O regime disciplinar diferenciado e a sua consonância com os princípios fundamentais do direito penal


Porrayanesantos- Postado em 28 maio 2013

Autores: 
CARVALHO, Carolina Matos

 

1. INTRODUÇÃO

O Regime Disciplinar Diferenciado sempre foi causador de polêmica quanto à sua constitucionalidade. Este artigo tem por escopo analisar o citado regime à luz da Constituição Federal, apresentando os posicionamentos doutrinários diversos sobre o assunto, confrontando os princípios que regem ambos os posicionamentos.

Posteriormente, será feita uma abordagem sobre diversos princípios constitucionais penais, inseridos na Constituição Federal e de grande aplicabilidade no direito penal, são os chamados principio reserva legal; anterioridade; individualização das penas; intervenção mínima; e princípio da humanidade.

Em seguida, será demostrada a relação existente entre a Lei de Execução Penal e a Constituição Federal, afirmando que ambas caminham juntas em busca da ressocialização do preso e da prevenção do crime.

Após, faremos um estudo sobre o Regime Disciplinar Diferenciado, instituído pela Lei 10.792/03, demonstrando sua origem e cabimento, além de enfatizar sua constitucionalidade, estando em consonância com os princípios que norteiam o atual ordenamento jurídico e com a jurisprudência dos tribunais superiores, podendo ser visto como um instrumento apto a atender às necessidades de maior segurança nos estabelecimentos penais.

Por fim, abordaremos nosso entendimento, trazendo os principais argumentos que asseguram a constitucionalidade do regime disciplinar diferenciado.

2. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS PENAIS

Os princípios constitucionais penais orientam a política legislativa criminal e limitam o poder punitivo do Estado, garantindo as liberdades e os direitos fundamentais (PRADO, 2010, p.138), vejamos a seguir alguns desses princípios.

2.1 Princípio da reserva legal

Este princípio está presente no arigo 5º, XXXIX da Constituição Federal e no artigo 1º do Código Penal afirmando que não há crime sem lei anterior que o defina.

Para Cléber Masson (2010, p.22), o princípio em tela, contém um fundamento jurídico, que é a taxatividade, certeza ou determinação e um fundamento político, sendo este a proteção do ser humano em face do arbítrio do poder de punir do Estado.

Foi com a chegada do iluminismo que o princípio da reserva legal passou a ser parte integrante dos textos legislativos de forma expressa e incontroversa, agindo como instrumento limitador de poder, sendo que, como regra, somente o poder legislativo federal, mediante lei ordinária federal é autorizado a legiferar em matéria penal (CARVALHO, 2002, p. 47).

O principio da reserva legal afasta qualquer tentativa de estabelecer novos tipos penais através de portarias, medidas provisórias, instruções normativas, assegurando a necessidade de um processo legislativo regular para que se possa inovar no campo penal.

Sobre o princípio em tela, afirma Luiz Flávio D’urso (1999, p.49):

Contudo, a reserva legal não diz apenas que o crime precisa ser previsto em lei; diz mais: que a lei que o prevê precisa ser exata, descrevendo claramente a conduta que se quer proibir, vedando a analogia para a imposição de penas. Trata-se da taxatividade da norma penal, um efeito da reserva legal que exige definição precisa da ação humana prevista no tipo, pois as eventuais falhas na lei em descrever a conduta não podem ser preenchidas pelo julgador.

O principio da reserva legal é fruto de uma conquista do passado, que tem por escopo orientar o legislador a assegurar um correto procedimento legislativo e também a verificar se a matéria objeto da legislação penal está em consonância com todos os princípios assegurados pela Constituição Federal. Além de denotar uma garantia da sociedade de que não haverá penas arbitrárias, sendo que não haverá pena sem prévia cominação legal clara e precisa.

2.2 Princípio da anterioridade

Reza a parte final do já referido artigo 5º, XXXIX, da Constituição Federal: “não há pena sem prévia cominação legal”, eis o denominado princípio da anterioridade. 

O referido princípio, assim como a reserva legal, é consequência das ideias consagradas pelo Iluminismo, estando expressamente previsto na Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789 (BITENCOURT, 2012, p. 49).

O principio assegura o tempus regit actum, ou seja, a lei que está em vigor na data do fato é que regerá o caso concreto, não se aplicando aos fatos anteriores, nem aos posteriores a sua cessação, lembrando que sempre retroagirá a lei que for mais benéfica para o réu.

