O "substantive due Process of law" e a efetividade de sua aplicação no direito pátrio


Porjeanmattos- Postado em 28 setembro 2012

Autores: 
ALMEIDA, Karla Christina Faria de

 

A lei foi feita para o homem e não o homem para a lei. Até que ponto há a efetividade do devido processo legal material no direito brasileiro

 

Cabe aqui conceituar e definir o que vem a ser o adágio advindo do direito anglo-saxônico “due process of law”, que vem a ser, no vernáculo indígena,  numa tradução livre, o nosso devido processo legal. Em primeiro lugar, um breve apanhado sobre suas origens e sua escrita no direito alienígena.

Suas origens datam de 1215 na Magna Carta de João sem Terra, quando este viu-se obrigado a promulgá-la, tornando-se então a base e o fundamento das liberdades inglesas.

Determinava a Magna Carta de João sem Terra que os julgamentos deveriam ser feitos segundo as leis da terra (per legem terrae). Inserida na XIV Emenda da Constituição dos Estados Unidos, que assim diz: "Nenhum Estado privará pessoa alguma da vida, liberdade ou bens, sem o devido procedimento legal".  Significa este princípio democrático que a todo cidadão deve ser aplicado o direito regular vigente no país, o procedimento normal, com todas as formas observadas no processo previsto.

Não obstante, sua origem constitucional deve ser especificada ao processo penal a qual chamaremos de devido processo penal, na lição de Rogério Lauria Tucci, e especificá-la, por que não, ao processo civil, devido processo civil.

Mais que um axioma, exsurgiu como princípio à luz do que preleciona José Afonso da Silva, que o erigiu a categoria de direito -garantia fundamental do cidadão. O devido processo legal deita raízes em nosso ordenamento jurídico desde a Constituição da República de 1891, quando na lição daquele doutrinador, citando Ruy Barbosa, houve “separação das disposições meramente declaratórias, que são as que imprimem existência legal aos direitos reconhecidos, e as disposições assecuratórias, que são as que, em defesa dos direitos, limitam o poder. Aquelas instituem os direitos; estas as garantias.”

Determina a Magna Carta Nacional em seu art. 5º inciso LIV que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal. Logo, bem é de ver, que o devido processo legal após conceituação, pode assim ser definido: num processo civil e num processo-crime, neste onde se tratam do jus libertatis do acusado em confronto com o jus puniendi do Estado, na apuração de fato socialmente relevante, na lição de José Frederico Marques e, no que tange ao processo civil, naquele em que está submetido num processo contencioso a lide em que se sujeita a causa posta em juízo o bem da vida a ser entregue através da tutela jurisdicional do Estado, ninguém poderá, como sujeito passivo do processo, ver seus direitos processuais tais como: o direito a citação (devido processo civil e devido processo penal); o direito a informação(devido processo penal); o direito a defesa técnica (devido processo penal); o direito a paridade de armas(devido processo penal); o direito a bilateralidade da audiência ( devido processo civil e devido processo penal); o direito a um juiz natural (devido processo civil e devido processo penal); o direito ao promotor natural (devido processo penal); o direito de recorrer da sentença, se se entender que a sua inconformação tem assento e respaldo no direito positivo(devido processo penal e devido processo civil); o direito de permanecer calado (devido processo penal); o direito de se ver processado e apenado com previsão de uma lei anterior que defina o fato típico e imponha a pena (devido processo penal);  o direito a jurisdição(devido processo penal  e devido processo civil); o direito a personalização da pena (devido processo penal); o direito a individualização da pena (devido processo penal); fixação de prazo razoável para a duração do processo (devido processo penal e devido processo civil);  direito de não haver penas de morte, de caráter perpétuo, de trabalhos forçados de banimento cruéis (devido processo penal); direito de cumprir a pena em estabelecimentos distintos, de acordo, com o delito, a idade e o sexo do apenado (devido processo penal); direito a ampla defesa (devido processo penal e devido processo civil); direito a não consideração prévia de culpabilidade (devido processo penal) assistência da família e de advogado (devido processo penal) inadmissibilidade no processo das provas obtidas por meios elícitos (devido processo penal e devido processo civil); direito do civilmente identificado não  ser submetido a identificação datiloscópica (devido processo penal); a lei não poderá prejudicar o direito adquirido (devido processo civil), o ato jurídico perfeito (devido processo civil) e a coisa julgada (devido processo penal); direito a não haver juízo ou tribunal de exceção (devido processo penal e devido processo civil); retroatividade da lei para beneficiar o réu (devido processo penal); direito à instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados a plenitude de defesa, o sigilo das votações, a soberania dos veredictos, a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida (devido processo penal); direito ao asseguramento ao preso do respeito à integridade física ou moral (devido processo penal); direito a permanecer com os filhos durante a amamentação (devido processo penal); direito a indenização por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença (devido processo penal); a inviolabilidade do domicílio (devido processo penal); direito a liberdade provisória (devido processo penal); direito ao relaxamento da prisão ilegal (devido processo penal); direito a concessão do habeas corpus, quando alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder (devido processo penal e devido processo civil).

