O papel das fundações de apoio no contexto das universidades públicas no Brasil
O texto destaca que o marco jurídico legal e as normas universitárias aplicadas à fundação de apoio ainda são imprecisas, gerando confusão e desconfiança. Para a ciência, tecnologia e inovação avançarem no país, será necessária uma revisão das normas de direito público aplicadas a estas instituições.
1. INTRODUÇÃO
Este artigo analisa o marco legal da fundação de apoio à universidade no país, tentando demonstrar que esta é um importante mecanismo de apoio a ciência, tecnologia e inovação no Brasil e no mundo. Desconfianças à parte, já que todo comportamento antijurídico deve ser objeto de sanção pelo Estado dentro dos parâmetros da lei, este trabalho tem como proposta advogar a tese de que a fundação de apoio é um instrumento que se bem regulado pode ser de grande ajuda a realização da missão da universidade em termos de produção e difusão do conhecimento, bem como em relação a sua responsabilidade social. Defende também a ideia de que a fundação está intimamente associada a fundraising (captação de recursos), articulando professores, ex-alunos e membros da comunidade em uma rede de apoio a universidade, estratégia que ainda é pouco ou mal utilizada por nossas instituições de ensino, pesquisa e extensão no país.
Por fim, o texto destaca que o marco jurídico legal e as normas universitárias aplicadas à fundação de apoio ainda são imprecisas, gerando confusão e desconfiança. Para a ciência, tecnologia e inovação avançarem no país será necessária uma revisão das normas de direito público aplicadas a estas instituições, bem como, do ordenamento jurídico universitário. Advoga-se, portanto, a tese de que a fundação de apoio à universidade pública no Brasil, se respeitada sua natureza jurídica e função social, pode ser um importante instrumento para a superação da crise da universidade pública brasileira, fortalecendo e efetivando o princípio constitucional de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, bem como, incentivando a produção e difusão do conhecimento, a pesquisa, ciência, tecnologia e inovação no país.
2. AS FUNDAÇÕES E O CONTEXTO DAS UNIVERSIDADES PÚBLICAS NO BRASIL
O exame minucioso da origem e desenvolvimento dessa organização no Brasil e no mundo revela que a fundação (em sentido lato sensu) tem sua origem associada a uma preocupação com a ação social e transformadora, baseada em valores como a solidariedade e confiança mútua, indo além de modelos de administração no sentido clássico do termo. Na relação com a universidade pública, a fundação tem o papel de apoiar a universidade no cumprimento do seu compromisso social, com ênfase na Responsabilidade Social Universitária (RSU) e na gestão de recursos públicos.
Nessa discussão, é preciso reconhecer que vivemos em um século de crescimento das desigualdades sociais – acirradas pelo fenômeno da globalização paradoxal, que cria riquezas na mesma magnitude em que acentua a pobreza dos excluídos – em que o Estado, sem a participação da sociedade civil, não conseguirá ser eficaz na promoção de uma maior justiça social. As fundações, de maneira geral, pertencem a uma nova esfera pública formada por organizações que não fazem parte do Estado, nem a ele estão vinculadas, mas se revestem de caráter público na medida em que se dedicam a causa e problemas sociais e em que, apesar de serem instituições da sociedade civil de direito privado, não têm como objetivo o lucro, e sim o atendimento a sociedade e a efetivação de direitos. Essas instituições fazem parte de um novo setor na economia mundial, chamado de terceiro setor, que emerge das relações entre Estado e sociedade civil organizada.
O desenvolvimento da fundação de apoio no Brasil e do terceiro setor, de um modo geral, tem sido prejudicado por um marco legal impreciso, onde os sistemas jurídicos são variados e as características que definem os diversos tipos de fundações são muito numerosas: origem, recursos, fins, longevidade, forma de atuar, atividades ou tratamento fiscal, o que contribui para a falta de informação por parte da população. Essa particularidade e o fato da fundação de apoio estar diante de grandes desafios tornam necessária a discussão sobre sua origem, formação e gestão. Não só porque essas organizações se vêm compelidas a pensar no futuro, mas porque se defronta, em seu cotidiano, com problemas causados pela falta de mecanismos administrativos e jurídicos adequados a realização da sua função social.