Ocorre que, em casos excepcionais, como leis temporárias ou excepcionais, mesmo tendo acabado seu período de vigência terão aplicação aos fatos ocorridos durante sua vigência, mesmo que, posteriormente, surja uma lei mais benéfica para o réu, sendo, portanto, ultra-ativas, conforme artigo 3º do Código Penal.

2.3 Princípio da individualização das penas

A Constituição Federal afirma em seu artigo 5º XLVI: “A lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: a) privação ou restrição da liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão ou interdição de direitos;”.

Para resguardar a individualização da pena, é necessário que seja concedido a cada indivíduo o que lhe cabe, tendo em vista as circunstâncias específicas da sua conduta, ou seja, os aspectos objetivos e subjetivos do crime (MASSON, 2012, p. 36).

É possível observar a aplicação do citado princípio sobre o prisma legislativo, estabelecendo sanções adequadas ao descrever minuciosamente o tipo penal, sob o prisma judicial, ao efetivar o que foi estabelecido pelo legislador, obedecendo ao sistema trifásico (artigo 68 do Código Penal). Por fim, podemos falar do prisma administrativo, esta será efetuada no momento da execução da pena, devendo ser observado o caso concreto, dando tratamento singular ao apenado (IDEM, 2012, p. 37).

2.4 Princípio da intervenção mínima

Esse princípio surge, em 1789, na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, afirmando, que a lei deve prevê as penas estritamente necessárias. O direito penal deve ser a ultima ratio, devendo atuar, apenas quando os outros ramos do direito não puderem solucionar o problema.

Sobre o princípio da intervenção mínima na América Latina Eugenio Zaffaroni (2011, p. 78) relata:

No nosso contexto latino-americano, apresenta-se um argumento de reforço em favor da mínima intervenção do sistema penal. Toda a América está sofrendo as consequências de uma agressão aos Direitos Humanos (que chamamos de injusto jushumanista), que afeta o nosso direito ao desenvolvimento, que se encontra consagrado no art. 22 (e disposições concordantes) da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Este injusto jushumanista tem sido reconhecido pela Organização dos Estados Americanos (OEA), através da jurisprudência internacional da Comissão dos Direitos Humanos, que declara ter sido violado o direito ao desenvolvimento em El Salvador e no Haiti. A existência deste injusto jushumanista não é, pois, uma afirmação ética, mas uma afirmação jurídica, reconhecida pela jurisprudência internacional.

Masson (2012, p. 44), demonstrando o posicionamento do Supremo Tribunal Federal (HC 92.463/RS, rel. Min. Celso de Mello, 2ª Turma, j. 16.10.2007), sobre o referido princípio, afirma:

O sistema jurídico há de considerar a relevantíssima circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificam quando estritamente necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade, e de outros bens jurídicos que lhes sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado de significativa lesividade. O direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado, cujo desvalor – por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes – não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social.

Conclui-se, que o direito penal, tem por finalidade proteger os bens mais importantes e indispensáveis ao convívio em sociedade para a manutenção da paz social, não podendo desgastar–se com objetos de menor importância, devendo este ser valorado no caso concreto.

2.5 Princípio da humanidade

Esse princípio refuta a criação de tipos penais que acarretem a incolumidade física ou moral do indivíduo, nessa esteira reza a Magna Carta, no artigo 5º XLVII que: “Não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do artigo 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis;”.

           Com base nesse princípio, decidiu o Superior Tribunal de Justiça (HC 217058-RS) que "A superlotação e a precariedade do estabelecimento penal, é dizer, a ausência de condições necessárias ao cumprimento da pena em regime aberto, permite ao condenado a possibilidade de ser colocado em prisão domiciliar, até que solvida a pendência, em homenagem aos princípios da dignidade da pessoa humana, da humanidade da pena e daindividualização da pena”.

De acordo com Masson (2012, p. 44), o referido princípio decorre da dignidade da pessoa humana, fundamento da República Federativa do Brasil, previsto no artigo 1º, III, da Carta Magna.

