OS DIREITOS SOCIAIS FUNDAMENTAIS NO MARCO DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO: A DIGNIDADE HUMANA E O “MÍNIMO EXISTENCIAL”, FUNDAMENTOS DOS DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS


PorCaio Muniz- Postado em 01 abril 2019

Autores: 
Rodrigo Garcia Schwartz
Juliana de Oliveira

Resumo

O presente artigo tem por escopo colaborar para a percepção de que os direitos sociais não são apenas plenamente compatíveis com a democracia, mas constituem um componente essencial dos valores fundamentais da mesma, ancorados na dignidade humana. O problema de pesquisa é identificar os fundamentos dos proclamados direitos humanos fundamentais, especialmente os sociais, relacionando, portanto, as questões da dignidade humana e do mínimo existencial, como fundamentos dos direitos humanos fundamentais, à concretização dos direitos sociais no marco do Estado democrático de direito. O procedimento investigativo é descritivo-explicativo do tipo documental-bibliográfico.
 
Palavras-chaves: dignidade humana, direitos fundamentais, direitos humanos, direitos sociais, mínimo existencial.
 
Abstract/Resumen/Résumé

This article aims to contribute to the perception that social rights are not only fully compatible with democracy but are an essential component of the fundamental values of democracy, anchored in human dignity. The research problem is to identify the foundations of the proclaimed fundamental human rights, especially the social ones, relating, therefore, the issues of human dignity and the existential minimum, as foundations of fundamental human rights, to the realization of social rights within the democratic rule of law. The investigative procedure is descriptive-explanatory of the documentary-bibliographic type.
 
Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: fundamental rigths, human dignity, human rigths, social rights, minimum existential.  
 
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1. Introdução    Na atualidade, são os direitos humanos fundamentais – ou, melhor, o respeito efetivo aos direitos humanos fundamentais – o principal referente para avaliar a legitimidade de um ordenamento jurídico-político, internamente ou perante a comunidade internacional. Assim, no âmbito do constitucionalismo social contemporâneo, o tratamento especial/privilegiado concedido aos direitos humanos, entre eles os direitos sociais, justifica-se a partir de uma profunda afinidade axiológica e normativa entre o direito internacional contemporâneo, que, a partir da Carta das Nações Unidas e da Declaração Universal dos Direitos Humanos, confere especial hierarquia para os direitos humanos, e o direito interno de cada país membro da ONU, que confere, de forma similar, com maior ou menor ênfase, uma especial hierarquia para esses direitos, considerados fundamentais.  É natural que as constituições contemporâneas, ao menos no Ocidente, tendam a realçar essa profunda afinidade, conferindo um status especial para os instrumentos internacionais de direitos humanos, inclusive submetendo-se à jurisdição de tribunais internacionais. No caso brasileiro, v.g., a Constituição de 1988 dispõe que “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte” e que “O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão” (art. 5.º, §§ 2.º e 4.º, este último incluído pela Emenda Constitucional n.º 45/2004).  Nesse contexto, o presente artigo pretende analisar a fundamentação argumentativa da presumida validade universal dos direitos humanos, para todos os homens, e a consequente eleição, pela via constitucional, de determinados direitos como fundamentais, a partir de uma ideia axiologicamente adequada de dignidade humana, compreendida como o elemento central para a construção de um fundamento, independentemente da forma jurídica que os veiculem dogmaticamente, para os proclamados direitos humanos fundamentais, especialmente os sociais, relacionando, portanto, as questões da dignidade humana e do mínimo existencial, como fundamentos dos direitos humanos fundamentais, aos direitos sociais no marco do Estado democrático de direito e do pacto social instituinte consubstanciado na Constituição.  Trata-se, portanto, de uma revisão do tipo documental-bibliográfica, cujo escopo é auxiliar na compreensão de que a continuidade axiológica e estrutural de todos os direitos humanos fundamentais põe em evidência que os direitos sociais não são apenas plenamente compatíveis com a democracia, mas constituem um componente essencial dos valores
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fundamentais da mesma, ancorados na dignidade humana, não havendo, portanto, razões legítimas para a postergação dos direitos sociais. Ao contrário, as exigências morais que estes incorporam são tão fortes que têm a legítima pretensão de serem reconhecidos como direitos subjetivos diante dos poderes públicos e privados, sobretudo frente às administrações públicas, pois o que faz de um direito um direito fundamental são as razões especialmente fortes para que esse direito seja juridicamente protegido com especial zelo pelo próprio instrumento que consubstancia o pacto social instituinte – a Constituição.
 
