O Direito enquanto conjunto de enunciados prescritivos positivos e as normas jurídicas: breves considerações


Porrayanesantos- Postado em 02 julho 2013

Autores: 
VIONCEK, Emerson

Resumo: O presente artigo busca apresentar concepções preliminares acerca do direito positivo e da norma jurídica, percorrendo, principalmente, seus aspectos sintático e semântico. Nesta abordagem nos valemos das lições de Paulo de Barros Carvalho como ponto de referência, cuja doutrina explora com afinco os conceitos e o significado de cada instituto jurídico. É por meio da teoria comunicacional desenvolvida pelo mestre paulista que podemos analisar em profundidade os institutos jurídicos e as suas categorias.

 

Palavras-chave:  Direito positivo. Norma Jurídica. Teoria comunicacional.

 

Sumário: Introdução. 1. Do direito positivo: considerações preliminares. 2. A respeito das normas jurídicas. 2.1. Caracterização. 2.2. Estrutura. Conclusão. Referências.


 

 

Introdução.

 

            Como já nos revelara Norberto Bobbio em sua obra Teoria do ordenamento jurídico, o Direito é um fenômeno social que encontra sua origem na sociedade e que tem por objetivo a regulação de condutas intersubjetivas.

 

            E sendo o direito uma construção do homem, por consequência, sua aplicação também o será. Portanto, para que ocorra a incidência normativa se faz necessário que um indivíduo relate um evento em linguagem aceita pelo direito para que a norma correspondente àquele fato (evento relatado em linguagem competente) possa ser aplicada. 

 

A linguagem se realiza por relações intersubjetivas, pelo chamado processo comunicacional, que pressupõe a existência de um emissor, um receptor, um código comum, uma mensagem, um canal que transmite a mensagem, um vínculo psicológico entre ambos e um contexto, no qual todos os elementos anteriores estão inseridos.

 

Entender o direito como linguagem significa impor limites à sua aplicação: só importa para o mundo do direito aquilo que for convertido em linguagem.

 

Na doutrina de Paulo de Barros Carvalho[1] encontramos a definição de linguagem como sendo “o modo de aquisição do saber científico, aplicada por meio de mecanismos lógicos, na construção de modelos artificiais para a comunicação científica”, ou seja, é a capacidade do ser humano em comunicar-se.

 

Com estas noções preliminares é que adentraremos no estudo do direito positivo para, na sequência, tratarmos do tema basilar à compreensão do Direto que é a norma jurídica, especialmente no que pertine à sua classificação e estrutura.    

 

1. DO DIREITO POSITIVO: CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES.

 

O ordenamento jurídico visa à alteração de condutas do homem em suas relações intersubjetivas e a fim de viabilizar tais condutas, o legislador, torna-os comportamentos humanos obrigatórios (O), proibidos (V) ou permitidos (P).

 

Assim, para Paulo de Barros Carvalho [1]: “O discurso produzido pelo legislador (em sentido amplo) é, todo ele, redutível a regras jurídicas, cuja composição sintática é absolutamente constante: um juízo condicional, em que se associa uma conseqüência à realização de um acontecimento fáctico previsto no antecedente”  .  

 

Das palavras do Mestre paulista, se denota que o texto legislativo é o suporte material para a construção das normas jurídicas válidas, ou seja, o texto do Direito Positivo é o suporte físico do qual o intérprete debruça com objetivo de extrair uma significação.

 

Sendo o texto positivado suporte material do intérprete, a norma jurídica será “a significação que obtemos a partir da leitura dos textos do direito positivo. Trata-se de algo que se produz em nossa mente, como resultado da percepção do mundo exterior, captado pelos sentidos”, como salienta Paulo de Barros Carvalho [2].

 

Em outras palavras, o direito positivo é formado de normas jurídicas (preposições) que são juízos reconstrutivos de textos legais (enunciados), com força coercitiva e sentido deôntico completo, podendo ser voltados para a realidade, reconstruída em enunciados vetorizados em proposições, ou como hipóteses de inclusão em classes.

 

Referido sistema serve como linguagem objeto sobre o qual incide uma metalinguagem reconstrutora no processo de formação das normas jurídicas, estando na espiral da interpretação de sentido com os planos de linguagem, conforme Barros Carvalho: S1, ou seja, o plano do suporte físico; S2, o plano do significado dos preceitos normativos; S3, o plano da construção normativa, em que são reconstruídos os textos legais, com significação própria; e o S4, em que há a reconstrução das normas entre si, formando os institutos, existindo interação entre as normas [3].

