Origens e fundamentos das imunidades parlamentares


PorThais Silveira- Postado em 24 abril 2012

Autores: 
FERREIRA, Eduardo

 

Artigo: Origens e fundamentos das imunidades parlamentares

 

 

Para citação ou referência do artigo:

 

FERREIRA, Eduardo O. Imunidade Parlamentar. Visão Jurídica.Nº40, Ed.Escala. São Paulo-SP, 2010, pg.80-83 ISSN: 1809-7170

 

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Origens e fundamentos das imunidades parlamentares

 

Eduardo Oliveira Ferreira

 

e-mail: eduardoferreira55@gmail.com

 

Em dias de crise política e diante da corrupção muitos se questionam acerca da imunidade parlamentar. Ela é realmente necessária? Não fere o principio da isonomia, onde todos devem ser iguais perante as leis do Estado? É um privilégio originário da época da monarquia? Qual a razão de existir a imunidade parlamentar?A solução para tantos questionamentos está na experiência valorativa e histórica dos estados modernos quanto a este instituto.

Conforme entendimento de Alexandre de Morais (Direito Constitucional, Atlas, ed.23, p.415) as imunidades parlamentares “são institutos de vital importância, visto buscarem, prioritariamente, a proteção dos parlamentares no exercício de suas nobres funções, contra os abusos e pressões dos demais poderes; constituindo-se, pois, um direito instrumental de garantia de liberdade de opiniões, palavras e votos dos membros do Poder Legislativo, bem como de sua proteção contra prisões arbitrárias e processos temerários”.

 

Imunidade material e Imunidade formal

Para melhor entendermos o instituto da imunidade parlamentar é interessante verificarmos a sua divisão clássica. A doutrina divide a imunidade parlamentar em dois tipos: imunidade material e imunidade formal.

A primeira espécie de imunidade, a material, diz respeito a subtração da responsabilidade penal, civil, disciplinar ou política do parlamentar por suas opiniões palavras e votos. Assim, o parlamentar não será punido pelos crimes contra a honra, incitamento a crime, apologia de criminoso, vilipendio oral a culto religioso. Os crimes de palavra são considerados atípicos para os parlamentares no exercício de sua função.

A imunidade formal pressupõe a impossibilidade de um parlamentar ser preso ou permanecer preso ou, ainda, a possibilidade de sustação da ação penal por delitos praticados após a diplomação.

 

Origens européias

As imunidades parlamentares têm origem no direito dos paises europeus. Na Roma Antiga já se falava em imunidade ao Tribuno da plebe, representante do povo diante do senado da republica romana. Os tribunos eram invioláveis (sacrosancta) e ninguém poderia acusar, prender ou punir os tribunos, pois eles exerciam um cargo sagrado de defesa dos interesses da plebe. Aqueles que violassem a regra dosacrosancta eram punidos com a pena de morte. Na republica da Roma antiga, há relatos dramáticos das violações a essas imunidades no caso dos irmãos Graco e no famoso assassinato de Julio César, ambos mortos no Senado pelos próprios colegas.

O direito inglês inaugura esse instituto de defesa da livre existência e independência do parlamento através da proclamação do duplo principio da freedom of speach (liberdade da palavra) e da freedom from arrest (imunidade à prisão arbitrária) que constavam no documento histórico Bill of Rights de 1688. Tais princípios ditavam que os parlamentares poderiam se expressar livremente pelos seus votos e trocarem opiniões sem terem uma discussão em juízo ou impedimento da sua expressão.

No direito norte-americano, a doutrina e jurisprudência se consolidaram no sentido de a freedom from arrest ser um instituto que proibia apenas as prisões cíveis. Já afreedom of speach considerava que o privilegio pertence à própria Casa Legislativa, a qual se encarrega de defendê-lo, geralmente através da constituição de comissão parlamentar de inquérito. A jurisprudência norte americana pacificou o entendimento que o parlamentar só teria imunidade pelas suas palavras proferidas no recinto das sessões ou das comissões.

