O papel dos municípios na concretização dos direitos humanos


Porwilliammoura- Postado em 23 novembro 2011

Autores: 
SOUSA, Laírcio Márcio Lemos e

O papel dos municípios na concretização dos direitos humanos

1 Introdução

Na Conferência das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos – Habitat II, no ano de 1996, várias nações, através da Declaração de Istambul e da Agenda Habitat, assumiram fortalecer o poder do município como meio estratégico para implementação dos Direitos Humanos. Para a realização dessas políticas públicas, os municípios necessitaram de uma maior autonomia para decidir as políticas públicas de sua responsabilidade, dando prioridade às ações que atendam as demandas da população local. Isto é, priorizando as necessidades específicas de cada região, respeitando as desigualdades regionais e culturais.

Até pouco tempo, o poder municipal era reflexo do poder central dominante e não do poder local. A legitimidade política municipal era anulada pelos interesses de grupos políticos centralizados. A ausência de lideranças políticas locais somava-se ao despreparo administrativo causando dependência ao poder central e a seus interesses não coincidentes com os das comunidades locais. Esta condição de dependência perpetuou-se por muitos séculos (SAULE JÚNIOR, 2001).

Com a descentralização política, os municípios adquiriram uma maior autonomia para decidir as políticas públicas de sua responsabilidade, dando prioridade às ações que atendam as demandas da população local. No entanto, para a efetividade dessas políticas públicas é necessário que as prefeituras dos municípios faça parcerias com o poder privado. O conceito de parceria está vinculado à possibilidade de planejamento e desenvolvimento de projetos integrados, pelos setores governamentais e não governamentais, públicos e privados. O parceiro é aquele que oferece efetivo aporte de recursos – humanos, físicos, financeiros, de tecnologia e conhecimentos – à realização dos programas e projetos.

 

2 Objetivo das políticas públicas

O objetivo das políticas públicas é minimizar as desigualdades sociais sejam elas econômicas, raciais, de gênero, cultural e outras. Dando a todos um tratamento específico conforme as suas necessidades. Observa-se que as políticas públicas somente serão benéficas se privilegiar as características locais como diferenciais competitivos e facilitadores do processo de desenvolvimento econômico, sócio-político e ambiental. Destaca-se ainda que o processo deve ser participativo com presença da população do local independente de diferenças políticas, religiosas ou de qualquer ordem.

O Modo de prover políticas públicas locais deve ser de forma que possibilite o surgimento de comunidades sustentáveis, capazes de suprir suas necessidades imediatas, de descobrir ou despertar vocações nas pessoas da comunidade, de desenvolver potencialidades específicas e aproveitar as potencialidades locais. No entanto, deve-se ampliar e fortalecer os serviços de monitoramento e avaliação das políticas públicas como forma de focar no resultado as melhores práticas, e que estas sirvam de fontes de referência para implementação de outras políticas que contribua cada vez mais com o desenvolvimento do município.

 

3 O papel do município na proteção dos direitos humanos

Para a concretização dos direitos sociais, Saule Júnior (2001) comenta que a agenda Habitat II estabelece que os municípios devem fazer parcerias entre prefeituras, organizações não-governamentais e organizações comunitárias. Essa pode ser uma alternativa que ajude na concretização dos direitos sociais. Pois, conforme Dallari Bucci (2001), são esses os espaços geradores de políticas públicas, ou seja, ações para implementação dos direitos sociais.

Para que as ações sociais assegurem um desenvolvimento sustentável, é necessário que o prefeito promova a integração entre os diversos setores da administração e incentive a articulação das políticas públicas setoriais com a finalidade de atender as carências das populações locais de forma integral, como: educação, saúde, transporte, habitação etc...

 

4 Políticas Públicas: planejamento, desenvolvimento e fiscalização

Acredita-se que os municípios possam concretizar os direitos sociais, desde que os projetos tenham como objetivos atender as necessidades da comunidade e não apenas de grupos empresarias sem levar em consideração as necessidades coletivas. No caso do Brasil, a descentralização por si só não é suficiente para que se possa atingir o desenvolvimento local. É necessário fortalecer a organização municipal. Além dos recursos financeiros escassos, existe uma limitação técnica que exige a capacitação dos dirigentes municipais para que as estratégias e ações possam ser desenvolvidas de acordo com as características de cada região. A autonomia adquirida pelos dos municípios brasileiros poderia propiciar a melhoria das condições humanas locais, se não fosse a falta de acompanhamento, isto é, de uma fiscalização das políticas públicas no momento de sua implementação. Podendo existir, ainda, alguns desvios de objetivos, onde o poder local, ao invés de atender as necessidades sociais das comunidades, atenda aos interesses econômicos de empresários que lhes favoreçam no período eleitoral.