Com maestria fala Bitencourt (2012, p. 67) sobre o princípio em tela:

O princípio da humanidade do Direito Penal é o maior entrave para a adoção da pena capital e da prisão perpétua. Esse princípio sustenta que o poder punitivo estatal não pode aplicar sanções que atinjam a dignidade da pessoa humana ou que lesionem a constituição físico-psíquica dos condenados. A proscrição de penas cruéis e infamantes, a proibição de tortura e maus tratos nos interrogatórios policiais e a obrigação imposta ao Estado de dotar sua infra-estrutura carcerária de meios e recursos que impeçam a degradação e a dessocializaçãodos condenados são colorários do princípio de humanidade (...)

Por fim, é relevante notar que foi com base no referido princípio que o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade da aplicação, aos crimes hediondos e equiparados, da pena privativa de liberdade em regime integralmente fechado Masson (2012, p. 44).

3. LEI DE EXECUÇÃO PENAL E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Primeiramente, é relevante lembrar que compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre direito penitenciário ou execução penal brasileiro, de acordo com o artigo 24, I da constituição Federal. Ressaltando que vigora atualmente a Lei de Execução Penal (Lei 7.210, de 11.07.1984).

A Constituição Federal determina que “será assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”. Com o intuito de materializar os ditames da Magna Carta relacionados aos presos, é que surge a citada Lei de Execução Penal (Lei 7.210/84).

A Lei de 7.210/84, em seu artigo 1º afirma que a execução penal possui duas funções: a correta efetivação do que foi determinado na sentença penal e proporcionar condições para a readaptação social e moral do preso (ZACARIAS, 2006, p. 30).

Eugenio Raúl Zaffaroni (2011, p.131) relacionando a execução penal com os outros ramos do direito comenta:

As sanções que correspondem a outros ramos do direito, devido a seu caráter reparador, são de fácil execução. Assim, uma indenização civil se faz efetiva mediante uma ação de indenização e/ou de execução que o próprio direito processual civil prevê, e que é levada a cabo por funcionários que dependem, administrativamente, do próprio Poder Judiciário. A execução da pena, ao contrário, devido à sua intenção punitiva, apresenta uma enorme complexidade, particularmente quando se trata de penas privativas de liberdade, o que tem motivado um grande desenvolvimento de seu regramento legal.

É verdade que a Lei 7.210/84 representa um código de postura do condenado perante a Administração e o Estado (MARCÃO, 2012 p.64), prescrevendo, inclusive, os deveres do preso, seja ele provisório ou definitivo, além de estabelecer um rol exemplicicativo dos direitos assegurados aos condenados.

Afirma Mirabete (2008, p. 41) que:  “a Lei de Execução Penal, impedindo o excesso ou o desvio da execução, torna expressa a extensão de direitos constitucionais aos presos e internos. Por outro lado, assegura também condições para que os mesmos, em decorrência de sua situação particular, possam desenvolver-se no sentido da reinserção social com o afastamento de inúmeros problemas surgidos com o encarceramento”.

Portanto, podemos chegar a conclusão de que a Lei de Execução Penal é tida como um progresso, pois visa assegurar aos presos a materialização dos seus direitos fundamentais previstos na Constituição Federal.

Na sequência, iniciaremos uma profunda abordagem sobre o Regime Disciplinar Diferenciado, previsto no artigo 52 da Lei 7210/84.

4. REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO 

Sobre a origem histórica do regime disciplinar diferenciado, Renato Marcão (2012, p.73) citando Adeildo Nunes, afirma que seu surgimento se deu por causa do aumento desordenado das facções criminosas nos grandes e médios presídios em São Paulo, resultando na criação do referido regime por meio da Resolução n º26, criada pelo Secretário de Administração Penitenciária. Ocorre que, logo após a resolução, foi arguida a sua inconstitucionalidade, ao argumento de que só poderia versar sob tal matéria Lei Ordinária e não resolução.

Posteriormente, o Tribunal de Justiça de São Paulo declarou a Resolução constitucional, afirmando que os estados-membros, conforme artigo 24, I, da Constituição Federal está autorizado a legislar sobre sistema penitenciário. No mesmo mês, foram mortos dois juízes de Execução, em São Paulo e no Espírito Santo, fato este que fez surgir no congresso Nacional o Projeto de Lei 7.053, sendo posteriormente aprovado, criando, com força de Lei, o regime disciplinar diferenciado (IDEM, p.73).