Estabelecidas as bases insertas no jus positum brasileiro atinente ao “due process of law”, vejamos o que no direito norte-americano convencionou-se chamar de “substantive due process of law”.

Especificada ao processo penal e ao processo civil temos que num Estado Democrático de Direito, isto é, Estado que impõe normas coativamente impostas a observância de todos lei escrita e substancial ao direito positivado. No dizer de Rogério Lauria Tucci citando Manoel Gonçalves Ferreira Filho e Joaquim José Calmon de Passos, trata-se da “face substancial do devido processo legal atentando-se para um processo legislativo de elaboração da lei previamente definido e regular, bem como razoabilidade e senso de justiça de seus dispositivos, que se enquadrem nos preceitos constitucionais (“substantive due process of law”), segundo o desdobramento da concepção norte-americana: a face substancial do devido processo legal mostra-se na aplicação, ao caso concreto, de normas preexistentes, “que não sejam dezarrazoadas, portanto intrinsecamente injustas; aplicação das normas jurídicas, seja do juspositum, seja de qualquer outra forma de expressão do direito, por meio de instrumento hábil à sua interpretação e realização que, como visto, é o processo (“judicial process”): o denominado substantive “due process of law” reclama , para sua plena efetivação, um instrumento hábil à determinação exegética das preceituações disciplinadoras dos relacionamentos jurídicos entre os membros da comunidade; asseguração, no processo, de paridade de armas entre as partes  que o integram como seus sujeitos parciais, visando a consecução de igualdade substancial: esta somente será atingida quando, ao equilíbrio de situações, preconizado abstratamente pelo legislador, corresponder a realidade processual.”

No âmbito do processo civil a bilateralidade da audiência (audiatur altera pars), emprestando os termos finais daquele doutrinador no que tange a paridade de armas.

Nos afeiçoamos a expressão devido processo legal material, eis que o conceito de lei substantiva é por demais obsoleto.Pois não mais se entende em processo civil o velho art. 75 do Código Civil de 1916 que determinava o seguinte: A todo o direito corresponde uma ação que o assegura. Dizia-se que o direito processual era o direito adjetivo e o direito material o direito substantivo. Porém, concluiu-se que o processo não é  mero instrumento do direito material, em razão do citado artigo, mas tinha existência distinta e autônoma. Logo, o direito de ação é um direito subjetivo público, independente, abstrato no que atine ao direito material nele invocado.

Ora, se as leis não têm de ser intrinsecamente injustas, dezarrazoadas e atender ao princípio da razoabilidade, precisamos ter em mente que o legislador é sábio, mas este princípio há que ser mitigado. Pois segundo a vetusta parêmia non omne quod licet honestum est, nem tudo que é lícito é honesto. Nem tudo que é lícito é conforme o direito.

Contudo, o magistrado está adstrito a interpretar e aplicar a lei ao caso concreto de acordo com o encontrado nas normas de direito material, em havendo lacunas ou for omissa a lei socorrer-se-á o julgador no julgamento de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito, consubstanciado no art. 4º da Lei nº 4.657/42 ( Lei de Introdução ao Código Civil), que se estende a todo o ordenamento jurídico. Necessariamente naquela ordem preconizada.

