O destino dos recursos administrados pelo sistema “S”


Porbarbara_montibeller- Postado em 08 maio 2012

Autores: 
PALMA, Vanessa Cristina Lourenço Casotti Ferreira da
CARVALHO, Alexsandro Pereira de

Resumo: O objetivo deste tema é apresentar algumas considerações acerca da destinação dada aos recursos provenientes da contribuição compulsória administrada pelo Sistema S. Esta contribuição financia a atuação das onze entidades que compõem o Sistema. Num primeiro momento tentaremos sistematizar o conceito de Sistema S, em seguida faremos uma retrospectiva das origens do Sistema e sua área de atuação; depois enfocaremos os fundamentos tributários pertinentes à contribuição, e por fim, nos debruçaremos sobre as teses defendidas no debate envolvendo o setor empresarial e o Ministério da Educação e os seus reflexos para o futuro do ensino profissionalizante no país.

Palavras-chave: Sistema S- Contribuição - Educação Profissionalizante - Gratuidade.

Abstract: The objective of this study is to present some considerations about the allocation given to the proceeds from the compulsory contribution system administered by the S. This contribution finances the work of the eleven entities that comprise the system. At first attempt to systematize the concept of system S, then we do a retrospective of the origins of the System and its area, then we focus on the fundamentals relevant to the tax contribution, and finally, we will lean on arguments put forward in the debate involving the industry business and the Ministry of Education and the consequences for the future of vocational education in the country.

Keywords: S-System Contribution - Professional Education - Gratuity.

Sumário: 1. Introdução, 2. Sistema “S” –conceito, e marco regulatórios, 3. Finalidade dos recursos, 4. A polêmica criada pela proposta de mudança, 5. Considerações finais. Referências bibliográficas.

1 Introdução

Educação profissionalizante é tema imprescindível para as pretensões de qualquer nação que aspire ao ingresso no seleto grupo de países de vanguarda tecnológica. As instituições que compõem o Sistema S, criadas na década de 40, vêm, ao longo desses mais de sessenta anos de existência, desempenhando um importante papel na formação de mão de obra para o setor produtivo nacional. Entretanto, a ampliação do parque industrial brasileiro tem demandado um número cada vez maior de profissionais habilitados. É neste cenário inovador que se faz necessária a busca por soluções para a escassez de mão de obra qualificada no país. 

O Poder Legislativo, através do PL 1754/07, de autoria do Deputado Federal Átila Lira (PSB-PI), e o Executivo Federal - por intermédio do Ministério da Educação -empreenderam esforços políticos e estratégicos com o intuito de tentar redesenhar o papel do Sistema S na realidade do ensino profissionalizante no país. Na época, foram realizadas várias plenárias tendo como ponto norteador a ideia de discutir o modelo de gestão dos recursos visando ampliar a gratuidade nas escolas do Sistema. Tais iniciativas desde o início foi rechaçada veementemente pelas Confederações que administram esses recursos, sob o argumento de que “o governo quer estatizar um setor que se sustenta com verba privada”, argumentou o presidente da CNI, Deputado Federal Armando Monteiro, em matéria veiculada pelo jornal Valor Econômico, em 05/05/2008.

Vários aspectos jurídicos permeiam o tema, iniciando com o direito administrativo na medida em que tais instituições são consideradas pela doutrina integrantes das entidades paraestatais, em seguida o assunto é submetido ao crivo do direito tributário no que concerne ao reconhecimento da gênese da contribuição e por derradeiro, aspectos constitucionais vão ser suscitados por ambos os lados no bojo da problemática em questão.

