O CONSELHO TUTELAR E O TERMO DE ENTREGA MEDIANTE COMPROMISSO


Porwilliammoura- Postado em 20 setembro 2012

Autores: 
GAROFALO, Carlos Eduardo

 

1. INTRODUÇÃO:

A Carta Magna de 1.988, em uma abordagem histórica, trouxe a questão da criança como uma de suas prioridades, incumbindo ao Estado, a família e a sociedade o dever de protegê-las.

Restou claro a incompatibilidade da Constituição Federal com a legislação infraconstitucional, mudou-se expressivamente a visão sobre os jovens, que passaram de sujeitos-problema a sujeitos de direitos.

Para que as mudanças trazidas pelos novos preceitos constitucionais pudessem ser efetivadas, seria necessário a criação de uma norma infra-constitucional nova. Foi então que em 13 de julho de 1.990 foi promulgada a Lei Federal 8.069, mais conhecida como o Estatuto da Criança e do Adolescente que rompeu com a defasada legislação da época, assim explicitado nas palavras de Antonio Fernando do Amaral e Silva e Munir Cury:

“Ao romper definitivamente com a doutrina da situação irregular, até então admitida pelo Código de Menores (Lei 6.697 de 10.10.79), e estabelecer como diretriz básica e única no atendimento de crianças e adolescentes a doutrina de proteção integral, o legislador pátrio agiu de forma coerente com o texto constitucional de 1.988 e documentos internacionais aprovados com amplo consenso da comunidade das nações. ”

 

A principal função do ECA é a de regulamentar os direitos das crianças e dos adolescentes, inspirado pelas diretrizes fornecidas pela Constituição Federal de 1988, internalizando uma série de normativas internacionais e criando toda uma rede integrada para a proteção dos direitos das crianças e do adolescentes na qual o Conselho Tutelar é peça fundamental.

 

Na opinião de Maria Elisabeth de Farias Ramos:

“No alvorecer do ano 2000, a sociedade brasileira conquista um poderoso instrumento construtor de cidadania – o Estatuto da Criança e do Adolescente – que obriga cada um dos Municípios brasileiros a ter, funcionando, um Conselho Tutelar. Esse Conselho, pela primeira vez, permite ao povo o gerenciamento de questões relativas às crianças e adolescentes que estejam vivenciando situações que os tornem mais vulneráveis, exigindo um posicionamento imediato da autoridade responsável.

Até então, as questões surgidas em decorrência da injustiça, da má distribuição de renda, da inexistência do cumprimento de políticas básicas promotoras do crescimento da urbanidade e do equilíbrio eram, inexoravelmente, tratadas como questões de justiça ou de segurança. ”

 

2. O CONSELHO TUTELAR

 

A lei n.º 8.069/90 trouxe em seu texto a determinação para a criação desse órgão inovador na sociedade brasileira, o Conselho Tutelar que tem a competência e o dever de zelar pelos direitos das crianças e dos adolescentes, assim expresso:

“Art. 131 - O Conselho Tutelar é um órgão permanente e autônomo, não-jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, definidos nesta Lei. ”

 

Sua principal atribuição é a prevista no art. 136, I do Estatuto da Criança e do Adolescente:

 

“Art. 136. São atribuições do Conselho Tutelar:

I - atender as crianças e adolescentes nas hipóteses previstas nos arts. 98 e 105, aplicando as medidas previstas no art. 101, I a VII;”

 

 

 

3.  AS MEDIDAS DE PROTEÇÃO - TERMO DE ENTREGA MEDIANTE COMPROMISSO.

 

Pulverizado pelos Conselhos Tutelares em todo o Brasil, o chamado ”Termo de Entrega Mediante Compromisso”, que materializa a medida de proteção constante no art. 101, I do ECA vem sendo usado de forma confusa. Tal documento teria, a priori, o condão de realizar o retorno de crianças e adolescentes em situação de risco a seus pais ou responsáveis, conforme verifica-se no texto legal:

“Art. 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a autoridade competente poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas:

I - encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade;”

 Entretanto, raramente é usado com tal finalidade. O que ocorre, na maioria dos casos, é que tal instrumento vem sendo utilizado com o objetivo de realizar afastamentos do convívio familiar.

Para entender melhor a relação do Conselho Tutelar com os afastamentos do convívio familiar, é necessário analisar rapidamente a medida de proteção prevista no art. 101, VII da Lei Federal nº 8.069/90.

