O crime de evasão de divisas em seus aspectos práticos e teóricos no ordenamento jurídico brasileiro


Porwilliammoura- Postado em 12 março 2012

Autores: 
NUNES, Leandro Bastos

O crime de evasão de divisas em seus aspectos práticos e teóricos no ordenamento jurídico brasileiro

RTIGO 22 DA LEI 7492/86 ( EVASÃO DE DIVISAS)

"Efetuar operação de câmbio não autorizada, com o fim de promover evasão de divisas do país:

Pena- reclusão, de 02 a 06 anos, e multa.

Parágrafo único: Incorre na mesma pena quem, a qualquer título, promove, sem autorização legal, a saída de moeda ou divisa para o exterior, ou nele mantiver depósitos não declarados à repartição federal competente.

BEM JURÍDICO TUTELADO (OBJETIVIDADE JURÍDICA OU OBJETO JURÍDICO):

A regular proteção da política cambial brasileira, em razão da expectativa de retorno dos respectivos depósitos ao Brasil.

CONCEITO DE DIVISAS:

Corresponde a um elemento normativo do cujo significado encontra-se associado às disponibilidades jurídicas que um país, ou mesmo particular (pessoa física ou jurídica) possui em moedas estrangeiras obtidas a partir de um negócio que lhe confere origem (exportação, empréstimo, investimento, saldos de agências bancárias no exterior, ouro, cheques sacados contra bancos nacionais, etc.).

Em suma, corresponde aos títulos e valores que podem ser  convertidos ou negociados em moeda estrangeira.

O CAPUT DO ART. 22  EXIGE, COMO ELEMENTAR, O FIM ESPECIAL DE PROMOVER EVASÃO DE DIVISAS DO PAÍS, OU SEJA, NÃO BASTA A MERA REALIZAÇÃO ILEGAL DE OPERAÇÃO DE CÂMBIO, E SIM TAMBÉM O INTENTO DE EFETIVAR A RESPECTIVA REMESSA AO EXTERIOR.

Vale dizer, a mera efetivação de uma operação de câmbio (compra e venda de moeda estrangeira, consubstanciada pela troca, cambio, real x dólar...) ilegal (v.g, casa de câmbio sem autorização do BACEN, venda de moeda estrangeira, com pagamento em espécie , por intermédio de valores superiores a R$ 10.000,00, etc) não configura, por si só, o crime em comento.

De outro lado, a  saída dos valores (ao exterior) constitui mero exaurimento do fato; destarte, o crime em comento tem natureza formal (ou seja, independe da efetiva remessa ao exterior, e, por conseguinte, de qualquer prejuízo causado à política cambial brasileira).

Nesse sentido, trazemos à lume os seguintes arestos:

PROCESSUAL PENAL. PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. PRÁTICA DO CRIME PREVISTO NO ART. 22 DA LEI Nº 7.492/86 (POR QUATRO VEZES), NA FORMA DO ART. 71 DO CÓDIGO PENAL. FALSIFICAÇÃO E USO DE GUIAS DE IMPORTAÇÃO REFERENTES A QUATRO OPERAÇÕES DE CÂMBIO REALIZADAS SUPOSTAMENTE ENTRE A EMPRESA SOCIEDADE TÉCNICA DE INDÚSTRIA DE LUBRIFICANTES SOLUTEC S/A E O BANCO CRÉDITO REAL DE MINAS GERAIS – RJ, TENDO COMO INTERMEDIADORA A CHAVES CORRETORA, POSSIBILITANDO A EVASÃO ILÍCITA. 1. A denúncia atende a todos os requisitos do artigo 41 do CPP, tendo sido plenamente possível aos acusados defenderem-se dos fatos que lhe foram imputados. 2. O artigo 22 da Lei 9772/86 criminaliza a conduta de: "Efetuar operação de câmbio não autorizada, com o fim de promover evasão de divisas do País". Desta forma, dá-se a consumação quando o agente efetua a operação de câmbio não autorizada. Trata-se, portanto, de ilícito formal, consumado com a realização da conduta descrita pelo tipo, qual seja, a realização da operação de câmbio não autorizada. A evasão de divisas objetivada pelo agente representa mero exaurimento do ilícito, sendo irrelevante perquirir acerca da sua efetivação ou não. 3. O especial fim de agir integrante do ''caput'' do artigo 22, da Lei 7492 consta da denúncia, na medida em que após a descrição das fraudes praticadas pelos denunciados, o item "9" da peça exordial narra que os acusados auferiram lucro indevido, estimado em 100% sobre os valores das operações, tendo em vista a disparidade existente na época entre as cotações dos câmbios oficial e paralelo. 4. Diante de fundamentada análise fático-probatória verifica-se ser totalmente descabida a pretensão da defesa em demonstrar que o réu JOÃO TIBÚRCIO laborou em erro de tipo escusável ou inevitável, por ser prática bancária o não atendimento às normas e comunicados do Banco Central. 5. Não encontra qualquer respaldo lógico a argumentação da defesa no sentido de que a responsabilidade pela conferência da idoneidade da documentação era da corretora, cliente na operação e que, se alguma irregularidade houve, ateve-se apenas à esfera administrativa, mostrando-se frágeis as provas da participação do réu no evento criminoso. Descabida tal hipótese de mera infração administrativa, uma vez que importou prática de conduta penal - promover evasão de divisas. Inaceitável a tese de erro de tipo provocado pela Corretora Chaves. A atuação do Apelante foi autônoma, sem interferência daquela. 6. No que toca à alegação de inépcia (art. 41 do CPP e art. 22 e par. da lei na 7.492/86), ao argumento de inexistência de descrição da falsidade das guias de importação, encontra-se a mesma suficientemente explicitada, sem qualquer objeção de que as guias (originariamente verdadeiras) foram "reaproveitadas" para a concretização da operação irregular (não autorizada) de divisas (através do fechamento do câmbio). Independentemente disso, o tipo de falso ideológico foi, na sentença, absorvido pelo apenado. 7. A impossibilidade material, ao argumento de que as cotações oficial e paralela da moeda estrangeira são nacionais é tese de todo inconsistente. A operação consistiu em converter moeda nacional (no câmbio oficial) e sem a contrapartida da entrada do equivalente com as importações de mercadorias que não se realizaram (representadas de forma fictícia em documentação falsificada). Decorrentemente, ficando a moeda estrangeira (liberada com o fechamento irregular do câmbio em face da operação realizada pelo Apelante/ BANCO CREDIREAL) com o beneficiário da fraude. 8. É de todo irrelevante o argumento de que o fechamento do câmbio se faz por mero contato telefônico, visto que a conduta foi a de fazê-lo sem lastro em importações reais, pois os dados utilizados na operação cambial foram fictícios. 9. A variante de que em se tratando de "câmbio trajetício" (a configurar crime impossível) é de ser também rejeitada. Tanto não é impossível que o próprio apelante a descreve em todas as suas etapas. 10. Quanto à escusa segundo a qual o apelante não sabia que os documentos eram falsos, é de se assinalar que a condenação se deu pela prática de remessa não autorizada (ou seja, sem as condições previstas pelas normas atinentes ao BACEN) de divisas. O apelante tinha o dever legal de cumprir as rotinas pertinentes, e não o fez, como demonstrado na sentença. 11. Negado provimento ao apelo. Decisão unânime (TRF- 2ª Região, ACR 2705, 5ª Turma, Rel. Alberto Nogueira, DJU 05/04/2004)