No entanto, há leis justas com julgamentos injustos e iníquos, que não traduzem com fidelidade os direitos humanos do cidadão, tais como o do Supremo Tribunal Federal o que decidiu não ser crime o aborto de fetos anencéfalos, sob a fundamentação de que os mesmos não possuem cérebro e , por conseguinte, são natimortos.  E a decisão que fez surgir a figura da união estável entre pessoas do mesmo sexo (inclusive o casamento) açambarcando o art. 226 da Constituição da República e seus parágrafos a união homoafetiva.

Ocorre, contudo, que no entendimento da mais abalizada doutrina“O legislador como figura impessoal semelhante a um ente metafísico dominando do alto toda a sociedade, é evidentemente uma ficção tal como a do "homo juridicus."”

Nos afeiçoamos, por seu turno, a corrente jusnaturalista do direito, partindo de uma concepção judaico-cristã. No evolver jusfilosófico do direito, notadamente na era cristã, temos que os princípios do direito natural romano – não lesar outrem, viver honestamente e dar a cada qual o que lhe é devido se amoldam perfeitamente àquele entendimento, mormente na acepção de direito natural que lhe dá os Dez mandamentos da Lei de Deus, na fase mosaica e abolição por Senhor Jesus, o Cristo, da Lei mosaica, mantendo os Dez mandamentos.

Na concepção grega a lei relacionada ao direito natural, tem a ver com a physis, o direito que está no coração de cada homem. Os gregos acreditavam na existência dos Deuses. Contudo, não tinham a noção da alma e do espírito no sentido judaico-cristão: o prêmio final – a morte ou vida eternos.

Para Platão “a lei jamais poderá abraçar o real, unir as dessemelhanças entre os homens e que por isso seu drama é intrínseco: ela deve enunciar uma regra geral, um absoluto para ser uma lei, mas desde então ela falha por essência quanto ao individual.” 

Aristóteles propôs articular estreitamente o direito positivo e o direito natural ao invés de aplicar-lhes uma dicotomia. Todavia, para desfazer essa cisão ele parte para a ideia do justo político que atesta a seguinte proposição: “ela afirma que a distinção entre direito natural e direito positivo não se passa ao exterior da legislação, mas no interior do justo político, ou seja, do domínio da legislação.

Na visão judaico-cristã de Santo Tomás de Aquino, a lei tem três ordens: lex aeterna ( a lei divina que governa o mundo, cujo conhecimento se dá por noções parciais ao homem); a lex naturalis (a lei natural: conhecida diretamente pela razão humana, uma participação da lei eterna; e a terceira a lexhumana (é uma invenção do homem com base nos princípios da lei natural). Segundo a doutrina tomista, é mister obedecer a lei humana, mesmo quando ela vai contra o bem comum ( nem tudo que é lícito é honesto), para manutenção da ordem, mesmo que cause um prejuízo. Mas, não se deve obedecê-la quando ela viola uma lei divina. De modo que a lei humana não pode interferir numa lei divina.

A Constituição da República tem em seu preâmbulo consagrado que esta promulgada sob a proteção de Deus. Logo, prescreve aquela como direito-garantia fundamental do cidadão o direito a praticar qualquer religião. Aí o livre arbítrio concedido por Deus aos homens. Além deste direito determina a Carta Magna o direito à inviolabilidade do direito a vida (art. 5º caput) e no art. 226 caput § 3º dispõe que a família é a base social do estado e é formada por homem e mulher. Mas para o Pretório Excelso não se trata de princípio. Ora, o preâmbulo, na opinião de vozes contrárias, também é parte do texto constitucional e, na realidade, contém princípios que devem nortear qualquer julgamento.

No caso dos fetos anencéfalos o Supremo Tribunal Federal não garantiu-lhes efetivamente a aplicação do “substantive due process of law” ao permitir que o direito à vida seja tolhido dos ventres maternos, já que o feto mesmo sem cérebro pode permanecer ainda que por minutos com vida. Ora, entre o sacrifício de um bem jurídico maior e um  menor, a vida como bem jurídico maior , não deverá ser sacrificado em favor de um bem jurídico menor que é o sofrimento da  nutriz( a mãe). O “substantive” se dirige ao legislador, pois as leis a este também se aplicam.

Logo, há um conflito entre as leis positivadas e a metanorma. Esta não é um comando, por ser abstrata. A norma stricto sensu é um comando. Porém, aquela não é estanque, não existe por si só. A norma em sentido lato diz não se pode tirar a vida, a outra metanorma diz, casamento e união estável é entre homem e mulher.