2. Os direitos sociais fundamentais no marco do Estado democrático de direito     Nos ordenamentos atuais, o reconhecimento de um direito como fundamental, por si só, inclusive no âmbito dos direitos sociais, implica a atribuição ao mesmo de um conteúdo mínimo e, com isso, a imposição de certas obrigações elementares para os poderes públicos, especialmente obrigações de não discriminação, de não regressividade e de progressividade. Isso não obsta, por certo, que o alcance concreto de determinados direitos dependa do que os próprios ordenamentos vierem a estipular. Há constituições, como a brasileira de 1988, que desenvolvem de maneira bastante minuciosa o conteúdo dos direitos sociais; outras, somente oferecem regulações mínimas dos direitos sociais, ou relegam esses direitos ao âmbito dos direitos meramente implícitos. Há constituições que estipulam, com detalhes, as obrigações que a consagração de um direito comporta para os poderes públicos e mesmos para os atores privados, enquanto outras apenas fazem menção a essas obrigações. Em um plano axiológico, o que caracteriza um direito como fundamental é, sobretudo, a sua pretensão de tutela de interesses ou necessidades básicas, ligadas ao princípio da igualdade real. É o caráter generalizável desses interesses, a todas as pessoas, em síntese, que converte em inalienável e indisponível um direito, de forma que direitos fundamentais, direitos humanos e direitos das pessoas têm, nessa perspectiva, significados similares. Ou seja, a ideia de direito fundamental, em um plano axiológico, concerne às prerrogativas e às instituições que o ordenamento positivo concretiza em garantia de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas. Sua fundamentalidade decorre do fato de que, sem ele, a pessoa não se realiza, não convive e, em situações mais radicais, sequer sobrevive: são direitos imprescindíveis para a vida digna e, por isso, exigíveis em nome de todos e para todos os seres humanos.  Segundo um ponto de vista dogmático, contudo, a situação apresenta-se um pouco mais complexa. Em linhas gerais, temos que, habitualmente, os direitos ditos fundamentais são aqueles a que se atribui maior relevância dentro de um determinado ordenamento jurídico,
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relevância que pode ser medida a partir da inclusão desse direito em normas de maior valor no âmbito do ordenamento interno, como as constitucionais, ou mesmo em tratados e convenções internacionais (FREIRE, 1997). É possível, assim, e mesmo desejável, que determinados direitos, que poderiam ser considerados fundamentais desde um ponto de vista axiológico, também o sejam a partir de uma perspectiva dogmática. Mas nem sempre há essa conexão, de forma que os ordenamentos podem incorporar, em si, como fundamentais, interesses e necessidades discriminatórios ou excludentes, sempre criticáveis do ponto de vista axiológico1. De qualquer forma, não são, de fato, as garantias concretas de determinado direito que permitem categorizá-lo como fundamental ou não. Ao contrário, é precisamente a inclusão de um direito, no ordenamento positivo, como fundamental que obriga os operadores jurídicos a maximizarem os mecanismos necessários à sua garantia e proteção. Portanto, se a partir de uma perspectiva axiológica podemos dizer que há certa equivalência entre as expressões “direitos fundamentais”, “direitos humanos” e “direitos das pessoas”, a partir de uma perspectiva dogmática podemos dizer que há certa equivalência entre as expressões “direitos fundamentais” e “direitos constitucionais”.  Dessa forma, a eventual ausência de garantias, legislativas ou jurisdicionais, para um direito constitucional, seja ele de dimensão civil, política ou social, não leva à conclusão de não se tratar de um direito fundamental, mas, ao contrário, demonstra a falta de cumprimento, ou o cumprimento insuficiente, do mandado implícito de atuação contido na norma, por parte dos operadores políticos e jurídicos: não é, nesse caso, o direito que não é fundamental, mas o poder político é que está a incorrer em uma atuação desvirtuada ou omissa, que deslegitima essa atuação (FERRAJOLI et al., 2001).  No plano dos direitos sociais, se a inserção, no texto constitucional, indica o caráter fundamental de um direito, isso não é, todavia, um requisito absolutamente imprescindível, dado o princípio da indivisibilidade e interdependência dos direitos, pois qualquer Constituição que inclua o princípio da igualdade em matéria de direitos civis e políticos básicos estaria portando, no fundo, um mandado de generalização que obrigaria à inclusão, ao menos de forma indireta, dos direitos sociais a eles vinculados. Isso ocorre, atualmente, em diversos ordenamentos que não reconhecem, explicitamente, os direitos sociais, ou não outorgam, de
                                                          
 1 Assim, v.g., a Constituição dos Estados Unidos consagra, na sua Segunda Emenda, como fundamental, o direito ao porte de armas – “(...) the right of people to keep and bear arms shall not be infringed” –, enquanto o Tratado Constitucional Europeu (2004) estabelece uma clara prioridade para as liberdades de mercado sobre os direitos sociais.  
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forma expressa, a esses direitos o status de direitos fundamentais. Assim, v.g., nesses ordenamentos, o direito à moradia digna tem sido deduzido a partir de outros direitos, como o da inviolabilidade de domicílio, à intimidade ou à vida privada e familiar2. Nesse contexto, nenhum direito constitucional pode ter a sua exigibilidade condicionada ao seu desenvolvimento legislativo, tampouco o legislador dispõe de uma margem discricionária quase ilimitada para proceder ou não a esse desenvolvimento. Todos os direitos, e não apenas os direitos sociais, mas também os direitos civis e políticos – de participação –, são direitos de configuração legislativa, no sentido de que, para a sua vigência (eficácia) plena, é imprescindível – de uma ou de outra forma – a intervenção legislativa. A lei, tanto pela legitimidade formal dos órgãos de que provém, quanto pelo seu alcance potencialmente generalizável, é uma fonte privilegiada de produção jurídica nos ordenamentos modernos e constitui uma garantia primária da satisfação de qualquer direito (EIDE, 1995). Todos os direitos fundamentais – civis, políticos, sociais – exigem prestações legislativas, que podem, é claro, ter diferentes alcances. A maior ou menor regulação, por certo, poderá reforçar ou debilitar as possibilidades de exigibilidade judicial dos direitos em questão, mas não impede, por si só, que esses direitos tenham, ao menos, um conteúdo mínimo indisponível aos poderes de turno e suscetível, por isso mesmo, de algum tipo de tutela jurisdicional, mesmo à falta de regulação legislativa3.  O que sustentamos é que o reconhecimento constitucional dos direitos sociais, por si só, determina, em qualquer circunstância, e mesmo em tempos de crises econômicas, um núcleo indisponível para os poderes de turno, razão pela qual não se pode deixar de reconhecê-los e, assim, de assegurá-los a todas as pessoas, sobretudo para aquelas que se encontram em posição mais vulnerável (PISARELLO, 2007).   Em síntese, ou todos os direitos, civis, políticos e sociais, são, estruturalmente ou por razões de conveniência política, direitos de livre configuração legislativa, que ficam com a sua efetividade vinculada à discricionariedade dos poderes de turno, ou são, como afirmamos, todos, direitos cujos limites, positivos ou negativos, são indisponíveis aos poderes de turno, inclusive às maiorias legislativas ou aos órgãos jurisdicionais. Assumimos, assim, o ideal normativo da democracia constitucional, ou de uma democracia em que a satisfação ou não de
                                                          