4.1 Formulação de políticas públicas

Conforme Arzabe (2001), a idéia geral é a de que o executivo e o legislativo são responsáveis pela formulação, controle e avaliação das políticas públicas. Isto porque é comum o poder executivo formular políticas públicas por meio de decretos, resoluções, portarias; e o legislativo por meio de leis. Esta idéia errônea quanto à formulação de políticas públicas por parte da população, pode encontrar-se na falta de conscientização e educação por parte do próprio executivo, parecendo assim, ser até mesmo propositadamente para que não haja de verdade uma participação popular.

 

4.2 Conselhos gestores de políticas públicas

Com a redefinição da democrática representativa, surgiu os Conselhos de Direito ou Conselhos Gestores de Políticas Públicas, incumbidos de elaborar, supervisionar e avaliar as políticas públicas em nível federal, estadual e municipal. Os conselhos são constituídos, em sua maioria, não por mobilização comunitária, mas por meio de leis que regulamentam sua existência e lhes dão o poder de receber verbas federais, estaduais e municipais.

4.2.1 Composição e função dos conselhos gestores

Os conselhos gestores são compostos em sua maioria por 50% de seus membros originários do poder executivo e os outros 50% de pessoas da comunidade local. As funções dos conselhos gestores são: deliberar sobre matérias que envolvem os recursos; aprovar diretrizes e programas de alocação destes recursos; acompanhar/avaliar o impacto social, a gestão econômica/financeira e o desempenho dos projetos.

4.2.2 Eficácia dos conselhos gestores

Para que os conselhos gestores sejam realmente eficazes é necessária à participação dos membros do conselho no processo, dialogando desde a elaboração do projeto até a apresentação e aplicação de seus resultados; transparência em todas as fases do processo; preocupação com aspectos não só quantitativos, mas, sobretudo qualitativos, cobrindo dimensões de eficiência, eficácia e efetividade social das ações.

Arzabe (2001) relata que a missão dos conselhos municipais é criar um mecanismo de consulta e divisão de responsabilidade entre os setores da administração municipal e os membros da comunidade. Em princípio, os conselhos devem constituir um foro para discussão das decisões administrativas e políticas no nível local e para mediação dos conflitos. Entretanto, as informações disponíveis sugerem, contudo, que os conselhos têm um papel bem mais restrito. Diversos estados (inclusive Minas Gerais, Paraná e Pará) começaram a transferir fundos diretamente para as escolas, para cobrir custos de pequenos reparos e outras despesas urgentes. Os julgamentos quanto à legalidade desta prática divergem de estado para estado. No Paraná, por exemplo, julgou-se que a transferência de recursos públicos para os administradores escolares fere as leis estaduais (PLANK, 1992).

Os conselhos de direitos ou conselhos gestores juntamente com o Ministério Público têm papel de fiscalização das políticas públicas da administração em níveis federal, estadual e municipal.

 

4.3 Fiscalização das políticas públicas

Os conselhos de direito juntamente com o Ministério Público são os principais responsáveis pela fiscalização das políticas públicas. Sendo que os membros dos conselhos por terem acesso às políticas públicas desde seu planejamento até a implementação de suas ações, tendo, inclusive, acessos às contas correntes dos fundos podem denunciar ao Ministério Público em caso de irregularidades.

No caso da falta dos conselhos, o Ministério Público pode abrir um inquérito público para saber porque o poder local não criou conselhos gestores de políticas públicas e dependendo das investigações obtidas com o inquérito pode ou não agir judicialmente por intermédio de uma ação civil pública.