 

De forma lógica e abstrata, existem os enunciados e as proposições; para o direito, os enunciados seriam os suportes físicos, sobre os quais são feitos juízos, produzindo proposições, que seriam as normas jurídicas, programas condicionais do direito.

 

Para o direito, então, “os textos legais, o direito positivo, o suporte físico, são os enunciados sobre os quais incidem juízos que, em sua expressão significativa, são as normas jurídicas, que, por sua vez, cumprem o papel lógico de proposições, são juízos no sentido de produção de significação e no sentido de opções de junção, integração” [4].

 

Deste modo, vê-se que as normas são significações a respeito do direito positivo, são comandos prescritivos que visam à regulação de condutas, com sentido completo, e possibilidade de acesso ao sistema político (coerção) como programa de propósito específico, que é a característica secundária de ser direito, no conteúdo da norma primária kelseniana, transmutada em secundária por Lourival Vilanova [5].

 

Por meio de tais afirmações consegue-se visualizar as normas em suas formas e recombinação entre antecedentes e conseqüentes, do que podem ser: gerais e abstratas; gerais e concretas; individuais e abstratas; ou individuais e concretas, representando, respectivamente, conseqüente e antecedente.

 

Verifica-se, a partir da linguagem constituidora da norma, em seu antecedente, se os eventos do mundo natural foram transpostos em linguagem, consubstanciando-se em fatos jurídicos (normas concretas), ou são descritos conotativamente (normas abstratas); e, se os conseqüentes normativos estabelecem os seus dois sujeitos relacionados de maneira indeterminada (normas gerais) ou especificada (normas individuais).

 

Com a maestria que lhe é peculiar, Vilanova apresentou um esquema de manifestação do deôntico que é o da norma em sentido completo que seria a ligação entre duas normas jurídicas em sentido estrito, primárias e secundárias por meio de uma disjunção excludente.

 

Neste sentido, a última forma estrutural sintática das normas jurídicas é o das normas em sentido completo, que denotam a juridicidade existente nas relações, com a possibilidade de coerção estatal, em que há a ligação entre uma norma primária, dispositiva ou sancionadora, e uma norma secundária, sancionadora, de cunho processual [6].

 

Assim, temos a definição do conceito de norma jurídica em sentido completo que é a união de duas normas jurídicas, uma primária (dispositiva) e uma secundária (sancionadora/processual).

 

Nesta distinção, sintaticamente estas normas são idênticas, mas o fato da norma secundária é o não cumprimento da relação jurídica da norma primária, lembrando que o modal disjuntor excludente trata que as duas normas são válidas ao mesmo tempo, mas a aplicação de uma exclui a outra.

 

2. A RESPEITO DAS NORMAS JURÍDICAS.

 

No que pertine ao tema das normas jurídicas impende-se destacar que estas têm sido visualizadas como o ponto de referência para importantes construções interpretativas do direito.

 

A teoria comunicacional, muito bem desenvolvida por Paulo de Barros Carvalho, o trata como algo que necessariamente se manifesta em linguagem prescritiva, inserido numa realidade recortada em textos, as normas jurídicas, que cumprem as mais diversas funções, abrindo horizontes largos para o trabalho científico e permitindo oportuna e fecunda conciliação entre as concepções hermenêuticas e as iniciativas de cunho analítico no exame da estrutura normativa.

 

2.1. Caracterização.

 

Como bem destacado em linhas anteriores, o direito é construído por meio de linguagem. Sabe-se que a linguagem manifesta-se por intermédio de determinado suporte físico, podendo ele ser escrito, oral ou gestual.

 

Nesse contexto, pode-se aduzir que o texto de lei é o suporte físico sobre o qual serão construídos os enunciados prescritivos.

 

As normas jurídicas, por sua vez, podem ser entendidas como sendo a significação, ou seja, o juízo que extraímos desses enunciados organizados sob uma estrutura hipotético-condicional, a qual à determinada hipótese (suposto ou antecedente) se atribui determinada conseqüência [7].

 

Para Robson Maia Lins [8], “norma jurídica, assim como relação jurídica, sujeito de direito, personalidade jurídica, é um conceito categorial pertencente ao domínio da Teoria Geral do Direito, e, assim como o próprio conceito de direito, não goza de privilégio em relação aos vícios da linguagem. A vaguidade, a ambigüidade, e a carga emotiva acompanham a expressão norma jurídica desde os primórdios”. 

 

Na ótica de Aurora Tomazini de Carvalho [9], “norma jurídica” é uma expressão lingüística que como tantas outras não escapa do vício da ambigüidade, podendo ser utilizada nas mais diversas acepções.