 2 No caso López Ostra contra España (1994), o Tribunal Europeu de Direitos Humanos considerou que a ausência de controle dos poderes públicos sobre uma indústria poluente que afetava a saúde e a segurança das pessoas que viviam nas suas imediações constituía uma violação do direito à vida privada e familiar. No caso, estão envolvidos direitos ao meio ambiente, à saúde e à moradia (direitos sociais), de forma inter-relacionada. 3 No caso brasileiro, a Constituição de 1988 estabelece que “As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata” (art. 5.º, § 1.º).  
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um direito a que se vincula a segurança material e a autonomia da pessoa não esteja alienada à discricionariedade de nenhum poder (SADEK, 2001). Nesse contexto, a concepção contemporânea de Estado, categoria estruturante do pensamento da modernidade ocidental (CANOTILHO, 2002), consubstanciada na moderna fórmula do “Estado democrático de direito”, pressupõe uma ordem constitucional democrática e socializante que, por sua vez, como forma de racionalização e de generalização do político e do princípio democrático, estrutura-se a partir de uma articulação sinérgica entre o direito e o poder, na qual o direito constitui o poder político e vice-versa (HABERMAS, 2005), articulação que, por um lado, limita o poder do Estado pelo direito, e, por outro lado, legitima esse mesmo poder (BRITO, 2001). É, assim, a Constituição4, criadora e ordenadora de uma comunidade jurídica e política, que contém, como regra geral, as normas jurídicas que delimitam os órgãos supremos do Estado, estabelecendo a forma de criá-los, as suas relações recíprocas e as suas áreas de influência, além da posição do indivíduo em relação ao poder estatal (JELLINEK, 1921), mas que também assume certos cânones, paradigmas para a configuração do presente e do futuro de uma sociedade, dotando-os, sobretudo no âmbito das garantias e dos direitos chamados fundamentais, de força verdadeiramente vinculante para todo o ordenamento jurídico (HESSE, 1995), que institucionaliza e, em consequência, limita e legitima o exercício do poder estatal e, em última análise, a própria existência do Estado5.   Esses, os direitos fundamentais, constituem a razão de ser do Estado de direito, sua finalidade mais radical, o objetivo e critério que dá sentido aos mecanismos jurídicos e políticos que compõem o Estado. A democracia não se limita à participação em decisões, alcançando, também, a participação em resultados, ou seja, em direitos, liberdades, atingimento de expectativas e suprimento de necessidades vitais. O Estado de direito, nessa sua empírica e também racional vinculação e inter-relação com a democracia, converte em sistema de legalidade tal critério de legitimidade; em concreto, institucionaliza de uma forma ou de outra essa participação em resultados, ou seja, garante, protege e realiza os direitos fundamentais.  Portanto, mais do que um simples documento cartular no qual estão delineadas as formas de conquista e de exercício do poder e descritos os direitos e as garantias fundamentais
                                                          
 4 É no movimento do constitucionalismo que se articula a ideia de Constituição como um produto da razão, na esteira do racionalismo iluminista que funda, no âmbito da teoria do Estado, a ideia de um estatuto (Constituição) escrito, criador e ordenador da comunidade política. Nesse sentido, v. Schmidt-Assman (1967) e Matteucci (1976). 5 Segundo Smende (1968, p. 136 et seq.), o nascimento e a existência do Estado, como unidade política de ação, são condicionados ao êxito do processo de integração estatal, no que se contempla um elemento fundamental de sua essência, a Constituição, o próprio ordenamento jurídico diretor desse processo de integração estatal.
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do indivíduo em face do poder do Estado, a Constituição, cumprindo as tarefas fundamentais de formação e de conservação da unidade política do Estado, consubstancia em si não apenas a ordem jurídica fundamental do Estado – ou seja, o estatuto fundamental dos órgãos supremos do Estado –, mas também a ordem jurídica da vida não estatal dentro do território estatal – ou seja, a ordem jurídica fundamental de uma comunidade e a compensação possível entre os diferentes interesses e aspirações individuais e/ou coletivos em conflito no âmbito dessa comunidade –, tarefa arquetípica e concomitante condição de existência do Estado contemporâneo (HESSE, 2009). Por isso, qualquer que seja o conceito – e a própria justificação – do Estado contemporâneo, este só se pode conceber como Estado constitucional (CANOTILHO, 2002). Mas o Estado constitucional da atualidade não é somente um “Estado de direito”, ou seja, não se esgota no tradicional État légal da declaração francesa de 1789, tampouco no Rechsstaat alemão do início do século XIX: o Estado constitucional contemporâneo estrutura-se, sobretudo, como um “Estado democrático de direito” (ou um “Estado constitucional democrático de direito”), ou seja, como uma ordem de domínio constitucional legitimada pelo povo, que articula o direito e o poder político em bases democráticas a partir do princípio da soberania popular, princípio segundo o qual o poder político deriva do poder dos cidadãos6.  É nesse contexto, amplamente relacionado com as ideias de contrato social e de vontade geral, ou seja, de um pacto social instituinte, elemento utópico que é, por um lado, revolucionário ao seu tempo, e, por outro lado, fundante de um discurso moderno sobre a democracia, que o poder político emerge contemporaneamente como uma força autorizadora da soberania popular, força que cria um direito legítimo e funda as suas instituições, vinculandoas às razões que as fizeram exsurgir (ARENDT, 1989).   Esse “Estado constitucional democrático de direito” é tributário, ademais, da ideia de democracia econômica, social e cultural, consequência política e lógico-material do próprio princípio democrático (BÖCKENFÖRDE, 1976). Assim, com maior ou menor ênfase, quase todos os Estados democráticos ocidentais integraram ao “núcleo duro” das suas constituições o princípio da solidariedade – ou socialidade –, que se concretiza nos direitos sociais, mas não se esgota neles, espraiando-se sobre todo o ordenamento jurídico (RESTA, 2005). O Estado democrático de direito consiste, nesse contexto, na persecução de justiça social, segurança
                                                          
 6 Cf. Böckenförde (1987, p. 887 et seq.). Na Constituição brasileira de 1988, o princípio da soberania popular está enunciado no parágrafo único do art. 1.º: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.
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social e assistência social, desvelando-se a solidariedade, a partir disso, como direito e dever social (SCHWARZ, 2011).  Por isso, atualmente, é impossível desvincular a ideia de Estado, como o próprio tema da democracia e do poder político, do exercício da gestão dos interesses públicos e da sua própria demarcação (WARAT, 1994), pois o Estado democrático de direito, ancorado na soberania popular, deve pautar-se pela busca de superação de déficits de inclusão social e participação política, proporcionando novos espaços de interlocução, deliberação e execução, assegurando a todas as pessoas as prestações necessárias e os serviços públicos adequados ao desenvolvimento de suas vidas, contemplados não apenas a partir das liberdades civis tradicionais, mas sobretudo a partir dos direitos econômicos, sociais e culturais garantidos pela ordem constitucional social (LEAL, 2006).
 