Uma série de transformações de ordem tecnológica, política, social e econômica neste início de século tem causado profundas alterações para as universidades públicas. De um lado, a sociedade exige que as universidades públicas ampliem o acesso e participem de forma mais ativa do desenvolvimento social, de outro, diversos setores cobram mais qualidade e um maior compromisso com a produção da ciência, tecnologia e inovação. Todas essas questões têm levado a um consenso sobre a existência de uma crise nas universidades públicas no Brasil e também no mundo. Nesse sentido, textos lançados no Brasil falam das “ruínas” da universidade, ou do “naufrágio”, ou ainda das “ameaças” de as mesmas caírem na “penumbra” ou de serem “sitiadas”, ou ainda de serem reduzidas a “escombros” ou “dilaceradas”, entre tantas metáforas a que têm recorrido os autores preocupados com o destino da universidade.
Nesse cenário, cabe destacar as contribuições do sociólogo português Boaventura de Sousa Santos nos livros Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade (1999) e A universidade no século XXI: para uma reforma democrática e emancipatória da Universidade (2003). Nessas obras, Santos analisa a situação das universidades no Brasil e identifica três crises: a crise de hegemonia; a crise de legitimidade e a crise institucional (SANTOS, 1999).
Para Santos, as universidades públicas brasileiras vivem, em primeiro lugar, uma crise de hegemonia resultante das contradições entre funções tradicionais da universidade e as que ao longo do século XX lhe foram sendo atribuídas. De um lado, a produção da alta cultura, pensamento crítico e conhecimentos exemplares, científicos e humanísticos, necessários à formação das elites de que a universidade vem se ocupando desde a Idade Média. Do outro lado, a produção de padrões culturais médios e de conhecimentos instrumentais úteis à formação da mão de obra qualificada exigida pelo desenvolvimento capitalista. A incapacidade da universidade para realizar a contento essas funções, até certo ponto contraditórias, levou o Estado e os agentes econômicos a procurarem fora da universidade meios alternativos de atingir esses objetivos. Ao deixar de ser a única instituição no domínio do ensino superior e na produção da pesquisa a universidade entra numa crise de hegemonia (SANTOS, 2003).
A segunda crise descrita por Santos é a crise da legitimidade provocada pelo fato da universidade ter deixado de ser uma instituição consensual em face da contradição entre a hierarquização do saber especializado, através das limitações ao acesso e do credenciamento de competências, por um lado, e as exigências sociais e políticas da democratização da universidade e da reivindicação da igualdade de oportunidades para os filhos das camadas populares da sociedade, por outro (SANTOS, 1999).
Por fim, Santos registra a existência de uma crise institucional, que resulta da contradição ente a reivindicação da autonomia na definição dos valores e objetivos da universidade e a pressão crescente para submeter esta última a critérios de eficácia e de produtividade de natureza empresarial ou de responsabilidade social. A crise institucional da universidade pública estaria associada a dificuldades de realização das suas funções tradicionalmente chamadas de ensino, pesquisa e extensão e a perda de prioridade da educação superior como bem público (SANTOS, 2003).
Para este autor, de modo geral, as universidades brasileiras têm se preocupado apenas com a crise institucional. Contudo, essa postura parece não ser a certa, na medida em que a crise só pode ser superada atacando-se o problema como um todo. Em outras palavras, a solução da crise na universidade necessita de uma visão holística e não de soluções pontuais como vem acontecendo no país (SANTOS, 1999).
Em verdade, uma visão holística das universidades requer a adoção de uma nova institucionalidade que vá além da estrutura departamental atual e das relações interpares. Essa nova institucionalidade deve ter como base a compreensão da universidade como um sistema complexo, isto é, como uma rede de articulações e conversações acadêmico cientificas, em que a participação não só da comunidade universitária, mas de todos os segmentos sociais (empresas, movimentos sociais, fundações etc.) é fundamental.
Essa nova institucionalidade tem, ao menos, 03 (três) protagonistas. O primeiro protagonista é a própria universidade. A universidade é hoje um campo social muito fraturado e no seu seio disputam setores e interesses contraditórios. É certo que em muitos países tais dissonâncias são por enquanto latentes, pois o que domina é a posição defensiva da manutenção do status quo e da recusa, quer da globalização neoliberal, quer da globalização alternativa. Em outras palavras, como a conjuntura no país não nos leva a crer que as reformas possam trazer benefícios para sociedade, os movimentos dentro da universidade (Associações Docentes, Diretórios de Estudantes, Tendências Partidárias) optam por barrar qualquer tipo de reforma temendo uma redução de direitos já conquistados (ROCHA, 2009).