O regime disciplinar diferenciado está previsto no artigo 52 da Lei de Execuções Penais, com a redação dada pela Lei 10.792, de 1º de dezembro de 2003, afirmando que “a prática de fato previsto como crime doloso constitui falta grave e, quando ocasione subvenção da ordem ou disciplina internas, sujeita o preso provisório, ou condenado, sem prejuízo da sanção penal, ao regime disciplinar diferenciado, com as seguintes características: I- duração máxima de trezentos e sessenta dias, sem prejuízo de repetição da sanção por nova falta grave de mesma espécie, até o limite de um sexto da pena aplicada; II- recolhimento em cela individual; III- visitas semanais de duas pessoas, sem contar as crianças, com duração de duas horas; IV- o preso terá direito à saída da cela por 2 horas diárias para banho de sol”.

Sobre os elementos subversãoordem e disciplina, nos explica Renato Marcão (2012, p. 75), citando Antônio Houaiss que subversão é sinônimo de tumulto, sendo o ato ou efeito de transtornar o normal funcionamento de alguma coisa. Ordem, por sua vez, remete a organização, significando regulamento sobre a conduta de membros de uma coletividade, imposto ou permitido pela vontade dos indivíduos, com o intuito de estabeler o bem-estar e o bom andamento dos afazeres. Finalmente, disciplina significa realizar com a devida obediência às regras e aos hierarquicamente superiores.

Vale ressaltar que, conforme o § 1º, do citado artigo, desde que apresente alto risco para ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade, o regime disciplinar diferenciado pode abrigar nacionais ou estrangeiros, bem como presos condenados ou provisórios.

O § 2º do artigo, por sua vez, diz que “estará igualmente sujeito ao regime disciplinar diferenciado o preso provisório ou condenado sob o qual recaiam fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer título, em organizações criminosas, quadrilha ou bando”.

Nessa linha, leciona Damásio (2012, p.572):

Cumpre mencionar que a LEP, em seu art. 52, institui o regime disciplinar diferenciado (RDD), que consiste na obrigação de o preso (definitivo ou provisório) ser recolhido em cela individual, limitando-se suas saídas diárias e visitas semanais. Aquelas poderão ter até duas horas para banho de sol e estas permitem até duas pessoas (sem contar crianças) e não poderão ultrapassar duas horas. A imposição desse regime depende de decisão do juiz das execuções penais e poderá ter lugar, de acordo com a norma legal, sempre que ocorrer “a prática de fato previsto como crime doloso”, que provoque “subversão da ordem ou disciplina internas”. Também ficam sujeitos ao regime o preso que apresentar “alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade” e aquele sobre o qual recaiam “fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer título, em organizações criminosas, quadrilha ou bando”.

Conforme o artigo 54 e parágrafos, a decisão sobre a inclusão do acusado no regime disciplinar diferenciado será do juiz da execução, ouvido previamente o Ministério Público e a defesa, e mediante requerimento pormenorizado, do diretor do estabelecimento ou outra autoridade administrativa.

Guilherme Nucci (2006, p.308), sabiamente, alerta aos juízes da excução: “é preciso que o magistrado encarregado da execução penal tenha a sensibilidade que o cargo lhe exige para avaliar a real e efetiva necessidade da inclusão do preso, especialmente do provisório, cuja inocência pode ser constatada posteriormente, no RDD”.

Vale lembrar que, ainda com o intuito de combater a criminalidade, o art. 4º da Lei 10.792/2003, informa que “os estabelecimentos penitenciários, especialmente os destinados ao regime disciplinar diferenciado, disporão, dentre outros equipamentos de segurança, de bloqueadores de telecomunicação para telefones celulares, radio-transmissores e outros meios”.

Além disso, todos aqueles que queiram ter acesso ao referido estabelecimento, ainda que exerçam cargo ou função pública, devem se submeter ao detector de metais implantados nos estabelecimentos penitenciários (artigo 3º da Lei 10.792/2003).

Entendendo ser inconstitucional o RDD, Cezar Bitencourt (2012, 162) argumenta que:

Com efeito, à luz do novo diploma legal, percebe-se que às instâncias de controle não importa o que se faz (direito penal do fato), mas sim quem faz (direito penal do autor). Em outros termos, não se pune pela prática de fato, mas sim pela qualidade, personalidade ou caráter de quem faz, num autêntico Direito Penal do autor. Nesse sentido, merece ser destacada a percuciente lição de Paulo César Busato, in verbis: “...o fato de que apareça uma alteração da Lei de Execuções Penais com características pouco garantistas tem raízes que vão muito além da intenção de controlar a disciplina dentro do cárcere e representam, isto sim, a obediência a um modelo politica-criminal violador não só dos direitos fundamentais do homem (em especial do homem que cumpre pena), mas também capaz de prescindir da própria consideração do criminoso como ser humano e inclusive capaz de substituir um modelo de Direito penal do fato por um modelo de Direito penal do autor”.