3. A dignidade humana e o mínimo existencial: fundamentos e pedras de toque dos direitos humanos fundamentais
 
A Constituição impõe ao Estado um dever de realizar os direitos fundamentais, sobretudo porque a dignidade humana constitui um valor constitucional supremo7, o epicentro de todo o ordenamento jurídico, em torno do qual gravitam todas as demais normas. Os direitos sociais, direitos que sustentam o conceito de mínimo existencial, não podem deixar de ser concretizados sem que se viole profundamente esse valor supremo que é a dignidade humana (BÖCKENFÖRDE, 1987). A fundamentação argumentativa da presumida validade universal dos direitos humanos, para todos os homens, e a consequente eleição, pela via constitucional, de determinados direitos como fundamentais, tem que poder basear-se em uma ideia axiologicamente adequada de dignidade humana: esta, a dignidade humana, constitui o elemento central para a construção de um fundamento, independentemente da forma jurídica que os veiculem dogmaticamente, para os proclamados direitos humanos fundamentais. Os direitos humanos têm que poder ser positivados axiologicamente como direitos fundamentais do homem; a dignidade humana, fundamento a partir do qual isso acontece, é uma “premissa forte”, ou seja, é uma idealização que está presente em todas as positivações, mas que não se perde nelas. Essa tal ideia de dignidade humana tem que constituir um fundamento normativo
                                                          
 7 Segundo a Constituição brasileira de 1988, a “dignidade da pessoa humana” é um dos fundamentos da República (art. 1.º, inc. III).
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universal sólido e irredutível de todas as declarações concretas de direitos humanos e de todas as constituições dos Estados democráticos de direito.  Caberia perguntarmo-nos se temos, de fato, tal concepção de dignidade humana. Sua definição não parece haver sido alcançada, até o momento, senão de forma negativa e indireta, considerando-se, assim, expressão da dignidade humana justamente uma série de direitos e de expectativas materiais cuja violação concreta representaria, concomitantemente, a violação da dignidade humana8. A par desse evidente círculo vicioso, essa definição indireta poderia ser enunciada nos seguintes termos gerais – a dignidade humana consiste, basicamente, naquilo que seria violado: a) se fossem subtraídos, à pessoa, os bens indispensáveis para a vida e/ou as liberdades mínimas;  b) se é imposta à pessoa profunda e duradoura dor física e/ou psíquica evitável, ou se lhe é negado ou reduzido o próprio status de sujeito de direito.   O núcleo central de tal ideia de dignidade humana, como fundamento universal dos catálogos de direitos humanos particularizados culturalmente, requer, ademais, uma variação em torno das formulações do imperativo moral kantiano9: exige-se de qualquer homem que trate a outro da forma como gostaria de ser tratado por este, e não como as circunstâncias conjunturais o indiquem. Os direitos humanos são, portanto, uma questão social e cultural (educacional), e não uma questão meramente política ou econômica.  Assim, a questão dos direitos humanos, e com ela da própria dignidade humana, coloca-se como algo parecido a uma “maratona existencial”, de resistência e de afirmação (ZAMBRANO, 2008): incumbe a todos e a cada um de nós, sendo indelegável a terceiros – mesmo ao Estado –, sob pena de perda de autonomia, respeito e, mesmo, dignidade. É uma tarefa de todos e de cada um dos cidadãos/administrados, independentemente de sua origem,
                                                          
 8 A formação de um catálogo de direitos humanos está, de fato, associada ao catálogo das chamadas “histórias tristes”, ou seja, àquelas experiências coletivas de extremo sofrimento e de exposição do homem a experiências extremamente indignas, sobretudo ao longo do século vinte, pródigo em guerras, ditaduras e genocídios, objeto de sucessivas interpretações morais que constituem a base do chamado “saber moral” negativo (Margalit, 1997, p. 141 et seq.). Para os que dispõem desse saber, é muito clara a exigência de concretizar a proteção dos direitos humanos para evitar-se que essas experiências se repitam. É nesse sentido que Habermas (2003, p. 124) afirma que na maioria dos artigos referentes aos direitos humanos retumba o eco de uma injustiça sofrida que passa a ser negada, por assim dizer, palavra por palavra. 9 O princípio da dignidade humana desenvolveu-se, sobretudo, a partir dos estudos de Immanuel Kant: foi Kant que, tentando fundamentar um dos imperativos categóricos universais por ele formulados, pôs em evidência o caráter único e finalístico em si mesmo do ser humano: “Age como se a máxima de tua ação devesse tornar-se, por tua vontade, lei universal da natureza” (Kant, 1974, p. 224). Kant afirma, assim, que o homem, e de uma maneira geral todo o ser racional, existe como fim em si mesmo, não só como meio para o uso arbitrário desta ou daquela vontade. Pelo contrário, em todas as suas ações, tanto nas direcionadas a ele mesmo como nas que se dirigem a outros seres racionais, ele (o homem) deve ser “sempre considerado simultaneamente como um fim” (Kant, 1974, p. 229).
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de sua condição social ou de suas convicções. Se tal revolução cultural e mental não ocorre, de pouco ou mesmo de nada serve que um Estado-providência provedor de utopias reedite as atitudes de um déspota esclarecido. Em síntese, àqueles que ainda não aceitam a ideia da dignidade humana como valor palpável, integrado concretamente ao sistema jurídico, por entendê-la como uma formulação demasiadamente abstrata, devendo apenas fornecer, por isso, uma base para a aplicação de outros princípios fundamentais, como a privacidade, a autodeterminação, a integridade física e mental, etc., deve ser oposto o caráter concreto e autoaplicável da dignidade humana, expresso na vida concreta de cada sujeito particularizado a partir do paradigma da razão comunicativa: a língua é uma condição essencial à existência da possibilidade humana (HABERMAS, 2003); a partir daí, a vida não é somente o primeiro e fundamental direito a ser protegido pela lei; é, mais, a própria condição primária de possibilidade de quaisquer outros direitos. Desenvolvese, assim, o conceito de supremacia absoluta da vida humana, vida que, para ser entendida como tal, deve ser digna.  Esse paradigma impõe pensar a vida sob um aspecto material, ou seja, o ponto de partida desse paradigma é a vida com um conteúdo propriamente material, pois a vida é, sobretudo, vida concreta, biológica10. Nesse contexto, o núcleo do princípio da dignidade não supõe apenas garantir a proteção da dignidade humana no sentido de assegurar para a pessoa, de forma genérica e abstrata, um tratamento não degradante, tampouco significa o simples oferecimento de garantias à integridade física ou psíquica do ser humano: nesse ambiente, de um renovado humanismo, a vulnerabilidade humana será tutelada de forma prioritária onde quer que se manifeste, e como se manifeste, de modo que sempre terão preferência os direitos e as necessidades de certos grupos sociais considerados, de uma forma ou de outra, mais vulneráveis, e que estão, assim, a exigir uma proteção especial: as crianças e os adolescentes, os idosos, os portadores de deficiências físicas ou mentais, os consumidores, os trabalhadores, os desempregados, os pobres e os membros de minorias étnico-raciais, entre outros.  Está claro que, nessa dimensão, é impossível reduzir a uma fórmula genérica e abstrata a priori tudo aquilo que constitui o núcleo da dignidade humana. Assim, essa discussão sobre o respeito à dignidade humana e à consequente delimitação do seu conteúdo só pode ser levada a cabo no caso concreto, quando se possa perceber uma efetiva agressão à dignidade da pessoa.
                                                          