2 Sistema “S”- Conceito, origem, e marcos regulatórios

O conceito de Sistema S é amplamente debatido pela doutrina. Vários são os doutrinadores administrativistas que se debruçam sobre o assunto. Trazemos à baila o entendimento de  Hely Lopes Meireles (2005, p. 336), para quem esse Sistema:

“São Serviços Sociais autônomos, instituídos por lei, com personalidade jurídica de direito privado, para ministrar assistência ou ensino a certas categorias sociais ou grupos profissionais, sem fins lucrativos, sendo mantidos por dotação orçamentária ou contribuições parafiscais. São entes paraestatais de cooperação com o Poder Público, com administração e patrimônio próprios, revestindo-se na forma de instituições convencionais particulares (fundações, sociedades civis ou associações) ou peculiares ao desempenho de suas incumbências estatutárias.”

Alexandre Mazza (2011, p. 152) define os Serviços Sociais Autonômos como sendo “pessoas jurídicas de direito privado, criadas mediante autorização legislativa e que compõem o denominado Sistema S”. O mesmo doutrinador enquadra essas entidades na categoria de paraestatais que são, segundo ele, entes que colaboram com o Estado exercendo atividades não lucrativas e de interesse social. Vários doutrinadores se perfilam à corrente que enquadra o Sistema S dentre as entidades paraestatais, dentre esses doutrinadores se destacam: Helly Lopes Meirelles, Celso Antonio Bandeira de Melo, Oswaldo Aranha Bandeira de Melo, José dos Santos Carvalho Filho, Marcelo Alexandrino e Maria Sylvia Zanella Di Pietro.

Segundo Bandeira de Mello, tais organizações desenvolvem suas atividades paralelamente às ações implementadas pelo poder público, sendo:

“Pessoas privadas que colaboram com o Estado desempenhando atividade não lucrativa e à qual o Poder Público dispensa especial proteção, colocando a serviço delas manifestações de seu poder de império, como o tributário, por exemplo. Não abrange as sociedades de economia mista e empresas públicas; trata-se de pessoas privadas que exercem função típica (embora não exclusiva do Estado), como as de amparo aos hipo-suficientes, de assistência social, de formação profissional. O desempenho das atividades protetórias próprias do Estado de polícia por entidades que colaboram com o Estado, faz com que as mesmas se coloquem próximas ao Estado, paralelas a ele.” (BANDEIRA DE MELO, 2004, p. 209).

Como vimos, o conceito de Sistema “S” se confunde com o de Serviço Social Autônomo, para Eduardo Gomes (2005, p. 267) tais entidades se constituem “conjunto de organizações das entidades corporativas empresariais voltadas para o treinamento profissional, assistência social, e assistência técnica, que além de terem em comum seu nome iniciado com a letra S, têm raízes comuns e características organizacionais similares.” 

Alexandre Mazza (2011, p. 154) ao teorizar sobre os Serviços Sociais Autônomos elenca as seguintes características como imprescindíveis para o seu perfeito enquadramento dentro dos entes de cooperação:

“São pessoas jurídicas de direito privado; criados mediante autorização legislativa; não tem fins lucrativos; executam serviço de utilidade pública, e não serviço público; produzem benefícios para grupos ou categorias profissionais; não pertencem ao Estado; são custeados por contribuições compulsórias pagas pelos sindicalizados (art. 240 da CF), sendo exemplo de parafiscalidade tributária (art. 7º do CTN); os valores remanescentes dos recursos arrecadados constituem superávit, e não lucro, devendo ser revestidos nas finalidades essenciais da entidade; estão sujeitos a controle estatal, inclusive por meio dos tribunais de contas; não precisam contratar mediante concurso público; estão obrigados a realizar licitação (art. 1º da lei 8666/93); são imunes a impostos incidentes sobre patrimônio, renda e serviços” (art. 150, VI, c, da CF).

São exemplos desses entes, conforme Marcelo Alexandrino (2011, p. 143), o SESI (Serviço Social da Indústria), o SENAI (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial), o SESC (Serviço Social do Comércio), o SENAC (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial), o SEBRAE (Serviço Brasileiro de Apoio аs Micro e Pequenas Empresas), o SENAR (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural), o SEST (Serviço Social do Transporte), o SENAT (Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte).