 

                 ART. 22, PARÁGRAFO ÚNICO, PRIMEIRA PARTE, DA LEI 7.492/86:

"incorre nas mesmas penas quem, a qualquer título, promove, sem autorização legal, a saída de moeda ou divisa para o exterior"

 

Aqui o agente atua isoladamente ou com o auxílio de um doleiro (e/ou dirigente de instituição financeira).

 

O dolo é genérico, ou seja,  o tipo não demanda o elemento subjetivo específico (dolo específico), de forma oposta ao caput (neste, deve ser comprovada intenção de remeter divisas ao exterior).

 

 

O fato se consuma no momento em que o agente, diretamente ou com auxílio material de terceiros, logra a saída da moeda ou das divisas: se a evasão é em espécie, tal ocorrerá com a transposição de nossas fronteiras.

Logo, o crime é material (exige a efetiva comprovação da saída da moeda ou divisas, sem o conhecimento das autoridades monetárias", conforme escólio de LUCIANO FELDENS e ANDREI SCHMIDT.

 

Nesse diapasão, vejamos o entendimento da jurisprudência pátria:

 

PENAL. EVASÃO DE DIVISAS. FORMA EQUIPARADA. FRONTEIRA. TENTATIVA. PARÂMETRO. - A apreensão de valores nas proximidades da fronteira indica que o caminho delituoso foi percorrido quase por completo, restando correta a fixação do parâmetro da tentativa de evasão de divisas (forma equiparada da 1ª parte do parágrafo único do art. 22 da Lei nº 7.492/86) no seu mínimo, um terço (art. 14, II, parágrafo único, do CP) (TRF- 4ª Região, ACR 200270020069314, Rel. Luiz Fernando Wowk Penteado, D.E 20/06/2007)

 

PENAL. EVASÃO DE DIVISAS. TENTATIVA O crime de promover, sem autorização, a saída de moeda ou divisa para o exterior (art. 22, parágrafo único, da Lei 7.492/86: pressupõe a efetiva saída de cheques sacados contra bancos nacionais do País. Se o agente é preso ainda no território nacional de posse de numerário superior ao permitido pelo art. 65, II, da Lei 9.069/95, ainda que sustado após a apreensão, impõe-se o reconhecimento da tentativa (art. 14, parágrafo único, do CP). Precedentes (TRF- 4ª Região, ACR 200370000372289, 8ª Turma, Rel. Eloy Bernst Justo, D.E 23/05/2007)

 

A elementar " sem autorização legal" não se refere à necessidade de prévio ato administrativo que expressamente autorize a operação, uma vez que o controle do BACEN ocorre  a posteriori. Na verdade, exige-se que a conduta contrarie as normas regulatórias.

A base legal encontra-se delineada no artigo 65 da Lei n.º 9.069/95.

DPV (DECLARAÇÃO DE PORTE DE VALORES)

FUNDAMENTO LEGAL:IN SRF N.º 619, 07/02/2006; DECRETO 6.759, 05/02/2009; RESOLUÇÃO DO CMN N.º 2.524, DE 30 DE JULHO/1998).

Declaração que deve ser efetuada por viajantes que vão entrar (ingressar) no país ou dele sair, portando em dinheiro, cheques, travell cheques (cheques viagens), em seu total, valor superior ao limite estabelecido pelo Conselho Monetário Nacional (atualmente o limite é R$ 10.000,00 (dez mil) reais.

Como se nota, o viajante que deixar o país ou nele ingressar portando valores superiores ao equivalente a R$ 10.000,00  (dez mil reais), deverá preencher a referida declaração e entregá-la à autoridade aduaneira  (Guichê da Secretaria da Receita Federal), sob pena de perda dos valores excedentes em prol do tesouro nacional, além das sanções criminais cabíveis ( base legal: IN SRF n.º 619, de 07 de fevereiro/2006, decreto 6759/2009)

Assim, não configura o crime a mera remessa de moeda ou divisas em espécie ao exterior, ainda que sem declaração específica por meio de DPV (Declaração de Porte de Valores), se o volume não exceder o equivalente a R$ 10.000,00 (dez mil) reais.

Se superior ao referido montante, também inexistirá conduta criminosa se a remessa ocorrer por intermédio de transferência bancária específica  (contrato de câmbio) ou preenchimento da declaração de porte dos valores em espécie- DPV- Resolução/CMN nº 2.254/98, caso a remessa seja feita por dinheiro.

Portanto, o crime estará configurado se houver comprovação da saída de valores em espécie, sem o correspondente preenchimento da DPV (quando ultrapassarem R$ 10.000,00).

 

    ARTIGO 22, §ÚNICO, SEGUNDA PARTE, DA LEI N.º 7.492/86:

"§único. Incorre na mesma pena quem, a qualquer título, promove, sem autorização legal, a saída de moeda ou divisa para o exterior ou nele mantiver depósitos não declarados à repartição federal competente"

In casu, o objeto material da conduta são os depósitos mantidos pelo agente no exterior, em moeda ou divisas, a título de investimento direto, poupança, ações em bolsa, etc.

 

A consumação do crime ocorre no momento em que se esgotar o prazo dentro do qual o agente deveria declarar à repartição federal competente as informações alusivas aos respectivos depósitos mantidos no exterior.

 

Logo, surge a primeira indagação: qual a repartição federal competente para figurar como destinatária das informações? (referentes aos valores situados na conta no exterior).

 

REGRA PRÁTICA,  TRAZIDA POR LUCIANO FELDENS E ANDREI SCHMIDT

Até 07/12/2001, a repartição federal competente era a Receita Federal, ou seja, bastava a observação acerca de ter sido ou não informados os respectivos valores na declaração anual de imposto de renda.

 

Posteriormente à aludida data, o BACEN passou a editar sucessivas cartas circulares, nas quais apontou o Banco Central do Brasil como sendo a repartição destinatária para receber tais informações.

 

Com efeito, com a edição da carta Circular  BACEN 3.071/2001, os depósitos mantidos no ano 2001 deviam  ser declarados ao BACEN, no período fixado entre 02/01/2002 a 31/05/2002, caso ultrapassem o montante de R$ 10.000,00 ou correspondesse ao equivalente valor.