4.3.1 Função do Ministério Público

Frischeisen (2001) discorre sobre as funções do Ministério Público nos casos de defesas dos direitos sociais, segundo a autora, o Ministério público pode agir extra judicialmente ou não, por intermédio de um de seus membros ou por uma denúncia de qualquer pessoa. Quando o Ministério Público atua extra-judicialmente faz por intermédio de um inquérito civil público ou procedimento administrativo, porém quando atua judicialmente faz por meio de uma ação civil púbica. Podendo ainda agir das duas formas, sendo que primeiramente atua extra-judicialmente para em seguida abrir uma ação civil pública.

Sobre a importância da ação civil pública, Alexandre de Moraes (2004, p. 349) comenta:

"A ação civil pública é o instrumento processual adequado, conferido ao Ministério Público para o exercício do controle popular sobre os atos dos poderes públicos, exigindo tanto a reparação do dano causado ao patrimônio público por ato de improbidade, quanto à aplicação das sanções do art. 37, § 4º, da Constituição Federal, prevista ao agente público, em decorrência de sua conduta irregular."

Hely Lopes Meirelles (1997) afirma que a ação civil pública é eminentemente processual, limitando-se a disciplinar os aspectos processuais da tutela dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. Alexandre de Moraes (2004) complementa que a ação civil pública é o instrumento para a proteção de um bem, cuja proteção interessa a toda coletividade.

 

5 Considerações finais

As políticas públicas locais é o modo de prover o desenvolvimento que possibilita o surgimento de comunidades sustentáveis, capazes de suprir suas necessidades imediatas, de descobrir ou despertar vocações locais, de desenvolver potencialidades específicas e ainda de fomentar o intercâmbio externo aproveitando-se de vantagens competitivas da região.

Com a descentralização, o município, conhecendo as suas carências e suas potencialidades, pode desenvolver políticas públicas que possibilitem maior eficácia dos direitos humanos.

A participação da população na formulação, gestão, desenvolvimento, avaliação e até de fiscalização das políticas públicas dão maior efetividade aos direitos humanos. Conselhos gestores podem ser considerados, neste sentido, como instrumento primordial para a efetivação das políticas públicas. No entanto, na prática isto parece não ocorrer, pois a não efetivação dos direitos sociais é evidente. As dificuldades encontradas pelos conselhos gestores são de estrutura física e de pessoal tecnicamente preparado para a elaboração, implementação e avaliação das políticas públicas. Porém, deve-se ressaltar que já se passaram 15 anos de sua criação e os poderes local, estadual ou federal ainda não deram suporte financeiro e técnico para que os conselhos cumpram a sua missão na sociedade. Talvez seja o momento das lideranças políticas repensarem sobre o assunto e encontrarem uma outra solução para a matéria em questão: concretização dos direitos humanos.

 

6 Referências bibliográficas

ARZABE, Patrícia Helena Massa. Conselhos de Direitos e Formulação de Políticas Públicas. In: BUCCI, Maria Paula Dallari et al. Direitos humanos e políticas públicas. São Paulo: Polis, 2001.

BUCCI, Maria Paula Dallari. Buscando um conceito de políticas públicas para a concretização dos direitos humanos. In: BUCCI, Maria Paula Dallari et al. Direitos humanos e políticas públicas. São Paulo: Polis, 2001.

DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 6. ed. Rio de Janeiro: Forence, 1979.

FRANCO, A. Pobreza e desenvolvimento local. Brasília: Arca. 2002.

FRISCHEISEN, Luíza Cristina Fonseca. Políticas públicas: planejamento, desenvolvimento e fiscalização. In: BUCCI, Maria Paula Dallari et al. Direitos humanos e políticas públicas. São Paulo: Polis, 2001

MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança, ação popular, mandado de injunção, hábeas data. 18. ed. [Atualizada por Arnaldo Wald]. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 16 ed. São Paulo: Atlas, 2004.

PLANK, David N. "Os interesses público e privado na educação brasileira: males crônicos e soluções longínquas". Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. 1992.

SAULE JÚNIOR, Nelson. Políticas Públicas Locais – município e direitos humanos. In: BUCCI, Maria Paula Dallari et al. Direitos humanos e políticas públicas. São Paulo: Polis, 2001.

TORRENS, Haradja Leite. Hermenêutica Jurídica e Paradigmas interpretativos – Perspectivas e fundamentos de aplicação da teoria integrativa de Ronald Dwarkin em face da ordem jurídica brasileira. Rio de janeiro: Letra Legal, 2004.