O que se denota da análise doutrinária é que o Sistema “S” compreende um conjunto de entidades privadas ligadas ao setor produtivo brasileiro atuando na prestação de serviços de utilidade pública (sociais e educativos). Foram criadas pelo do Poder Público com fonte de receitas públicas específicas, sem prejuízo daquelas obtidas por arrecadação própria. Dentre as instituições que integram o Sistema, se destacam, por seu porte e presença nacional, as vinculadas à Confederação Nacional da Indústria(CNI) e à Confederação Nacional do Comércio(CNC).

O embrião desse modelo que hoje se convencionou denominar Sistema S, conforme dados obtidos junto à página eletrônica do SENAI, surge com a criação das Escolas de ofício e Politécnicas. Ambas tinham foco prioritário o ensino técnico e profissionalizante, de base industrial, remontando às origens da educação no Brasil. O SENAI e o SENAC ingressaram nesse campo no início da década de 1940, para acompanhar uma tendência de industrialização pela qual passava o país, incentivados pelo Governo Vargas, tendo como foco inicial a aprendizagem industrial e comercial.

Ainda no site do SENAI, temos uma retrospectiva histórica do Sistema trazendo  relatos de que à época do processo de formação, duas vertentes surgiram para fundamentar as bases do Sistema, ainda incipiente. De um lado, a Indústria, representada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), pretendia um aprendizado destinado à formação de mão-de-obra que suprisse suas próprias demandas. Do outro, o Ministério da Educação e Saúde, representado pelo Ministro Gustavo Capanema, que propunha uma concepção mais abrangente, que contemplasse a capacitação profissional em conformidade com as demandas dos industriários, mas que também abarcasse uma formação mais geral do indivíduo. Vale ressaltar que nessa época os dois setores já defendiam posições opostas.

Sobre os marcos regulatórios, que dão fulcro legal ao Sistema, conforme informações do site do SESI, o Decreto-Lei nº 4.048, de 22/01/1942, criou o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial – SENAI, depois vieram os Decretos-Lei nº 4.073, de 30/01/1942 e 4.481, de 16/06/1942 e o Decreto-Lei n° 6.141, de 28/02/1943, respectivamente, Leis Orgânicas do ensino industrial e Lei Orgânica do ensino comercial. Na década de sessenta, pelo Decreto n° 494/1962, foi aprovado o Regimento do SENAI e, um ano depois, o Decreto nº 61.843/1967 aprovou o Regimento do SENAC. Ambos ratificaram os objetivos instituídos pelas normas de criação englobando as aprendizagens industrial e comercial.

Importante salientar que ao nos referirmos à origem do Serviço Social da Indústria – SESI, destacando suas funções regimentais e base normativa, temos que sua criação ocorreu nos termos do Decreto-Lei n° 9.403, de 25/06/1946, com regimento aprovado pelo Decreto n.º 57.375/1965, sempre patrocinado ativamente pelo setor industrial.

O paradigma estava então concebido: ligados ao setor industrial e comercial, respectivamente, temos o SENAI e o SENAC com vocação para atuar nos processos de aprendizagem; e com a missão de atuar na assistência social, ainda que incorporando em suas ações atividades voltadas para a educação, têm o SESI e o SESC.

Buscando traçar um paralelo entre o modelo de educação mantido pelo Sistema S e o implementado pelo Governo Federal, observamos que, conforme informações veiculadas no site do MEC, tem se destacado no cenário nacional a atuação das Escolas Técnicas Federais com grande ampliação de vagas nos últimos anos. Esses centros de ensino oferecem matriz educacional semelhante à adotada pelas escolas do Sistema “S”.