 

EIS O TEOR DA CIRCULAR EM COMENTO:

"Art.  1º   Estabelecer que as  pessoas físicas ou  jurídicas residentes,  domiciliadas ou com sede no País, assim conceituadas  na legislação tributária, devem informar, anualmenteao Banco  Central do  Brasil,  os valores de qualquer natureza, os ativos em moeda e os bens  e  direitos  detidos fora do território nacional,  por meio  de declaração na forma a ser disponibilizada na página do Banco  Central do   Brasil  na  Internet,  endereço  -  www.bcb.gov.br  -   Capitais Brasileiros no Exterior, a partir de 2 de janeiro de 2002.

 

 

Art.  2º   As informações solicitadas estão relacionadas  às modalidades  abaixo  indicadas, podendo ser  agrupadas  quando  forem coincidentes o país, a moeda,  o tipo e a característica do ativo:  
                                                                    

I - depósito no exterior;                                  
II - empréstimo em moeda;                                  
III - financiamento;                                        
IV - leasing e arrendamento financeiro;                    
V - investimento direto;                                   
VI - investimento em portfólio;                            
VII - aplicação em derivativos financeiros; e              
VIII - outros  investimentosincluindo  imóveis  e  outros bens.                                               

                                                                    
 Art.  3º   As  informações referentes ao ano  de  2001,  com data-base em 31 de dezembro, devem ser prestadas no período de  2  de
janeiro a 31 de março de 2002.
                                      
                                                                    
 Art.  4º   Os  detentores de ativos cujo  total,  em  31  de dezembro  de  2001, seja inferior ao equivalente a  R$10.000,00  (dez mil  reais)  ficam dispensados de prestar a declaração de  que  trata esta Circular.    

Como se nota, a declaração referida pela circular é denominada DCBE OU CBE (DECLARAÇÃO DE CAPITAL BRASILEIRO NO EXTERIOR OU CAPITAIS DE BRASILEIRO NO EXTERIOR) e tem certa semelhança com a declaração anual de imposto de renda, porquanto prescrevia a todo brasileiro que detivesse bens no exterior em valores iguais ou superiores a R$ 10.000,00 a respectiva obrigação de  realizar a declaração em comento.

Todavia, a referida circular foi revogada com a posterior edição da circular (BACEN) n.º 3.110 (datada em 15/04/2002), a qual alterou o parâmetro de R$ 10.000,00 (dez mil) reais para  R$ 200.000,00 (duzentos mil) reais.

Logo, o limite legal para dispensa de entrega da DCBE, no ano-base 2001, passou de R$ 10.000,00 para R$ 200.000,00.

EM 2002, OUTRA CIRCULAR FOI EDITADA, IN VERBIS:

           CARTA CIRCULAR/BACEN 3.182/2002:

Art.  1º  Estabelecer  que as  pessoas físicas  ou  jurídicas residentes,  domiciliadas ou com sede no País, assim conceituadas  na legislação tributária, devem informar ao Banco Central do Brasil,  no período  de  10 de março de 2003 a 31 de maio de 2003, os valores  de qualquer  natureza, os ativos em moeda e os bens e  direitos  detidos fora  do território nacional, na data-base de 31 de dezembro de 2002, por  meio  de declaração na forma a ser disponibilizada na página  do Banco  Central  do  Brasil na Internet, endereço -  www.bcb.gov.br  - Capitais Brasileiros no Exterior

Art.  3º  Os detentores de ativos totais, em 31 de  dezembro de  2002,  cujos  valores  somados  totalizem  montante  inferior  ao equivalente  a R$300.000,00 (trezentos mil reais)  estão  dispensados de prestar a declaração de que trata esta Circular

Observem que o parâmetro foi modificado para incluir a obrigatoriedade de informar, em 2003, ao BACEN apenas aos brasileiros que possuíssem valores superiores ou iguais  a R$ 300.000,00 no ano 2002.

Aqui, um ponto interessante. Esta norma poderia retroagir para beneficiar os que, em 2001, detinham montante inferior a R$ 300.000,00 e superior a R$ 10.000,00, e não declararam ao BACEN?

LUCIANO FELDENS E ANDREI SCHIMIDT, com muita lucidez, esclarecem sobre a impossibilidade de aplicação da regra de retroatividade mais benigna, em razão da incidência, in casu, de norma excepcional (temporária), ou seja, o BACEN edita o parâmetro de valores, conforme a respectiva política cambial brasileira do ano correspondente, variando, então, em razão de aspectos meramente conjunturais.

Nesse sentido, prelecionam os referidos autores:

" A legitimidade das leis penais em branco, dessarte, não pode resultar unicamente do parâmetro dado pelo princípio da legalidade, senão também do devido equilíbrio dessa garantia com a tutela eficaz ao bem jurídico protegido. Isso nos leva a concluir que as normas penais de natureza cambial, assim como boa parte das demais que se relacionam com o Direito Penal econômico, têm a natureza de normas excepcionais. Significa afirmar que a superveniência de norma complementadora benéfica (lex mitio) não deve, a rigor, retroagir seus efeitos a supostos fáticos anteriores, na forma do art. 3º do CP (ultra-atividade da norma complementadora), assim como não terão efeito retroativo as mudanças regulamentadoras que ampliem o alcance do tipo penal (lex gravior) (art.5º, inc. XL, da CF) (Feldens, Luciano Schmidt; Zenkner Andrei, o Delito de evasão de divisas 20 anos depois: sua redefinição típica em face das modificações da política cambial brasileira, in Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional; 20 anos da Lei n.° 7.492/1986, Del Rey, 2006, p. 156).

 

POR SEU TURNO, NO ANO 2004 FOI EDITADA A SEGUINTE NORMA DO BACEN:

CARTA-CIRCULAR 3225/2004:

Art. 1º - Estabelecer que as pessoas físicas ou jurídicas residentes, domiciliadas ou com sede no País, assim conceituadas na legislação tributária, devem informar ao Banco Central do Brasil, no período de 10 de março de 2004 a 31 de maio de 2004, os valores de qualquer natureza, os ativos em moeda e os bens e direitos detidos fora do território nacional, na data-base de 31 de dezembro de 2003, por meio de declaração disponível na página do Banco Central do Brasil na internet, endereço www.bcb.gov.br.

Art. 2º - As informações solicitadas estão relacionadas às modalidades abaixo indicadas, podendo ser agrupadas quando forem coincidentes o país, a moeda, o tipo e a característica do ativo: I - depósito no exterior; II - empréstimo em moeda; III - financiamento; IV - leasing e arrendamento financeiro; V - investimento direto; VI - investimento em portfólio; VII - aplicação em derivativos financeiros; e VIII - outros investimentos, incluindo imóveis e outros bens.

