O processo como relação jurídica


PorPedro Duarte- Postado em 17 outubro 2012

Autores: 
Luís Mário Leal Salvador Caetano

Estudo sobre o processo e sua natureza, com ênfase no processo como relação jurídica.

 

1 Introdução

O trabalho tem como meta o estudo da natureza jurídica no processo que se desenvolve a cada dia, tornando a lei processual mais eficaz, prática e abrangente. Deste modo, são expostas diversas teorias sobre o processo e sobre o mesmo como relação jurídica, foco do trabalho – além de sua definição, elementos e sujeitos da relação, características e opiniões variadas de autores que divergem em determinados pontos do assunto. Assim, pretendemos fazer parte desta grande investigação do Direito Processual, sobre a natureza do processo.

 

2 Sobre o Estudo da Natureza Jurídica do Processo

Juristas e pensadores do Direito, em todo o estudo de produção de conhecimento jurídico do mundo, tendem a se perguntar qual a natureza jurídica de determinado instituto – e não é diferente com o processo.

Este estudo se mostra essencial não só para o desenvolvimento teórico no âmbito processual, mas como também no prático. Isto se dá pelo fato de, embora o legislador tentar sempre chegar à uma “lei perfeita”, ele nunca conseguirá. Historicamente, a evolução de teorias abarcadas pela ciência do Direito impulsionou o desenvolvimento de legislações cada vez mais completas, abrangentes, justas no ponto de vista sociológico, filosófico ou financeiro – que também não apresentam conteúdo (principalmente em relação a necessidades) estático, o que por si só bastaria para tornar defasados antigos sensos-comuns jurídicos e políticos, na busca da mais legítima legislação. Desta feita, toda lei concebida, por mais que assim não pareça, está sujeita ao processo de inutilização, seja pela mudança dos costumes, da sociedade, ou pelo enriquecimento do conhecimento jurídico. E o que deveria ser feito, então, quando uma lacuna fosse deixada por lei tão primordial como a processual?

É assim que chegamos à importância prática do estudo na natureza do processo. Se um dia for acordado que o processo jurídico é um contrato, um quase-contrato ou uma relação jurídica, em determinada vez que a lei do processo não tutele quesito essencial (como capacidade, competência, nulidade dos atos jurídicos) explicitamente, isto aconteceria usando partes do Código Civil para o reconhecimento dos Direitos – seja ela a parte contratual ou a de relações jurídicas, de acordo com o que a natureza processual fosse considerada.

3 As teorias

Desta maneira, expomos que há dois grandes grupos de teorias acerca da natureza jurídica processual, quais sejam: o grupo das teorias privatistas – que reconhecerão no processo a semelhança com um contrato, devido à certas ações advindas das partes, parecida com uma relação contratual – e o grupo das publicistas – que reconhecem o processo como algo que não parte inteiramente das partes (como, por exemplo, quando alguém só se apresenta após intimação), mas como algo regido pelas leis e pelas forças do domínio público.

As teorias privatistas são as que consideram o processo como contrato (inspirada em texto de Ulpiano) e como quase-contrato (inspirada em fragmento textual romano chamado “de Pecúlio”). Já as publicistas são: primeiro, a teoria do processo como serviço público; segundo, o processo como instituição (desenvolvida por Jaime Guasp); o processo como procedimento, o processo como situação jurídica (Goldschimidt), e, por último, o processo como relação jurídica, teoria que atribui a sua formulação inicial a Oskar von Bülow, a qual será o objeto de estudo principal deste trabalho.

4 O Processo Como Relação Jurídica

4.1 O Início

A teoria do processo como relação jurídica surge como um gigantesco avanço no estudo da essência processual, já que, finalmente, aparecia uma teoria que lembrava que, ao contrário do que era considerado nas teorias contratualistas, os indivíduos não tinham real poder sobre o processo jurisdicional, uma vez que o Estado não mais permitia aos cidadãos a sua autodefesa (a não ser em exceções, quando o Estado não podia estar presente, como na legítima defesa) dos bens jurídicos, trazendo para si a obrigação de exercer não só a jurisdição, como também os procedimentos coercitivos e executórios, algo hoje impensável de se deixar nas mãos de particulares – estes, agora, reconhecidamente submetidos ao poder estatal através da justiça e suas peculiares formas de agir.

Como ensina Alvim, Oskar von Bülow é o principal teórico do nascimento desta teoria:

Segundo Alvim (2003, p. 161 e 162 apud PINTO), no exato ano de 1868, Oskar von Bülow, “publica na Alemanha uma obra intitulada A Teoria das Exceções Processuais e os Pressupostos Processuais”. A teoria basicamente trata sobre a relação jurídica processual ocorrente entre as partes e o juiz. Esta idéia já foi discutida por vários outros autores, porém o mérito a Bülow se dá pela “sistematização da relação processual” e não propriamente da existência da relação processual.