 Conforme dados obtidos no Portal da Educação mantido pelo Ministério da Educação(MEC), a origem das Escolas Técnicas Federais remonta ao ano de 1959 quando o Poder Executivo, assumindo parte dos processos de formação da força de trabalho necessária para que a indústria concluísse seu ciclo de crescimento, as cria, através da Lei nº 3.552 de 16 de fevereiro, regulamentada pelo Decreto nº 47.038 de 16 de novembro daquele mesmo ano. Em 1994, a Lei Federal nº 8.948, de 8 de dezembro, estabeleceu a transformação gradativa das Escolas Técnicas Federais (ETFs) em Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFET's).

Os CEFET's, mantidos pelo governo federal, ministram cursos de longa duração e são totalmente gratuitos, ao passo que os cursos oferecidos pelo Sistema S são na sua maioria de médias e curtas durações, com cobrança de mensalidade. A partir de dados constantes no site do MEC e do SENAI/SP, foi possível comparar alguns dados referentes aos modelos; observamos que, no caso da formação Federal, o gasto médio é de três mil e setecentos reais por ano, para uma carga horária mínima de seiscentas horas anuais, o que significa um custo hora/aula em torno de seis reais por aluno. Já o aluno do SENAI/SP custa, por ano, mil trezentos e setenta reais. Como a carga horária média é de cento e dez horas de aulas efetivamente dadas, na comparação, o custo de doze reais, no SENAI/SP, representa o dobro do recurso necessário para formar um aluno matriculado na rede administrada pelo Governo federal.(http://www.sp.senai.br/Senaisp/Institucional/0/Sistema-SENAI. Acessado em : 10/08/2011).

 Sabemos que a análise aqui apresentada não levou em consideração todas as características e peculiaridades que envolvem cada paradigma, entretanto apesar de não muito perfunctória a comparação nos dá indicações que merecem figurar como tema de discussão, envolvendo toda sociedade, sobre o modelo de educação profissionalizante adotado em nosso país. 

3  Finalidade dos recursos

No que concerne à finalidade dos recursos administrados pelo Sistema, o art. 149 da CF disciplina que: “compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas”. É importante ressaltar que estas contribuições são caracterizadas pela finalidade para a qual foram instituídas. Nas palavras do insigne tributarista Roque Antonio Carraza (2011, pag 612) “a Pessoa Jurídica contemplada com esses recursos tem que perseguir a finalidade do interesse público, exigência do princípio da destinação pública do dinheiro arrecadado mediante o exercício da tributação”.

É pacífico o entendimento de que o art. 149 de nossa Carta Magna amarra três modalidades de contribuições sociais. Ratificando essa tese, bem descreve o ilustre jurista Hugo de Brito Machado: “contribuições sociais são uma espécie de tributo com finalidade constitucionalmente definida, a saber, intervenção no domínio econômico, interesse de categorias profissionais ou econômicas e seguridade social”.

 Nesta mesma linha KIYOSHI HARADA (2011, p. 327) argumenta que as receitas do Sistema S integram uma subespécie daquilo que a doutrina denomina contribuições de interesse de categorias profissionais ou econômicas, com as especificações relacionadas nas disposições do art 8º, V e 149 da CF/88 c/c art. 578 da CLT.

Ainda sobre a contribuição destinada ao Sistema “S” teoriza o ilustre doutrinador KIYOSHI HARADA:

“[...] por ter natureza de pessoa jurídica de direito privado, o Sistema S não pode ser sujeito ativo de tributo, logo, essas contribuições não têm natureza tributária.  De outro modo, posto que o produto de sua arrecadação não integra o orçamento fiscal da União nem o orçamento de seguridade social, também não figuram como contribuições sociais. Surgindo como conseqüência a parafiscalidade.”  (KIYOSHI HARADA, 2007, p. 326).

A doutrina nos aponta mais uma característica dessas contribuições, a parafiscalidade, que parte do pressuposto de que a União cria a contribuição entretanto quem administra o recurso é a entidade beneficiada, no caso em comento o Sistema S. Sobre a parafiscalidade nos ensina GERALDO ATALIBA (2008, p. 170): “quando uma pessoa que não aquela que criou o tributo vem a arrecadá-lo para si própria, dizemos que está presente o fenômeno da parafiscalidade”.