 

 

 

4.  O CONSELHO TUTELAR E O AFASTAMENTO DO CONVÍVIO FAMILIAR

 

Os Conselhos Tutelares, para o exercício de suas atribuições, têm o poder (dever) de aplicar medidas de proteção as crianças e adolescentes que estejam com seus direitos ameaçados ou violados, uma dessas medidas é justamente a prevista no art. 101, VII do ECA:

“Art. 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a autoridade competente poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas:

(...)

VII - acolhimento institucional”

Tal possibilidade levou ao entendimento de que o Conselho Tutelar tem poderes para afastar crianças e adolescentes de seu convívio familiar por mera decisão administrativa do órgão, o que gerou diversos posicionamentos diferentes sobre tal até o ano de 2009.

O afastamento do convívio familiar é uma das mais severas medidas a serem aplicadas, se constitui em medida excepcional, devendo ser aplicada em situações de completa impossibilidade de manter as crianças e adolescentes em seu seio familiar.

Para encerrar qualquer discussão sobre a competência do Conselho Tutelar em afastar crianças e adolescentes do convívio familiar, a Lei Federal nº 12.010/09 incluiu o parágrafo 2º no artigo 101 do Estatuto da Criança e do Adolescente, afirmando expressamente que o afastamento do convívio familiar é competência exclusiva da Autoridade Judiciária:

“Art. 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a autoridade competente poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas:

(...)

§ 2o  Sem prejuízo da tomada de medidas emergenciais para proteção de vítimas de violência ou abuso sexual e das providências a que alude o art. 130 desta Lei, o afastamento da criança ou adolescente do convívio familiar é de competência exclusiva da autoridade judiciária e importará na deflagração, a pedido do Ministério Público ou de quem tenha legítimo interesse, de procedimento judicial contencioso, no qual se garanta aos pais ou ao responsável legal o exercício do contraditório e da ampla defesa.”

Nota-se que o texto legal diz claramente que o afastamento de crianças e adolescentes do convívio familiar é competência exclusiva da Autoridade Judiciária, ressalvando as medidas emergenciais nos casos de violência física e abuso sexual.

Nesse sentido, o promotor de Justiça Murilo José Digiacomo leciona:

"caso necessário o afastamento da criança ou adolescente do convívio familiar, ainda que de forma transitória, cabe ao Conselho Tutelar, usando da atribuição prevista no art. 136, inciso XI e par. único, da Lei nº 8.069/90, acionar o Ministério Público, para que seja instaurado, formal e regularmente, procedimento judicial contencioso neste sentido, até porque, do contrário, os pais ou responsável seriam sumária e arbitrariamente privados do convívio de seus filhos (e estes de seus pais), por mera decisão administrativa de um órgão que, por lei, não está autorizado a tomar medidas desta natureza e com tão drásticas conseqüências" 

 

 

Assim como o Juiz Marcos Pereira da Silva Junior:

“O afastamento da criança ou adolescente do convívio familiar é de competência exclusiva da autoridade judiciária, somente podendo ser iniciado o procedimento mediante a deflagração, por meio de petição inicial, por parte do Ministério Público ou de quem tenha legítimo interesse.” 

                               Infelizmente, não são raras as situações em que os Conselheiros Tutelares se deparam com crianças e adolescentes vítimas de violência física ou sexual, e o pior é que na maioria dos casos essa violência é perpetrada por familiares da própria vítima, e as agressões ocorrem em seus próprios lares. 

                               É justamente aí que surge a principal dúvida: Diante desse tipo de situação e analisando o teor da legislação, estaria o Conselheiro Tutelar autorizado a afastar de imediato as vítimas de seus familiares, colocando-as sob a posse fática de outros familiares ou terceiros lavrando termo de entrega mediante compromisso?

Para melhor solucionar a questão, faz-se imprescindível analisar o que diz a Constituição Federal:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Verifica-se que o afastamento nesses casos é verdadeiramente uma obrigação, e não só dos Conselheiros Tutelares, mas de qualquer cidadão. 

Ocorre que quando se promove tal retirada, instala-se uma situação jurídica irregular, pois o familiar (ou terceiro) que irá acolher a criança não detém o poder familiar ou a guarda sobre a  mesma e na tentativa de dar um “aspecto legal” ao procedimento, acabam os conselheiros tutelares lavrando o termo de entrega mediante compromisso, com fundamento no art. 101, I da lei Federal nº 8.069/90. 