Art. 3º - Os detentores de ativos, cujos valores somados, em 31 de dezembro de 2003,totalizem montante inferior a US$ 100.000,00 (cem mil dólares dos Estados Unidos), ou seu equivalente em outras moedas, estão dispensados de prestar a declaração de que trata esta Circular.

Cumpre observar que a partir de 2004 o BACEN estabeleceu o limite equivalente a U$ 100.000,00  (cem mil dólares) para fins de obrigatoriedade de prestação da declaração por meio do envio da DCBE.;

 

Aqui, além da mudança do valor pecuniário, também foi fixado o parâmetro em dólar, e não mais em reais.

Quanto à natureza do delito, trata-se de crime formal (independe da comprovação de prejuízo à política cambial brasileira) e permanente, isto é, a ausência de declaração durante 05(cinco) anos consecutivos não configura continuidade delitiva (art.71 do CPB) ou pluralidade de delitos (art.69 ou 70 do CP), e sim crime único.

 

 

Nesse sentido, entendeu recentemente o STF:

AÇÃO PENAL. Pretensão punitiva. Prescrição. Não ocorrência. Crime permanente. Depósito, no exterior, de valores não declarados à repartição competente. Art. 22, § único, 2ª parte, da Lei federal nº 7.492/86. Cessação da permanência à data da omissão na declaração à Receita. Incidência do art. 109, IV, cc. art. 111, III, do CP. HC denegado. Embargos rejeitados. Nos crimes permanentes, como o de depósito, no exterior, de valores não declarados à Receita Federal, a prescrição conta-se do dia em que cessou a permanência, o que, no exemplo, ocorre à data da omissão na declaração de renda (STF, 2ª Turma,  HC 87208/MS, Emb. Decl. no HC, Rel. Cezar Peluso, 19/05/2009)

  SONEGAÇÃO FISCAL E EVASÃO DE DIVISAS: HÁ CONCURSO DE CRIMES? QUAL?

PARA O  STF (CONCURSO MATERIAL OU REAL DE CRIMES)

 

Ação penal. Denúncia. Evasão fiscal. Imputação do crime previsto no art. 22, § único, da Lei nº 7.492/86. Pagamento espontâneo dos tributos no curso do inquérito. Extinção da punibilidade do delito tipificado no art. 1º da Lei nº 8.137/90. Reconhecimento antes da denúncia. Trancamento da ação penal. Inadmissibilidade. Relação de meio a fim entre os delitos. Inexistência. Absorção do crime objeto da denúncia pelo de sonegação fiscal. Inadmissibilidade. Inaplicabilidade do princípio da consunção. Caso teórico de concurso real de crimes. HC denegado. Quem envia, ilicitamente, valores ao exterior, sonegando pagamento de imposto sobre a operação, incorre, em tese, em concurso material ou real de crimes, de modo que extinção da punibilidade do delito de sonegação não descaracteriza nem apaga o de evasão de divisas

(STF, HC 87208/MS,  2ª Turma, Rel. Cezar Peluzo, 23/09/2008)

 

PARA OS TRF'S (2ª E 4ª REGIÃO), CRIME FORMAL:

 

DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. EVASÃO DE DIVISAS. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. CONCURSO FORMAL. PRINCÍPIO DO PROMOTOR NATURAL. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. ART. 22, PARÁGRAFO ÚNICO, LEI 7.492/86. ART. 1º, I, LEI 8.137/90. DOSIMETRIA DA PENA. 1. Trata-se de apelação defensiva interposta contra sentença que condenou o réu a pena privativa de liberdade, em regime inicial fechado, pelos crimes de sonegação fiscal e evasão de divisas, aplicada em concurso formal próprio. 2. A doutrina situa o princípio do promotor natural como corolário das garantias dos membros do Ministério Público (notadamente, as da independência funcional e da inamovibilidade) e, em última análise, do próprio devido processo legal. Há, inclusive, quem lhe atribua a mesma envergadura do princípio do juiz natural. 3. O princípio do promotor natural consiste em garantia constitucional de toda e qualquer pessoa (física ou jurídica) de ter um órgão de atuação do Ministério Público com suas atribuições previamente estabelecidas em lei, a fim de se evitar o chamado promotor de encomenda para um determinado caso. 4. Não houve avocação indevida de atribuições por parte do Procurador da República oficiante em primeiro grau. Os fatos apurados na presente ação penal integram um leque maior de investigações anteriores sobre crimes da mesma natureza supostamente praticados pelo acusado. 5. Se o primeiro inquérito foi distribuído a um certo membro do Parquet – e se não há qualquer elemento concreto a indicar que tal distribuição tenha sido irregular – a atuação do mesmo nas investigações posteriores, que constituem meros desdobramentos do inquérito originário, é a conseqüência lógica e normal, disso não resultando nenhuma violação à garantia do promotor natural. 6. Muito embora seja defeso ao MP presidir o inquérito policial propriamente dito, a investigação dos fatos criminosos não pode ser entendida como atribuição exclusiva da polícia judiciária. Isso porque o inquérito policial, por ser peça meramente informativa, não é pressuposto necessário para a propositura da ação penal, podendo essa ser embasada em outros elementos hábeis a formar a opinio delicti de seu titular. 7. Ressalte-se que, sendo o parquet titular da ação penal pública incondicionada, não seria razoável que este órgão, para cumprimento de seu dever previsto constitucionalmente, dependesse, única e exclusivamente, da atuação dos órgãos policiais para poder, só então, iniciar a persecução da lei penal. 8. Embora o órgão ministerial tenha adotado postura ativa na busca dos elementos de prova, estes só puderam ser trazidos à tona através de medidas judiciais (quebra de sigilo bancário, expedição de carta rogatória, busca e apreensão domiciliar). Portanto, a pertinência da discussão sobre os poderes investigatórios do MP é mitigada na presente ação penal, na medida em que todo o processo de colheita de prova se deu sob estreito controle judicial. 9. O fato de que, diferentemente daqueles casos em que se têm decidido que o término do procedimento administrativo de lançamento de débito é condição objetiva de punibilidade, as circunstâncias aqui são outras. 10. O órgão administrativo, portanto, funcionou como verdadeiro auxiliar do juízo, in casu. Nos processos penais em que se discute a vinculação do judiciário à atividade administrativa, vê-se que o crédito tributário é constituído por atuação da Receita Federal, que primeiro constata a sonegação para só então promover a representação fiscal para fins penais. No caso vertente, a via foi contrária e a atuação da Receita se deu como medida complementar à iniciativa do Ministério Público acolhida pelo juízo. 11. Observa-se, evidentemente, que os crimes de evasão de divisas (art. 22, parágrafo único, da Lei nº 7.492/86) e contra a ordem tributária (art. 1º, inciso I, da Lei nº 8.137/90) tem objetividades jurídicas distintas, pois enquanto o primeiro visa proteger e tutelar o Sistema Financeiro Nacional, o segundo objetiva tutelar a ordem tributária quanto à regularidade e legitimidade no recolhimento dos tributos devidos ao Fisco que, em última análise, beneficiam a toda a sociedade. 12. Os tipos penais descritos na Lei nº 8.137/90 visam atuar no sentido de coibir condutas contrárias às normas de Direito Tributário, regulamentadas pela administração pública tributária, já que o objetivo do agente do crime contra a ordem tributária é ocultar a verificação da ocorrência do fato gerador de modo a não ser obrigado, formalmente, a pagar o tributo devido. A sonegação, desse modo, afeta diretamente a administração pública que, desse modo, se vê incapacitada de atuar em prol do bem comum, devido à redução ou supressão de tributo devido. 13. O princípio da consunção somente deve ser aplicado quando, através de uma perspectiva axiológica, se pode auferir que determinado crime constitui fase de realização necessária para o outro crime. A aplicação da absorção deriva de medida de política criminal que objetiva tão somente uma via de adequação da norma penal, evitando-se a sobrecarga da pena, quando se verificar uma unidade de projeto delituoso, uma finalidade única que desaconselhe a dupla desvaloração da conduta. 14. Não há impedimento a que o juiz, na primeira fase de fixação da pena, considere as circunstâncias judiciais em conjunto tanto para o crime de sonegação fiscal quanto para o crime de evasão de divisas, diversamente do que sustenta o Apelante. Como se tratou de uma conduta que, por sua vez, se caracterizou pela lesão a dois bens jurídicos distintos, como acima analisado, mostra-se perfeitamente possível que as circunstâncias judiciais sejam rigorosamente as mesmas, ressaltando-se que, em se tratando de concurso formal, na realidade tais circunstâncias foram consideradas, juridicamente, apenas em relação ao crime mais grave (art. 70, do CP). 15. Quanto ao crime de evasão de divisas, capitulado no art. 22, parágrafo único, da Lei nº 7.492/86, o termo "divisa" não se refere apenas a "moeda em espécie". No parágrafo único do artigo 22 da lei de regência, o legislador utiliza-se das duas expressões, valendo-se de "moeda" para designar a espécie e de "divisa" para designar o gênero. 16. Apelação improvida.