Essa postura defensiva acaba sendo conservadora, não por defender a manutenção do status quo, mas, porque, desprovida de alternativas realistas, acaba por ficar refém dos desígnios da globalização neoliberal da universidade imposta pelo aparelho estatal. Segundo Santos, os universitários que renunciarem a esta posição conservadora e, ao mesmo tempo, recusarem a idéia da inevitabilidade da globalização neoliberal serão os protagonistas dessas mudanças dentro da universidade (ROCHA, 2009).
O segundo protagonista pela resposta aos desafios de superação da crise das universidades públicas é o próprio Estado nacional sempre e quando ele optar politicamente por uma globalização solidária. Sem esta opção, o Estado nacional acaba por adotar, mais ou menos incondicionalmente, às pressões da globalização neoliberal e, em qualquer caso, transformar-se-á no inimigo da universidade por mais que os discursos falem o contrário (ROCHA, 2009).
O terceiro protagonista desse cenário de superação da crise é o cidadão individualmente ou coletivamente organizado em grupos sociais, organizações locais, fundações, sindicatos, movimentos sociais, organizações não governamentais e suas redes interessados em fomentar articulações cooperativas entrem a universidade e os interesses sociais que representam. Ao contrário do Estado, esse terceiro protagonista tem historicamente uma relação distante e por vezes mesmo hostil com a universidade precisamente em consequência da distância que esta cultivou durante muito tempo em relação aos setores populares da sociedade. Esse último protagonista tem que ser conquistado por via da resposta à questão da legitimidade, ou seja, por via do acesso não classista, não racista, não sexista e não etnocêntrico à universidade e por todo um conjunto de iniciativas que aprofundem a participação da sociedade na produção e difusão do conhecimento universitário como bem público (ROCHA, 2009).
Nessa terceira hipótese é que se encaixa a fundação de apoio, enquanto instituição da sociedade civil organizada, compostas de cidadãos e cidadãs coletivamente organizados, dispostos a colaborar com a produção de conhecimento da universidade e preocupados com a transformação social. Contudo, para que as fundações possam verdadeiramente desempenhar esse papel no processo de reinvenção do Estado e superação da crise nas universidades, é preciso que se faça um esforço no sentido de que a sociedade compreenda melhor as características e funções das fundações e que os agentes públicos exerçam de fato o controle sobre essas instituições.
3. PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS E TEÓRICOS DAS FUNDAÇÕES DE APOIO ÀS UNIVERSIDADES PÚBLICAS
De modo geral a comunidade acadêmica tem percebido as fundações de apoio como instrumentos eficazes para gerenciamento de recursos humanos e materiais, destinados a projetos e programas elaborados pela universidade, sem a burocracia tradicional do setor público. Sem a menor dúvida, esse é um importante papel da fundação de apoio que costuma amparar o trabalho de professores e acadêmicos através do gerenciamento de projetos. Contudo, acreditamos que essa visão limita o papel e objetivo social da fundação de apoio e lhe retira a principal característica que é a promoção de objetivos científicos, acadêmicos, sociais, artísticos, culturais ou filantrópicos que estão relacionados à solidariedade humana e ao desejo de intervenção social.
Do ponto de vista histórico, segundo Paes, podemos afirmar que as fundações são explicadas pelo espírito de solidariedade humana dirigida para busca de mecanismos de auxílio às pessoas em situação de risco pessoal e social. Desde os primórdios da história da humanidade são registradas histórias de pessoas que imbuídas pelo amor às artes, à sabedoria, à cultura, ao próximo, destinavam bens para uma finalidade social ou filantrópica. Nesse sentido, as fundações passaram a se constituir como um instrumento por meio do qual pode o ser humano – enquanto pessoa física ou jurídica – transmite à sociedade e a sucessivas gerações seus ideais e convicções (PAES, 1998).