O mérito da tentativa é louvável, porém inócuo, conforme pacificado na jurisprudência, o Conselho Tutelar não tem poderes para realizar qualquer alteração envolvendo guarda, poder familiar, etc:

 “Anoto ainda, que o conselho Tutelar já foi advertido da ilegalidade do ato e da impossibilidade de colocar crianças em família substituta por ato unilateral de sua lavra, sendo tal medida reservada exclusivamente ao Juiz de Direito. Requereu se assim, seja julgada procedente a presente ação, para o fim de se aplicarem as medidas previstas nos artigos 101, do ECA que se demonstrarem adequadas à espécie.” (http://www.jusbrasil.com.br/diarios/29478575/djpr-10-08-2011-pg-1166)

AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO - EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA - ART. 147, I DO ECA.147 I ECA- Cuida a hipótese de Agravo de Instrumento interposto nos autos de Exceção de Incompetência contra a decisão do Juízo da Vara de Família da Infância e Juventude e do Idoso da Comarca de Maricá em Ação de Busca e Apreensão, que julgou improcedente a exceção de incompetência formulada pelo Réu em face da Autora.- Ação de Busca e Apreensão que foi proposta pela Recorrida em 21/09/2009, sendo certo que a Ação de Guarda foi movida pelo ora Agravante em 22/09/2009, ou seja, em data posterior àquela.- Termo de responsabilidade assinado perante o Conselho Tutelar que não teria o condão de aperfeiçoar a guarda pelo Agravante, até porque aquele órgão não teria competência para tal.- Agravante que não pode agora ser beneficiado por não ter cumprido a ordem judicial de entregar o menor.- Decisão que se encontra em sintonia com o disposto no art. 147, I do ECA.147IECA- Precedentes do Superior Tribunal de Justiça e deste E. Tribunal de Justiça.- Recurso Improvido. (211100720108190000 RJ 0021110-07.2010.8.19.0000, Relator: DES. CAETANO FONSECA COSTA, Data de Julgamento: 25/05/2011, SETIMA CAMARA CIVEL, Data de Publicação: 10/06/2011)

AGRAVO DE INTRUMENTO. AÇÃO DE MODIFICAÇÃO DE GUARDA. ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA. INDEFERIMENTO MOMENTÂNEO. NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS AUTORIZADORES À CONCESSÃO DA TUTELA ANTECIPADA NOS TERMOS DO ART. 273, CAPUT, E INC. I C/C 527, INC. III, AMBOS CPC. IMPRESCINDIBILIDADE DA REALIZAÇÃO DE ESTUDO SOCIAL E LAUDO DE EQUIPE MULTIDISCIPLINAR E INEXISTÊNCIA DE RISCO À SAÚDE E INTEGRIDADE FÍSICA DA MENOR. MANUTENÇÃO DA DECISÃO ORA HOSTILIZADA. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. Nesse ponto, constato que o Termo de Entrega e Compromisso de Responsabilidade da adolescente concedido ao agravante, realizado pelo Conselho Tutelar em comum acordo entre as partes, não tem o condão de estabelecer a guarda da menor ao seu genitor, nem muito menos constitui prova inequívoca e verossímil de forma a provocar a modificação da guarda da menor. AGRAVO DE INSTRUMENTO N.º 2009.3.001618-1 TJPA RELATOR: DES. CLÁUDIO A. MONTALVÃO NEVES

 

Se já está cediço o entendimento de que o Conselho Tutelar não tem poderes para realizar alterações de guarda, não há como se pensar que um documento do órgão legalize a situação, mesmo que temporariamente. 

 

5. O CONSELHO TUTELAR E A APLICAÇÃO DA MEDIDA DE PROTEÇAO PREVISTA NO ARTIGO 101, I DO ECA.

 

Dissertado acerca da inviabilidade de se utilizar o termo de entrega mediante responsabilidade nos casos de afastamento do convívio familiar, ainda que emergencial, passemos a analisar o verdadeiro propósito da Medida de proteção constante no art. 101, I da Lei Federal nº 8.069/90.

 

Conforme já demonstrado, está ramificado em diversos pontos do território nacional, o entendimento de que o Conselho Tutelar, usando a prerrogativa constante no art. 101, I da Lei Federal nº 8.069/90 pode “entregar” crianças e adolescentes a qualquer adulto responsável com o documento denominado “termo de entrega mediante compromisso”.