A eficácia sociológica da interpretação lógica do devido processo legal material, fica ao arrepio da vontade divina e da vontade do legislador, no que tange ao direito homoafetivo, quando diz-se que pode-se reconhecer aos casais com parceiros do mesmo sexo o direito ao casamento e a união estável. Pois analisando a Lei divina, eis que a Lei Maior está sob a proteção de Deus, convém notar o que diz a  Carta aos Romanos capítulo 1, versículos 18 a 32 da Bíblia Sagrada: “A ira de Deus se manifesta do alto do céu contra toda a impiedade e perversidade dos homens, que pela injustiça aprisionam a verdade. Porquanto o que se pode conhecer de Deus eles o leem em si mesmos, pois Deus lho revelou com evidência. Desde a criação do mundo, as perfeições invisíveis de Deus, o seu sempiterno poder e divindade, se tornam visíveis à inteligência, por suas obras; de modo que não se podem escusar. Porque, conhecendo a Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças. Pelo contrário extraviaram-se em seus vãos pensamentos, e se lhes obscureceu o coração insensato. Pretendendo-se sábios, tornaram-se estultos. Mudaram a majestade de Deus incorruptível em representações e figuras de homem corruptível, de aves, quadrúpedes e répteis.”

“Por isso, Deus os entregou aos desejos dos seus corações, à imundície, de modo que desonraram entre si os próprios corpos. Trocaram a verdade de Deus pela mentira, e adoraram e serviram a criatura em vez do Criador, que é bendito pelos séculos. Amém ! Por isso, Deus os entregou a paixões vergonhosas: as suas mulheres mudaram as relações naturais em relações contra a natureza. Do mesmo modo também os homens, deixando o uso natural da mulher, arderam em desejos uns para com os outros, cometendo homens com homens a torpeza, e recebendo em seus corpos a paga devida ao seu desvario. Como não se preocupassem em adquirir o conhecimento de Deus, Deus entregou-os aos sentimentos depravados, e daí o seu procedimento indigno. São repletos de toda a espécie de malícia, perversidade, cobiça, maldade; cheios de inveja, homicídio, contenda, engano, malignidade. São difamadores, caluniadores, inimigos de Deus, insolentes, soberbos, altivos, inventores de maldades, rebeldes contra os pais. São insensatos, desleais, sem coração, sem misericórdia. Apesar de conhecerem o justo decreto de Deus que considera dignos de morte aqueles que fazem tais coisas, não somente as praticam, como também aplaudem os que as cometem.”

Há, portanto, os julgamentos iníquos acima citados não atendem a parâmetros razoáveis (princípio da razoabilidade), pois o devido processo legal material se dirige também ao julgador que deve observar as leis, que via de regra são sábias. Vozes contrárias ao direito posto diriam que seria iníquo cumprir a lei. Mas, não. No nosso pensamento abraçar a lei, ou melhor, cumpri-la é resguardar milhões de almas, seja a dos fetos anencéfalos, seja a dos homossexuais.

Pois o direito não é um fim em si mesmo, mas a arte do dever-ser, não responde para onde vamos nem donde viemos. Cabe a lei eterna estabelecer limites a lei humana, pois ela possui tais respostas. Alex aeterna, se não pode servir de óbice a aquisição de direitos, muito mais não pode servir de óbice a aquisição de direitos que venham a prejudicar a vida das pessoas. Estando sob a proteção de Deus a Constituição da República, por que abarcar as relações homossexuais como algo divino.

Referências:

1. DA SILVA, JOSÉ AFONSO. CURSO DE DIREITO      CONSTITUCIONAL POSITIVO

2. TUCCI, ROGÉRIO LAURIA. DIREITOS E GARANTIAS      INDIVIDUAIS NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO

3. TUCCI, ROGÉRIO LAURIA ob cit.

4. BILLIER, Jean-Cassien      e MARYIOLI, Aglaé. HISTÓRIA DA FILOSOFIA DO DIREITO (HISTORIE DE      LA PHILOSOPHIE DU DROIT)

5. BÍBLIA SAGRADA  AVE MARIA

 

 

Disponível em: http://www.meuadvogado.com.br/entenda/o-substantive-due-process-of-law-e-a-efetividade-de-sua-aplicacao-no-direito-patrio.html