 

Para referida Autora, a confusão se instaura porque alguns utilizam a expressão “norma jurídica” para designar as unidades do sistema do direito positivo, quando este, por manifestar-se em linguagem, apresenta-se em quatro planos: (i) S1 – plano físico (enunciados prescritivos); (ii) S2 – plano das significações isoladamente consideradas (proposições jurídicas); (iii) S3 – plano das significações estruturadas (normas jurídicas); e (iv) S4 – plano da contextualização das significações estruturadas (sistema jurídico). Temos, assim, pelo menos, três tipos de unidades ontologicamente distintas, dependendo sob qual plano analisamos o sistema jurídico.

 

Assim, “para evitar tais confusões Paulo de Barros Carvalho utiliza-se das expressões: (i) “normas jurídicas em sentido amplo” para designar tanto as frases, enquanto suporte físico do direito posto, ou os textos de lei, quanto os conteúdos significativos isolados destas; e (ii) “normas jurídicas em sentido estrito” para aludir à composição articulada das significações, construídas a partir dos enunciados do direito positivo, na forma hipotético-condicional, de tal sorte que produza mensagens com sentido deôntico-jurídico completo. Nestes termos, considerando o percurso gerador de sentido dos textos jurídicos, nos planos S1 e S2 lidamos com normas jurídicas em sentido amplo e somente nos planos S3 e S4 deparamo-nos com normas jurídicas em sentido estrito [10].

 

Assim, se mantém a separação entre normas jurídicas em sentido amplo e normas jurídicas em sentido estrito, para aliviar as incongruências semânticas do uso da expressão “norma jurídica”. As primeiras denotam unidades do sistema do direito positivo, ainda que não expressem uma mensagem deôntica completa. As segundas denotam a mensagem deôntica completa, isto é, são significações construídas a partir dos enunciados postos pelo legislador, estruturadas na forma hipotético-condicional.

 

Nesse sentido, empregando a semiótica, aclara o mestre Paulo de Barros Carvalho [11]: “uma coisa são os enunciados prescritivos, isto é, usados na função pragmática de prescrever condutas, outra, as normas jurídicas, como significações construídas a partir dos textos positivados e estruturadas consoante a forma lógica dos juízos condicionais, compostos pela associação de duas ou mais proposições prescritivas”.

 

Não se pode desconsiderar, no entanto, que, embora as proposições jurídicas, isoladamente, não sejam consideradas normas jurídicas, apresentam papel essencial para a formação no direito, uma vez que, conjuntamente interpretadas, dão sentido às normas jurídicas.

 

2.2. Estrutura.

 

A norma jurídica é um fenômeno comunicativo complexo. Em seu cometimento, há uma relação de autoridade institucionalizada em seu grau máximo, protagonizada pelo Estado.

 

Para o Professor Lourival Vilanova [12], “normar conduta humana importa em articular suas partes na relação meio-fim. Essa é a ontologia teológica da ação. A atuação humana é mediante a relação meio-fim: o meio é a causa idônea que leva ao efeito, que é o fim da ação. A autoridade legislativa, para disciplinar condutas intersubjetivas, não foge a tal articulação e nós, como intérpretes do direito, para compreendermos o alcance dos comandos legislados, também não.

 

Temos assim, que a estrutura normativa é composta por duas proposições, sendo a primeira a hipótese, pressuposto, ou antecedente, cuja função é descrever uma situação de possível ocorrência, que funciona como causa para o efeito jurídico almejado pelo legislador; e, a segunda seria o conseqüente ou tese, cuja função é delimitar um vínculo relacional entre dois sujeitos, que se consubstancia no efeito almejado; e um conectivo condicional, também denominado vínculo implicacional, cuja função é estabelecer o liame entre a causa e o efeito ao imputar a relação prescrita no conseqüente normativo, caso verificada a situação descrita na hipótese [13].

 

As normas jurídicas têm estrutura implicacional, própria da causalidade (relação de causa-efeito). Assim, sua construção formal a reduz a duas posições sintáticas (implicante e implicada), ligadas por um conectivo condicional que estabelece o vínculo inter-proposicional, imposto por um ato de vontade do legislador, expresso por um “dever-ser” neutro, não modalizado.

