afetação do direito fundamental. Segundo José Joaquim Gomes Canotilho (2002, p. 270), “meios e fim são colocados em equação mediante um juízo de ponderação, com o objectivo de se avaliar se o meio utilizado é ou não desproporcionado em relação ao fim”. Ainda, nas palavras de Jane Reis Gonçalves Pereira (2006, p. 346), “uma restrição a direitos fundamentais é constitucional se pode ser justificada pela relevância do princípio cuja implementação é buscada por meio de intervenção”.

Willis Santiago Guerra Filho (2002, p. 88) sintetiza o conceito da tríplice verificação da proporcionalidade:

uma medida é adequada, se atinge o fim almejado, exigível, por causar o menor prejuízo possível e, finalmente, proporcional em sentido estrito, se as vantagens que trará superarem as desvantagens, para a efetivação global dos direitos fundamentais. (GUERRA Filho, 2002, p. 88)

A ponderação mencionada por José Joaquim Gomes Canotilho, trata-se de uma análise axiológica da norma jurídica:

O vocábulo ponderação tem sido usado para designar, de forma genérica, as diversas operações hermenêuticas consistentes em sopesar bens, valores, interesses, normas ou argumentos. Em sentido estrito, a ponderação pode se definida, de forma esquemática, como a técnica de decisão pela qual o operador jurídico contrapesa, a partir de um juízo dialético, os bens e interesses juridicamente protegidos que se mostrem inconciliáveis no caso concreto, visando determinar qual deles possui maior peso, e identificar a norma jurídica abstrata que há de prevalecer como fundamento da decisão adotada.(PEREIRA J., 2006, p. 220)

Para Daniel Sarmento (2001, p. 57) o princípio da proporcionalidade

[...] desempenha um papel extremamente relevante no controle de constitucionalidade dos atos do poder público, na medida em que ele permite de certa forma a penetração no mérito do ato normativo, para aferição de sua razoabilidade[27] e racionalidade, através da verificação da relação custo-benefício da norma jurídica, e da análise da adequação entre o seu conteúdo e a finalidade por ela perseguida.

Estabelecidos todos os conceitos e critérios necessários, passaremos agora à análise fática e jurídica do artigo 3º, inciso VII da Lei nº. 8.009/90, em relação ao princípio da isonomia e ao direito fundamental social à moradia.

3.4 ANÁLISE DO DISPOSITIVO EM RELAÇÃO AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA

Conforme já se estabeleceu nesse estudo, o cerne do princípio da igualdade está em tratar os iguais igualmente, e os iguais desigualmente. Resta saber, e esse é o um dos objetivos desse estudo, se fiador e locatário podem ou devem ser tratados como desiguais.

Para José Afonso da Silva (2001, p. 227), existem duas formas de uma norma ser inconstitucional pela ofensa à isonomia:

Uma consiste em outorgar benefício legítimo a pessoas ou grupos, discriminando-os favoravelmente em detrimento de outras pessoas ou grupos em igual situação. (...) A outra forma de inconstitucionalidade revela-se em se impor obrigação, dever, ônus, sanção ou qualquer sacrifício a pessoas ou grupos de pessoas, discriminando-as em face de outros na mesma situação que, assim, permaneceram em condições mais favoráveis.

Segundo José Joaquim Gomes Canotilho (2002, p. 428), “o princípio da igualdade é violado quando a desigualdade de tratamento surge como arbitrária. O arbítrio da desigualdade seria condição necessária e suficiente da violação do princípio da igualdade”.

Necessário, então, efetuar-se a análise do tratamento dispensado pelo artigo 3º, inciso VII, da Lei nº. 8.009/90 ao fiador no contrato de locação, e o seu atendimento ao princípio da isonomia.

Segundo José Afonso da Silva (2001, p. 227), existem duas formas de uma norma ser inconstitucional pela ofensa à isonomia:

Uma consiste em outorgar benefício legítimo a pessoas ou grupos, discriminando-os favoravelmente em detrimento de outras pessoas ou grupos em igual situação. (...) A outra forma de inconstitucionalidade revela-se em se impor obrigação, dever, ônus, sanção ou qualquer sacrifício a pessoas ou grupos de pessoas, discriminando-as em face de outros na mesma situação que, assim, permaneceram em condições mais favoráveis.