Até aqui, tais premissas conceituais nos levam ao entendimento de que as contribuições que são destinadas ao Sistema S estão devidamente previstas no art 149 de nosso texto constitucional, sendo enquadradas como contribuições de interesse das categorias profissionais e que são consideradas contribuições parafiscais.

No que concerne à base de cálculo dessas contribuições, o art. 28 da Lei nº 8.212 de 24/7/1991 prevê tal incidência, que se constitui na mesma utilizada no cálculo da contribuição para a Previdência Social incidindo sobre a folha de pagamento do total de empregados do estabelecimento contribuinte.

Até 2007 o INSS ficava responsável pela arrecadação e repasse, entretanto, com o advento da Lei nº 11457/07, regulamentada pelas IN’s 566 e 567 - RFB,  a arrecadação e repasse ficaram a cargo da receita federal, como corolário da unificação fisco/previdenciária promovida pela lei em tela.

Conforme determinação do §1º, artigo 3º, do Decreto Lei nº. 9.403/46, que regulamentou o Serviço Social da Indústria – SESI, a respectiva contribuição será de um e meio por cento sobre o montante da remuneração paga pelos estabelecimentos contribuintes sobre a folha de pagamento de seus empregados, ficando para o SENAI a percentagem de um por cento da mesma base de cálculo. 

No caso do SENAC, a contribuição será “equivalente a um por cento sobre o montante da remuneração paga а totalidade dos seus empregados” (art. 4º, Decreto Lei nº. 8.621/46), sendo destinado ao SESC um e meio por cento do mesmo montante.

Em síntese, é descontado da folha de pagamento dos trabalhadores dois e meio por cento, desse total, um por cento fica alocado na educação, percentual que é distribuído para atividades profissionalizantes, como cursos de qualificação, formação industrial e tecnológicos – uma parte gratuitos e outra mediante pagamento. O percentual restante, ou seja, um e meio por cento, vai para cultura, incluindo programas de assistência social.

A obrigatoriedade do desconto das folhas de pagamento é que traz à lume uma discussão que se constitui em ponto crucial no que tange às contribuições que financiam o Sistema S. A controvérsia põe em lados diametralmente opostos os que defendem se tratar de contribuição ou verba, eminentemente  pública, assemelhada ao tributo; e do outro, aqueles que defendem se tratar de mera contribuição, que apesar de compulsória, nada tem a ver com tributo. 

Renomados doutrinadores se perfilam aos defensores do primeiro entendimento  caracterizando tais subvenções como “dinheiro público” com a seguinte justificativa:

“[...] expressa previsão legal das contribuições; além disso, essas contribuições não são facultativas, mas, compulsórias, com inegável similitude com os tributos; por fim, esses recursos estão vinculados aos objetivos institucionais definidos na lei, constituindo desvio de finalidade quaisquer dispêndios voltados para fins outros que não aqueles.”  (CARVALHO FILHO, 2007, p. 473).

No outro flanco outras autorizadas vozes discordam de tais justificativas, argumentando, para tanto que o sistema S:

“[...] de modo algum estaria gerindo “dinheiro público”. Realmente, a contribuição que o mantém não integra a título algum a receita do Estado. Não é produto de uma transparência, que o Estado lhe repassa. Inclusive, porque a passagem dos recursos pelo INSS/RFB é meramente procedimental.” (FERREIRA FILHO, 2005, p 26)

O ex-ministro do STF, Ilmar Galvão, adere ao posicionamento supramencionado alegando que, quando o produto das contribuições ingressa nos orçamentos das entidades dos Serviços Sociais Autônomos, este perde o caráter de recursos públicos. (GALVÃO, s.d, p. 18).