 

Tal entendimento encontra guarida em algumas doutrinas, como por exemplo na tese proposta pelo Defensor Público Diego Vale de Medeiros:

“Em análise ao inciso I do artigo 101, explica-se que o termo de responsabilidade assume uma medida de natureza precária, devendo ser utilizado para resguardar o referencial familiar/comunitário das crianças e adolescentes que por motivos diversos se encontram em situação de vulnerabilidade ou de risco. O(a) conselheiro(a) tutelar através de uma análise sumária e parcial da situação fática exposta, sem obedecer o procedimento do contraditório, pode fazer uso da presente medida de proteção para prevenir ameaças e/ou violações de direitos, cabendo-lhe a partir da aplicação, providenciar outras ações de acompanhamento, inclusive assumir os encaminhamentos para possível regularização da guarda de fato.

Exemplifica-se, na prática, quando criança e adolescente encontrada em situação de risco desacompanhada de pai ou responsável e através de diligencias se identifica um referencial familiar ou comunitário (tio, avô, vizinho, amigo da família etc), o(a) conselheiro(a) tutelar pode fazer uso do termo de responsabilidade para qualquer um que demonstre o vínculo familiar/comunitário, evitando-se as providencias e medidas de abrigamento.” 

 

Outro posicionamento similar é o do Especialista Giovanni Alves Borges e Silva:

 

A primeira medida de proteção que o Conselho Tutelar pode aplicar é encaminhar criança ou do adolescente aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade, conforme o art. 101, I.

 

O sujeito a quem se dirige a entrega deve ser pai, mãe ou um adulto responsável, que tenha relação de afinidade ou parentesco com a criança ou adolescente (preferencialmente) e que seja capaz de evitar a continuidade da violação a qual estava submetida à vítima que lhe fora confiada excepcionalmente. Aqui, entendemos a palavra responsável não é sinônimo de pai ou mãe, mas quer dizer um adulto de responsabilidade.  (sem grifos no original)

 

Pode-se verificar que a controvérsia paira na interpretação do disposto no final do referido inciso. Quando a Lei diz responsável, data vênia do entendimento contrario, esta se referindo ao responsável legal, ou seja, aquele definido por lei ou ordem judicial. Em nenhum momento a norma protetora menciona que o Conselho Tutelar é que define quem deva ser o responsável, muito pelo contrário, determina expressamente que questões envolvendo tal assunto é de competência exclusiva da Autoridade Judiciária conforme já demonstrado no início do texto.

Mas para isso, os Juízos da Infância e Juventude precisariam estar preparados para receber tal demanda, que é sua por determinação legal, até mesmo em plantão judiciário caso necessário, a exemplo do que já fez as magistradas titulares das Varas de Infância e Juventude da Comarca de Serra-ES, na portaria expedida definindo o fluxo de atendimento a situações de violência:

 

FLUXOGRAMA:

“O conselheiro tutelar que estiver acompanhando a criança/adolescente em situação de vulnerabilidade pessoal ou social, deverá dirigir-se ao Juizado da Infância e Juventude munido de relatório descritivo, constando informações sobre a situação que gerou o afastamento da criança/ adolescente do convício familiar, seus dados de identificação, endereço dos pais ou responsáveis e as alternativas empreendidas por parte do conselheiro tutelar responsável, para evitar o acolhimento institucional.

No Juizado, o conselheiro tutelar deverá dirigir-se à recepção (Ana Paula ou Marcelo), para ser encaminhado ao assistente social de plantão, que procederá a avaliação da situação apresentada. Constatada a necessidade de acolhimento institucional, o assistente social emitirá a Guia de Acolhimento com parecer técnico, encaminhando de imediato para apreciação e decisão do Juiz da Infância e Juventude.

Caso seja deferido o acolhimento institucional, o conselheiro tutelar deverá acompanhar a criança/adolescente até a entidade de acolhimento, munido de uma via da Guia de Acolhimento.”  

 

Tal fluxograma contribui, e muito, para uma plena redução dos números de afastamentos do convívio familiar, uma vez que, a Autoridade Judiciária, diante de uma hipótese de maus tratos, opressão ou abuso sexual, poderá determinar o afastamento do suposto agressor da moradia comum, ato que de igual modo, não compete ao Conselho Tutelar realizar, in verbis:

 

Art. 130. Verificada a hipótese de maus-tratos, opressão ou abuso sexual impostos pelos pais ou responsável, a autoridade judiciária poderá determinar, como medida cautelar, o afastamento do agressor da moradia comum.

