Os contratos de transportes à luz do Código Civilc


Portiagomodena- Postado em 06 maio 2019

Autores: 
Thiago Henrique Olsen

1 Introdução

O tema Contrato de Transporte, segundo Silvio de Salvo Venosa1, é um negócio jurídico pelo qual um sujeito assume a obrigação de entregar coisa em algum local ou percorrer um itinerário a algum lugar para uma pessoa. Pelo que se tem conhecimento, apenas com a entrada em vigor do Código Comercial, em 1850, é que surgiram as primeiras normas regulamentares expressas e sucintas, devido às condições existentes à época. Até mesmo o Código Civil de 1916 foi silencioso nesse campo, mantendo-se inerte sobre os contratos de transporte. Somente com a entrada em vigor do Código Civil de 2002, é que os contratos de transportes foram tipificados, apresentado apenas as regras gerais para tal modalidade de contrato. Entretanto estes já eram utilizados como contratos inominados, pelo fato de já haver legislação esparsa acerca do tema2.

Para Rodrigo Binotto Grevetti3, bacharel em Direito, pós-graduando em Direito Civil e Empresarial, esse tipo de contrato possui uma grande relevância social e jurídica, devido à enorme quantidade de pessoas que fazem uso desse tipo de sistema de transporte, gerando uma série de questões. Explica ainda que devido o tramite do projeto do novo Código Civil, no Congresso, o transporte coletivo foi se desenvolvendo no Brasil, fazendo-se necessária a elaboração de uma lei que o regulamentasse, surgindo o Decreto nº 2.681/1912, conhecido como Lei das Estradas de Ferro, permanecendo em vigor até o surgimento do Código Civil de 2002.


2 Desenvolvimento

2.1 Definição

Primeiramente, é preciso ter noção do que se tratam os contratos, fontes das obrigações, em que FIUZA (2004, p. 359) esclarece que contratos são negócios jurídicos, dependendo pelo menos de duas emissões de vontade de pessoas diferentes, sendo assim classificados como negócios jurídicos bilaterais ou plurilaterais (em caso de mais pessoas). Para ele os contratos são praticados por força das necessidades, em que essas podem ser reais ou induzidas pela propaganda. Temos a liberdade, baseada em nossas possibilidades, para dizer quais são as nossas necessidades a serem satisfeitas. Além disso, é mister declararmos nossa vontade, pois ela é o meio condutor que nos leva à realizar e buscar nossos interesses.

Definimos então que contrato é todo acordo de vontades entre pessoas de Direito Privado que, em função de suas conveniências ou exigências, criam, resguardam, transferem, conservam, modificam, ou extinguem direitos e deveres de caráter patrimonial4. Não se pode esquecer que os contratos, em caráter dinâmico, são fontes de relações obrigacionais que se movimentam, se transformam no tempo e no espaço5. Por fim a Lei dá o necessário respaldo às partes que têm a segurança de que, se contratarem segundo o ordenamento jurídico, terão seus direitos assegurados. Afinal as obrigações nascem de um fato conjugado com a norma (Lei) 6.

Damos início aos Contratos de Transporte afirmando que o vigente Código Civil, em seu Art. 730, o define como sendo aquele pelo qual alguém se obriga, mediante retribuição, a transportar, de um local para outro, pessoas ou coisas. Conceitua o tema, VENOSA (2003, p. 481), em sua obra Direito Civil – Cotratos em Espécie, como “negócio pelo qual um sujeito se obriga, mediante remuneração, a entregar coisa em outro local ou a percorrer um itinerário para uma pessoa”. Definimos que contrato de transporte é todo pacto pelo qual alguém, seja pessoa física ou jurídica, compromete-se a trasladar de um local para outro, pessoas ou coisas, mediante recebimento de remuneração7.

2.2 Partes e Objetos do Contrato

As partes seriam quem transporta as coisas ou pessoas denominado transportador, o que é transportado seria o passageiro e aquele que entrega as coisas para o transporte se chama remetente ou expedidor8.

 

O objeto pode ser a pessoa a ser transportada, assim como a coisa. Estas animadas ou inanimadas, ou seja, com vida ou sem.