Filiamo-nos à primeira corrente tendo como pressuposto a ideia de que tais contribuições revestem-se de natureza, essencialmente, pública; não somente porque o Poder Público é o responsável por sua instituição, arrecadação e repasse ao Sistema S, na forma da lei, mas principalmente por que é de interesse público a sua finalidade e destinação.

O insigne mestre GERALDO ATALIBA (2008, p. 178), nos ensina: “é preciso que haja correlação lógica entre os beneficiários dos recursos e os contribuintes”. É nesse diapasão, que enfatizamos o caráter de compulsoriedade dessa contribuição que apesar de administrada pelo setor privado, e ter como meta atender às demandas do setor produtivo, deve comprometer estes recursos em programas de gratuidade, e não ter na sua grade cursos na sua maioria pagos pelo trabalhador, se desvinculando, desta forma, da finalidade proposta.

Com base no exposto, está longe de ser matéria consensual o enquadramento dessas verbas, se de ordem pública ou privada. O fato é que elas financiam as ações das entidades que integram o Sistema S e que são descontadas sobre a folha salarial, com natureza de contribuição compulsória. Não obstante a isso, tais instituições prestam seus serviços em complementação às ações desenvolvidas pelo aparelho estatal, e, apesar de não integrarem a administração pública direta ou indireta, administram recursos oriundos do Poder Público que os instituiu, arrecada e repassa.

4 A polêmica criada pela proposta de mudança

As discussões se iniciam em meados de 2008, quando o Governo Federal divulga a intenção de enviar para o Congresso Nacional Projeto de Lei com intuito de modificar a repartição dos recursos do Sistema S, buscando ampliar a oferta de cursos de formação profissional gratuitos a alunos das escolas públicas e a trabalhadores desempregados que recebem o seguro-desemprego.

Como vimos anteriormente do total que é repassado ao Sistema S, um por cento financia a formação profissional (SENAI/SENAC) e um e meio por cento é reservado a atividades sociais (SESI/SESC). Conforme matéria veiculada no site do MEC, pela proposta,  a origem da verba permaneceria a mesma (dois e meio por cento sobre a folha de pagamento das empresas), mas os percentuais de repartição dos recursos se inverteriam. Assim, um e meio por cento seria destinado à formação profissional e um por cento a atividades sociais. Isso implicaria num incremento na verba que se destina a área educacional da ordem de vinte por cento do total destinado ao sistema anualmente.

 Os empresários se apressaram e em nota publicada no site da Confederação Nacional da Indústria, esclareceram que “ O Sistema S é bem-sucedido porque os cursos oferecidos atendem às demandas do setor produtivo, e não a políticas públicas de educação”.

Já o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e deputado federal, Armando Monteiro Neto, classificou a proposta como “uma tentativa encabulada de estatização”. Para Monteiro, o projeto tem cunho “confiscatório” e não leva em consideração as necessidades do setor privado. “O foco do Sistema S não pode ser a educação pública, ainda que eu reconheça que o Brasil necessita de mudanças importantes nesse sentido”, disse o deputado no debate promovido em 16/05/2008 pelo jornal Folha de São Paulo, onde foi discutida a proposta.

Sobre o tema, o Ministro da Educação, Fernando Haddad, defendia a viabilidade da  proposta, em artigo divulgado pela Assessoria de Comunicação Social do MEC, publicado no Jornal Valor Econômico em 05/05/2008, sob o título “Podemos formar muito mais e melhor", ele alegava que a reforma partia de algumas premissas importantes. Para o ministro, ao se compreender as premissas, se compreendem as propostas. Passando em seguida a explicitá-las “ a primeira delas é de que o recurso arrecadado da sociedade deve financiar a gratuidade. Se a sociedade está pagando, o aluno deve ter acesso a um curso gratuito. Isto não inibe a cobrança de matrícula, mas se o aluno está pagando, a matrícula do pagante não deveria ser contabilizada em termos de repartição dos recursos do sistema”.