Pinto demonstra a evolução no próprio Estado:

O Estado, antes delimitado pelos particulares, era tido apenas, como espectador de tantas relações realizadas entre os particulares. Não podendo intervir. Muitas denominações lhe foram atribuído, a título de exemplo: Estado Polícia, onde poderia agir somente dentro dos limites estabelecidos e das liberdades individuais.

Com o passar do tempo o Estado foi sendo requerido pelos indivíduos para solucionar os problemas concernentes às relações. Passaria assim, o Estado, a ser o único detentor da jurisdição, tendo, portanto, a obrigação de resolver os conflitos de interesses.

Importante dar ênfase de que apesar de ser o detentor da jurisdição, o “Estado-juiz não age de oficio; aguarda sempre a provocação de quem se julga com direito a uma prestação por parte de outrem” (ALVIM, p.163, 2003). Outras limitações ou atribuições também foram previamente estabelecidas em lei, devendo o Estado através de seus órgãos respeitarem.

4.2 Definição

O processo é considerado, nesta teoria, como relação jurídica, pelo fato de demandante, demandado e juiz estabelecerem uma relação jurídica que incumbirá na decisão de prolatar sentença definindo o ato jurisdicional, seguindo os direitos e obrigações criados nos procedimentos desta relação. Ainda, no processo existem duas categorias distintas de relações jurídicas: a material e a formal.

4.3 Relações Jurídicas

Suponhamos que, em um processo, o demandante, em sua petição inicial, exija que lhe seja pago valor previsto contratualmente. Devemos observar que, mesmo antes do sujeito do pólo ativo ferir a inicial inércia judicial, já se constatava vínculo entre as partes – de credor e devedor da obrigação. Esta seria a relação material, que, importante frisar, mesmo entre particulares, é questão de direito público. Somente após o não cumprimento da obrigação prevista, o credor exercerá seu direito à tutela dos bens jurídicos estatal, aí sim criando uma relação jurídica processual (ou, segundo Bülow, Direito formal).

Também há o detalhe de que só após ajuizada a ação é que se constituirá a relação autor-juiz; e, somente intimado o réu, este irá fazer parte da relação processual, uma vez que, mesmo na relação material, este não estaria se relacionando juridicamente até citado.

Fica fácil assim perceber porque o processo pode ser considerado uma relação jurídica. Das relações jurídicas emanam direitos e obrigações. Em um não tão complexo raciocínio, podemos ver: o sujeito ativo declara querer o reconhecimento que algo é seu direito, seguindo as obrigações formais da petição inicial; o juiz tem a obrigação de apreciar a matéria, e o direito de obrigar umas das partes da lide a comparecer em audiência; esta outra parte terá o dever de comparecer e o direito de produzir as provas que achar necessária para a as defesa; após todo o procedimento, o juiz terá a obrigação de exercer o poder estatal de proteção aos bens jurídicos. Podemos ver então que surgem, nos atos procedimentais, obrigações e deveres para as partes incluídas – e a relação que produz tais características é uma relação jurídica, sendo esta processual quando se referir ao processo.

Primordial é destacar que, em seus estudos, Bülow diferenciou processo e procedimento: o primeiro é instrumento da jurisdição, a relação que acontece entre as partes e o juiz, enquanto que procedimento é a forma com que o processo se exterioriza, como o processo se torna efetivo.

Relembrando o âmbito prático do estudo da natureza processual, vemos que, se o processo for considerado como relação jurídica, alguns primordiais requisitos deverão ser sempre observados. Alguns deles: a capacidade do sujeito do pólo ativo da ação, que formula o pedido; a legitimidade do juiz (natural, imparcial, observando todos as características do que diz respeito ao juiz no devido processo legal); a jurisdição ser inicialmente provocada (princípio da inércia do judiciário, quando o desdobramento do processo se dá de forma “automática”, mas o seu início depende da ação de uma das partes); objeto em questão (lícito, possível).

5 Características da Relação Jurídica Processual

Como anteriormente afirmado, a relação jurídica processual observa determinados requisitos e características próprias. Ademais, vemos algumas delas.

Autonomia da Relação Processual

É autônoma, distinta da relação jurídica material (ou substancial), sobre a qual divergem as partes, como supracitado. Conforme se pôde inferir, o juiz, em seu poder estatal, deve direcionar seus poderes apenas para a relação processual, uma vez que interferir em favor das partes materialmente seria ir contra o princípio da parcialidade do juiz (hoje, a corrente instrumentalista pensa de forma diversa, mas não cabe aqui este estudo), e talvez da inércia também. O juiz não deve interferir na litigância do objeto de forma a ferir os princípios do devido processo legal.