Na declaração de Virginia , de 12 de junho de 1776, apresentava a imunidade parlamentar no art.5º ”(...) e a fim de que também eles de suportar os encargos do povo e deles participar possa ser reprimido todo o desejo de opressão dos membros

Em 17 de setembro de 1787 foi promulgada a Constituição dos Estados Unidos da América, onde a imunidade parlamentar estava assegurada, conforme o art.1º, seção 6 da Constituição:“Durante as sessões, e na ida ou regresso delas, não poderão ser presos, a não ser por traição, crime comum ou perturbação da ordem pública. Fora do recinto das Câmaras, não terão obrigação de responder a interpelações acerca de seus discursos ou debates.”.

 

As imunidades parlamentares no direito brasileiro

No direito brasileiro as imunidades já se mostravam presentes na Constituição do Império Brasileiro, de 25 de março de 1824. As formas material e formal se encontravam presentes na Carta imperial, o que demonstrava um avanço significativa em relação a outros Estados. A Constituição Imperial assim dizia acerca das imunidades: “Art.26. Os Membros de cada uma das Câmaras são invioláveis pelas opiniões, que proferirem no exercício das suas funcções. Art.27 Nenhum Senador, ou Deputado, durante a sua deputação, pode ser preso por Autoridade alguma, salvo por ordem da sua respectiva Câmara, menos em flagrante delicto de pena capital. Art.28 Se algum Senador, ou Deputado for pronunciado, o Juiz, suspendendo todo o ulterior procedimento, dará conta à sua respectiva Câmara, a qual decidirá, se o processo deva continuar, e o Membro ser, ou não suspenso no exercício das suas funções”.

Durante o período imperial, especialmente o segundo reinado, a imunidade parlamentar era presente e muito respeitada, haja vista que era permitido a um parlamentar se manifestar em posição contrária ao regime monárquico, sendo republicano ou abolicionista.

Com a proclamação da Republica no final do século XVIII, o legislador Constituinte de 1891 entendeu que as imunidades eram realmente necessárias para garantir o livre exercício dos cargos do legislativo. Assim, a Constituição da Republica de 1891, em seus arts.19 e 20, previa as imunidades material e formal: “Art.19. Os deputados e Senadores são invioláveis por suas opiniões, palavras e votos no exercício do mandato. Art.20. Os deputados e os senadores, desde que tiverem recebido diploma até à nova eleição, não poderão ser presos, nem processados criminalmente, sem prévia licença de sua Câmara, salvo caso de flagrância em crime inafiançável. Nesse caso, levado o processo até pronuncia exclusive, a autoridade processante remetterá os autos à Câmara respectiva, para resolver sobre a procedência da accusação, si o accusado não optar pelo julgamento immedito.”

Com as mudanças institucionais dos anos trinta do século XX, surge a Constituição Federal de 16 de julho de 1934. Nessa Constituição está assegurado a imunidade parlamentar, estendendo a imunidade parlamentar ao suplente imediato do Deputado em exercício. “Art.31. Os deputados são invioláveis por suas opiniões palavras e votos no exercício das funções do mandato. Art.32. Os deputados, desde que tiverem recebido diploma até a expedição dos diplomas para a legislatura subseqüente, não poderão ser processados criminalmente, nem presos, sem licença da Câmara, salvo caso de flagrância em crime inafiançável. Esta immunidade é extensiva ao suplente immediato do Deputado em exercício. §1º A prisão em flagrante de crime inafiançável será logo communicada ao Presidente da Câmara dos deputados, com a remessa do auto e dos depoimentos tomados, para que ella resolva sobre a sua legitimidade e conveniência, e autorize, ou não, a formação de culpa. §2º Em tempo de guerra, os deputados, civis ou militares, incorporados às forças armadas por licença da Câmara dos deputados, ficarão sujeitos às leis e obrigações militares.”