(TRF- 2ª REGIÃO - Concurso Formal Próprio, ACR 200251015064240ACR - Apelação Criminal – 4353. Relator(a) Desembargador Federal GUILHERME CALMON. Primeira Turma Eapecializada DJU - Data::31/03/2008)

 

PENAL. CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO E ORDEM TRIBUTÁRIA. SUSPEIÇÃO DO PROCURADOR DA REPÚBLICA. INOCORRÊNCIA. JUIZ NATURAL. CRIAÇÃO DE SEGUNDA VARA FEDERAL. REDISTRIBUIÇÃO DO FEITO. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA INDIVISIBILIDADE DA AÇÃO PENAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA. NULIDADE DA SENTENÇA. PRELIMINARES REJEITADAS. ARTIGO 1º DA LEI 8.137/90. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. FALTA DE PROVA DA MATERIALIDADE. LEI 7.492/86. ARTIGO 6º. SONEGAÇÃO DE INFORMAÇÕES. ART. 11. MOVIMENTO PARALELO À CONTABILIDADE DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. CONDUTAS ABSORVIDAS PELO CRIME DE GESTÃO FRAUDULENTA. ART. 4º, CAPUT, DA MESMA NORMA. EMENDATIO LIBELLI. CABIMENTO, AINDA QUE NA SEGUNDA INSTÂNCIA. EVASÃO DE DIVISAS. ARTIGO 22 DA LEI 7.492/86. TRANSFERÊNCIA DE VALORES PARA CONTAS DE "LARANJAS". CULPABILIDADE. DOLO. PROVAS SUFICIENTES. CONDENAÇÃO. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. INAPLICABILIDADE. CONCURSO FORMAL. PRECEDENTES. DOSIMETRIA. ARTIGOS 59 E 70 DO CP. 1. Firmou-se o entendimento desta Corte, ratificado por recentes julgados do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que a decisão definitiva do processo administrativo-fiscal constitui condição objetiva de punibilidade, eis que os crimes previstos no artigo 1º da Lei nº 8.137/90 são materiais, ou de resultado. 2. Ausente nos autos evidência do lançamento procedido pela autoridade competente, incabível a condenação por infração à ordem tributária. 3. Não se reconhece a suspeição do Procurador da República subscritor da peça acusatória, pois indemonstrada sua inimizade capital com os réus, muito menos a prática de qualquer ato que pudesse ensejar o seu afastamento do processo. 4. A redistribuição de feitos ante a criação, por lei, da 2ª Vara Federal, não implica em afronta ao preceito do Juiz Natural. 5. Consoante a Jurisprudência do STJ, não há ofensa ao princípio da indivisibilidade da ação penal quando o Ministério Público deixa de formular acusação no que tange a outros possíveis participantes da atividade delituosa. 6. Não há falar em inépcia eis que a peça acusatória permite total compreensão dos fatos e, conseqüentemente o exercício da ampla defesa e contraditório. Precedentes. 7. Rejeição da preliminar de nulidade da sentença, pois o julgador singular analisou toda a matéria deduzida nos autos, de forma fundamentada. 8. O descumprimento da obrigação dos administradores da instituição financeira de prestar informação sobre suas operações ao BACEN ou à Receita Federal - crime previsto no art. 6º da Lei nº 7.492/86 - bem como a movimentação de recursos paralelamente à contabilidade (artigo 11 da mesma norma) são condutas absorvidas pelo delito de gestão fraudulenta inscrito no artigo 4º, verificado na espécie em face da sucessão de atos inidôneos praticados pelos gerentes. 9. In casu, os apelantes organizaram movimentação paralela à casa de câmbio, utilizando a estrutura da instituição financeira para, através das contas de "laranjas", remeter expressivo numerário para o exterior à margem da fiscalização, incidindo igualmente no crime de evasão de divisas previsto no art. 22, parágrafo único, da norma penal especial. 10. Cabimento da emendatio libelli em segunda instância, desde que não aumentadas as sanções fixadas na sentença, conforme o disposto no artigo 617 do CPP. 11. A acusação trouxe provas consistentes da materialidade e autoria dos apontados delitos, daí defluindo a convicção sobre o conhecimento dos réus acerca da ilicitude das condutas noticiadas, e conseqüentemente, da prática dolosa de Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional. 12. Consoante precedentes desta Corte, não incide na hipótese o princípio da consunção, tendo em conta a objetividade jurídica diversa dos aludidos tipos penais, inocorrendo relação consuntiva de crime-meio e crime-fim entre a gestão fraudulenta e a evasão de divisas. 13. Aplicável todavia a regra do concurso formal prevista no art. 70 do CP, porquanto através da mesma conduta os denunciados infringiram tipos penais diversos. 14. As penas privativas de liberdade aplicadas aos réus devem ser redimensionadas, em face do enquadramento típico da conduta, bem como em atenção ao disposto no artigo 59 do Estatuto Repressivo

(TRF- 4ª REGIÃO, ACR 200404010395525, REL. Élcio Pinheiro de Castro, 8ª Turma, D.E20/02/2008)

 

 

A NOSSO VER,  DEVE SER RECONHECIDO O CONCURSO MATERIAL, EM RAZÃO DAS DISTINTAS CONDUTAS CONSUMADAS EM MOMENTOS DIFERENTES,  VIOLANDO, AINDA, BENS JURÍDICOS DIVERSOS...