 10 Assim, podemos afirmar que a vida nunca poderá ser reduzida a uma ideia, a uma abstração, dado seu substrato concreto, físico e biológico. Nesse sentido, v. Maturana e Varela (2001).
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Nesse contexto, parece-nos claro que a materialidade do princípio da dignidade humana assenta-se sobre o denominado “mínimo existencial”11.     Por isso, é necessária a adoção de uma nova visão sobre os direitos sociais, pois a efetividade de quaisquer direitos humanos fundamentais, vinculados à dignidade humana e relacionados à liberdade e à autonomia da pessoa, não é possível sem a garantia, para ela, do mínimo existencial, condicionado econômica, social e culturalmente. Isso implica refutar o processo liberal de banalização – que destitui, na prática, a autoridade dos direitos humanos fundamentais – e de fragmentação teórica dos direitos humanos fundamentais (FERRAZ JUNIOR, 2007), repensando esses direitos e as suas garantias, pois a concretização dos chamados direitos sociais não pode ser considerada separadamente da consolidação da própria democracia e dos direitos civis e políticos: a realização da cidadania real, imprescindível para a democracia, requer reformas econômicas, sociais e culturais para a remoção dos obstáculos que a impedem (DIMENSTEIN, 2006).  De fato, o próprio significado social de “pessoa” está relacionado com as diferentes posições que cada um de nós ocupa – e através das quais atuamos – dentro de cada campo concreto (BOURDIEU, 2000), e essas posições, cujo conjunto constitui a nossa definição social de pessoa, estão definidas dentro de cada campo de tal forma que nos permitem determinadas práticas sociais e nos impedem ou restringem outras. Disso tudo, verifica-se que, dentro de cada campo, as posições não são igualitárias; ao contrário, uma das características mais destacadas desses campos é a distribuição diferente – substancialmente diversificada e estratificada – de certos atributos entre as posições ocupadas pelos indivíduos. É justamente essa distribuição diferente que conforma a base de certas definições sociais diferenciadas das posições; umas em relação às outras, as diferentes posições têm estabelecidas entre si a forma como deveriam relacionar-se reciprocamente: como iguais, em superioridade (uma com mais poder e/ou influência sobre a outra), em inferioridade, ou, mesmo, não poderem, nem deverem relacionarse (TORRAZZA, 2006).  Pobre, desempregado, analfabeto, etc. são categorias que determinam a posição das pessoas e, consequentemente, estabelecem um tratamento determinado por parte dos demais atores do campo, ao mesmo tempo em que faz com que aqueles que ocupem determinada posição esperem do restante determinado tratamento, em um processo cultural de
                                                          
 11 Segundo Barcellos (2002, p. 198), o mínimo existencial corresponde ao conjunto de situações materiais indispensáveis para a existência humana digna: o mínimo existencial e o núcleo material da dignidade humana correspondem ao mesmo fenômeno.
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institucionalização das diferenças, das discriminações e das clivagens econômicas, sociais e culturais como parte de um esquema de reprodução social e de dominação. Nesse contexto, em relação aos direitos humanos e à dignidade humana, a posição da pessoa como nexo entre a ideia abstrata de pessoa e a nossa práxis em relação ao conjunto de posições deveria refletir um conjunto de direitos – e correspondentes deveres implícitos – que decorrem da igual dignidade de todas as pessoas. Mas a existência social das pessoas concretas caracteriza-se, de fato, por uma constante restrição e vulneração desses direitos como resultado das diversas práticas e definições que se estabelecem. Conclui-se, assim, que os direitos abstratos se concretizam em cada campo através das práticas resultantes do jogo entre as diferentes posições: a igualdade real deixa de existir, já que cada campo comporta uma distribuição de atributos e bens considerados escassos e que se vertem em verdadeiros privilégios. Para sustentar essa distribuição desigual de atributos e bens, cada campo tem organizados mecanismos reprodutivos que atuam sincrônica e diacronicamente, e que tendem a afetar – e, em geral, a acentuar – essas distintas atribuições de direitos e deveres às posições.   O controle desses mecanismos reprodutivos concentra-se nas posições privilegiadas de cada campo, seja porque aqueles que as ostentam exercem um controle direto desses mecanismos, concretamente, seja porque exercem sobre eles um controle simbólico (ALTHUSSER, 1977). Dessa forma, o próprio conceito de sociedade conforma-se a uma estrutura de campos em que as pessoas, através de suas posições (com as suas definições e os seus privilégios), relacionam-se entre si, estabelecem práticas sociais e perpetuam-se diversas clivagens – étnicas, de gênero, de status social ou econômico, etc.– e desiguais distribuições de bens e direitos econômicos, sociais e culturais.   Falar de direitos humanos e, consequentemente, de dignidade humana é, portanto, falar de fazer acessíveis os direitos sociais a grupos humanos que habitualmente não têm pleno acesso a esses direitos. Ou seja, trata-se de abrir um caminho novo, verdadeiramente alternativo e real, a uma cidadania não excludente, democrática em seu sentido participativo e devotada para uma práxis autenticamente transformadora da própria sociedade. Para colocá-lo em marcha é necessária grande energia e vontade política, mas também, concomitantemente, é necessária uma grande capacidade técnica para (re)idealizar os conteúdos e as técnicas que nos permitam (re)pensar os direitos sociais, as suas garantias e a própria atuação do Estado democrático de direito (PEREIRA, DIAS, 2008).
 