2.3 Caracteres Jurídicos

Tem como caracteres jurídicos: a tipicidade, em seus arts. 730 a 756 do Código Civil e em várias leis esparsas; a pureza, uma vez que não resulta da combinação de dois ou mais contratos; consensual, porque é celebrado pelo simples acordo de vontades; ser sinalagmático (bilateral), gerando obrigações para ambas as partes ou, unilateral, em hipótese gratuita, de vez que as obrigações serão todas do transportador9; ser tanto oneroso quanto gratuito, podendo o transportador cobrar ou não pelo serviço, sendo necessária cláusula expressa de gratuidade; pré-estimado, ou seja, contrato oneroso em que as partes conhecem suas respectivas prestações e contraprestações já estabelecidas de maneira certa e equivalente; a execução futura, pelo fato de ser celebrado num momento e vindo a ser executado em outro10; individual, obrigando somente aqueles envolvidos; e a liberdade na negociação das cláusulas11; durável, pois, conforme Rafael Rodrigues Rosadas12, o mesmo não se inicia, executa e conclui em um só ato, dependendo de um certo lapso temporal para o seu cumprimento e, como ele mesmo elucida, não necessita de solenidade, podendo ser pactuado verbalmente.

Frisando, observamos então o ensinamento de Rafael Rodrigues Rosadas13, advogado, professor de Direito e Orientador do Núcleo de Prática Jurídica do Centro de Ensino Superior de Vitoria-ES:

“Primeiramente, deve-se observar que para que se configure o contrato de transporte cujas regras gerais serão dadas pelos artigos 730 a 756 do Código Civil, há de ser obrigatória que o mesmo se faça mediante retribuição para o transportador, caso contrario estaríamos diante do transporte gratuito, que falaremos adiante, em tópico próprio. Oportuno esclarecer que não há a necessidade de que o transporte seja feito apenas mediante pagamento em espécie. O próprio Código Civil, no parágrafo único do art. 736, considera como contrato oneroso os que, ainda que feito sem remuneração, tragam vantagens indiretas ao transportador.”(Artigo: Contrato de transportes – Breves comentários. Disponível em ambito-juridico.com.br)

Não esqueças que da mesma maneira existem outros tipos de contratos que se utilizam do transporte como meio para cumprimento de determinada obrigação, mas como meio acessório. Observamos tal caso no contrato de compra e venda de determinado bem móvel, no qual o vendedor se compromete a entregar determinado objeto na residência de seu cliente, recaindo sobre a loja a responsabilidade de acordo com as normas vigentes ao contrato de compra e venda14.

2.4 Da Validade

Quanto a sua validade, FIUZA (2004, p. 559) esclarece como necessários alguns requisitos, sejam eles: Subjetivos, exigindo das partes a capacidade genérica para a vida civil, ou seja, ser maior de 18(dezoito) anos ou emancipado; Objetivos, tratando-se de transporte de coisas, estas deverão ser possíveis, tanto materialmente quanto judicialmente; Formais, quanto a sua forma, por ser consensual basta o acordo de vontades e para que se considere celebrado, somente após a entrega da mercadoria. Tratando-se de transporte de passageiros e emitindo-se o bilhete de passagem, não obrigatório, este poderá ser transferível ou intransferível, nominal ou ao portador. Sendo o transporte de coisas, há a possibilidade de ser emitido pelo transportador, comumente nominado de “conhecimento de transporte”, servindo como título de crédito, conferindo ao seu portador o direito de retirar as mercadorias das mãos do transportador.

2.5 Das Espécies

Os contratos de transporte possuem espécies, dependendo: do que se conduza, sejam elas pessoas ou coisas; do meio utilizado para transporte, terrestre, marítimo, fluvial ou aéreo; e quanto à extensão territorial a ser percorrida, sendo urbano, intermunicipal, interestadual ou internacional15.

 

2.6 Transporte de Pessoas

É aquele pelo qual o transportador se obriga a trasladar o passageiro até o seu destino. Tendo como partes o transportador e o passageiro, que mediante bilhete de passagem, contrata o transportador16.