Na primeira unidade estabelecemos as classificações e elementos dos contratos. Verificou-se que contrato de locação é um contrato bilateral, oneroso, comutativo, típico, consensual, principal e pessoal, e que tem por objeto a locação de um imóvel mediante prestação de alugueres. O contrato de fiança é um contrato unilateral, gratuito, comutativo, típico, consensual, acessório e pessoal, e que tem por objeto garantir o adimplemento da obrigação assumida em outro contrato, dito principal.

Ambos os contratos, então, igualam no sentido em que são típicos, consensuais, comutativos e pessoais. Ou seja, possuem previsão em lei, aperfeiçoam-se pelo simples consentimento, as partes sabem todos os direitos e obrigações decorrentes, e por fim, tais obrigações são devidas pelo próprio contratante.

Em contra-ponto, diferem-se em outros aspectos. A fiança somente gera obrigação ao fiador, enquanto que no contrato de locação a obrigação é gerada a todos os contratantes. O contrato de fiança somente existe enquanto perdurar o contrato de locação, e dele depende sua validade. Ainda, no contrato de fiança, sendo unilateral, somente se compromete o fiador, ao contrário do contrato de locação, onde o patrimônio de todos os contratantes está envolvido.

A maior diferença, porém, está no objeto do contrato. Enquanto que no contrato de locação o objeto é a própria prestação, no contrato de fiança o objeto se trata da garantia de que o devedor irá cumprir com sua obrigação. Conforme Pontes de Miranda (1984, p. 91), “o fiador não promete pagar se o devedor principal não paga, nem promete pagar em lugar do devedor principal. Promete o adimplemento pelo devedor principal”.

Trouxemos anteriormente palavras de José Joaquim Gomes Canotilho, onde o mesmo fez menção à verificação da arbitrariedade da diferenciação A discriminação deve, portanto, para efeitos de inconstitucionalidade, ser infundada. Esse também é o pensamento de José Afonso da Silva (2001, p. 227):

 [...] tem-se que investigar, de um lado, aquilo que é adotado como critério discriminatório; de outro, cumpre verificar se há justificativa racional, isto é, fundamento lógico para, à vista do traço desigualador acolhido, atribuir o específico tratamento jurídico construído em função da desigualdade proclamada. Finalmente, impende analisar se a correlação ou fundamento racional abstratamente existente é, in concreto, afinado com os valores prestigiados no sistema normativo constitucional.

Sendo o objeto do contrato seu elemento fundador, sem o qual não existiria o acordo de vontades, fiador e devedor possuem obrigações assaz diferentes. Dessa forma, estando locatário e fiador em situações jurídicas diversas, o “princípio constitucional que proclama a igualdade de todos perante a lei é respeitado, na medida em que todos os locatários, sem distinção, são iguais perante a lei, da mesma forma como o são todos os fiadores.” (BARROS, 1997, p. 200).

O que caberia verificar no presente caso é se o princípio da isonomia não poderia ser invocado em outro plano: na interpretação dos direitos de sub-rogação atribuídos ao fiador. Considerando-se que o fiador se sub-roga nos direitos do credor, possui os mesmos direitos, ações e garantias que o credor possuir (VENOSA, 2003a, p. 274), e isso poderia incluir o benefício da exceção à impenhorabilidade. Desta forma, a aplicabilidade da isonomia não estaria em tornar o dispositivo inconstitucional, porém em oportunizar ao fiador a possibilidade de possuir no seu direito de regresso, o mesmo benefício que foi dado ao credor da dívida principal.

Porém, como o objetivo deste trabalho está em verificar a legalidade da penhora do imóvel do fiador no contrato de locação, sem nos aprofundarmos em outras questões, concluímos pelo entendimento de que o dispositivo em questão não fere o princípio isonômico, no sentido em que a desigualdade no tratamento do fiador e do devedor principal é pertinente à natureza dos próprios contratos que regem a relação jurídica efetivada entre os dois.

3.5 ANÁLISE DO DISPOSITIVO EM RELAÇÃO AO DIREITO FUNDAMENTAL À MORADIA

Trata-se a moradia de um direito fundamental social de grande relevância, uma vez que garante ao indivíduo uma existência digna, enquanto pessoa. O problema da habitação no país é assustador quando se verifica a quantidade de pessoas que não possuem uma moradia digna.

Não obstante já se tenha dito que se trata de uma norma de “cunho programático” e que possua eficácia jurídica, mesmo que limitada[28], muito ainda falta para que atinja seus reais objetivos, principalmente no que tange à tarefa prestacional do Estado, uma vez que “a efetivação dos direitos sociais é, indiscutivelmente, mais complexa do que a das demais categorias”. (BARROSO, 2006, p. 103)

O instituto do bem de família visa resguardar a família de execuções por dívidas que possam lhe excutir seu único bem imóvel e acessórios, de forma a garantir que seu direito à moradia não seja violado.