Os debates sobre a proposta só resistiram até a entrada do vice-presidente - à época, José Alencar - na questão. Ele foi chamado pelas Confederações, que resistiam à intenção do MEC de enviar o projeto de lei ao Congresso, para intermediar as discussões e tentar alinhavar um acordo. Depois de várias reuniões os empresários conseguiram demover o Governo da ideia de enviar o Projeto de Lei ao Congresso. O acordo resultou na edição de três decretos (6.633, 6.635 e 6.637/2008), publicados simultaneamente em 5/11/2008, eles inovam os respectivos regulamentos do SENAI, SESI, SESC e SENAC.

Pelo acordo, no caso do SENAC, a proposta foi efetivada no Decreto n° 6.633/2008, art. 51, determinando o cronograma a ser cumprido por este órgão até 2014, destinados a programas de gratuidade, iniciando com vinte por cento, a ser atingido em 2009, até sessenta e seis por cento a ser atingido em 2014. Ao SENAI, o Decreto n° 6.635/2008 (art. 68) determinou cronograma no mesmo período, iniciando com cinqüenta por cento em 2009 e sessenta e seis por cento a partir de 2.014. Já o SESI, embora deva cumprir cronograma semelhante, estipulado pelo Decreto n° 6.637/2007 (art. 69), divide-se em duas metas, uma para educação, entre vinte por cento em 2009 até trinta e três por cento a partir de 2.014 e outra destinada à gratuidade, com seis por cento em 2009 até dezesseis por cento a partir de 2.014.

 Registre-se, que, pelo menos em tese, todas as alterações têm natureza regulamentar aos objetivos definidos em lei, já que os decretos foram editados com base no ar. 84, IV da CF/88, conferindo ao presidente competência de editar normas para o fiel cumprimento das leis.

Definitivamente, não era o desfecho que o MEC desejava. Entretanto essa iniciativa representa uma das poucas tentativas de se modificar a realidade de um sistema tão poderoso  que administra recursos expressivos que crescem a cada ano.

Destarte, o que amplia a polêmica é, acima de tudo, um conceito político/ideológico, inerente ao projeto de desenvolvimento do País, que vive historicamente numa disputa entre o público e o privado.

5 Considerações finais

As divergências em torno do regime jurídico ao qual devem se submeter os Serviços Sociais Autônomos, se privado ou público, vem, de fato, aprimorar os contornos dessa categoria peculiar de pessoas jurídicas, pois, por terem sido idealizadas a mais de sessenta anos, ainda sob égide da era Vargas, indubitavelmente, carecem de maior precisão técnica os institutos legislativos que os normatizam, sempre à luz dos princípios norteadores de nossa carta política de 1988.

As argumentações aqui suscitadas demonstram que o Sistema se mantém de contribuições parafiscais compulsórias, reside neste ponto o cerne da temática, pois apesar da inegável relevância do papel desempenhado pelas entidades do Sistema, não é sensato, nem correto, ou defensável, que o trabalhador brasileiro, mesmo que indiretamente, financie uma entidade paraestatal que se sustenta por intermédio de contribuição compulsória, como se fosse uma empresa que vise lucro, cobrando mensalidades e, por vezes, alienando os seus serviços educacionais aos mesmos trabalhadores que financiam o empreendimento.

Temos a oportunidade de implementar um amplo debate na sociedade brasileira, visando dar racionalidade a destinação destes recursos. As lideranças das associações de classe do empresariado, que desde a década de 1940 vêm administrando essa verba pública, ao assinar o acordo com o MEC, sinalizam a intenção de rediscutir alguns pontos. Surge, dessa forma, a possibilidade de expansão da oferta de vagas gratuitas na educação profissional, medida de grande impacto social.

À guisa de conclusão, podemos afirmar que a luta para o redirecionamento de uma parte dos recursos dessas contribuições para implementar a gratuidade é imprescindível, entretanto, de nada adiantará as iniciativas aqui propostas sem uma mudança na estratégia político-institucional de fiscalização da destinação desses recursos.

 

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