2.6.1 Obrigações e direitos do transportador

Quanto ao transporte de pessoas, tem como obrigações o transportador: conduzi-las de um lugar para outro, conforme combinado, com todo o zelo e segurança, respondendo por todos os danos causados aos passageiros; respeitar os horários e o itinerário (roteiro) prefixados, caso contrário, responderá por perdas e danos e, se a viagem for interrompida ou adiada, por motivos imprevisíveis ou alheios à vontade do transportador, este deverá disponibilizar, para a realização do transporte, outro veículo da mesma categoria. Salvo se o passageiro concordar, o veículo poderá ser de qualidade inferior ou o transporte poderá se dar por outro meio. Em caso de adiamento da viagem, o transportador é obrigado a disponibilizar, a suas custas, alimentação e hospedagem aos seus passageiros17.

Quanto aos direitos, para Rafael Rodrigues Rosadas18, destacam-se os direitos de: retenção da bagagem, caso o pagamento do contrato de transporte se dê no final do mesmo, ficando ela retida até o seu adimplemento; reter 5% do valor da passagem no caso de desistência do passageiro enquadrados nos parágrafos 1º e 2º do art. 740; impedir o embarque de usuários mal trajados ou sob efeitos de álcool e entorpecentes; e poderá determinar o desembarque, na próxima escala, do passageiro inoportuno ou inconveniente, que não esteja respeitando as normas legais impostas pela empresa.

2.6.2 Direitos e deveres do passageiro

Quanto aos direitos do passageiro, este poderá a luz do art. 740 e parágrafos, rescindir, unilateralmente, o contrato de transporte, sendo lhe devida à restituição de valores: antes da viagem, comunicando o transportador em tempo hábil; após o início da viagem, tendo restituído o valor referente ao trecho não utilizado e desde que fique provado que outra pessoa viajou em seu lugar; ou caso não embarque e fique provado que outra pessoa viajou em seu lugar. Ao firmar contrato com a transportadora, adquire o direito ao transporte acessório de suas bagagens e usufrui de todos os serviços oferecidos19.

Dentro dos seus deveres estão: remunerar o transportador; portar-se com decência e educação, apresentar-se pontualmente para o embarque, além de contribuir para que o transportador desempenhe bem seu dever, devendo, se for o caso, auxiliá-lo com a rota correta. Caso contribua para a produção de danos, deverá indenizar o transportador20.

2.6.3 Responsabilidade Civil

De acordo com o art. 734, do Código Civil, o transportador responde pelos danos causados às pessoas transportadas e suas bagagens, salvo motivo de forma maior. Além do mais, é nula qualquer cláusula que exclua sua responsabilidade. Rafael Rodrigues Rosadas conclui que o legislador, ao normatizar as regras do contrato de transporte, imputou ao transportador a responsabilidade civil objetiva, ou seja, sem depender de culpa ou dolo, nos casos de danos causados. Segue disciplina do autor:

“Chegamos facilmente a essa conclusão ao analisar a primeira parte do artigo, onde apenas atribui a responsabilidade ao transportador, não se preocupando em avaliar se o nexo causal existente entre a ação/omissão e o dano efetivamente causado foi eivado de culpa ou dolo”. (Artigo: Contrato de transportes – Breves comentários. Disponível em ambito-juridico.com.br)

Reforçando a responsabilidade civil objetiva do transportador, o Código Civil, em seu art. 735, deixa claro que a responsabilidade contratual do transportador por acidente com o passageiro não é elidida, eliminada, por culpa de terceiro, cabendo ao transportador o direito de ação regressiva21. Havendo neste caso a inversão do ônus da prova da culpa, ou seja, ao transportador se presume que seja culpado, devendo ele provar sua inocência.

 

Em caso de substituição de um dos transportadores no decorrer do trajeto, o autor FIUZA (2004, p. 560) prevê que, o substituto responderá, também, solidariamente com os demais pelos danos ocorridos. Nos casos de transporte público, para FIUZA (2004, p. 560), a responsabilidade do transportador também é objetiva. Porém, se os danos sofridos pelo passageiro se derem por ele desrespeitar as instruções e normas regulamentares, o transportador terá direito de reduzir a indenização proporcionalmente à culpa do passageiro.

