O ensino da cidadania nas escolas brasileiras


Porwilliammoura- Postado em 27 maio 2013

Autores: 
MARTINEZ, André Almeida Rodrigues

 

Propõe-se o estudo, no ensino médio, dos conceitos preliminares de cidadania, com a valiosa ajuda da ciência do Direito, em uma linguagem mais simples, porém com forte conteúdo prático e didático.

Muito se debate hoje em dia sobre os julgamentos ocorridos perante nossos tribunais superiores envolvendo parlamentares.

Muito se comenta sobre julgamentos levados aos Tribunais do Júri nos casos de crimes hediondos.

Muito se fala sobre a falta de segurança pública e o cerco aos integrantes de organizações criminosas.

Consumidores são alertados nos intervalos do Jornal Nacional sobre recalls de veículos automotores.

 

E embora tais movimentos sejam já reflexo de uma maior conscientização jurídica do brasileiro, tais manifestações ainda nos parecem muito tímidas.

 

Todos nós, absolutamente todos, nos vemos, em diversos momentos de nossas vidas, em pelo menos uma das seguintes situações: compradores, vendedores, locatários, eleitores, vítimas, cônjuges, pais, motoristas, vizinhos, herdeiros, consumidores, contribuintes etc.

 

Para o estudante da faculdade de Direito todas essas situações são logo colocadas à mesa e em apenas cinco anos são todas elas esmiuçadas e esclarecidas (ou ao menos deveriam ser).

 

Mas e o que ocorre com a grande maioria das pessoas, que não escolheram o Direito como profissão (por vocação)? Deveriam elas nunca ter contato com noções de cidadania de forma mais direta, ainda que não tão profundamente? Não deveriam ter conhecimento, ainda que básico, sobre como se comportarem diante das situações mais comuns do cotidiano?

 

Cidadania aqui entendida em seu conceito mais amplo, como consciência plena dos direitos e obrigações de uma pessoa frente à sociedade. Conceito que diz respeito, pois, não só ao conhecimento de direitos, mas também à assunção de responsabilidades.

 

O Direito, como ciência, nunca teve a pretensão de ficar restrito aos bancos acadêmicos e às bibliotecas. Ao contrário, sua função é mesmo distribuir Justiça entre todos da maneira mais democrática e célere possível, dentro daquilo que determina a ciência e a lei (ato formal emanado do Poder Legislativo).

 

 

Importante lembrar que temos no Direito o conceito de “homem médio”, aquele que, em tese, teria conhecimento mediano das coisas da vida, aquele que não seria nem o mais ilustrado nem o mais ignorante dos homens de uma determinada sociedade.

 

A partir desse conceito de “homem médio” importantes implicações são geradas, sobretudo na esfera de sua responsabilidade civil e penal.

 

Mas qual o “homem médio” que queremos em nossa coletividade? Essa é a pergunta a partir da qual se escreve a presente proposição.

Certamente o ensino brasileiro do segundo grau ainda carece de muitas coisas elementares: salas de aula, material escolar e, sobretudo, professores bem preparados e bem remunerados, mas isto não deve ou não deveria ser empecilho à melhoria da grade curricular.

Por que não se ensinarem noções básicas de cidadania nas escolas, como matéria obrigatória? Por que não se apresentar o mundo jurídico ao jovem brasileiro assim como se faz há décadas com relação aos mundos da medicina (aulas de biologia e química) e da engenharia (aulas de física e matemática)?

 

Noções de cidadania plena podem ser introduzidas na grade (ao menos) do ensino médio, sem que nenhuma perda de qualidade advenha deste fato. Ao contrário, o aluno teria contato com uma ciência (Direito) que, na pior das hipóteses, o ensinaria a ser um cidadão muito mais bem preparado para a vida.

 

Noções, ainda que basilares, de direito do consumidor, civil, penal e tributário, por exemplo, fariam com que o brasileiro “médio” tivesse muito mais cuidado e certeza na tomada diária de decisões. Saberia, ainda que de maneira às vezes superficial, se defender melhor contra atos ilegais (aos quais é exposto quase que diariamente, infelizmente).

 

Isto, a nosso ver, em nada afastaria a necessidade e importância do ensino do Direito nas faculdades,nem tampouco embaçaria a nobre função exercida diuturnamente pela Ordem dos Advogados do Brasil e pelas Defensorias Públicas.

 

Dariam sim a tais Instituições ainda maior relevo e importância. A pessoa teria ainda mais certeza do direito que lhe socorre naquele dado problema, indo com ainda mais determinação bater às portas daquelas Instituições para solicitar a devida tutela estatal.

 

Também o Poder Judiciário sairia fortalecido. Todos teriam mais clareza do tamanho da importância do Poder que determinará que seu direito seja prontamente atendido.

 

O mesmo se diga dos dois outros poderes.

 

O Legislativo seria mais bem observado. O processo legislativo seria mais bem compreendido (e criticado, quando necessário).

 

O Executivo, por sua vez, poderia compartilhar melhor com os cidadãos o andamento das suas políticas públicas.

Não haveria qualquer prejuízo com a mudança aqui proposta.

 

O fortalecimento do estado democrático brasileiro passa obrigatoriamente por essa etapa (de consciência plena direitos e assunção de responsabilidades).

 

Não podemos esperar que apenas os estudantes das faculdades de Direito (que felizmente já são muitos) tenham a missão de propagar Justiça, principalmente depois de formados.

 

O próprio Estado tem em suas mãos essa importante ferramenta: o ensino médio em todo território nacional (delegando também esta função para instituições particulares).

 

E base jurídica para isso não falta.