 
 
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4. Especificação e reclamo dos direitos humanos fundamentais – um problema não só das instituições jurídicas, mas generalizado no desenho de todos os segmentos da sociedade    As instituições jurídicas e o direito podem ser instrumentos de opressão social quando estão apartados da democracia; no entanto, com a democracia participativa e a fortaleza da cidadania, o direito pode desvelar-se uma instituição coletiva de libertação12. Evidentemente, não pode haver cidadania significativa sem democracia, tampouco um modelo de democracia pode ser substancialmente democrático sem cidadania real. É necessário, portanto, reconstruir algumas premissas do campo jurídico para um direito posto não apenas como um instrumento de defesa social frente às arbitrariedades, mas também como um instrumento de tutela da própria cidadania real em um contexto inclusivo e de construção permanente de um modelo de desenvolvimento mais humano, mais justo e mais democrático, pondo em marcha atos concretos e orientados à plena efetividade dos direitos sociais, por todos os meios possíveis, empregando o máximo de recursos disponíveis. Uma revisão modernizadora dos direitos humanos fundamentais que recorra à argumentação crítica e à concertação social, conciliando diferentes vertentes, poderia ativar mecanismos de formação de opinião pública críticos e politicamente relevantes, que poderiam atuar em todos os planos, restaurando o ponto inicial de partida dos direitos humanos, que foi o germe do liberalismo político iluminista.  A forma universal dos direitos humanos, e sua fundamentalidade nos ordenamentos particulares, corresponde à exigência de uma ordem mundial na qual todos os homens possam realmente desfrutar de todos os seus direitos humanos e fundamentais. O processo de especificação e reclamo de conteúdos particulares para a forma universal dos direitos humanos é um processo empírico e coletivo de aprendizagem moral e política. Sua dinâmica processual tem que corresponder às normas definidas – ou definíveis – de um discurso argumentativo negocial sobre normas morais controvertidas, ao menos para que as convenções obtidas na (pela) comunidade real particular de comunicação e argumentação possam ser enunciadas e apresentadas como válidas para todos os homens.
                                                          