 

 

COM EFEITO, POSSO REMETER VALORES AO EXTERIOR DE FORMA ILEGAL (EVASÃO DA PRIMEIRA PARTE DO PARÁGRAFO PRIMEIRO DO ART. 22) E POSTERIORMENTE  NÃO DECLARAR OS RESPECTIVOS VALORES NO CAMPO DA DECLARAÇÃO DE IMPOSTO DE RENDA  DO EXERCÍCIO POSTERIOR À REMESSA, RESULTANDO, EM MOMENTO POSTERIOR, NA CONSUMAÇÃO DO CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA QUANDO FOR EFETIVADO O LANÇAMENTO DEFINITIVO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO.

 

QUESTÕES PRÁTICAS RELEVANTES:

 

SE O AGENTE ENVIAR DINHEIRO AO EXTERIOR COM O PROPÓSITO DE AJUDAR UM PARENTE PRESO (EM OUTRO PAÍS) OU CUSTEAR ESTUDOS DE UM FILHO, HAVERÁ CRIME?

Inicialmente, cumpre estabelecer que não se mostra necessário identificar a origem do dinheiro (se lícito ou não), uma vez que o tipo em análise não exige tal comprovação (diferentemente da lavagem, na qual há ocultação de valores proveniente de crime, e, portanto, de montantes ilícitos).

Logo, analisando formalmente (leia-se, friamente) a letra da lei (interpretação gramatical), conclui-se que incidirá a figura típica do parágrafo único, primeira parte, do artigo 22, " (....) quem, a qualquer título, promove, sem autorização legal, a saída de divisas para o exterior"

 

Com efeito, o referido artigo não previu o denominado fim especial de agir (elemento subjetivo do injusto- tradicional dolo específico);logo, quem, por exemplo, for flagrado, portando U$ 15.000,00 (quinze mil dólares), incorre, em tese, nas penas do dispositivo legal sub examine. Nesse sentido, prelecionam Luciano Feldens e Andrei Schmidth.

De outra parte, a jurisprudência pátria já teve a oportunidade de enfrentar o tema, decidindo da seguinte forma:

PROCESSUAL PENAL. "HABEAS CORPUS". EVASÃO DE DIVISAS DO PAIS. DENUNCIA QUE NÃO DESCREVE ELEMENTO INTEGRANTE DO TIPO PENAL E INEPTA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL, SEM PREJUIZO DE OFERECIMENTO DE NOVA DENUNCIA. I- O PACIENTE, CHILENO E INDUSTRIAL EM SÃO PAULO, FOI PRESO EM FLAGRANTE QUANDO IA COM A FAMILIA PASSAR FERIAS EM SEU PAIS DE ORIGEM, UMA VEZ QUE LEVAVA CONSIGO, SEM COMUNICAÇÃO PREVIA AS AUTORIDADES ADMINISTRATIVAS, US$ 12.661. FOI DENUNCIADO COMO INCURSO NO PARAGRAFO UNICO DO ART. 22 DA LEI N. 7.492/86. A DENUNCIA, TODAVIA, NÃO DESCREVEU ELEMENTO INTEGRANTE DO TIPO: COM O FIM DE PROMOVER EVASÃO DE DIVISAS DO PAIS. II- RECURSO PROVIDO: TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL, SEM PREJUIZO DE OFERECIMENTO DE NOVA (STJ, 6ª TURMA, HC- 2773, Rel.Adhemar Maciel, DJ 27/05/1996)

 

 

Sobre este caso, Luciano Feldens e Andrei Scmicht criticaram o julgamento, sob argumento de que a hipótese não se enquadraria no caput do art. 22 da Lei 7492/86 (aqui, exigir-se-ia o elemento subjetivo específico, qual seja, a finalidade de promover evasão de divisas do país),  e sim na  primeira parte do parágrafo único do art. 22 (o qual não requer a presença do referido elemento subjetivo do injusto).

 

Com efeito, ainda,  Luciano e Andrei concluem que o caso poderia ser solucionado à luz da pequena ofensividade da conduta (insignificância?) ou ausência de dolo sobre a elementar promover a saída de divisas " sem autorização legal", uma vez que o respectivo valor deveria ser enviado por meio de transferência bancária ou traveller check.

 

Pensamos que a segunda opção preconizada pelos ilustres doutrinadores, qual seja,  ausência de dolo sobre a necessidade de "autorização legal" (leia-se, necessidade de preenchimento da DPV, antes do embarque ao exterior) figura como a melhor  medida a ser adotada.

 

Não raro, muitos turistas, contagiados com o momento único da viagem, sequer se preocupam com burocracias relativa à necessidade de preenchimento de DPV em valores superiores a R$ 10.000,00 (dez mil reais). Muitos não tem qualquer ciência acerca da necessidade de preenchimento da referida ficha...

 

Nesse sentido, por exemplo, um pai de família com três filhos tranqüilamente pode efetivar uma viagem ao exterior portanto U$ 11.000,00 dólares para custear as despesas da estada de sua família durante 30 dias nos EUA, e apenas esquecer de preencher a DPV ou mesmo não ler ou ter ciência das respectivas regras de preenchimento...

Nesse caso, faltará o dolo sobre a necessidade de "autorização legal" (elementar) para o porte dos valores, mediante preenchimento e entrega da DPV. É O DENOMINADO ERRO DE TIPO INCRIMINADOR, citado por Luciano Feldens e Andrei Schmidt, o crime de Evasão de Divisas, a tutela penal do sistema financeiro nacional na perspectiva da política cambial brasileira, Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006. pp. 186/192.

In casu, não seria justo punir criminalmente tal pessoa apenas por não ter preenchido um documento, já que o dinheiro era lícito e compatível com sua situação econômica, além de ser plenamente escusável (justificável) que não tivesse ciência acerca da necessidade informação do porte dos valores ou mesmo compreendido a importância do respectivo preenchimento da DPV.