A Lei do inquilinato visa propiciar que as pessoas não possuidoras de um bem imóvel possam locá-lo de quem o tem. E o proprietário desse imóvel precisa ter a garantia de que a prestação pela locação lhe seja paga, pois disso também, muitas vezes, lhe provém sua subsistência. Caio Mario da Silva Pereira (2006a, p. 302), ao comentar a lei do inquilinato, menciona que a lei anterior, que protegia em demasiado o locatário, “estava em verdade contribuindo para o aumento do déficit habitacional, já que não incentivava os proprietários a alugarem os seus imóveis”.

Sérgio Iglesias Nunes de Souza (2004, p. 272) manifestou-se no mesmo sentido, ressaltando ainda o fato de que a fiança é uma obrigação prestada voluntariamente:

[...] tal medida não objetivou cercear o direito à moradia do fiador (nem mesmo haveria condições para tal, pelo já exposto, por ser direito de personalidade[29]). Na realidade, a lei visou a proteger e estimular o mercado imobiliário e facilitar a realização dos contratos locatícios. Servem tais contratos como estímulo do exercício da moradia, mas ao mesmo tempo garantem a dívida aos locadores. Logo, retira-se o exercício de habitação do fiador sobre o bem dado em garantia, para o adimplemento da obrigação que livremente afiançou. Essa medida legislativa visa justamente à facilitação da aquisição de novas moradas à coletividade, por meio do instituto da locação, dando-se cumprimento ao fim da norma, mas respeitando-se também o pacto celebrado entre as partes. [30]

Temos então, que o direito à moradia poderia estar sendo violado ou garantido por uma mesma norma, porém com efeitos a classes diferentes: locadores, locatários e fiadores.

Na análise desse aspecto controvertido, poderíamos afirmar que existe uma colisão de direitos fundamentais. Segundo Wilson Antônio Steinmetz (2001, p. 139),

Há colisão de direitos fundamentais quando, in concreto, o exercício de um direito fundamental por um titular obstaculiza, afeta ou restringe o exercício de um direito fundamental de um outro titular, podendo tratar-se de direitos idênticos ou de direitos diferentes.

Não obstante a visível importância dos direitos fundamentais, os mesmos nem sempre possuem caráter absoluto, sendo, portanto, limitáveis. Esse é o sentido proposto por Norberto Bobbio (2004, p. 61), quando afirma que o “valor absoluto” somente é cabível em situações nas quais existam “direitos fundamentais que não estão em concorrência com outros direitos igualmente fundamentais”. Prossegue o raciocínio do autor:

É preciso partir da afirmação óbvia de que não se pode instituir um direito em favor de uma categoria de pessoas sem suprimir um direito de outras categorias de pessoas.

[...]

Nesses casos, que são a maioria, deve-se falar de direitos fundamentais não absolutos, mas relativos, no sentido de que a tutela deles encontra, em certo ponto, um limite insuperável na tutela de um direito fundamental, mas concorrente. (BOOBIO, 2004, p. 61)

A partir desse conceito de relatividade dos direitos fundamentais, é possível afirmar que pode haver restrições ao direito fundamental provocadas pela colisão com outro direito fundamental, ou com o direito fundamental de outrem.

É em virtude dessa colisão que urge chamar à tona o princípio da proporcionalidade. Para tanto, façamos a análise de seus sub-princípios.

Pela adequação, verifica-se que o fim almejado é constitucional, uma vez que visa a proteção da moradia. A medida normativa é adequada ao fim almejado, ou seja, viabiliza à família não possuidora de uma moradia própria que esta a obtenha através de um contrato de locação. Conforme o raciocínio de Silvio de Salvo Venosa (2006, p. 372), o legislador entendeu que de outra forma se “restringiria as possibilidades de fiança em locação, uma vez que os fiadores deveriam apresentar patrimônio suficiente, excluindo o imóvel da residência”. Nesse contexto, ainda, vale levantar o exposto por Jane Reis Gonçalves Pereira (2006, p. 330) quanto ao sub-princípio da adequação: “[...] os Tribunais devem invalidar decisões legislativas apenas naqueles casos em que se revelem manifestamente inadequadas para a obtenção dos fins colimados”.

