O PAPEL DAS AGÊNCIAS DE REGULAÇÃO


Porjulianapr- Postado em 26 março 2012

Autores: 
Ricardo Antônio Lucas Camargo

O PAPEL DAS AGÊNCIAS DE REGULAÇÃO(*)

 

Ricardo Antônio Lucas Camargo

 

Doutor em Direito Econômico pela Universidade Federal de Minas Gerais

Membro da Fundação Brasileira de Direito Econômico

 

Sem entrar no mérito quanto ao valor ou desvalor da ocorrência das privatizações, o fato é que não se pode entender a criação das agências de regulação fora do contexto – estou falando em termos de Brasil e não em termos de Estados Unidos, onde as agências de regulação foram instrumento de materialização das medidas intervencionistas, principalmente do Governo Franklin Delano Roosevelt – das privatizações que ocorreram a partir do início da década de 90.

Isso porque, com efeito, uma das críticas que se faziam às privatizações de modo geral era no sentido de que, estando o serviço a cargo de uma empresa controlada pelo poder público, esse serviço, bem ou mal, não poderia ser sonegado, pois teria um caráter de compulsoriedade em relação àquele que o prestasse. Passando-se à iniciativa privada – notem, não estou aqui fazendo juízo de valor, mas, sim, trazendo o teor da crítica que era feita –, cuja regra, efetivamente, é a liberdade – não se pode compelir o particular a desempenhar a atividade econômica –, haveria o risco de o serviço sofrer solução de continuidade.

Então, quando se concebem as agências de regulação, o objetivo é dar resposta – pelo menos é assim que percebo, posso estar equivocado – a essa objeção. O tema está versado com mais detalhes no meu livro As Agências de Regulação no Ordenamento Jurídico e Econômico Brasileiro, publicado por Sérgio Fabres em 2000. Estou apenas resumindo o que ali está dito com n citações.

Pois bem, quando tratamos das agências de regulação temos de lembrar que uma discussão que se travou na doutrina foi justamente a dimensão da sua independência em relação ao Poder Executivo, se efetivamente integravam ou não o Poder Executivo. O Supremo Tribunal Federal afirma que integram o Poder Executivo.

A outra questão diz respeito ao grau de independência, que o Supremo, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.949 e a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.095, entendeu ser plena desde que não adentre as funções típicas de governo. Isso foi o que disse o Supremo Tribunal Federal. Não vou aqui fazer nenhum juízo de valor. Vencidas essas questões, emerge, efetivamente, outro problema, que é o da universalidade do serviço público. Esse tema está sendo objeto de estudo muito interessante por parte do Professor da Universidade Católica de Minas Gerais, Giovani Clark, na Fundação Brasileira do Direito Econômico, e foi ferido com muita precisão pelo Professor Washington Peluso Albino de Souza ao proferir uma conferência que se acha publicada no Volume 54 da Revista da Procuradoria-Geral do Estado do Rio Grande do Sul, que indica: o móvel da iniciativa privada é o lucro, nós temos efetivamente que garantir o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos. Não se pode obrigar o concessionário a quebrar. Mas como se vai fazer, preservando esses postulados, para que seja instalada, num local onde não haja a perspectiva do retorno imediato, a rede telefônica – por exemplo, no meio da Floresta Amazônica –, ou a rede elétrica, ou qualquer outra?

Não vou trazer aqui respostas, estou a trazer os questionamentos que a matéria efetivamente levanta. Aliás, gostaria de agradecer precisamente à Comissão, na pessoa do Deputado Raul Pont, pois, quando fui tratar esse tema no meu livro sobre as agências de regulação, senti que deveria tê-lo aprofundado um pouco mais. É justamente aqui, pelo menos do meu ponto de vista, que se coloca a questão da própria razão de ser da criação de tais entidades. Elas foram criadas para garantir a continuidade do serviço público e, mais do que isso, para que esse seja prestado a quantos preencham os requisitos legais, não havendo aqui, portanto, falar – porque é isto que diferencia o serviço público da iniciativa privada – em liberdade de prestar o serviço, ou não.

A tese de Francesco Carnelutti, publicada na Rivista il Dirito dell’Economia: Lo Stato Coimprenditore, na qual houve a suscitação de uma liberdade de iniciativa estatal, aqui no Brasil não logrou aceitação. A tese de Carnelutti, aliás, nem na Itália foi aceita. A Corte Constitucional Italiana rejeitou a tese de uma liberdade de iniciativa estatal, a liberdade de iniciativa seria direito individual – condicionado, sim, sujeito a uma função social, sim, mas direito individual.

Quanto a isso, também seria o caso de recordar a monografia do Professor Modesto Carvalhosa; embora escrita na vigência da Constituição de 1967, emendada em 1969, em termos conceituais, ainda bastante aproveitada: A Ordem Econômica da Constituição de 1969, publicada pela Revista dos Tribunais de 1972.

A grande questão com as agências de regulação é a garantia – como estou dizendo, no meu modo de pensar – da continuidade do serviço público que tenha sido entregue à iniciativa privada, é a garantia de que o serviço público não seja sonegado a quem preencher todos os requisitos legais para tanto, bem como a prestação adequada do serviço público, inclusive no que tange às tarifas. Faço essa referência porque no conceito de prestação de serviço público adequado, § 1º, art. 6º da Lei nº 8.987/95, está prevista como um dos aspectos da adequação do serviço público a modicidade das tarifas.

Vamos ter, então, necessariamente as agências a desempenhar um grande papel, por um lado, no estabelecimento do equilíbrio entre os interesses dos usuários, em que o serviço público seja prestado a um número maior de pessoas e a preços módicos. Por outro lado, há o interesse dos concessionários em não serem compelidos à quebra. Esse é um risco existente e que constitui até mesmo o fundamento para o lucro.

(*) Adaptação de pronunciamento feito a convite da Comissão de Serviços Públicos da Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul em 3 de abril de 2003.