Paul Virilio e os cyborgs


PorAnônimo- Postado em 18 junho 2009

Em "Velocidade e Política" (São Paulo: Estação Liberdade, 1996), livro escrito em 1977, Paul Virilio resume a questão da guerra na questão da velocidade, da sua organização e produção. É uma introdução "à lógica da corrida, à lógica que toma como referência absoluta, como equivalente geral, não mais a riqueza e sim a velocidade" (p. 10). Assim como tempo é dinheiro, velocidade é poder.

A lógica da corrida é que faz esta articulação da velocidade com a política. A dominação se exerce não mais pelo controle do território, mas por uma estratégia indireta na qual um constante deslocamento de forças cria uma ameaça permanente. Um submarino nuclear, ou um bombardeiro stealth, não precisam estar; sua mera existência, e a possibilidade de aniquilação que trazem consigo, geram uma zona de insegurança global que permite prolongar indefinidamente as hostilidades.

E isso transmuta a velocidade em valor absoluto, pois pelo evolucionismo tecnológico "a substância da riqueza começa a desmoronar (...); [o engenho] freqüentemente se torna obsoleto antes mesmo de ser aproveitado; o produto está gasto antes de ser usado, ultrapassando, assim, na "velocidade", todo o sistema de lucro da obsolescência industrial" (p.12).

Virilio descreve a desvalorização do proletariado, sua perda de espaço político, a perda do "espaço das ruas". Com o tema da velocidade - seja da bomba, dos capitais, dos transportes - a sociedade "dromocrática" instaura um regime de dominação exercido através do controle do movimento. O território perdeu significado ante o projétil; o confronto é antecipado, gerando um estado de tensão permanente, a supremacia do não-lugar sobre o lugar.

De um lado, há os proletários-soldados e os proletários-operários, cujos corpos serão despotencializados, induzidos a uma morte lenta", que serão controlados pela imobilização, de outro estão as elites "dromocráticas", que "prezam a mobilidade acima de tudo, porque sabem que dominar significa poder-invadir e ocupar uma posição dominante, o que as leva a buscar próteses cada vez mais sofisticadas" (p. 12).

E aqui se articula um interessante diálogo com um texto encontrado numa obra peculiar: "The cyborg handbook" (GRAY, Chris Gables; MENTOR, Steven; FIGUEROA-SARRIERA, Heidi J.; org.; Routledge: 1995, New York). Nessa coletânea, os autores discursam sobre os cyborgs, entes protéticos, transmorfos homem-máquina; sobre a criação de seres capazes de realizar viagens espaciais, os avanços na medicina, suas marcas na ficção, e especialmente, no tocante à obra de Virilio, em seu lugar no complexo industrial-militar.

O texto em questão, "Socializing the Cyborg Self: The Gulf War and beyond" (ROBINS, Kevin; LEVIDOW, Les. Op. cit., p. 119-125), traz algumas reflexões sobre uma racionalidade paranóica, que media a construção do self ciborgue por tecnologias de visão e imagem. O exemplo que trazem é da "Guerra do Golfo", no qual, num sentido bastante real, "the screen became the scene of war". Os militares encontraram seus alvos inimigos na forma de imagens eletrônicas; e "the world of simulation somehow screened out the catastrophic dimension of the real and murderous attacks" (p. 120).

A presença de câmeras nas armas "inteligentes" paradoxalmente trouxe uma proximidade visual maior entre a arma e seu alvo, mas ao mesmo tempo aumentou sua distância psicológica. A perspectiva do míssil ao acertar o alvo, voyeurismo supremo: uma perspectiva inumana. O mesmo se dá na linguagem; as características humanas das vítimas são negadas, e transferidas para objetos inanimados ("bombas inteligentes matando equipamento iraquiano").