No Brasil, os registros das fundações começaram no período em que estivemos sob a égide das Ordenações Manuelina e Afonsina, nas quais já eram conhecidas as entidades denominadas de “mão morta”. O Código Civil de 1916, em seu artigo 16 determinava que as fundações são pessoas jurídicas constituídas por um patrimônio destinado a um fim de utilidade ou de interesse público, seja moral, cientifico, religioso, cultural, artístico ou cientifico, reconhecida como tal pelo direito positivo. Para o Código Civil de 1916 a fundação se formava pela vontade de uma pessoa que lhe dedicava bens suficientes de seu patrimônio livre, para a realização de certos fins sociais ou nobres (asilo, educandário, creche, hospital, estabelecimento de ensino etc.). Há, portanto, um patrimônio de afetação. Para criar uma fundação – dizia o artigo 24 do Código Civil de 1916: “far-lhe-á o seu instituidor, por escritura pública, ou testamento, dotação especial de bens livres, especificando o fim a que se destina e declarando, se quiser, a maneira de administrá-la” (BRASIL, 2003).
No atual direito brasileiro, as fundações podem ser conceituadas como pessoas jurídicas de direito privado, criadas com o objetivo de atender a uma determinada finalidade considerada por seu instituidor, sendo dirigida por administradores ou curadores, conforme determinem seus estatutos. Destarte, as fundações de que falavam os artigos 24 e 30 do Código Civil de 1916, atualmente disciplinadas nos artigos 62 a 69 do Código Civil atual continuam a existir. Possuidoras de regime jurídico de direito privado, quase sempre estão voltadas para o próprio interesse, e com a possibilidade de remunerar pela prestação de seus serviços, detendo liberdade, inclusive, para determinarem sua própria extinção.
Segundo a professora Maria Helena Diniz, as fundações são universalidades de bens, personalizadas pela ordem jurídica, em consideração a um fim estipulado pelo fundador, sendo este objetivo imutável e seus órgãos servientes, pois todas as resoluções estão delimitadas pelo instituidor. É, portanto, um acervo de bens livres, que recebe da lei a capacidade jurídica para realizar as finalidades pretendidas pelo seu instituidor, em atenção aos seus estatutos, desde que religiosas, morais, culturais ou assistenciais. As fundações não possuem fins econômicos ou lucrativos, sua natureza consiste na disposição de certos bens em vista de determinados fins especiais, logos esses bens são inalienáveis, uma vez que asseguram a concretização dos objetivos colimados pelo fundador (DINIZ, 2002, p.211).
O Portal do Ministério da Educação define a fundação de apoio como sendo:
instituições criadas com a finalidade de dar apoio a projetos de pesquisa, ensino, extensão e de desenvolvimento institucional, científico e tecnológico, de interesse das instituições federais de ensino superior (IFES) e também das instituições de pesquisa. Devem ser constituídas na forma de fundações de direito privado, sem fins lucrativos e serão regidas pelo Código Civil Brasileiro. Sujeitam-se, portanto, à fiscalização do Ministério Público, nos termos do Código Civil e do Código de Processo Civil, à legislação trabalhista e, em especial, ao prévio registro e credenciamento nos Ministérios da Educação e do Ministério da Ciência e Tecnologia, renovável bienalmente. As Fundações de Apoio não são criadas por lei nem mantidas pela União. O prévio credenciamento junto aos Ministérios da Educação e da Ciência e Tecnologia é requerido em razão da relação entre as instituições federais e as fundações de apoio ser de fomento ao desenvolvimento de projetos de ensino, pesquisa e extensão, sendo função das fundações dar suporte administrativo e finalístico aos projetos institucionais (MEC, 2012).
Na esfera federal, a legislação aplicada à fundação de apoio pode ser encontrada nas Leis nº 8.958 de 20 de dezembro de 1994; 10.973 de 02 de dezembro de 2004; e 12.349 de 15 de dezembro de 2010; nos Decretos nº 7.423 de 31 de dezembro de 2010 e 5.563 de 11 de outubro de 2005; nas portarias interministerial nº 7.423 de 31 de dezembro de 2010 e 475/MEC/MCT de 14 de abril de 2008 e ainda nos pareceres CNE/CES nº 81/2003 e 364/2002. Contudo, ainda existem muitas lacunas a serem preenchidas no que diz respeito ao seu marco jurídico.
O crescimento das fundações nos distintos países, principalmente, da Europa e dos EUA trouxe conseqüências que, em muitos casos, tem tornado uma tarefa complexa definir o seu conceito e papel social em um cenário que os diversos atores se movimentam buscando uma posição que os identifique e lhes dê uma razão de ser nas novas circunstâncias. As fundações de apoio não são diferentes e junto a outros tipos de fundação estão dando provas de grande vitalidade, assumindo decididamente sua responsabilidade na resposta aos desafios da nova realidade social.
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