Com relação ao segundo aspecto do princípio da proporcionalidade, a necessidade ou exigibilidade, sua apreciação invoca uma análise axiológica dos bens envolvidos, uma vez que a norma oferece proteção jurídica à moradia em um aspecto, enquanto lhe imprime restrição em outro. Em casos como esse, a verificação da necessidade da restrição ao direito fundamental é de tal abstração que deve ser remetida ao sub-princípio da proporcionalidade em sentido estrito, que pressupõe um maior juízo de ponderação.[31]

Na análise do princípio da proporcionalidade em sentido estrito busca-se, através de uma comparação, verificar se apesar de existir uma restrição a um direito fundamental, os fins atingidos pela norma sejam importantes a ponto de ensejar a relevância de tais restrições. Para essa análise há que se fazer uma “atribuição de pesos”:

[...] de um lado, a mensuração quantitativa concreta do grau de restrição do direito restringido e de promoção da finalidade buscada, e de outro, a valoração da importância material que os bens jurídicos em jogo ostentam no sistema constitucional. (PEREIRA J., 2006, p. 347)

A mensuração quantitativa trata da intensidade da restrição (peso concreto), e a importância material verifica a valoração do bem resguardado (peso abstrato). Ainda segundo Jane Reis Gonçalves Pereira, o peso abstrato está ligado ao grau de fundamentalidade do direito.

Seguindo esse raciocínio, precisaríamos pesar qual direito em confronto possui maior peso, para então ponderar se a restrição imposta é viável. Ocorre que no âmbito desse estudo o problema se torna de uma complexidade ímpar por se tratar de uma antinomia entre um mesmo direito, porém com reflexos diferentes a duas classes.

Assim sendo, e seguindo os parâmetros ditados pelo princípio da proporcionalidade, chegaríamos a um ponto em que precisaríamos optar sobre qual bem jurídico possui maior relevância: o direito à moradia do fiador, ou o direito à moradia do locatário (ou ainda do locador, se consideramos o aluguel como sua única renda). Tal opção se tornaria impossível sem se incorrer em análise valorativa, não condizente com a cientificidade deste trabalho.

Optando-se por valorar a moradia do fiador, em detrimento da garantia do locatário e conseqüente dificuldade na obtenção da moradia pelo locador, estaríamos considerando a norma inconstitucional. Optando-se, porém, pela maior importância da viabilização da moradia do locatário, com possíveis conseqüências ao fiador, a norma seria considerada constitucional.

Para não se deixar, porém, subsistir a antinomia jurídica, poder-se-ia adotar uma terceira opção: a consideração de que nesse conflito de direitos existe um empate. Essa opção abraçaria o princípio da liberdade da ação do legislador. Para Robert Alexy (Apud PEREIRA J., 2006, p. 357), tal princípio “impõe que o legislador democrático seja, na melhor medida possível, quem tome as decisões importantes para a comunidade”.

 Em outro aspecto, poderíamos ainda chamar o método hermenêutico concretizador de Konrad Hesse (2001, p. 22) onde “a interpretação adequada é aquela que consegue concretizar de forma excelente, o sentido (Sinn) da proposição normativa dentro das condições reais dominantes numa determinada situação.

São verificações, porém, que não pertencem ao objetivo desse estudo. Mas vale sua menção para a análise futura da aplicação da norma.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A família, como base da sociedade, tem merecido do legislador uma especial atenção. Além de vários dispositivos protetivos previstos na Constituição Federal, outras normas, infraconstitucionais, visam sua tutela. O instituto do bem de família é uma delas, tem como objetivo resguardar o imóvel residencial da entidade familiar.

Esse instituto é regulado pelo Código Civil e pela Lei ordinária nº. 8.009/90. Tal lei, apesar de resguardar o imóvel residencial da família de execuções por dívidas, traz também em seu conteúdo uma limitação, incluída pela Lei nº.8.245/91, a Lei do Inquilinato. Trata-se da possibilidade de penhorar o imóvel do fiador no contrato de locação.

Assim sendo, o objetivo proposto nesse trabalho foi o de verificar a inconstitucionalidade de tal dispositivo, frente ao direito fundamental à moradia, e do princípio da isonomia.

O direito fundamental social à moradia é um direito amplo, que protege a moradia como um todo. Abrange, dessa forma, tanto o imóvel próprio quanto o alugado. Portanto, cabe também ao Estado viabilizar a moradia na forma de locação. É nesse sentido que se verificou que o direito à moradia é ao mesmo tempo protegido e violado pelo disposto no artigo 3º, inciso VII da lei 8.009/90.