Com efeito, existem situações em que o  erro sobre a referida elementar (que exclui o dolo, e, portanto,o fato típico) do crime (necessidade de autorização legal para portar determinados valores) é plenamente justificável pelas circunstâncias do caso concreto;logo, é necessário diferenciar o agente que, de má-fé, não preenche a DPV, do  cidadão que, de boa-fé, omite as informações por falta de conhecimento da respectiva necessidade.

Nesse diapasão, chegou ao nosso gabinete o seguinte caso: determinado empresário Africano foi flagrado quando tentava evadir do Brasil, portanto a quantia de aproximadamente U$ 30.000,00 (trinta mil dólares).

No curso da instrução criminal, ficou comprovada a ausência de qualquer intenção de remeter, de forma ardilosa ou clandestina, as respectivas divisas ao exterior, senão vejamos:

 

" ...o réu ingressou no dia 29 de dezembro em território nacional; que a moeda estava dentro da nécessaire e que não havia artifício que a ocultasse...(fl.137/138- depoimento do APF Alexandre César Leal de Souza)

 

"... depois da prisão o acusado disse ao depoente que tinha esses valores para pagar fornecedores em Portugal e resolver problemas de sua empresa naquele pais... o réu é vice-Presidente da Money Grand, empresa que faz remessas internacionais de valores para os estudantes conveniados à empresa... ( depoimento prestado pela testemunha Nixon de Souza- fl.142).

 

"...desconhece a origem do dinheiro portado pelo agente, mas sabe que ele tem capacidade para ter esse e mais... o agente tem negócios em Portugal e que boa parte do material empregado na construção civil vai de Portugal para Guiné-Bissau; que desconhece o que desabone a conduta do agente, o que pode afirmar inclusive através de informações oficiais recentemente recebidas... (fl.140- depoimento do Cônsul de Guiné-Bissau de Campinas-SP)

 

Cumpre ressaltar que a defesa juntou declaração firmada pelo Cônsul Honorário Tcherno Ndjai, à qual atesta que o acusado é empresário bem sucedido em seu país, não tendo registro de débitos perante o Fisco, sendo, ainda, pessoa de reputação profissional idônea (fl. 144).

Ademais, vale salientar que a declaração de fl. 158 consigna que  o país Guiné- Biassau é integrante da UEMO-A (União Ecônomica e Monetária Oeste-Africana), à qual se constitui em uma organização de integração regional, onde os cidadãos podem circular livremente com seus bens e mercadorias, inclusive com qualquer quantia monetária (fl.158).

No caso concreto, entendemos duvidoso afirmar, com segurança, que o denunciado, de fato, teve o dolo de ocultar os valores monetários aos Órgãos brasileiros, já que o conjunto probatório indica que houve culpa (negligência) por parte do referido alienígena, porquanto este deveria ter tido zelo de verificar a necessidade de declarar a indigitada quantia pecuniária.

 

Como visto, o acusado comprovou: 1- exercer atividade lícita e compatível com o valor monetário que trazia consigo; 2- estar quite com o Fisco do seu país; 3- desnecessidade de declarar qualquer quantia no trâmite de países da UEMO-A (comunidade que permite a livre circulação de bens, incluindo Guiné- Bissaú- fl. 158); 4- possuir idoneidade profissional atestada por Cônsul do seu país, dentre outros.

Destarte, não se pode condenar aludido cidadão sem a certeza de que detinha a intenção dolosa de ocultar valores e/ou remetê-los ao exterior sem a respectiva informação às autoridades competentes, haja vista os fortes indícios relacionados com sua origem lícita, além da efetiva dedução de que houve mera desatenção (negligência) do Réu referente à necessidade de informar tais bens às repartições brasileiras.

 

 

Com efeito, o réu foi absolvido depois de amargar alguns meses na prisão aqui no Brasil.

 

Em situação semelhante, a jurisprudência já decidiu:

 

PENAL. LEI 7.492/86. ART. 22. EVASÃO DE DIVISAS. ART. 5º, XV, CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CRIME IMPOSSÍVEL. ABSOLVIÇÃO. I- A ATITUDE DO DENUNCIADO, COLOCANDO OS DÓLARES NA MALETA DE MÃO, A QUAL NECESSARIAMENTE SERIA VISTORIADA PELO RAIO X DA POLÍCIA, TORNOU IMPOSSÍVEL A CONSUMAÇÃO DO DELITO. II- INEXISTIU TENTATIVA DE CRIME, DADO QUE O CRIME IMPOSSÍVEL NÃO CONSTITUI FIGURA TÍPICA PENAL. III- SEM DOLO ESPECÍFICO NÃO SE CONSUMA O DELITO CAPITULADO NO ART. 22 DA LEI 7.492/86. IV- AS PROVAS COLHIDAS NOS AUTOS CONVENCEM QUANTO ÀS JUSTIFICATIVAS DADAS PELO APELADO, QUE ADQUIRIRA A MOEDA NO MERCADO FORMAL, VIAJAVA COM REGULARIDADE AO EXTERIOR E COMO É EXTREMAMENTE ECONÔMICO, CUIDOU DE JUNTAR AO MONTANTE ATUAL, AS SOBRAS DE VIAGENS ANTERIORES, AS QUAIS CONSTITUÍRAM MERA SEGURANÇA FINANCEIRA ÀS INCERTEZAS DA VIAGEM, QUE DEVERIAM RETORNAR EM PARTE AO PAÍS, ATÉ SEREM ALVO DE SEMELHANTE COMPORTAMENTO QUANDO DAS PRÓXIMAS FÉRIAS. V- TENDO ADQUIRIDO AS DIVISAS REGULARMENTE NO MERCADO FORMAL, OS DÓLARES APREENDIDOS SÃO PATRIMÔNIO DO APELADO. AO CASO, POIS, É DE SER APLICADO O DISPOSTO NO ART. 5º, XV DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, QUE GARANTE AOS CIDADÃOS O LIVRE INGRESSO, PERMANÊNCIA E SAÍDA DO PAÍS, COM OS SEUS BENS. VI- HAVENDO CIRCUNSTÂNCIAS QUE EXCLUEM A PUNIBILIDADE DO ACUSADO, A R. SENTENÇA DEVE SER MANTIDA EM TODOS OS SEUS TERMOS. VII- APELAÇÃO CRIMINAL IMPROVIDA (TRF-3ª região, ACR- 3884, Rel. Juiz Batista Gonçalves, 2ª Turma, DJU 26/07/2000)

 

HABEAS CORPUS. EVASÃO DE DIVISAS. SONEGAÇÃO FISCAL. - Paciente alemão residente na Alemanha, portando dólares de origem lícita em bagagem de mão ao embarcar para seu país, não comete crime de evasão de divisas, se não adquiriu a moeda do governo brasileiro. Constituição Federal, artigo 5º, XV. Não se pode imputar crime de sonegação fiscal, antes de decisão da autoridade fiscal competente, impondo o tributo. - Habeas corpus deferido

(TRF-2ª Região, 5ª Turma, Rel. Antonio Ivan Athié, DJU 11/07/2002)

 

ERRO DE PROIBIÇÃO- ABSOLVIÇÃO- TRF-2ª REGIÃO

 

 

PENAL. CRIME DE EVASÃO DE DIVISAS. TENTATIVA. ERRO DE PROIBIÇÃO ESCUSÁVEL.