Os art.42 e 43 da Constituição de 10 de novembro de 1937 estipulavam, respectivamente, que durante o prazo em que estiver funcionando o Parlamento, nenhum de seus membros poderá ser preso ou processado criminalmente, sem licença da respectiva Câmara, salvo caso de flagrância em crime inafiançável; e que só perante sua respectiva Câmara responderão os membros do Parlamento Nacional pelas opiniões e votos que emitirem no exercício de suas funções; não estarão, porém, isentos de responsabilidade civil e criminal por difamação, calunia, injuria, ultraje à moral pública ou provocação pública ao crime. Em seu parágrafo único, o art.43 ainda estabelecia que em caso de manifestação contraria à existência ou independência da Nação ou incitamento à subversão violenta da ordem política ou social, podia qualquer das Câmaras, por maioria de votos, declarar vago o lugar do deputado ou membro do Conselho Federal, autor da manifestação ou incitamento. A Constituição de 1937, por viger em um período considerado ditatorial apresenta esta “brecha” para a possibilidade de ser responsabilizado um parlamentar por suas opiniões contrárias ao regime.

Após o regime de Getulio Vargas, em 18 de Setembro de 1946, foi promulgada a Constituição Federal que também contemplava a imunidade parlamentar, em suas formas material e formal.“Art 44 - Os Deputados e os Senadores são invioláveis no exercício do mandato, por suas opiniões, palavras e votos. Art 45 - Desde a expedição do diploma até a inauguração da legislatura seguinte, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável, nem processados criminalmente, sem prévia licença de sua Câmara. § 1º - No caso de flagrante de crime inafiançável, os autos serão remetidos, dentro de quarenta e oito horas, à Câmara respectiva, para que resolva sobre a prisão e autorize, ou não, a formação da culpa. § 2º A Câmara interessada deliberará sempre pelo voto da maioria dos seus membros.”

Em 1964 foi imposta a Ditadura Militar no Brasil e logo mais foi “promulgada” a Constituição Federal de 15 de março de 1967. Nesse diploma constitucional a imunidade parlamentar estava contemplada no art.34, porém com uma resalva de que se no prazo de noventa dias a Câmara não deliberar acercado do pedido de licença para processar parlamentar será incluído automaticamente em Ordem do Dia e permanecerá nessa condição durante quinze sessões ordinárias consecutivas, tendo-se como concedida a licença se, nesse prazo, não ocorrer deliberação.

Com o retorno do regime democrático e a promulgação da nova constituição, em 1988, a imunidade parlamentar passou a ser regulada pelo Art. 53 e parágrafos. A Constituição define que os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos. Estabelece o foro privilegiado para o Supremo Tribunal Federal, além de outras garantias constitucionais.

A imunidade parlamentar como visto está consagrada no Direito Brasileiro em todas as Constituições, mesmo aquelas que se encontraram elaboração e vigência em regime ditatoriais.

 

A imunidade parlamentar nos Estados Modernos

A maioria das Constituições modernas, de estados de direito e democracias, apresentam a proteção aos parlamentares pela imunidade parlamentar. A Constituição Mexicana de 1917, considerada a Constituição da revolução mexicana apresenta a imunidade no artigo 61, dando ao presidente de cada Câmara a fiscalização e o respeito ao foro constitucional dos membros e pela inviolabilidade do recinto onde ocorrem as reuniões.

A moderna Constituição Francesa, de 04 de outubro de 1958, apresenta no artigo 26 as imunidades parlamentares. A constituição da Espanha de 31 de outubro de 1978, contempla no artigo 71. Já a Constituição Política da Republica do Chile de 24 de outubro de 1980, no art58. A Constituição Política do Peru de 1993 apresenta a imunidade parlamentar no art.93. Da mesma forma a Constituição da Argentina no Art.68 apresenta a imunidade parlamentar incluindo o a impossibilidade do parlamentar ser “interrogado judicialmente”.

Verifica-se, portanto, que a imunidade parlamentar não se trata apenas de um privilégio aos poderosos, mas de uma importante garantia de defesa da liberdade de expressão dos representantes dos povos democráticos.