 12 Não nos parece difícil perceber que se as normas são criadas pelos próprios interessados em vê-las cumpridas, através da cooperação dos atores sociais fundada no binômio autonomia-solidariedade, sua materialização está muito mais presente na autonomia do que em casos de anomia ou heteronomia – é necessário envolver, pois, todos os participantes na produção, interpretação e aplicação das normas; “de allí la efectividad normativa legítima– y el modelo normativo de acción está, además, asociado a un claro modelo democrático de aprendizaje y de autoreconocimiento que tiene en cuenta la interiorización de valores” (cf. Habermas, 2005, p. 129).
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Um exemplo de uma comunidade complexa desse tipo foi a conferência da Organização das Nações Unidas em Viena, em 1993, sobre direitos humanos. Nela, representantes de Estados, comissários de diferentes organizações civis não governamentais e militantes de direitos humanos formaram uma comunidade de argumentação e comunicação claramente orientada pela busca de concretização dos conteúdos que dariam eficácia às normas universais que os direitos humanos supostamente são.   Instrumentalmente, portanto, os direitos de informação, comunicação e argumentação são direitos de extrema relevância porque todos os demais direitos pactuados dependem de três fatores: a) que cada homem queira ter uma ideia correta de como os outros homens querem e/ou necessitam viver; b) que todos possamos comparar essas ideias de modo mais ou menos equivalente; e c) que nos coloquemos de acordo sobre tais questões na sua raiz, e não nos limites que os mais poderosos tenham decidido fixar.   Para que possamos comparar tais ideias equivalentes no quadro das diversidades e nos colocarmos de acordo ao seu respeito, não há necessidade de um modelo de racionalidade particularmente ambicioso ou especializado, e por isso mesmo talvez culturalmente relativo. Para esse fim basta a racionalidade que se emprega habitualmente para estabelecer um diálogo e para oferecer e ponderar argumentos: a razão argumentativa. É de supor que cada um disponha de “suficiente razão” (racionalismo) para dialogar com outro, em uma argumentação discursiva, em torno de questões comuns a ambos. Nesse contexto, a razão argumentativa ou a racionalidade discursiva consiste em um poder e em um saber articular (e revisar) as nossas pretensões de validez, os nossos fundamentos e as nossas experiências, tudo isso sem que nos esqueçamos dos outros (APEL, KETTNER, 1996).   A articulação de todos os processos possíveis de autodeterminação coletiva sobre um problema de referência, em que é preservada, fortalecida e protegida a autonomia de cada um, sem que a autonomia operacional de um venha a ser sacrificada em benefício da autonomia de outro, é o que os direitos humanos têm em comum com o liberalismo político – e o que eles têm a ver com os direitos sociais. Portanto, não só pouco, mas, na realidade, nada teriam a ver com o liberalismo econômico.   Direitos humanos fundamentais – civis, políticos e sociais – devem ser um problema universal, não só abstrato, intelectual, mas generalizado no desenho de todos os segmentos da sociedade. Deve ser exigida generalização e universalidade para todos os direitos humanos fundamentais, civis, políticos e sociais. Generalização no sentido de que esses direitos são para todos e por todos; universalidade no sentido do componente metafísico da concepção da pessoa humana, independentemente de etnia, religião, preferências sexuais, cultura ou gênero (SAID,
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1993). Não parece existir nenhuma razão para que continuemos insistindo na separação e na distinção dos homens, classificando-os e hierarquizando-os.      Assim, os direitos sociais, direitos que sustentam o conceito de mínimo existencial, não podem deixar de ser concretizados sem que se viole profundamente esse valor supremo que é a dignidade humana. Para isso, o Estado-Executivo institui entidades públicas, ligadas à administração pública, para que diretamente, ou mediante cooperação com entidades do setor privado, formulem e executem as políticas públicas sociais mais adequadas às necessidades da população que atendem: uma administração pública democrática de direito, ou seja, uma administração pública que, quando está promovendo os seus atos oficiais, cumprindo as suas atribuições normativas e políticas de acordo com o interesse público, o faz respeitando e perseguindo os ditames concernentes à realização da justiça social e dos direitos fundamentais – civis, políticos, sociais – que articulam a cidadania moderna: uma boa administração pública, uma administração pública eficiente e eficaz, uma administração pública dialógica. Os direitos sociais foram sucessivamente constitucionalizados no século vinte, sendo, assim, sucessivamente proclamados como direitos fundamentais, deixando-se para trás os limites do Estado Liberal e as suas arcaicas formulações. As contradições entre os princípios do Estado Liberal e os do Estado Social foram superadas pelo Estado democrático de direito, que se vincula a uma concepção material (e não meramente processual) de democracia como participação também em resultados, o que exige, para os direitos sociais fundamentais dos cidadãos/administrados, uma configuração jurídico-política e uma interpretação coerente com esses supremos princípios democráticos.  O Estado de direito, como expomos, corresponde à institucionalização jurídicopolítica da democracia, sendo a sua razão de ser a proteção e a efetiva realização dos direitos fundamentais, incluindo os direitos sociais (PECES-BARBA, 2004). O fundamento de validez da democracia pluralista radica na autonomia moral do ser humano como fim em si mesmo, participante em um duplo sentido na constituição do próprio sistema, através da formação da lei (participação nas deliberações) e através da participação nos resultados sociais.  Tais direitos, contudo, não presumem que os seres humanos são seres autônomos, livres e iguais, mas predicam que os homens devam sê-lo e que para isso são necessários contextos institucionais adequados que o façam possível – os direitos fundamentais seriam, assim, os instrumentos adequados para isso. Nessas condições, os direitos fundamentais são o fundamento de legitimidade tanto de una teoria da justiça quanto de uma teoria da autoridade.   Sustentar que os direitos fundamentais são um critério de legitimidade com projeção tanto na teoria da justiça quanto na teoria da autoridade tem, evidentemente, implicações na
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relação, às vezes (aparentemente) contraditória, entre direitos fundamentais e democracia em contextos constitucionais (ALEXY, 2003). Evidentemente, o constitucionalismo impõe limites sobre o princípio majoritário em dois âmbitos especialmente, ao considerar os direitos fundamentais como um âmbito protegido frente ao legislador ordinário e ao administrador de turno e ao atribuir o controle de constitucionalidade a um órgão cuja justificação não é coincidente com a legitimidade democrática primária (ou seja, com a regra de maioria). Nesse debate convém, contudo, não perder o horizonte e tomar consciência das distâncias entre o ideal democrático e a realidade constitucional de cada momento; daí que esta exija recorrer a uma série de ficções funcionais para manter o equilíbrio entre a Constituição e a democracia, entre o fundamento democrático do poder político e a limitação deste pelos direitos fundamentais (PRIETO, 2003).  Nesse contexto, onde os direitos fundamentais são, antes de tudo, condição necessária para que o seu titular possa desenvolver-se como agente moral em um contexto dado, e concomitante fundamento de legitimidade dos sistemas jurídicos, as normas são legítimas porque são necessárias para o desenvolvimento da autonomia individual, e, portanto, a competência normativa é legítima se – e somente se – deriva do exercício da autonomia pelos destinatários das normas (ou seja, do consentimento social), e as normas são justas se – e somente se – têm como conteúdo a proteção e a promoção dessa mesma autonomia (HIERRO, 2000). E, nesse sentido, essas normas devem estar adstritas às condições constitutivas de uma prática de formação discursivo-pública da opinião e da vontade (HABERMAS, 2005); por isso formam parte da própria estrutura constitutiva da práxis democrática e, concomitantemente, a sua configuração jurídica resta confiada aos resultados do exercício da mesma. A partir disso, o modelo constitucional ideal atribui ao procedimento democrático maior valor moral que a qualquer outro (DÍAZ, 1984), pois, em linha de princípios, este é a expressão do direito à igualdade moral como direito à participação em pé de igualdade na tomada de decisões públicas, corolário da ideia de que todos somos merecedores de igual consideração e respeito. O modelo constitucional, por outro lado, conta, em seu âmago, com uma gama de submodalidades que vão desde a maior rigidez do mesmo até formas de composição mais flexíveis. A justificação institucional de cada uma dessas submodalidades depende da forma com que se combinam ou equilibram o valor intrínseco do procedimento democrático e o seu valor instrumental: a maior ou menor probabilidade de alcançar resultados justos (BAYÓN, 2005). Em termos absolutamente gerais, podemos afirmar que as respostas se encontram em dois terrenos, no dos direitos fundamentais e no do controle de constitucionalidade. Mas não se tratam de distintas questões, com distintos alcances e
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pressupostos. Se, como sustentamos, a legitimidade das normas deriva de serem essas normas o resultado da autonomia moral em condições de igualdade, e se as normas são legítimas se protegem e promovem essa mesma autonomia, os direitos impõem limites ao legislador – e também ao administrador – e atuam como uma espécie de precompromisso no âmbito da deliberação (MORESO, 2000): a base da tomada de decisões deveria, portanto, assemelhar-se cada vez mais à democracia participativa real de pessoas e grupos.  A exigência de constitucionalização dos direitos está vinculada à especial posição que ocupam os direitos fundamentais no Estado constitucional (PRIETO, 2003), que se manifesta em um reforço de suas garantias ou de sua resistência jurídica frente a eventuais lesões originadas da práxis dos poderes públicos – e também das relações entre particulares. As dúvidas sobre a constitucionalização das políticas públicas sociais têm que ser resolvidas atentando-se para o conteúdo constitucionalmente material do ordenamento e deixando-se ao administrador uma margem para que atue. A limitação do administrador público reside, numa primeira ordem, no dever que tem de sentir-se vinculado ao desenvolvimento e à proteção dos direitos dos cidadãos/administrados. O administrador está obrigado a ser ativo em relação às normas que, eleitas fundamentais, relacionam-se diretamente com os próprios fins do Estado democrático de direito.   Nesse sentido, argumenta-se que a inatividade é inconstitucional; ou seja, que o administrador pode determinar como quer concretizar um direito, dentro da margem de discricionariedade que lhe é dada pelo próprio ordenamento, mas “quando” concretizá-lo não pode permanecer sob a sua discricionariedade. Estaria proibida, portanto, não só a inatividade, mas também a desatenção ao fim – ao programa traçado pela Constituição – por parte dos órgãos do Estado. Ou seja, o administrador público não pode considerar-se desvinculado dos fins constitucionalmente delineados, nem da necessidade de concretizar tais fins. Daí que o administrador público está obrigado a tomar medidas razoáveis em um prazo razoável e a garantir, ao menos, um conteúdo mínimo essencial de todos os direitos fundamentais; assim, além de um dever de progressividade, impõe-se o princípio de não regressividade ou de proibição do retrocesso social, que proíbe à administração pública a supressão daquelas medidas que já tenham sido adotadas para a promoção dos direitos fundamentais: a proibição de suprimir medidas que tendam a realizar o fim constitucionalmente prescrito13. O governo assume compromissos prestacionais pelo fato de não poder atuar contra os seus próprios atos (venire contra factum proprium non valet), tampouco contra os direitos fundamentais.
                                                          