 

A posição sintática implicante é denominada hipótese ou antecedente e descreve um acontecimento de possível ocorrência. A posição implicada é denominada conseqüente ou tese e estabelece uma relação entre dois sujeitos, modalizada como obrigatória, proibida, ou permitida, que deve ser cumprida por um e pode ser exigida por outro. O nexo relacional, estabelecido intraproposicionalmente no conseqüente normativo, que institui o dever de cumprir e o direito de exigir, expressa-se por um “dever-ser” modalizado, pois, diferentemente do primeiro, triparte-se em três modais (obrigatório, proibido e permitido).

 

Esta é a fórmula mínima de manifestação da mensagem legislada. É nesta estrutura que se conectam os dados significativos para compreensão do comando emitido pelo legislador, sem ela as informações ficam desconexas, sendo impossível dizer o que e sob quais circunstâncias o texto do direito prescreve [14].

 

Trazendo o tema para o campo tributário, que é aquele que nos interessa particularmente, se impõe estabelecer que todas as normas jurídicas possuem uma estrutura lógica dual, repartida em um antecedente descritivo e um conseqüente prescritivo, baseada numa relação de imputação. Os elementos descritivos e prescritivos da norma jurídica são identificados pelos critérios material, espacial, temporal e pessoal: pelo critério material identifica-se o comportamento humano regulado pela norma; pelo critério espacial, o local em que deve ocorrer o comportamento humano para que a norma produza seus efeitos; pelo critério temporal, o momento em que tal conduta deve se realizar para gerar os efeitos jurídicos descritos na norma; e pelo critério pessoal, os sujeitos de direito vinculados à relação intersubjetiva da norma.

 

Assim, temos que a estrutura da norma jurídica tributária é constituída pelo critério material, espacial e temporal, no antecedente descritivo, e pelos critérios pessoal e quantitativo, no conseqüente prescritivo. Sendo o critério quantitativo aquele em que se identifica o montante da prestação pecuniária a ser entregue pelo sujeito passivo ou dele retirado.

 

Conclusão.

 

            Neste trabalho, procuramos trazer à reflexão o importante tema das normas jurídicas e sua abordagem perante o direito positivo. Para tanto, nos valemos da exploração dos conceitos e das noções basilares para, assim, compreender o verdadeiro alcance dos institutos que nos propusemos a analisar.

 

            Sob o enfoque da teoria comunicacional, procuramos contribuir para o estudo do tema através da análise dos aspectos sintático e semântico que o mesmo comporta, diferenciando texto positivado (suporte físico) de norma jurídica (interpretação), atingindo a culminância na aplicação de tais noções no campo do direito tributário, que é aquele que particularmente nos interessa.

 

Bibliografia.

 

CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de Teoria Geral do Direito: constructivismo lógico-semântico. São Paulo: Noeses, 2009.

 

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 16 ed.. São Paulo: Saraiva, 2004.

 

_______. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência tributária. 2 ed.. São Paulo: Saraiva, 1999.

 

_______. Direito tributário: hipótese de incidência. São Paulo: Saraiva, 1998.

 

GUIMARÃES, Marcela Cunha. Os tratados internacionais e sua interferência no exercício da competência tributária. Dissertação de mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Programa de Pós-graduação em Direito Tributário. São Paulo, 2006.

 

LINS, Robson Maia. Controle de constitucionalidade da norma tributária: decadência e prescrição. São Paulo: Quartier Latin, 2005.

 

VITA, Jonathan Barros. Tributação do câmbio. São Paulo: Quartier Latin, 2008.

 


[1] CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência tributária. 2 ed.. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 18.

 

[2] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 16 ed.. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 8.

 

[3] VITA, Jonathan Barros. Tributação do câmbio. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 36.

 

[4] Idem, p. 37.

 

[5] Ibidem.

 

[6] Idem, p. 49.

 

[7] GUIMARÃES, Marcela Cunha. Os tratados internacionais e sua interferência no exercício da competência tributária. Dissertação de mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Programa de Pós-graduação em Direito Tributário. São Paulo, 2006, p. 22.

 

[8] LINS, Robson Maia. Controle de constitucionalidade da norma tributária: decadência e prescrição. São Paulo: Quartier Latin, 2005p. 52.

 

[9] CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de Teoria Geral do Direito: constructivismo lógico-semântico. São Paulo: Noeses, 2009, p. 266.

 

[10] Idem, p. 266-267.

 

[11] CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: hipótese de incidência. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 22.

 

[12] VILANOVA, Lourival apud CARVALHO, Aurora Tomazini de. Op cit., p. 277.

 

[13] Idem, p. 277-278.

 

[14] Idem, p. 279.


[1] CARVALHO, Paulo de Barros apud CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de teoria geral do direito: o constructivismo lógico-semântico. São Paulo: Noeses, 2009, p. 30.

 

 

 

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