Data vênia a posição do renomado autor, ousamos discordar, entendendo que o regime disciplinar diferenciado, se faz necessário frente à crescente onda de risco social, causada pelos membros de organizações criminosas, quadrilha ou bando, de dentro do próprio presídio. Portanto, o RDD, visa proteger a sociedade e o próprio acusado contra violências e ameaças, dentre outros malefícios que permeiam nos presídios.

Traçando a linha que seguimos, é brilhante a reflexão do renomado mestre Fernando Capez (2012, p.411), afirmando a constitucionalidade do regime disciplinar diferenciado:

Entendemos não existir nenhuma inconstitucionalidade em implementar regime penitenciário mais rigoroso para membros de organizações criminosas ou de alta periculosidade, os quais, de dentro dos presídios, arquitetam ações delituosas e até terroristas. É dever constitucional do Estado proteger a sociedade e tutelar com um mínimo de eficiência o bem jurídico, pelo qual os interesses relevantes devem ser protegidos de modo eficiente. O cidadão tem o direito constitucional a uma administração eficiente (CF, art. 37, caput). Diante da situação de instabilidade institucional provocada pelo crescimento do crime de organizado, fortemente infiltrado no sistema carcerário brasileiro, de onde provém grande parte de crimes contra a vida, a liberdade e o patrimônio de uma sociedade cada vez mais acuada, o Poder Público tem a obrigação de tomar medidas, no âmbito legislativo e estrutural, capazes de garantir a ordem constitucional e o Estado Democrático de Direito. Prova da importância que nossa CF confere a tais valores encontra-se o art. 5º, caput, garantindo a todos o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, bem como no inciso XLIV desse mesmo artigo, o qual considera imprescritíveis as ações de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático. Assim, cediço de que não existem garantias absolutas, e que essas devem harmonizar-se formando um sistema equilibrado.

Cléber Masson (2012, p.596), também corroborando com a constitucionalidade do regime, argumenta de modo contrário a inconstitucionalidade do RDD:

Entretanto, não nos parece o caminho correto. O regime é severo, rígido, eficaz ao combate do crime organizado, mas nunca desumano. Muito ao contrário, a determinação de isolamento em cela individual, antes de ofender, assegura a integridade física e moral do preso, evitando contra ele violências, ameaças, promiscuidade sexual e outros males que assolam o sistema penitenciário.

Continua Masson:

O tratamento legal mais rigoroso está em sintonia com a maior periculosidade social do seu destinatário. Quem busca destruir o Estado, criando governos paralelos tendentes ao controle da sociedade, deve ser enfrentado de modo mais contundente. Não se pode tratar de igual maneira um preso comum e um preso ligado às organizações criminosas. Além disso, o interesse público exige a proteção das pessoas de bem, mediante a efetiva segregação de indivíduos destemidos e incrédulos com a força dos poderes constituídos pelo Estado.

Por tudo, é correto asseverar que o Regime Disciplinar Diferenciado é constitucional, materializando a segurança, que é direito de todos, conforme o artigo 5º, caput, da nossa Magna Carta, protegendo não somente toda a sociedade, como o próprio condenado.

Além disso, como já dito acima, não merece prosperar o argumento de que a aplicação do regime disciplinar diferenciado fere os princípios da humanidade, dignidade da pessoa humana ou proibição da tortura.

É sabido que, tendo em vista a relativização dos princípios constitucionais, em certos casos, necessário se faz restringir princípios que asseguram direitos ao condenado, com a finalidade de assegurar direitos da coletividade. Devemos rechaçar tratamentos igualitários à presos com comportamentos, claramente, distintos. Portanto, conforme veremos na jurisprudência dominante, deve ser analisado o caso concreto, observando o principio da proporcionalidade, em nome da ordem e da disciplina na execução penal, bem como, visando o bem comum de todos.