Parágrafo único.  Da medida cautelar constará, ainda, a fixação provisória dos alimentos de que necessitem a criança ou o adolescente dependentes do agressor.

 

E nada mais justo, pois afastar uma criança de seu lar, pelo motivo da mesma ser vítima de uma agressão, é o mesmo agredi-la duas vezes.

 

Dissertado acerca da interpretação, a nosso ver equivocada, do art. 101, I da Lei Federal nº 8.069/90, resta a seguinte indagação: Em quais casos deve ser aplicada a referida medida de proteção? 

 

A resposta para o questionamento é das mais simples, basta analisar friamente o texto legal. Nos casos em que as crianças ou adolescentes se encontrem em situação de risco e desacompanhadas de seus responsáveis, deve o Conselho Tutelar fazer uso de seus poderes e determinar o encaminhamento dos mesmos de volta ao lar, o que preferencialmente deve ser feito por uma equipe técnica multiprofissional, uma vez que o Conselho Tutelar aplica medidas de proteção, requisitando seu cumprimento aos órgãos públicos (art. 136, III “a” da Lei Federal nº 8.069/90 e art. 21 da Resolução nº 139 do CONANDA).

Um exemplo clássico de situações em que tal procedimento poderia ser efetuado, é o recebimento pelo Conselho Tutelar de crianças flagradas em prática de ato infracional.

Outro exemplo pode ser encontrado no texto Guia Pratico do Conselheiro Tutelar  publicado no sítio do MPDFT:

 

“1 - Encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade:

Retornar criança ou adolescente aos seus pais ou responsável, acompanhado de documento escrito, que deverá conter as orientações do Conselho Tutelar para o seu atendimento adequado.

 Notificar pais ou responsável que deixam de cumprir os deveres de assistir, criar e educar suas crianças e adolescentes. Convocá-los à sede do Conselho Tutelar para assinar e receber termo de responsabilidade com o compromisso de doravante zelar pelo cumprimento de seus deveres.” 

 

6. CONCLUSÃO

 

Conclui-se que a primeira medida de proteção prevista no artigo 101 do ECA só pode ser efetuada quando da entrega de crianças e adolescentes para seus pais ou responsável legal e não a terceiros, mesmo que parentes, na tentativa inócua de “regularizar” uma situação fática, a qual em quaisquer circunstancias é de competência exclusiva do Poder Judiciário. 

Quando há a necessidade de se afastar infantes da companhia de seus pais, nas hipóteses de violência física ou sexual, deve o Conselheiro Tutelar ou qualquer cidadão, em interpretação a Constituição Federal fazê-lo colocando-os em local seguro e comunicando imediatamente a Autoridade Judiciária para as providencias cabíveis.

Em suma, o que se pretende com o presente artigo não é dizer que os conselheiros não podem efetuar o “resgate” de crianças e adolescentes em situação flagrante de vitimização, mas apenas dizer que a medida de proteção elencada no art. 101, I da Lei Federal nº 8.069/90 não é a via adequada para fazê-lo. 

 
 
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
 
BORGES E SILVA, Giovanni Alves, O Conselho Tutelar e o Termo de Responsabilidade. disponível em http://conselhosmaonline.blogspot.com.br/2011_05_01_archive.html Acesso em: 15 de julho de 2012.
Conselho Nacional de Justiça, Diário Eletrônico de 21/09/2011. Brasília.
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MEDEIROS, Diego Vale, II Encontro Estadual dos Defensores Públicos do Estado de São Paulo. Defensoria Pública do Estado de São Paulo. disponivel em http://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&ved=0C.... Acesso em: 15 de julho de 2012.
PEREIRA JÚNIOR, Marcus Vinícius. Garantias constitucionais e internacionais da criança e do adolescente no procedimento contencioso da medida de acolhimento institucional. Estabelecimento do procedimento legal de aplicação da medida de acolhimento. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2615, 29 ago. 2010 . Disponível em: . Acesso em: 22 jul. 2012.
RAMOS, Maria Elisabeth de Faria. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. 5ª Ed. São Paulo. Malheiros, 2002.
SILVA, Antonio Fernando do Amaral; CURY, Munir. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. 5ª Ed. São Paulo. Malheiros, 2002
SOUZA, Everaldo Sebastiao, Guia Prático do Conselheiro Tutelar. Ministério Público de Goiás. disponivel em http://www.mpdft.gov.br/portal/pdf/unidades/promotorias/pdij/Conselhos/g... Acesso em: 15 de julho de 2012.