 

Como sabido, o texto da Constituição Federal de 1988 trouxe, logo em seu artigo 1º, a “cidadania” e a “dignidade da pessoa humana” como fundamentos do nosso Estado[1].

 

Já o artigo 205 diz com todas as letras que a educação no Brasil será promovida “ visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”[2].

 

Ora, que ferramenta seria mais útil a garantir plena cidadania e dignidade a todos que o ensino de alguns importantes conceitos da ciência do Direito?

 

O Direito (assim como a medicina e a engenharia) faz parte da rotina de todas as pessoas, independentemente de classe social, religião ou profissão.

 

Não basta termos contato apenas com noções de como uma célula se forma, se divide e se constitui internamente. Não basta entendermos a fórmula de Bhaskara, a tabela periódica e a cadeia de carbono (matérias de suma importância na formação do jovem, mas que não devem ser as únicas protagonistas, assim como todas as demais).

 

Se quisermos formar pessoas com espírito social crítico, devemos dar a elas instrumentos que permitam entender melhor o contexto político e jurídico no qual estão inseridas.

 

Também o vocabulário jurídico do cidadão seria alargado. Termos usuais do Direito seriam vistos com mais naturalidade e aplicação prática na vida de todos.

 

É preciso muito mais para que possamos considerar um aluno de 17 anos apto a escolher sua futura carreira profissional. É preciso muito mais para que esse mesmo aluno possa ser considerado “médio”.

Importante ressaltar que não se trata de ressuscitar os antigos modelos criados com o ensino da Educação Moral e Cívica (EMC) ou da

 

Organização Social e Política Brasileira (OSPB), os quais tinham forte viés político e fortemente tendenciosos, por isso tão criticados[3] à época (do regime militar até o final da década de 80).

 

O que se propõe é muito mais amplo e apartidário. É o ensino dos conceitos (ainda que preliminares e elementares) de cidadania, com a valiosa ajuda da ciência do Direito, em uma linguagem mais simples, porém com forte conteúdo prático e didático.

Como exemplo de experiência bem sucedida, citemos o estado norte americano do Oregon. Lá podemos encontrar o chamado “Classroom Law Project” (http://www.classroomlaw.org/) verdadeira aula de cidadania que vem espalhando conhecimento jurídico nas salas de aula das escolas daquele estado.

 

Em referido projeto (com 12 diferentes programas ao todo), os alvos democracia e cidadania são fortalecidos com a ajuda do ensinamento jurídico aos jovens inclusive por meio de situações simuladas do cotidiano e de competições[4] entre as escolas (algo

parecido com as “olimpíadas de matemática” já conhecidas aqui[5]).

 

O aluno (alguns projetos ainda no ensino elementar) é convidado e estimulado a pensar a democracia e a cidadania desde cedo, fato que certamente trará impactos na sociedade em curto espaço de tempo[6].

 

Seria um primeiro, mas importantíssimo, passo para que o brasileiro “médio” pudesse de fato se considerar cidadão, consciente de seus direitos e deveres (ainda que de maneira não tão aprofundada como em uma faculdade de Direito).

 

Grupos de estudo sobre o tema poderiam ser criados, com a participação da sociedade civil e acadêmica na formação de uma grade ideal. Especialistas não faltam em nosso país, onde o ensino jurídico é tão qualificado.

 

Os alunos das faculdades de Direito poderiam auxiliar no processo, assim como seus professores e todos os demais participantes do sistema jurídico (advogados, procuradores, juízes e promotores).

 

Note-se que a antiga Lei de Introdução ao Código Civil, atual Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, considera que todos conhecem a lei (art. 3)[7].

 

Nada mais sensato, então, que tentarmos aproximar essa (hoje ainda tão evidente) ficção um pouco mais da realidade.


 

Notas

[1] Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

[2] Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

[3] “Disciplina que, de acordo com o Decreto Lei 869/68, tornou-se obrigatória no currículo escolar brasileiro a partir de 1969, juntamente com a disciplina de Educação Moral e Cívica (EMC). Ambas foram adotadas em substituição às matérias de Filosofia e Sociologia e ficaram caracterizadas pela transmissão da ideologia do regime autoritário ao exaltar o nacionalismo e o civismo dos alunos e privilegiar o ensino de informações factuais em detrimento da reflexão e da análise. O contexto da época incluía a decretação do AI5, desde 1968, e o início dos “anos de chumbo” - a fase mais repressiva do regime militar cujo “slogan” mais conhecido era “Brasil, ame-o ou deixe-o”. Dessa forma, as duas matérias foram condenadas pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), estabelecidos pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) de 1996, por terem sido impregnadas de um “caráter negativo de doutrinação” .[MENEZES, Ebenezer Takuno de; SANTOS, Thais Helena dos."OSPB (Organização Social e Política Brasileira)" (verbete). Dicionário Interativo da Educação Brasileira - EducaBrasil. São Paulo: Midiamix Editora, 2002, http://www.educabrasil.com.br/eb/dic/dicionario.asp?id=365, visitado em 7/5/2013]

[4] http://www.classroomlaw.org/programs/we-the-people/

[5] http://www.obm.org.br/opencms/

[6] “Classroom Law Project began and still operates every day on a single core belief: the way to preserve democracy is to teach democracy. And the best way to teach democracy is to incorporate its many vital lessons and principles into the school curriculum. Students learn through mock trials, simulated hearings, discussing public issues and much more, gaining the knowledge and tools required for active, effective participation as citizens in our contemporary democratic society. Their teachers are supported with professional development and new strategies for increasing student knowledge and engagement” (http://www.classroomlaw.org/about/mission/, visitado em 08/05/2013).

[7] Art. 3º  Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece.




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