Trata-se de uma colisão entre o direito de moradia de duas classes distintas: do fiador e do locatário. De um lado, o locatário, que não tendo imóvel próprio e necessitando de uma moradia, precisa valer-se do contrato de locação. De outro, o fiador, que tendo garantido o adimplemento pelo locatário, teve sua moradia excutida.

Essa celeuma trouxe à tona o princípio da proporcionalidade, que ensejou um juízo de ponderação sobre a antinomia verificada. Esse juízo de ponderação, por sua vez, nos remeteu a uma análise axiológica dos bens conflitantes. Não cabendo no presente estudo considerações de valor, baseadas em fundamentos subjetivos, optou-se por considerá-la constitucional pelo princípio da liberdade da ação do legislador, e também pela possibilidade de se submetê-la ao caso concreto.

 

Em relação à análise da possível afronta ao princípio isonômico, após uma caracterização dos contratos de locação e de fiança e de seus respectivos objetos, concluiu-se que não há inconstitucionalidade do dispositivo em relação a esse aspecto.

Tal conclusão baseou-se na constatação da natureza jurídica diversa que existe nas obrigações assumidas por fiador e devedor principal. Dessa forma, estando locatário e fiador em situações jurídicas diferentes, não se estaria dando tratamento desigual aos iguais, mas desigual aos desiguais, e este é o sumo do princípio da igualdade.

Apesar de não ser um dos objetivos do presente trabalho, não poderíamos deixar de consignar também a constatação de que, não obstante o fato de o princípio da isonomia não conferir inconstitucionalidade ao dispositivo analisado, seria possível que seu conteúdo fosse requisitado à interpretação do instituto da sub-rogação, uma vez que para tal instituto o fiador possui as mesmas prerrogativas que teria o credor da dívida principal. Tal conclusão, porém, não é livre de maiores considerações jurídicas, por não ter sido objeto do estudo.

Desta forma conclui-se que, em relação ao direito fundamental à moradia e ao princípio da igualdade, o artigo 3º, inciso VII da Lei nº. 8.009/90 não apresenta inconstitucionalidade.


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Notas

[1] À mulher era permitido escolher se ao casar passaria a integrar à família do esposo, ou se continuaria sob o poder de seu pater. Eram os chamados casamentos com manus, ou sem manus, respectivamente.

[2] O que Deus uniu o homem não separa.

[3] Movimento religioso ocorrido na idade média, liderado pelo monge agostiniano Martinho Lutero, e que visava uma mudança na visão religiosa do homem.

[4] Ocorrido no período de 1545 a 1563, teve o intuito de assegurar a unidade da fé e a disciplina eclesiástica.

[5] Segundo o artigo 226, §4º da Constituição Federal, “entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”.

[6] Silvio do Salvo Venosa usa como exemplo do patriarcalismo o §2º do artigo 1.412 do atual Código Civil, que ao tratar do instituto do uso, dentro do livro de direitos reais, descreve que “as necessidades da família do usuário compreendem as de seu cônjuge, dos filhos solteiros e das pessoas de seu serviço doméstico”. (2004, p. 16)

[7] “Penhora é o ato executório consistente na apreensão de bens do devedor suficientes para conservá-los durante todo o processo de execução, a fim de que sobre eles ou com o produto da sua transformação em dinheiro efetuar-se o pagamento do crédito do exeqüente”. (GRECO, 2001, p. 305)

[8] A Constituição Texana de 1836 já delineava algumas linhas gerais do instituto, pois possibilitava que ao cidadão (excetuando-se negros africanos e seus descendentes) fosse assegurado, junto ao Estado, uma pequena porção de terras do Estado, desde que fosse chefe de família, e porção menor, se celibatário.

[9] Do latim, “Para que faças acontecer”. Significa uma autorização legal para promover a execução dos bens do devedor.

[10] Segundo o artigo 1.858 do Código Civil, o testamento pode ser mudado a qualquer momento. Dessa forma, a eficácia do instituto dependerá da eficácia do próprio testamento e da cláusula que o constitui.