1. Não há dúvidas de que a conduta imputada ao réu, consistente em tentar deixar o país portando moeda estrangeira, sem a prestação de DPV, em montante superior ao previsto na legislação de regência, constitui em tese o crime de evasão de divisas.

2. Materialidade comprovada pelo Auto de Apresentação e Apreensão. A Autoria é incontroversa, tendo restado patente o dolo genérico necessário à configuração do tipo penal.

3. O erro de proibição, causa que pode impossibilitar a compreensão da ilicitude, somente isenta de pena quando inevitável. Tem-se por escusável o erro se o agente atua ou se omite sem a consciência da ilicitude do fato, quando não lhe era possível, nas circunstâncias, ter ou atingir esse conhecimento.

4. Na esteira da doutrina capitaneada por Zaffaroni e Pierangelli, não há regras fixas a determinar a evitabilidade do erro, devendo este ser aferido caso a caso, dadas as circunstâncias do caso concreto, especialmente as de caráter pessoal.

5. Cuidam os autos do crime de evasão de divisas, tema adstrito ao Direito Penal Econômico que, excluídas aquelas pessoas habituadas a lidar com o mercado financeiro em geral, as demais, integrantes do corpo social, têm dificuldade em internalizar as regras de comportamento que lhes são impingidas, aliada a circunstância de se tratar de estrangeiro não habituado a lidar com esse ramo específico.

6. Caracterizado o erro de proibição escusável, não merece reprovação a conduta perpetrada.

  1. Apelação improvida
  2. 8.      (TRF- 2ª REGIÃO, 2ª TURMA ESPECIALIZADA, REL. LILIANE RORIZ, PROC. 200151015396206, 05/07/2006)

 

TRF-2ª REGIÃO- NÃO ACEITAÇÃO DA TESE DO ERRO, EM RAZÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO CONCRETO ABAIXO:

PENAL – DESCLASSIFICAÇÃO DO DELITO DO ART. 12 C/C O ART. 18, DA LEI Nº 6368/76, PARA O DO ART. 16 DO MESMO DIPLOMA LEGAL – CÚMULO COM O DELITO DE TENTATIVA DE EVASÃO DE DIVISAS – DOLO GENÉRICO – INEXISTÊNCIA DE ERRO DE PROIBIÇÃO – COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL POR CONEXÃO – SÚMULA 122 DO STJ. 1. Comprovada a semi-imputabilidade do acusado por crime de tráfico internacional de drogas através do laudo de exame de dependência toxicológica e inexistindo provas nos autos de que a quantidade de cocaína encontrada em poder do acusado se destinasse à mercância ou ao consumo de terceiros, há que ser desclassificado o delito para o previsto no art. 16 da Lei nº 6368/76, ainda que se trate de quase quinhentas gramas da substância, por ser possível a um viciado, no período de dois a três meses, consumir tal quantidade de entorpecente. 2. O delito previsto no caput do art. 22 da Lei nº 7492/86 exige o dolo específico, mas, em seu parágrafo único, primeira parte, contenta-se o legislador com o dolo genérico. 3. Improcede a alegação de erro de proibição se ao acusado era possível conhecer o caráter ilícito de sua conduta, de saber que ao se retirar do território nacional portando soma razoável de numerário, ainda que não vultuosa, deveria se reportar às autoridades fazendárias. 4. Havendo o cúmulo do crime de porte de substância entorpecente com o de tentativa de evasão de divisas, a competência para o julgamento é da Justiça Federal por conexão. Inteligência da Súmula nº 122 do STJ (TRF-2ª Região, ACR-200202010026385, Rel. Frederico Gueiros, 3ª Turma, DJU 22/10/2002)

 

"Direito Penal e Processual Penal. Tentativa de evasão de moeda estrangeira. 1. Incorre no tipo previsto pelo art. 22, parágrafo único, da Lei 7.492/86, a pessoa que tenta promover, sem autorização legal, a saída de moeda estrangeira para o exterior. 2. Se o paciente não submete espontaneamente a moeda estrangeira a verificação e fiscalização da autoridade competente, vindo a sobrevir a descoberta do numerário em virtude de revista pessoal que lhe é imposta, caracteriza-se, em tese, o indigitado delito de tentativa de evasão de moeda estrangeira. 3. Ordem de Habeas Corpus denegada.(TRF 3ª Reg. – HC 03069836 – Rel. Souza Pires – DOE 18.10.93, p. 00125)."

 

QUESTÕES PROCESSUAIS RELEVANTES:

 

PERDA DO VALOR APREENDIDO EM PROL DA UNIÃO, NO CASO DE CONDENAÇÃO CRIMINAL?

O VALOR APREENDIDO CONSTITUI PRODUTO OU PROVEITO DO CRIME?

TRF- 2ª REGIÃO (DEVOLUÇÃO APENAS DO VALOR PERMITIDO PARA PORTE- INFERIOR A R$ 10.000,00):

 

PROCESSUAL PENAL – PENAL - CRIME DE EVASÃO DE DIVISAS – PRISÃO EM FLAGRANTE - DELITO DE ANGOLANO PORTANTO QUANTIA SUPERIOR AO PERMITIDO LEGALMENTE – CONSUMAÇÃO –PERDA DO VALOR EM FAVOR DA UNIÃO FEDERAL COMO EFEITO DA CONDENAÇÃO. I – Não se justifica a alegação de que o Acusado desconhecia a obrigatoriedade legal de declarar a quantia excedente ao permissivo legal, mormente quando se verifica que é pessoa afeta a viagens internacionais face à atividade comercial que exerce, sendo certo que tinha plena possibilidade de conhecer a reprovabilidade e ilicitude da conduta. II – A nacionalidade do réu não pode constituir impeditivo a regime mais favorável por não se coadunar com o princípio isonômico, cabendo ao Estado cercar-se de meios para fazer valer a aplicação da lei penal e não partir da presunção de que a adoção do regime aberto implicaria na fuga do agente do distrito da culpa e, assim, afastar direito subjetivo do Acusado. III – A perda de numerário em favor da União Federal, em razão da condenação, deve recair somente sobre o valor excedente ao permitido pela legislação à época do fato, de forma que a quantia que se enquadre dentro da autorização legal deve ser devolvida. IV – Apelação criminal parcialmente provida (TRF-2ª Região, ACR 2