5. POSICIONAMENTO DOS TRIBUNAIS SOBRE O REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO

No Habeas Corpus 44.049-SP, a defesa sustentou, dentre outras coisas, a inconstitucionalidade do Regime Disciplinar Diferenciado, alegando violação dos princípios da dignidade da pessoa humana, bem como a proibição de submissão à tortura e ao tratamento desumano e degradante. No entanto, o Superior Tribunal de Justiça, entendeu pela constitucionalidade do RDD relatando que:

 “Com efeito, o regime disciplinar diferenciado não fere qualquer princípio ou norma constitucional, não acarretando a sua imposição cumprimento de pena de forma cruel degradante ou desumana. Outrossim, não contraria regras internacionais sobre a dignidade humana, nem mesmo mencionadas na contrariedade apresentada. Por outro lado, e contrariamente ao sustentado, prestigia o princípio da individualização do cumprimento da pena, uma vez que permite tratamento penitenciário desigual a presos desiguais, seja pela prática de faltas disciplinares graves, seja por seu envolvimento com o crime organizado, seja, por fim, pelo alto risco que representam para a ordem e a segurança da sociedade e dos presídios comuns. Anote-se que o regime diferenciado não suprime direitos do preso, limitando-se a restringí-Io ao que se verifica da leitura ao art. 52; I, II, III e IV, da Lei n° 7.210/83e art. 5, II a V, da Lei n° 10.792/2003. Tais restrições (recolhimento a cela individual, limitação do número de visitas e do número de horas de banho de sol), ao que se verifica, não são, evidentemente, caracterizadoras de tratamento desumano ou degradante, restringindo somente a liberdade de locomoção do preso no interior do presídio, com a finalidade de punição pelas faltas graves por ele praticadas (art. 52, caput), ou de acautelamento da administração penitenciária contra a sua potencial periculosidade (art. 52, § 1°e 2°, da LEP)”.

Nesse sentido, no HC 40.300- RJ, decidiu a 5ª turma do Superior Tribunal de Justiça:

O Regime Disciplinar Diferenciado é previsto, portanto, como modalidade de sanção disciplinar (hipótese disciplinada no caput do art. 52, da LEP) e, também, como medida cautelar (hipóteses dos §§ 1º e 2º da LEP), caracterizando-se pelas seguintes restrições: permanência do preso em cela individual, limitação do direito de visita e redução do direito de saída da cela, prevista apenas por 2 (duas) horas. Assim, não há falar em violação ao princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF), à proibição da submissão à tortura, a tratamento desumano e degradante (art. 5º, III, da CF) e ao princípio da humanidade das penas (art. 5º, XLVII, da CF), na medida em que é certo que a inclusão no RDD agrava o cerceamento à liberdade de locomoção, já restrita pelas próprias circunstâncias em que se encontra o custodiado, contudo não representa, per si, a submissão do encarcerado a padecimentos físicos e psíquicos, impostos de modo vexatório, o que somente restaria caracterizado nas hipóteses em que houvesse, por exemplo, o isolamento em celas insalubres, escuras ou sem ventilação. Ademais, o sistema penitenciário, em nome da ordem e da disciplina, bem como da regular execução das penas, há que se valer de medidas disciplinadoras, e o regime em questão atende ao primado da proporcionalidade entre a gravidade da falta e a severidade da sanção. Outrossim, a inclusão no RDD não traz qualquer mácula à coisa julgada ou ao princípio da segurança jurídica, como quer fazer crer o impetrante, uma vez que, transitada em julgado a sentença condenatória, surge entre o condenado e o Estado, na execução da pena, uma nova relação jurídica e, consoante consignado, o regime instituído pela Lei n.º 10.792/2003 visa propiciar a manutenção da ordem interna dos presídios, não representando, portanto, uma quarta modalidade de regime de cumprimento de pena, em acréscimo àqueles previstos pelo Código Penal (art. 33, CP). Pelo mesmo fundamento, a possibilidade de inclusão do preso provisório no RDD não representa qualquer ofensa ao princípio da presunção de inocência, tendo em vista que, nos termos do que estabelece o parágrafo único do art. 44 da Lei de Execução Penal, "estão sujeitos à disciplina o condenado à pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos e o preso provisório". (...) Por fim, considerando-se que os princípios fundamentais consagrados na Carta Magna não são ilimitados (princípio da relatividade ou convivência das liberdades públicas), vislumbra-se que o legislador, ao instituir o ora combatido Regime Disciplinar Diferenciado, atendeu ao princípio da proporcionalidade. Alexandre de Moraes, em sua obra "Constituição do Brasil Interpretada", consigna que "a simples existência de lei não se afigura suficiente para legitimar a intervenção no âmbito dos direitos e liberdades individuais. É mister, ainda, que as restrições sejam proporcionais, isto é, que sejam adequadas e justificadas pelo interesse público e atendam ao critério da razoabilidade. Em outros termos, tendo em vista a observância dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, cabe analisar não só a legitimidade dos objetivos perseguidos pelo legislador, mas também a necessidade de sua utilização, isto é a ponderação entre a restrição a ser imposta aos cidadãos e os objetivos pretendidos"(in Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional , 4ª edição, Editora Atlas S.A., 2004, p. 170). Dessa forma, tenho como legítima a atuação estatal ao instituir o Regime Disciplinar Diferenciado, tendo em vista que a Lei n.º 10.792/2003 busca dar efetividade à crescente necessidade de segurança nos estabelecimentos penais, bem como resguardar a ordem pública, que vem sendo ameaçada por criminosos que, mesmo encarcerados, continuam comandando ou integrando facções criminosas as quais atuam tanto no interior do sistema prisional – liderando rebeliões que não raro culminam com fugas e mortes de reféns, agentes penitenciários e/ou outros detentos – quanto fora, ou seja, em meio à sociedade civil. Mais uma vez utilizando os percucientes ensinamentos do já citado Alexandre de Moraes (obra mencionada, p. 169), vale registrar que "os direitos fundamentais não podem ser utilizados como um verdadeiro escudo protetivo da prática de atividades ilícitas, nem tampouco como argumento para afastamento ou diminuição da responsabilidade civil ou penal por atos criminosos, sob pena de total consagração ao desrespeito a um verdadeiro Estado de Direito”.