Relação Complexa e Dinâmica

A relação estabelecida é complexa pela diversidade de direitos e obrigações potencialmente exigíveis, além da faculdade, poder e ônus, que devem convergir para a jurisdição. Além disso, esta relação se considera dinâmica por ser progressiva, realizada em atos sucessivos, se movimentando de acordo com os procedimentos legais previstos para alcançar o fim.

Unidade da Relação Processual

Os atos processuais são relacionados para o fim desejado, qual seja, a sentença do juiz. Esta relação tem a propriedade de permanecer única até o seu fim, na jurisdição, mesmo que ocorram modificações subjetivas (das partes ou do juiz) ou objetivas (o pedido).

Relação de Direito Público

Regulada pelo Direito Processual, braço do Direito Público, importa na participação do juiz, investido dos poderes estatais, com a obrigação de prolatar decisão final em sentença, não raro sendo decisões absolutas (não se trata aqui do duplo grau de jurisdição, e sim da relação do juiz para com as partes) e coercitivas.

6 Elementos da Relação

Teoria Linear

Teoria de Kohler, define a relação como intrapartes, tornando o juiz estranho à relação processual estabelecida.

Teoria Bilateral

Teoria de Hellwig Plank e Carnelutti, entre outros, considera a relação dada como entre juiz e parte (autor e juiz/ réu e juiz), reciprocamente.

Teoria triangular

Representada por grandes nomes do Direito Processual, a começar pelo criador da tese em estudo neste trabalho, Bülow, passando por Wach, Chiovenda e Calamandrei, entre outros, é a teoria majoritária. Segundo esta teoria, autor, réu e juiz vinculam-se direta e reciprocamente, nem mesmo precisando do juiz para intermediar a relação entre autor e réu.

Teoria Angular

Segundo Humberto Teodoro Júnior, há ainda a teoria angular, atribuída a Hellwig. Na opinião dos autores do presente trabalho, é apenas variação e complementação teórica da teoria bilateral (o que reforçaria a atribuição a Hellwig, um dos expoentes desta última). Nela, o juiz se relaciona de forma superior às partes, uma vez que representa o poder estatal e essas estariam submetidas à sua soberania, fazendo com que elas obtivessem direitos e deveres voltados para o juiz.

7 Sujeitos da Relação

Em toda relação, obviamente, são imprescindíveis os sujeitos. Os sujeitos principais são o autor, o réu e o juiz. Existem os patronos das partes, que são os profissionais com o poder de exercer legalmente a função de defensores dos direitos requeridos pelas partes (os advogados). O Ministério Público também pode atuar como parte, substituto processual ou mesmo fiscal da lei. Por último, vemos os sujeitos secundários, que são basicamente os auxiliares da justiça e terceiros.

8 Considerações Finais

O estudo da natureza jurídica do processo se torna imprescindível tanto para o desenvolvimento teórico, como para a aplicação prática. As teorias acerca deste estudo - este trabalho com o foco no processo como relação jurídica - nos proporcionam a pluralidade de escolhas entre as correntes que podemos seguir sobre o assunto tratado, às vezes tão diferentemente entre autores – mesmo dentre os da mesma teoria, que divergem sobre os seus aspectos. Cada um deles, a seu modo discrimina, nos elementos das relações, cada parte sendo encaixada na teoria de acordo com sua opinião, em que, por exemplo, o juiz pode ser estranho à relação, ou juntamente com as partes, formar dada relação reciprocamente. A relação jurídica no processo tem apresentado grande avanço, tornando-se autônoma, complexa e dinâmica, movimentando-se de acordo com os procedimentos legais previstos e, embora o legislador nunca consiga chegar a uma “lei perfeita”, há sempre a necessidade de aprimorar e desenvolver, legislações cada vez mais completas, abrangentes e justas – o que pode ser alcançado na percepção de que o processo é uma relação jurídica, da qual emanam direitos e obrigações.

Referências

A Relação Jurídica Processual. Disponível em: <http://hc.costa.sites.uol.com.br/relacao.html> Acesso em: 16 jun. 2009

MENEZES, Carla de Oliveira. Processo e Procedimento. Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe. Disponível em: http://www.tj.se.gov.br/esmese/phpSecurePages/documentos/carlaoliveira/p... Acesso em: 15 jun. 2009

PINTO, Davi Souza. Teoria Geral de Processo. As diferentes visões teóricas que surgiram no decorrer da história do Direito Sobre o Processo. Revista Jus Vigilantibus.

Disponível em: <http://jusvi.com/artigos/35903> Acesso em: 15 jun. 2009 

VIEIRA, Anderson Novaes et al. Natureza Jurídica da Ação e do Processo. Jus Navigandi. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3078>. Acesso em: 15 jun. 2009