 13 Sobre esse princípio, v. Courtis (2006).
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Precisamente no Estado democrático de direito, tanto os direitos sociais como os demais direitos fundamentais desempenham um papel extremamente relevante no equilíbrio das posições dos sujeitos implicados no complexo processo de decisão da política em um sistema pluralista (BALDASARRE, 2001). A continuidade axiológica e estrutural de todos os direitos fundamentais põe em evidência que os direitos sociais não são apenas plenamente compatíveis com a democracia, mas constituem um componente essencial dos valores fundamentais da mesma, ancorados na dignidade humana, não havendo, portanto, razões legítimas para a postergação dos direitos sociais. Ao contrário, as exigências morais que estes incorporam são tão fortes que têm a legítima pretensão de serem reconhecidos como direitos subjetivos diante dos poderes públicos e privados, sobretudo frente à administração pública, pois o que faz de algo um direito fundamental são as razões especialmente fortes para que esse algo seja juridicamente protegido com especial zelo pelo próprio instrumento que consubstancia o pacto social instituinte – a Constituição.  
 
5. Considerações finais
 
 Todos os direitos, não só os sociais e os de participação, são direitos de configuração legal e concomitantemente administrativa, no sentido de que sua plena eficácia resultaria impensável sem uma ativa intervenção legislativa e administrativa. Os direitos fundamentais de qualquer tipo não prescindem da ação do legislador e do administrador público para a sua concretização, para o seu desenvolvimento e para a sua efetividade. Essa parece ser a interpretação mais coerente com as exigências de uma democracia material-constitucional comprometida com a realização dos direitos relacionados à autonomia de todos em condições de igualdade. Se falamos de direitos fundamentais como parte da legitimidade de um modelo democrático, tanto o legislador quanto o administrador devem ter margens epistêmicas de manobra para regulamentá-los, e assim concretizá-los, mas essas margens não supõem a não concretização, sob qualquer pretexto, desses direitos fundamentais.   A função objetiva das disposições constitucionais em matéria de direitos sociais impõe ao legislador um dever de legislar e deveres de atuação que pesam sobre a administração pública e o Poder Judiciário. Entre essas garantias, está, sobretudo, o império da lei: a garantia do princípio da legalidade é a mais coerente com as exigências democráticas desse modelo de Estado (ANSUATEGUI, 1997). A exigência de respeito ao conteúdo mínimo essencial dos direitos fundamentais, que justifica concomitantemente o controle e a limitação do poder, é coerente com essa ideia de império da lei – atualmente qualificada como império da própria
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Constituição, ou seja, do direito. Logicamente, as dificuldades de identificarmos o conteúdo essencial de um direito fundamental, seja ele civil, político ou social, é a mesma – não é, portanto, algo inerente aos direitos sociais. O conceito de conteúdo essencial, como sabemos, segue sendo demasiadamente difuso e indeterminado, porque é muito difícil eleger critérios minimamente orientativos para delimitar abstratamente o essencial de um direito. O fundamental, portanto, é compreendermos que os direitos fundamentais, que são interdependentes entre si, formam parte de um sistema constitucional no qual o mínimo e o máximo definem-se através de uma relação com outros direitos ou bens do próprio sistema. Em qualquer caso, a falta de respeito a esse conteúdo mínimo supõe que o direito resta desconfigurado, impraticável; seu exercício pode acabar desvirtuando-se e a dignidade dos seus destinatários afrontada. Esse limite pode ser visualizado em um mínimo de atividade legislativa e administrativa, na satisfação do mínimo existencial e no direito ao não retrocesso nas prestações correspondentes ao núcleo essencial dos direitos sociais.  Evidentemente, tudo isso tem uma especial relação com o controle. A garantia constitucional objetiva compreende um âmbito expandido que consiste no controle de constitucionalidade dos atos e disposições de todos os poderes do Estado – Judiciário e administração pública, sobretudo. O modelo constitucional institucionaliza formas especiais de justiça constitucional que podem articular-se entre si de diversas formas, mas sempre com o propósito de determinar responsabilidades político-constitucionais e equilibrar continuamente as decisões legislativas, administrativas e judiciais com os valores abstratos da Constituição através de uma “razoabilidade” que se resume na exigência de não arbitrariedade.  As funções e relações correspondentes ao legislador, ao administrador e ao julgador, no Estado democrático de direito, exigem uma virtuosa divisão de tarefas. Não podemos, assim, pensar razoavelmente na articulação dos direitos sociais fundamentais no marco do Estado democrático (constitucional e social) de direito sem vinculá-los a três bases:  a) uma liberdade regulatória relativa do legislador e do administrador, especialmente no delineamento das políticas públicas sociais;  b) um legislador e um administrador efetivamente comprometidos com – ou melhor, vinculados ao – conteúdo constitucional dos direitos sociais; e  c) uma jurisdição que, atuando como órgão de controle, reconheça a autoridade do legislador e do administrador na delimitação e na concretização dos direitos sociais fundamentais, reservando para si, embora, o controle sobre aqueles elementos básicos, como o respeito aos direitos sociais fundamentais, indispensavelmente relacionados ao exercício da autonomia e à saúde do próprio procedimento democrático.  
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 Isso implica refutar, como já expomos, a limitação e/ou postergação de direitos sociais como consequência da incidência de uma lex mercatoria sobre a política e sobre o direito, limitação e/ou postergação que é paralela à que acontece em relação aos direitos de efetiva participação, provocando o incremento das desigualdades econômicas, sociais e culturais, a exclusão de certos segmentos da participação nos resultados sociais e a erosão de garantias.  
 
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