Por tudo, é cristalino na jurisprudência a constitucionalidade do regime disciplinar diferenciado, sendo este considerado uma forte arma no combate às organizações criminosas que atuam dentro dos presídios, agindo como um meio para alcançar a almejada segurança garantida a todos no art. 5 º da Constituição Federal.

6. CONCLUSÃO

Assim, tendo em vista toda a análise constitucional e jurisprudencial realizada, ficou evidenciado de maneira clara que, a doutrina majoritária é favorável a utilização do Regime Disciplinar Diferenciado, entendendo por sua constitucionalidade e classificando-o como indispensável a promoção da segurança e eficácia do ordenamento jurídico.

A pesquisa bibliográfica realizada não deixa dúvidas de que o RDD, instituído pela Lei 10.792/03, é um forte instrumento de combate a insegurança gerada pelo comportamento reprovável do preso, sendo cabível quando o preso, provisório ou definitivo, praticar fato previsto como crime doloso, conturbando a ordem e a disciplina interna do presídio onde se encontre, bem como, quando o preso, provisório ou condenado, representar alto risco para a ordem e à segurança do estabelecimento penal ou da sociedade; e, por fim, quando o preso, provisório ou condenado, estiver envolvido com organização criminosa, quadrilha ou bando, bastando, nesse último caso, fundada suspeita.

Foi demonstrada a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que entende não existir direito absoluto, devendo os direitos do preso serem relativizados diante da falta grave cometida, ou mesmo, da necessidade de defesa da ordem pública, diante dos lideres e integrantes das facções criminosas, responsáveis por fugas e rebeliões, que mesmo encarcerados, comandam as quadrilhas ou organizações criminosas.

Destacou-se que não seria justo conceder o mesmo tratamento ao preso que tem bom comportamento, daquele que continua a ameaçar o bom funcionamento do ordenamento jurídico, seria, pois, ferir os fundamentos do principio constitucional da igualdade, assegurando direitos iguais à situações distintas, sendo que o tratamento mais rigoroso ao apenado está em consonância com a periculosidade do seu comportamento.

Concluiu-se que, em nome da ordem e da disciplina, o sistema penitenciário deve se valer do Regime disciplinar Diferenciado para proteger a sociedade e o próprio condenado, fornecendo a todos uma administração efetiva e resguardando a ordem pública.

Assim sendo, diante do estudo realizado sobre o Regime Diferenciado disciplinar e sua consonância com os princípios constitucionais penais, entende-se como correta o atual entendimento dos tribunais superiores sobre a constitucionalidade do regime.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito Penal. 17ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

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