2.7 Transporte de Coisas

Nesta modalidade, as partes contratantes são: o remetente, pessoa depositária do objeto; transportador; e o destinatário. Estando incluso nesta modalidade o transporte de animais22.

2.7.1 Obrigações e direitos do transportador

A principal atribuição conferida ao transportador é conduzir as coisas que lhe hajam sido confiadas ao local de destino, no prazo ajustado, zelando por sua segurança e integridade. Ficando responsável por elas desde o seu recebimento até sua entrega ao destinatário. Devendo emitir conhecimento de transporte, identificando as coisas a serem transportadas, bem como seu valor, no momento que as recebe. É de sua responsabilidade verificar se o material a ser transportado não é proibido, ou que este venha desacompanhado dos documentos exigidos por lei ou norma interna do transportador. Estando imputando a ele o compromisso de comunicar e instruir o remetente, caso o transporte não puder ser efetivado ou venha sofrer uma longa interrupção, zelando pelas coisas transportadas. Vindo estas coisas a perecer ou a se deteriorar, ele indenizará o prejudicado, salvo se provar sua inocência23.

Dos seus direitos é fundamental o da retenção da coisa. É cabível a ele o reajuste do frete, em caso de variação de consignação por parte do remetente. Pode ele efetuar o transporte cumulativo, pelo qual o transporte é terceirizado em determinado trecho, estando cada transportador responsabilizado pelos danos causados, conforme art. 733, ao objeto, reativamente ao respectivo espaço percorrido. Recusará o transporte de mercadorias, facultativamente, nas hipóteses elencadas no art. 746, cabendo a ele próprio avaliar os riscos da coisa a ser transportada e decidindo pela aceitação ou não do transporte. Quanto as hipóteses de recusa obrigatória, estas são trazidas no art.747, sendo proibido o transporte de coisas que cuja sua comercialização não seja permitida, ou que venham desacompanhadas dos documentos exigidos por lei ou regulamento24.

2.7.2 Obrigações e direitos do remetente

Remetente é aquele que entrega a coisa embalada ao transportador e deverá caracterizar esta, de acordo com o art. 743, por sua natureza, valor, peso e quantidade. Não poderá falsear informações, causando danos ao transportador, podendo sofrer ação de indenização por parte da transportadora, no prazo decadencial de 120 dias, contados da data em que foram fornecidas25.

Tem o direito de variar a consignação, salvo antes da entrega ao seu destino final, que significa que mesmo já expedida a mercadoria, o remetente denuncia o contrato, exigindo-a de volta, ou que esta seja entregue a outro destinatário, devendo pagar todas as despesas extras que a contraordem implicarem, além de eventuais perdas e danos. Possui o direito à indenização por perda, furto ou dano da coisa, incluindo o vício redibitório, art. 441, da qual a coisa recebida em virtude de contrato comutativo pode ser enjeitada por vícios ou defeitos ocultos que a tornem imprópria ao uso a que é destinada, ou que lhe diminuam valor26. Sendo assim, acerca do vício redibitório, o art. 754, em seu parágrafo único, ilustra:

“Art. 754. As mercadorias devem ser entregues ao destinatário, ou a quem apresentar o conhecimento endossado, devendo aquele que as receber conferi-las e apresentar as reclamações que tiver, sob pena de decadência dos direitos.

Parágrafo único. No caso de perda parcial ou de avaria não perceptível à primeira vista, o destinatário conserva a sua ação contra o transportador, desde que denuncie o dano em dez dias a contar da entrega.”

2.7.3 Obrigações e direitos do destinatário

Para FIUZA (2004, p. 564), o destinatário é o credor das mercadorias, podendo, este, ser o próprio expedidor. Se for, o destinatário, um terceiro beneficiário, será estipulado pelo expedidor ao transportador.

Poderá caber ao destinatário o dever de pagar o transporte, sendo assim, terá o direito de receber a mercadoria no tempo e local combinado27.