[11] Erga Omnes, do latim, traduz-se como “contra todos”, “a respeito de todos”, ou “em relação a todos”. Indica que opera efeitos em relação a terceiros. (SILVA D., 2002, p. 312)

[12] Inalienável: “restrição imposta ao direito de propriedade, em referência a certas coisas, em virtude da qual não podem elas ser vendidas, cedidas ou alheadas” (SILVA D., 2002, p. 420)

[13] Conforme Sílvio de Salvo Venosa (2003a, p. 437), não se deve confundir o objeto do contrato com a obrigação. A obrigação assumida no contrato é de dar, fazer ou não fazer, e o objeto é a própria prestação, seja a coisa, ou serviço ou a abstenção.

[14] Do latim, “em consideração à pessoa”.

[15] “Garantia real é a que se funda no oferecimento de um bem móvel, imóvel ou semovente, para que nele se cumpra a exigência ou execução da obrigação, quando não é cumprida ou paga pelo devedor”.(SILVA D., 2002, p. 379)

[16] Art. 827. O fiador demandado pelo pagamento da dívida tem direito a exigir, até a contestação da lide, que sejam primeiro executados os bens do devedor.

Parágrafo único. O fiador que alegar o benefício de ordem, a que se refere esse artigo, deve nomear bens do devedor, sitos no mesmo município, livres e desembargados, quantos bastem para solver o débito.

[17] Art. 1.648. Cabe ao juiz, nos casos do artigo antecedente, suprir a outorga, quando um dos cônjuges a denegue sem motivo justo, ou lhe seja impossível concedê-la.

[18] Lacuna, do latim, significa falha, omissão, vazio. Relativamente às leis, possui o significado de falta de menção de certos fatos (SILVA D, 2002, p. 474).

[19] Antinomia, sem maiores considerações doutrinárias, é a “contradição real ou aparente, evidenciada entre duas leis” e que dificulta sua interpretação (SILVA D, 2002, p. 67).

[20] Como exemplo, temos o princípio da proporcionalidade, que será visto na Unidade 3.

[21] Para Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins (2004, p. 15), a igualdade gera também um direito subjetivo: “Possui, portanto, o cidadão o direito de não ser diferenciado por outros particulares nas mesmas situações em que a lei também não poderia diferenciar”.

[22] Conforme Ingo Wolfgang Sarlet, não se deve utilizar mais a expressão “norma programática”, mas “normas constitucionais” de “cunho programático”, onde se incluem as normas-tarefa, normas-fim, imposições legiferantes, e outras formas de normas programa. (2004b, p. 287)

[23] O artigo 102, inciso I, alínea “a” da Constituição Federal de 1988 determina competência originária ao Supremo Tribunal Federal para processar e julgar ação direita de inconstitucionalidade.

[24] “A função de órgão controlador da constitucionalidade resulta da própria natureza da atividade do Poder judicante do Estado, que traria ínsita em si a aplicação das normas jurídicas segundo a sua hierarquia”. (BASTOS, 1997, p. 390).

[25] De Plácido e Silva (2002, p. 396) define hermenêutica: “Do latim hermenêutica (que interpreta ou que explica), é empregado na técnica jurídica para assinalar o meio ou modo por que se devem interpretar as leis, a fim de que se tenha delas o exato sentido ou o fiel pensamento do legislador”.

[26] Konrad Hesse é um dos idealizadores do chamado método hermenêutico concretizador, onde toda interpretação deverá se dar através da análise do caso concreto (SARMENTO, 2001, p. 62).

[27] A doutrina diverge sobre a natureza da razoabilidade. Para alguns ela é parte da proporcionalidade, outros consideram que traz a proporcionalidade como elemento, e há ainda que não faça distinção.

[28] Na seção 2.2.2.2 verificou-se de que forma se dá a aplicabilidade dos direitos fundamentais sociais.

[29] Sérgio Iglesias Nunes de Souza defende em sua obra “Direito à Moradia e de Habitação” que o direito à moradia se trata de direito individual, uma vez que pertinente à dignidade da pessoa humana.

[30] Em nota de atualização, Sérgio Iglesias Nunes de Souza, apesar de concordar com a exceção imposta à impenhorabilidade, diz entender que a mesma não foi recepcionada pela Emenda Constitucional nº 26, e sugere uma nova redação para o inciso VII do artigo 3º da lei 8.009/90, para que a exceção atinja somente o fiador de contrato de locação residencial.

[31] Jane Reis Gonçalves Pereira (2006, p. 342) sugere que quando se torna complexa a verificação da necessidade da medida pela variabilidade apresentada pela norma, deve-se remeter o processo de análise para o terceiro sub-princípio, da proporcionalidade em sentido estrito, que pressupõe uma ponderação dos fins e dos meios.